(Revista Pergunte e Responderemos, PR 37/1993)
Em síntese: O artigo apresenta as causas que podem tornar nulo o matrimônio sacramental. São: 1) Falhas no consentimento matrimonial; 2) impedimentos dirimentes e 3) falta de forma canônica. A Igreja anula uniões sacramentais validamente contraídas e consumadas, mas pode, após processo meticuloso, reconhecer que nunca houve casamento, mesmo nos casos em que todos o tinham como válido.
A atual legislação da igreja leva muito em conta as capacidades e limitações psíquicas dos nubentes para contrair obrigações matrimoniais vitalícias. Não basta analisar o comportamento externo de alguém para o definir; é preciso reconhecer que muitos atos das pessoas são irresponsáveis, semiconscientes e inexpressivos, porque no foro interno faltam o senso de responsabilidade, a maturidade ou a liberdade necessárias para que o ato tenha valor plenamente humano e jurídico
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São cada vez mais freqüentes os casos de matrimônio fracassado. Se tal foi validamente contraído na Igreja, não há como o dissolver, pois, segundo a lei de Cristo, não há divórcio; cf. Mc 10,1ls; Lc 16,18; Mt lCor 7,10. Pode acontecer, porém, que o vínculo matrimonial nunca tenha existido, pois terá havido um vício que terá tornado nulo o consentimento dos noivos. Em tais casos, a Igreja pode instaurar um processo para averiguar a nulidade do matrimônio; se esta é comprovada, a Igreja declara nulo o casamento[1]. Nem todas as pessoas interessadas estão esclarecidas a respeito. Por isto sofrem o fracasso de um “matrimônio” que talvez nunca tenha existido. Daí a importância de oferecermos aos nossos leitores uma explanação das normas do Direito Canônico relativas à validade e à nulidade do casamento. Já em PR 203/1987, pp. 338-357 foi o assunto abordado. Voltamos ao mesmo, acrescentando-lhe um ou outro traço novo.
1. O CONCEITO DE MATRIMONIO SACRAMENTAL
O Código de Direito Canônico, cânon 1055, baseando-se na Constituição Gaudium et Spes, n9 48, do Concílio do Vaticano II, assim define o matrimônio:
“Cânon 1055 – § 1° A aliança matrimonial, pela qual o homem e a mulher constituem entre si uma comunhão de vida toda, é ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole, e foi elevada, entre os batizados, à dignidade de sacramento.
§ 2° Portanto, entre batizados não pode haver contrato matrimonial válido que não seja, ao mesmo tempo, sacramento“.
Como se vê, o cânon define o matrimônio como aliança (ou como contrato), pela qual duas pessoas se dão totalmente uma à outra, a fim de se ajudarem mutuamente a atingir as finalidades que o Senhor lhes assinalou, Dessa mútua complementação nasce a prole, expressão do amor recíproco de esposo e esposa.
Notamos que, conforme o cânon, o matrimônio é uma instituição natural, pré-cristã, que por Cristo foi elevada a um plano superior, sacramental, realizando uma miniatura da união de Cristo com a sua Igreja. Isto quer dizer que as propriedades da união matrimonial – monogamia e indissolubilidade – não vigoram apenas no plano sacramental, para os fiéis católicos, mas decorrem da própria índole natural do matrimônio. Uma doação total, por ser total, não pode ser retalhada entre um homem e várias mulheres (ou uma mulher e vários homens), nem admite condições (“eu te amarei… até o dia em que me aborreceres”).
Corroborando a lei natural, a doutrina católica ensina que o matrimônio sacramental validamente contraído e consumado (isto é, completado pela cópula sexual) só pode ser dissolvido pela morte; nunca é anulado. Pode acontecer, porém, que, apesar das aparências, nunca tenha havido matrimônio. Por quê? – Por ter faltado alguma condição essencial à validade do casamento. Essa condição essencial falta quando: 1) há falhas no consentimento dos nubentes; 2) quando o casamento é contraído apesar de impedimentos dirimentes, anulantes (mantidos ocultos); 3) quando falta a forma canônica na celebração do sacramento.
Examinemos cada qual desses títulos de nulidade.
