Bioética: o embrião tem direitos?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 473/2001)

Em síntese: O Dr. Ernesto Lopes Passeri expõe características transcendentais do ser humano, que fundamentam os direitos do em­brião (autêntico ser humano em formação) à vida e a dignas condições de desenvolvimento.

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Em vista da crescente onda de notícias referentes à manipulação de embriões humanos para fins científicos e terapêuticos (o que pode gerar nova forma de escravidão), o Dr. Ernesto Lopes Passeri (CRM-RJ­52-06642-4), médico católico de grande saber e dedicação, enviou o pre­sente artigo a PR. – A Redação da nossa revista agradece vivamente ao Dr. Passeri a valiosa colaboração, redigida em defesa da vida e dos direi­tos do ser humano indefeso e manipulado.

OS DIREITOS DO EMBRIÃO

Não é possível edificar uma sabedoria das ciências da vida, uma ética ou moral sem que se tenha uma concepção prévia do que é o ho­mem, e aí, nesta questão, a filosofia e a religião têm um papel fundamen­tal.

É, também, impossível não se pronunciar sobre a própria essência do homem, sobre aquilo que torna o homem diferente dos animais, defi­nição essa que fundamentará, guiará, e condicionará nossa atuação so­bre esse ser humano desde a sua concepção e mesmo antes, na mani­pulação de suas células reprodutoras (introdução e/ou retirada de gene/ genes).

Ao estudarmos o homem, vemos que ele explicita ou manifesta duas categorias de fenômenos: fenômenos materiais, quantitativos, me­tricamente mensuráveis, e também fenômenos qualitativos (pensamen­tos, vontade) que são avaliáveis, apreciáveis, porém, impossíveis de se­rem metricamente mensuráveis.

A inteligência e a vontade, ao reconhecerem e aspirarem à perfei­ção e à felicidade do seu ser, atestam a sua imaterialidade, a sua espiri­tualidade, já que nenhum ser aspira àquilo que ultrapassa essencialmen­te a sua natureza tanto quanto um cristal não deseja pensar e um pássa­ro não sonha com a eternidade.

Daí se conclui, na criatura humana, a realidade de um corpo e uma alma espiritual; esta, a alma, sendo princípio vital daquele corpo e fonte desses fenômenos não mensuráveis.

Uma breve reflexão sobre um fato tão diário, tão penosamente comum para nós, médicos, nos obriga e nos impele a refletir sobre esta verdade absolutamente real e profunda.

Refiro-me à morte. Qual a diferença que se estabelece entre um homem que minutos antes falava, pensava, queixava-se, chorava (!) e agora um corpo inerte, um cadáver?

Certamente não foram só moléculas que se exalaram abandonando o corpo.

Vamos didaticamente reduzir o tempo: dissemos minutos, falemos porém em segundos e, novamente, falemos em centésimos ou milésimos de segundo que fazem a enorme, gigantesca diferença entre um ser pensante e um cadáver.

Que havia em um e agora falta ao outro?

Falta-lhe o princípio animador, vivificador, também princípio de unidade e integração: A ALMA. Sem a alma, deixou de haver vida humana, sem a alma não há vida humana, ou, onde houver vida humana, lá existirá uma alma como fonte e sustentação da vida.

Para muitos, entre os quais os cristãos, não apenas uma alma, mas uma alma única (indivisa – número e idêntica – tempo), espiritual e imortal.

Lá onde uma vida humana se inicia, há uma alma espiritual e imortal já plena, dirigindo e aguardando o desenvolvimento corporal somente para exteriorizar suas capacidades.

Esta alma espiritual, infundida por Deus e sede da razão e da vontade, confere ao indivíduo os elementos essenciais do ser humano, da pessoa humana; ela apenas acompanha a evolução de suas condições orgânicas para chegar à plenitude de suas manifestações.

O embrião humano se revela pela sua coordenação interna, pela continuidade e graduação do processo de desenvolvimento, que é a pessoa EM ATO, desde o momento da fecundação, evoluindo, por etapas, em virtude de um programa interno próprio, para a plenitude de seu ser integral (felicidade eterna prometida a todos).

