(Revista Pergunte e Responderemos, PR 026/1960)
«Dado que se admitam fontes na redação do Gênesis e dos livros bíblicos em geral, como se pode ainda asseverar que tais livros são inspirados por Deus?»
A resposta se evidencia sem dificuldade desde que se tenha em mente o genuíno conceito de inspiração bíblica.
Como já dissemos em «P. R.» 21/1959, qu. 5, a inspiração bíblica não significa revelação, isto é: inspirando uma página da Sagrada Escritura, Deus de modo nenhum comunicava ao autor sagrado verdades que ele não tivesse aprendido na escola de seu povo e de sua época mesma.
Verificava-se apenas o seguinte: supondo o cabedal de noções religiosas ou profanas já existentes na mente do escritor, o Senhor iluminava a este de tal modo que ele percebesse, com a clareza e a certeza do próprio Deus, serem tais e tais noções previamente adquiridas os veículos fiéis da mensagem que o Senhor Deus queria transmitir aos homens;… serem tais e tais outras noções ineptas para esse fim. Em conseqüência dessa iluminação, o que o autor escreveu e consignou na Bíblia Sagrada, é dito «inspirado por Deus». Tal é o alcance da inspiração bíblica; não seria lícito dilatá-lo arbitrariamente.
Faça-se agora a aplicação de tal conceito de inspiração ao problema das fontes utilizadas na Bíblia. Tais fontes ou documentos (como, por exemplo, os códigos J, P, E, Dt no Pentateuco) podem ter sido redigidos diretamente sob a influência da inspiração bíblica ou não. No primeiro caso, não há problema. No segundo caso, acontecia o seguinte: quando o documento redigido independentemente da inspiração bíblica estava para ser utilizado pelo hagiógrafo (fosse este o redator principal de um livro bíblico, fosse apenas um autor posterior que completasse determinado livro bíblico), tal hagiógrafo recebia a iluminação de que falamos atrás: tudo que, em conseqüência desta iluminação, o autor transcrevesse de sua fonte, passava a ser a palavra do hagiógrafo ou — em outros termos — a Palavra de Deus inspirada ao hagiógrafo.
«Dando a luz da inspiração,… Deus comunicava à vontade do hagiógrafo o impulso necessário… para rejeitar ou para admitir. Desde então essa página humana tomava outra índole: fazendo-a
elementos, em sua origem primária, sumariamente… em sua existência, essa página se tornava divina, garantida por Deus, inserida no livro de Deus, por especial efeito de sua vontade» (Lagrange, L’inspiration des livres saints, em «Revue biblique» 1896, 215s).
Em conseqüência, deve-se dizer que todos os textos bíblicos são inspirados, qualquer que seja a sua origem; para se afirmar isto, basta que sejam textos canônicos, isto é, textos que integram realmente o Livro Sagrado reconhecido pela Santa Igreja.