2. NULIDADE: QUANDO?
Eis, numa visão de conjunto, os motivos pelos quais um casamento pode ser nulo:
A. Falhas de consentimento (cânones 1057 e 1095-1102)
A.1. Falta de capacidade para consentir (cânon 1095)
A.2. Ignorância (cânon 1096)
A.3. Erro (cânones 1097-1099)
A.4. Simulação (cânon 1101)
A.5. Violência ou medo (cânon 1103)
A.6. Condição não cumprida (cânon 1102)
B. Impedimentos dirimentes (cânones 1083-1094)
B.1. Idade (cânon 1083)
B.2. Impotência (cânon 1084) B.3. Vinculo (cânon 1085)
B.4. Disparidade de culto (cânon 1086, cf cânones 1 124s)
B.5. Ordem Sacra (cânon 1087)
B.6. Profissão Religiosa Perpétua (cânon 1088)
B.7. Rapto (cânon 1089)
B.8. Crime (cânon 1090)
B.9. Consangüinidade (cânon 1091)
B. 10. Afinidade (cânon 1092
B. 11. Honestidade pública (cânon 1093)
B. 12. Parentesco legal por adoção (cânon 1094)
C. Falta de forma canônica na celebração do matrimônio (cânones 1108-1123)
Há, pois, dezenove títulos que possam tornar nulo um casamento no ato mesmo de ser contraído. Percorramo-los atentamente.
3. FALHAS DE CONSENTIMENTO (CANONES 1057 e 1095-1102)
Para contrair matrimônio validamente, os nubentes devem consentir livremente em unir suas pessoas numa comunhão de vida definitiva irrevogável:
“Cânon 1057 – § 1° O matrimônio é produzido pelo consentimento legitimamente manifestado entre pessoas juridicamente hábeis,- esse consentimento não pode ser suprido por nenhum poder humano.
§ 2° O consentimento matrimonial é o ato de vontade pelo qual o homem e a mulher, por aliança irrevogável, se entregam e se recebem mutuamente para constituir matrimônio”.
0 consentimento matrimonial assim exigido pode ser impedido ou impossibilitado por
3.1. Falta de capacidade para consentir (cânon 1095)
Escolher um(a) consorte, comprometer-se a levar todo o resto da vida com ele(a) na mais estrita intimidade é, sem dúvida, uma das decisões mais importantes que um homem ou uma mulher possam tomar. Por isto tal ato, para que seja válido, exige que a pessoa contraente tenha consciência das obrigações que assume e se decida com plena liberdade. Eis por que reza o cânon 1095:
“Cânon 1095 – São incapazes de contrair matrimônio:
1° os que não têm suficiente uso da razão;
2° os que têm grave falta de discrição de juízo a respeito dos direitos e obrigações essenciais do matrimônio, que se devem mutuamente dar e receber;
3° os que não são capazes de assumir as obrigações essenciais do matrimônio por causas de natureza psíquica“.
Examinemos de perto este texto:
“§ 1° … os que não têm suficiente uso da razão“. Este parágrafo não se refere apenas às crianças e aos doentes mentais, mas a todos aqueles que, por um motivo ou outro, não gozem do pleno uso de suas faculdades no momento em que exprimem seu consentimento, por estarem perturbados por um trauma psíquico ou por se acharem sob a ação de drogas ou em estado de embriaguez. Na verdade, tais observações não são novas, mas hoje encontram mais vasta área de aplicação do que outrora, porque a psiquiatria melhor conhece as anomalias mentais, sua evolução e seus efeitos. Outrora julgava-se suficiente que a pessoa tivesse parecido estar lúcida no momento das núpcias, mesmo se antes tivesse dado sinais de alienação mental. Atualmente, porém, sabe-se que certas moléstias psíquicas, como a esquizofrenia, podem estar incubadas por muito tempo antes de se declarar; os familiares mesmos podem não o perceber, mas a doença já existe e está atuante. Em outros casos, as moléstias se manifestam em ritmo intermitente, podendo o paciente parecer normal quando a doença está latente; os acompanhantes o têm por curado ou sadio, apesar de estar sob o influxo da moléstia. Conta-se o caso, por exemplo, de um rapaz que julgava ser o Messias, mas, por efeito de prudência ditada pelo seu subconsciente, jamais o disse à sua noiva. Ora dois dias após as núpcias, certo de que a esposa não o abandonaria, teve grave crise de ‘delírio místico’!
Além do uso da razão, requer-se que os nubentes tenham maturidade intelectual e afetiva proporcional à decisão que vão tomar. Daí prosseguir o cânon 1095:
“§ 2° São incapazes… os que têm grave falta de discernimento a respeito dos direitos e das obrigações essenciais do matrimônio, que se devem dar e receber mutuamente”.