A corporeidade humana procede e é organizada pelo princípio espiritual; o embrião em sua corporeidade já é humano. O corpo não é somente parte integrante do ser humano desde o princípio, mas é parte de sua essência. O ser humano é corporal e espiritual e o é desde o seu estado embrionário.

Afirmava o professor Jérôme Lejeune:

Todos os cientistas, já outrora, estariam de acordo em dizer que, se viessem a existir bebês de proveta, eles evidenciariam a autonomia do concepto; a proveta não possuiria nenhum título de propriedade sobre eles. Ora, dizia ele, os bebês de proveta já existem.

Dizemos agora nós: a menina Luiza Brown dos Dr. Edwards e Dr. Steptoe (1978/23 anos) e a menina Amandine do Hospital Antoine Belcere em Clamart (Paris) terão ensinado a todos que já eram Luiza e Amandine desde a sua concepção. Todos os determinantes de sua pessoa já estavam inseridos, impressos nelas. O embrião e a criança são “adultos em potencial”, mas embrião, feto ou criança, não são “seres humanos em potencial”, e o fato de não poderem reagir ou lutar não obscurece a gravidade da violação de seu direito à vida; antes, acentua a falta de nobreza em decidir e executar a sua extinção.

Ainda que esta concepção (corpo e alma) da criatura humana possa ser alcançada e fundamentar-se na leitura e análise do homem apenas à luz da reta razão, fiel à lei natural, ela evidentemente se adorna e se enriquece com elementos transcendentais da revelação cristã – O HOMEM CRIADO À IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS – e também proporciona as bases para uma CARTA DOS DIREITOS DO EMBRIÃO, já delineada em outros Centros e que procura traduzir não apenas o pensamento católico, mas também instrumentalizar a ação de todos aqueles que desejam dar UMA VOZ ao embrião, assegurando a tutela da justiça e da lei sobre seus autênticos direitos humanos.

São direitos do embrião:

O embrião tem direito a ter pais (pai e mãe), a ser fruto do amor dessas pessoas e a ser promovido à plenitude pela educação na família. Esse direito o prepara para gozar tanto de adequadas condições físicas quanto de um equilíbrio psíquico que brota da estabilidade afetiva, estruturada desde a mais tenra infância e, sabe-se hoje, desde muito precoce fase intra-uterina. Como corolário, os pais, e a mãe em particular, devem ser atendidos no que for essencial ao cuidado com o filho.

O embrião tem direito à vida e a uma vida humana desde o primeiro momento de sua concepção. Ninguém pode condená-lo a morrer, porque convenha a outras pessoas ou porque ele se constitui em peso para a sociedade ou porque isto interessa ao progresso da ciência e da técnica.

Tem o direito ao reconhecimento de sua individualidade humana. Como ser humano, dotado de um patrimônio genético que assegura sua identidade, ele é senhor de uma dignidade sem par, não podendo ser submetido ao arbítrio de outros homens, que disponham arbitrariamente de sua existência. Jamais pode ser rebaixado à condição de coisa, objeto e mercadoria.

O embrião humano tem direito a manter seu patrimônio genético Não manipulado por razões utilitárias ou meramente eficientistas. Tem, contudo, direito pleno à saúde, também entendida no sentido amplo de prevenção de enfermidades que, nesse período, podem ter maior repercussão, mediante procedimentos que o livrem, quando possível, das taras de uma herança defeituosa.

Esses direitos humanos do embrião proíbem moralmente não só o aborto, mas tornam reprováveis todas as práticas de manipulação descompromissada com a vida, ou com a individualidade ou integridade desse embrião, tais como congelamento de embriões, sua destruição, fertilização in vitro, seleção de sexo, clonagem humana e tantas quantas firam a dignidade destes minúsculos, silenciosos e impotentes seres carentes da nossa proteção e necessitados de defesa e amparo pela sociedade.

Vale a pena lutar por este milagre tão diário, mas tão admirável: o milagre da VIDA.