O discernimento implica
– o suficiente conhecimento das obrigações que o(a) nubente contrai,… conhecimento que não seja abstrato, mas aplicado à vida e às circunstancias concretas do sujeito;
– “saber que o matrimônio é um consórcio permanente entre homem e mulher, ordenado à procriação da prole por meio de alguma cooperação sexual” (cânon 1096); “cooperação sexual” é expressão rica, que não inclui necessariamente o conhecimento de todos os pormenores do processo fisiológico da reprodução;
– ter consciência de que, entre os deveres conjugais, está a obrigação de comunhão de vida entre os cônjuges, com as exigências que isto implica; “amar não é querer o outro construído, mas é querer construir o outro”, diz-se popularmente.
O discernimento supõe que o noivo ou a noiva, tendo ultrapassado a idade mental da adolescência, tenha adquirido a estabilidade necessária para se comprometer de modo irrevogável – o que implica autonomia em relação aos genitores (independência frente a pai e mãe), como também autodomínio para dispor de sua pessoa e entregá-la ao(à) consorte de sua vida.
A falta de discernimento pode provir de causas várias: imaturidade afetiva, retardo intelectual, o hábito da volubilidade, da instabilidade, do provisório, do “descartável” (tão incutido pelos meios de comunicação social). Acontece que pessoas dotadas de bom quociente intelectual e habitualmente equilibradas experimentem, nas proximidades do casamento, uma fase de perturbação que não lhes permita pronunciar-se de maneira livre e refletida. Tal foi o caso de uma jovem, bastante sensata e ponderada, que hesitava seriamente entre o noivo que seus pais lhe impingiam, e o rapaz que ela amava realmente; dois dias antes do casamento, foi procurar um psiquiatra, pois já não sabia como proceder; faltava-lhe o discernimento. Claro está que quem se acha assim perturbado, não tem condições de assumir um compromisso para o resto da vida.
“§ 3°. Ineptos… os que não são capazes de assumir as obrigações essenciais do matrimônio, por causas de natureza psíquica”.
Supõem-se, neste caso, pessoas que tenham o discernimento necessário, mas sofram de um desvio de personalidade que as impede de sustentar a comunhão matrimonial. É o que acontece com homossexuais, mesmo quando capazes de procriar; não lhes é possível viver uma vida conjugal normal, pois dificilmente escapam à atração por um parceiro fora do lar. É o que acontece também com mulheres lésbicas e com linfomaníacas (mulheres que tendem patologicamente ao abuso do coito). É o que ocorre outrossim com pessoas muito ciumentas, visto que se torna muito difícil a um(a) consorte viver com alguém que repete várias vezes por dia, sem fundamento: “Estou certo(a) de que tu me enganas”.
Incluem-se ainda sob o mesmo título de incapacitação os estados obsessivos, que resultam de idéias fixas, neuroses e outras perturbações mentais.
O cânon 1095, que trata da falta de capacidade para consentir, é o mais evocado atualmente nos processos de declaração de nulidade. Toca em pontos nevrálgicos, que, sem dúvida, merecem consideração, mas que estão sujeitos a interpretações, por vezes, laxas demais. Na verdade, é difícil dizer qual o limite entre maturidade e imaturidade afetiva, entre capacitação para comunhão de vida e incapacidade… Em não poucos casos, os tribunais eclesiásticos têm que recorrer a peritos em psicologia – o que não exclui certa margem de subjetivismo ao julgar. Por isto a Santa Sé tem recomendado prudência na aplicação do cânon 1095.
3.2. Ignorância (cânon 1096)
Suponhamos que alguém tenha plena capacidade para dar consentimento matrimonial válido. Poderá acontecer, porém, que ignore os pontos essenciais do compromisso conjugal. Reza o cânon 1096:
“Cânon 1096 – § 1. Para que possa haver consentimento matrimonial, é necessário que os contraentes não ignorem, pelo menos, que o matrimônio e um consórcio permanente entre homem e mulher, ordenado à procriação da prole por meio de alguma cooperação sexual.
§ 2° Essa ignorância não se presume depois da puberdade”.
Este cânon exige que os nubentes saibam, ao menos, que o matrimônio é
– um consórcio, ou seja, uma comunidade de vida e interesses…
– permanente, isto é, estável…
– entre um homem e uma mulher, isto é, tal que exclui uniões paralelas (ainda que transitórias) e requer necessariamente pessoas de sexo diverso;
– … ordenado à procriação, embora esta nem sempre aconteça de fato;
– … por meio de alguma cooperação sexual, sem que os contraentes conheçam necessariamente todos os pormenores do processo fisiológico da reprodução. Presume-se que, após a puberdade, rapazes e moças conheçam as noções fundamentais de tal processo (cânon 1096 § 29).
3.3. Erro (cânones 1097 e 1099)
O erro distingue-se da ignorância, pois esta significa ausência de noções, ao passo que o erro implica presença de noções não verídicas ou falsas. Ora pode-se conceber que os nubentes tenham concepções errôneas no tocante ao que assumem. Verdade é que nem todas as concepções errôneas invalidam o matrimônio: as mais graves o tornam nulo, pois quem dá seu consentimento na base de um erro decisivo, dá-o a algo que não existe; por conseguinte, não contrai matrimônio.
Quais seriam, pois, as modalidade de erro que tornam o casamento nulo?
3.3.1. Erro a respeito do próprio matrimônio (cânon 1099)
O matrimônio sacramental é uma comunhão de vida monogâmica e indissolúvel, elevada por Cristo a uma dignidade singular. Quem tem concepções falsas a propósito, incorre no que se chama “erro de direito”.
Sabemos que em nossos dias mesmo os fiéis católicos não estão bem esclarecidos a respeito, especialmente após a introdução da lei civil do divórcio. Muitos talvez se casem pensando em dissolver seu casamento, se não for feliz, a fim de contrair nova união. Pergunta-se então: há, nestes casos, autêntico consentimento matrimonial?
O problema não é de fácil solução. Para encaminhá-la, o Direito Canônico distingue entre “pensar” e “querer”. Alguém pode pensar que o casamento é rescindível, mas talvez não queira que ele seja dissolvido de fato; faz questão de que o seu casamento dure a vida inteira. Ora em tal caso o consentimento dado é válido. Eis o que diz o cânon 1099:
“Cânon 1099 – O erro a respeito da unidade, da indissolubilidade ou da dignidade sacramental do matrimônio, contanto que não determine a vontade, não vicia o consentimento matrimonial“.
Para evitar o erro de direito e os problemas daí decorrentes, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil emitiu a seguinte norma:
“Cuidem os sacerdotes de verificar se os nubentes estão dispostos a assumir a vivência do matrimônio com todas as suas exigências, inclusive a de fidelidade total, nas várias circunstâncias e situações de sua vida conjugal e familiar. Tais disposições dos nubentes devem explicitar-se numa declaração de que aceitam o matrimônio tal como a igreja o entende, incluindo a indissolubilidade” (Orientações Pastorais sobre o Matrimônio, n° 2.15).
3.3.2. Erro sobre a identidade da pessoa (cânon 1097 § 1°)
Reza o cânon 1097, § 1°: “O erro de pessoa torna inválido o matrimônio”.
Distingamos entre identidade física e identidade moral.
A identidade física refere-se à pessoa como tal. Tal foi o caso, narrado pela Bíblia, de Jacó, que queria esposar Raquel e que, na noite de núpcias, viu que estava com Lia (Gn 29,15-25). Este caso hoje em dia praticamente não ocorre.
A identidade moral diz respeito à personalidade. Há certos predicados que caracterizam uma personalidade bem formada. Se após o casamento um dos cônjuges verifica que o(a) consorte não é absolutamente aquela Pessoa ideal ou idealizada, terá cometido erro de pessoa? Terá contraído um matrimônio inválido?
A resposta a tais questões é muito difícil, pois muito depende da noção subjetiva que alguém tenha de consorte ideal.
Na verdade, todo ser humano está sujeito a falhas e a causar decepções; a nenhum nubente é lícito imaginar que encontrará a pessoa que ele deseja. Por conseguinte, uma certa margem de decepções é quase normal no casamento e não invalida a este. Todavia pode haver atitudes de cônjuge posteriores ao casamento que revelem uma personalidade fundamentalmente diferente daquela que o outro cônjuge quis abraçar; caso essa diferença seja realmente básica ou fundamental, pode-se dizer, segundo o Pe. Hortal, que houve erro de pessoa, erro que tornou nulo o casamento.[2] Deve-se reconhecer que é difícil definir os limites entre predicados básicos e predicados não básicos, no caso. Deve-se também notar que as pequenas decepções inerentes à vida conjugal não são algo de extraordinário ou desconcertante na vida de um cristão, visto que este, em qualquer vocação,é sempre chamado a seguir o Cristo portador de sua Cruz em demanda da vida plena ou da ressurreição. Exemplo de erro de personalidade ocorreu na França logo após a segunda guerra mundial (1939-1945). Uma jovem de excelente família, conheceu um rapaz que passava por Oficial do Exército, herói da resistência aos nazistas e Cavaleiro da Legião de Honra. Casaram-se entre si. Todavia pouco depois das núpcias a esposa descobriu que o “herói” da Legião de Honra não era senão um foragido dos cárceres. O processo terminou com a declaração de nulidade de tal casamento, pois realmente um réu procurado pela Polícia não é a mesma pessoa moral que um honesto e brilhante Oficial do Exército.
Mais difícil é o julgamento quando se trata não de erro de pessoa (ou personalidade), mas de erro sobre as qualidades da pessoa. Daí o cânon 1097 §2°
3.3.3. Erro sobre as qualidades da pessoa (cânon 1097 § 2°)
Eis o texto em pauta:
“O erro de qualidade da pessoa, embora seja causa do contrato, não torna nulo o matrimônio, salvo se essa qualidade for direta e principalmente visada” (cânon 1097 § 2°).
O caso é assaz complexo. Trata-se de determinar o limite entre uma simples qualidade, que não muda a personalidade, e a própria personalidade.
Eis um exemplo:
Uma jovem esposa exclamou: “Esposei Tibúrcio, que eu julgava portador de todas as prendas. Infelizmente estou frustrada. Ele não me dá atenção; deixa-me sozinha aos domingos para ir à pesca ou jogar futebol”.
Tibúrcio, por sua vez, alega:
“Mariana não sabe pôr ordem em casa. Gasta dinheiro à toa, não tem interesse pelas crianças”.
Pode-se dizer que houve então erro sobre qualidades das pessoas tomadas em casamento? – Somente o contato direto com os dois esposos pode ajudar a responder. Afinal de contas, qual das qualidades visadas, mas não encontradas na vida conjugal, tornou nulo o matrimônio? Onde está o limite entre falhas humanas previsíveis e aceitáveis, e falhas inaceitáveis, que permitem dizer que houve erro sobre as qualidades da pessoa? O Código de Direito Canônico, no cânon citado, ensina que o erro sobre qualidades não invalida o casamento a não ser que se trate de qualidade direta e principalmente visada, ou seja, qualidade que o(a) consorte fazia muita questão de encontrar no(a) parceiro(a).
3.3.4. 0 erro doloso (cânon 1098)
Chama-se dolo o erro cometido por fraude ou má fé do(a) pretendente, ciente de que, se não enganar, não conseguirá casar-se. A propósito reza
13 cânon 1098:
“Quem contrai matrimônio, enganado por dolo perpetrado para obter o consentimento matrimonial, a respeito de alguma qualidade da outra parte, qualidade que, por sua natureza, possa perturbar gravemente o consórcio da vida conjugal, contrai-o indevidamente”.
É capital para o bom êxito de um casamento que haja boa fé e transparência de um cônjuge para outro. Quando, porém, isto não se verifica, mas um dos cônjuges quis deliberadamente induzir o(a) consorte ao erro para poder casar-se, tal matrimônio é nulo. É o que se dá quando o rapaz aparenta ser sadio, mas na verdade sofre de AIDS e não o diz, ou quando a noiva esconde ao futuro esposo o fato de que lhe amputaram os ovários de modo que não pode ter filhos.
3.4. Simulação (cânon 1101)
Eis o teor do cânon 1101:
“Presume-se que o consentimento interno está em conformidade com as palavras ou os sinais empregados na celebração do matrimônio” (§ 1°)
“Contudo, se uma das partes ou ambas, por ato positivo de vontade excluem o próprio matrimônio, algum elemento essencial do matrimônio ou alguma propriedade essencial, contraem invalidamente” (§ 2°)
Um princípio geral do Direito leva a supor que as pessoas dizem a verdade, enquanto não se pode provar o contrário; daí o § 1° do cânon 1101.
Existe, porém, a mentira… mentira ocorrente no próprio ato do casamento; é chamada simulação. Esta pode ser total ou parcial.
É total quando um dos contraentes, embora profira com os lábios o seu consentimento, recusa interiormente o seu Sim. Isto pode acontecer quando se obriga um rapaz a casar-se, à revelia sua, com a moça que ele fez engravidar, ou quando uma moça é constrangida por terceiros a casar-se com um play-boy que só pensa em divertir-se e nada quer levar a sério.
A simulação é parcial quando um dos parceiros aceita, sim, o casamento, mas recusa uma das propriedades essenciais do matrimônio: a monogamia, a indissolubilidade e a abertura para a procriação. É nulo, portanto, o casamento quando alguém declara, no ato de casar-se, que aceita a indissolubilidade, mas na verdade quer poder usar do divórcio (não basta que o nubente pense que o casamento é solúvel; é preciso que queira usar do divórcio, para que o casamento seja nulo). Também é nulo o casamento de quem, de antemão, rejeita ter filhos, embora declare o contrário ao casar-se.
3.5. Violência ou medo (cânon 1103)
O consentimento matrimonial há de ser expresso com liberdade ou sem constrangimento (nem interior nem exterior). Daí o cânon 1103:
“É inválido o matrimônio contraído por violência ou por medo grave proveniente de causa externa, ainda que não dirigido para extorquir o consentimento, e quando, para dele se livrar, alguém se veja obrigado a contrair o matrimônio”.
Observemos a respeito:
1) O mal que a pessoa receia, se não aceitar o casamento, deve ser grave. A gravidade pode ser avaliada subjetivamente: o mesmo mal pode ser tido como grave por certas pessoas, e como leve por outras. Basta, porém, que haja gravidade subjetiva ou relativa.
2) O medo há de ser incutido por causa extrínseca (ameaça de morte, de denúncia, de vingança…). Não seja fruto da imaginação de quem se casa. Não é necessário que o medo ou a violência visem diretamente ao consentimento matrimonial, mas basta que o(a) nubente, pressionado(a) por uma situação embaraçosa qualquer, julgue não ter outra saída senão o casamento.
Chama-nos a atenção ainda o medo reverencial ou o receio de desagradar a pai ou mãe, caso o(a) filho(a) recuse determinado casamento. Tal medo é geralmente leve, mas pode tornar-se grave, especialmente quando a moça ouve seu pai repetir-lhe constantemente: “Esqueces tudo o que fiz por ti: Tu me farás morrer de tristeza!”.
3.6. Condição não cumprida (cânon 1102)
Eis outra fonte de falhas de consentimento. Imaginemos que alguém faça o seu consentimento depender de uma determinada condição, que acaba por não se cumprir: da parte do rapaz, por exemplo, seria a exigência de que a consorte seja virgem; da parte da moça, a condição de que o noivo não tenha tido outra mulher na sua vida. Se, após o casamento, a comparte interessada verifica que a condição não se realizou, esteja certa de que o casamento foi nulo.
Não é desejável que se coloquem tais condições antes do casamento. Por isto o Código prescreve que, para colocá-las, os nubentes precisam da licença prévia da autoridade eclesiástica. – É diverso o caso aqui mencionado do caso da simulação: neste existe má fé ou o desejo de enganar, ao passo que, no caso de condição, pode a comparte silenciar um ou outro traço de seu passado simplesmente de boa fé ou porque não lhe ocorreu abordar tal assunto.
Eis o teor do cânon 1102:
“§ 1. Não se pode contrair validamente o matrimônio sob condição de futuro[3] .
§ 2. O matrimônio contraído sob condição de passado ou de presente é válido ou não, conforme exista ou não aquilo que é objeto da condição.
§ 3. Todavia a condição mencionada no § 2 não pode licitamente ser colocada sem a licença escrita do Ordinário local”.
4. IMPEDIMENTOS DIRIMENTES (CANONES 1083-94)’
A Igreja, como também o Direito Civil, estipula certas normas que restringem o direito ao casamento em doze casos, todos eles graves, tendo em vista o próprio bem dos interessados e da sociedade em geral.
Tais impedimentos já foram comentados em PR 303/1987, pp. 349-357. Limitamo-nos aqui a enunciá-los, acrescentando-lhes ocasionalmente algum comentário.
1) A idade mínima para a validade de um casamento sacramental é 14 anos para as moças e 16 anos para os rapazes. Os Bispos podem dispensar dessa condição, mas rarissimamente o fazem. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil exige dois anos mais para os casamentos no Brasil, ou seja, 16 e 18 anos respectivamente; todavia esta exigência incide sobre a liceidade, não sobre a validade do casamento.[4] Cf. cânon 1083.
2) A impotência (ou incapacidade de praticar a cópula conjugal) anterior ao casamento e perpétua, absoluta ou relativa, é impedimento dirimente.[5] Cf. cânon 1084.
3) É impedimento dirimente o vínculo de um matrimônio validamente contraído, mesmo que não consumado. Cf. cânon 1085.
4) A disparidade do culto também é causa de nulidade de casamento, desde que a parte católica não tenha obtido dispensa do impedimento. Com outras palavras: é inválido o casamento entre um católico e uma pessoa não batizada, se a parte católica não pede dispensa do impedimento. Esta pode ser concedida pelos Bispos desde que
– a parte católica declare estar disposta a afastar os perigos de abandono da fé e prometa fazer tudo para que a prole seja batizada e educada na igreja Católica;
– a parte não católica seja informada desse compromisso;
– ambas as partes sejam instruídas a respeito dos fins e propriedades essenciais do matrimônio, que nenhum dos contraentes pode excluir.
A propósito convém dizer algo sobre o impedimento de mista religião, ou seja, sobre o casamento de um católico com uma pessoa batizada fora do Catolicismo (protestante ou ortodoxa). Tal impedimento não é dirimente, isto é, não invalida o casamento, mas torna-o ilícito; cf. cânon 1124. A parte católica pode contrair tal matrimônio válida e licitamente desde que obtenha a dispensa do respectivo Bispo mediante as três condições atrás mencionadas para o caso da disparidade de culto.
5) É impedimento dirimente para o matrimônio sacramental a ordenação diaconal, presbiteral ou episcopal. Cf. cânon 1087.
6) Também é tal a profissão religiosa perpétua. Cf. cânon 1088
7) Rapto; cf. cânon 1089. Uma mulher levada pela força não se pode casar validamente com quem a está violentando dessa maneira.
8) Crime; cf. cânon 1090. Os que matam seu ou sua consorte, para facilitar um casamento posterior, estão impedidos de realizar validamente esse casamento. Da mesma forma, se um homem e uma mulher, de comum acordo, matam o esposo ou a esposa de um deles, não se podem casar validamente entre si.
9) Consangüinidade; cf. cânon 1091. Não há dispensa na linha vertical (pai com filha, avó com neto…); na linha horizontal, o impedimento (dispensável) vai até o quarto grau, isto é, atinge tio e sobrinha e primos irmãos.
10) Afinidade na linha vertical; cf. cânon 1092. Não há matrimônio válido entre o marido e as consangüíneas da esposa e entre a esposa e os consangüíneos do marido, suposta a viuvez previamente ocorrida. Na linha horizontal não há impedimento: um viúvo pode casar-se com uma irmã (solteira) de sua falecida esposa.
11) Honestidade pública; cf. cânon 1093. Quem vive uma união ilegítima, está impedido de se casar com os filhos ou os pais de companheiro (a).
12) Parentesco legal; cf. cânon 1094. Não é permitido o casamento entre o adotante e o adotado ou entre um destes e os parentes mais próximos do outro. Este impedimento como outros desta lista, podem ser dispensados por dispensa emanada da autoridade diocesana.
5. FALTA DE FORMA CANÔNICA NA CELEBRAÇÃO DO
MATRIMÔNIO (CANONES 1108-23)
“Forma canônica” é o conjunto de elementos exigidos para a celebração ritual do casamento. Requer-se, com efeito, que a cerimônia se realize perante o pároco do lugar e, pelo menos, duas testemunhas (padrinhos). O pároco pode delegar a sua atribuição a outro sacerdote, a um diácono ou, em algumas dioceses do Brasil que gozam de especial licença da Santa Sé, também a certos leigos.
A forma canônica só obriga os católicos. Basta, porém, que um dos noivos seja católico para que a forma canônica seja obrigatória, isto é, para que o casamento deva ser celebrado na Igreja Católica sob pena de nulidade.
Pode haver dispensa da forma canônica. O Bispo tem a faculdade de concedê-la quando se trata de um casamento entre um católico e um não católico, especialmente se é um cristão batizado no Protestantismo ou na ortodoxia. Em tais casos, porém, o prelado determina qual outra cerimônia (civil ou religiosa) substitui a católica.
Além disto, há casos em que não é possível encontrar, sem demora, um padre credenciado para assistir ao casamento sacramental; é o que acontece em territórios de missão, por exemplo, pelos quais só algumas vezes ao ano passa um missionário. O próprio Direito Canônico prevê, para esses casos, a dispensa da forma canônica nos seguintes termos:
“Cânon 1116 – § 1. Se não é possível, sem grave incômodo, ter o assistente competente de acordo com o direito, ou não sendo possível ir a ele, os que pretendem contrair verdadeiro matrimônio podem contraí-lo válida e licitamente só perante as testemunhas:
1° em perigo de morte;
2° fora do perigo de morte, contanto que prudentemente se preveja que esse estado de coisas vai durar por um mês.
§ 2. Em ambos os casos, se houver outro sacerdote ou diácono que possa estar presente, deve ser chamado, e ele deve estar presente à celebração do matrimônio, juntamente com as testemunhas, salva a validade do matrimônio só perante as testemunhas’
6. DISPENSA DO CASAMENTO (VINCULO NATURAL)
Até o presente momento tratamos da verificação de nulidade de certos casamentos; desde que esta conste, após o devido exame, a Igreja reconhece publicamente a nulidade e considera solteiras as duas partes interessadas.
Há, porém, casos em que o matrimônio validamente contraído no plano natural é dissolvido pela Igreja em favor de um matrimônio sacramental. Examinemo-los. Com outras palavras: a Igreja não tem o poder de dissolver um casamento sacramental validamente contraído e consumado. Quando, porém, o matrimônio não é sacramental (é sustentado pelo vínculo natural apenas), a Igreja, em casos raros, pode dissolvê-lo e da fé ou de uma vivência matrimonial sacramental.
6.1. O Privilégio Paulino (cânon 1143-47)
Em 1Cor 7,15 São Paulo considera o caso de dois pagãos unidos pelo vínculo natural; se um deles se converte à fé católica e o(a) consorte pagã(o) lhe torna difícil a vida conjugal, o Apóstolo autoriza a parte católica a separar-se para contrair novas núpcias, contanto que o faça com um irmão ou uma irmã na fé. Antes, porém, da separação, é necessário interpelar a parte não batizada, perguntando-lhe se quer receber o Batismo ou se, pelo menos, aceita coabitar pacificamente com a parte batizada, sem ofensa ao Criador. Isto se explica pelo fato de que, para o fiel católico, ;o matrimônio sacramental é obrigatório: ou ele o contrai com o cônjuge ou, se este não o propicia, contrai-o com uma pessoa católica. Cf. cânones 1143-47.
6.2. O Privilégio Petrino (privilégio da fé); cf. cânones 1148-1150
O privilégio da fé é como que uma extensão do anterior. Como dito, a Igreja não pode dissolver um casamento sacramental validamente contraído e consumado. Há, porém, uniões matrimoniais não sacramentais entre pessoas não batizadas. Suponhamos que alguma dessas uniões fracasse: em conseqüência, uma das duas partes (convertida ao Catolicismo ou não) quer contrair novas núpcias com uma pessoa católica, habilitada a receber o sacramento do matrimônio. Esta pessoa católica pode então recorrer a Santa Sé e pedir a dissolução do vínculo natural do(a) seu (sua) pretendente, assim como a eventual dispensa do impedimento de disparidade de culto (caso se trate de um judeu, um muçulmano, um budista…); realiza-se então a cerimônia do casamento católico. Está claro, porém, que os cônjuges que se separam, deverão prover à subsistência e à educação (católica, se possível) dos respectivos filhos.
O privilégio petrino ou da fé tem especial aplicação nos países que vigora a poligamia. Se o homem não batizado que tenha simultaneamente várias esposas não batizadas, receber o Batismo na igreja Católica, poderá escolher a mulher que preferir, e deverá casar-se com ela na Igreja (observadas as prescrições relativas a matrimônios de disparidade de culto, se for o caso). O mesmo vale para a mulher não batizada que tenha simultaneamente vários maridos não batizados. É evidente, porém, que o homem que se converte, tem que prover às necessidades das esposa afastadas, segundo as normas da justiça e da caridade; cf. cânon 1148.
Diz-se que a dissolução do vínculo natural em favor de um casamento sacramental se faz para o bem da fé (in bonum fidei), isto é, para permitir que ao menos um dos cônjuges (a parte católica) se possa casar de acordo com a sua fé ou na Igreja.
7. DISSOLUÇÃO DO MATRIMÔNIO NÃO CONSUMADO (CANON 1142)
Diz o cânon 1142:
“O matrimônio não consumado entre batizados ou entre uma parte batizada e outra não batizada pode ser dissolvido pelo Romano Pontífice por justa causa, a pedido de ambas as partes ou de uma delas, mesmo que a outra se oponha”.
Este caso pode ocorrer; todavia não é fácil comprovar que não houve consumação carnal do matrimônio. O cânon n° 1061 observa que a consumação do matrimônio deve ser praticada humano modo, isto é, de modo livre e normal; na hipótese contrária, não se pode falar de consumação. A exigência de modo humano é muito oportuna, pois exclui os casos de inseminação artificial (mesmo que desta nasça uma criança); exclui também os casos em que a esposa é constrangida ou colhida num momento de transtorno mental provisório. Outrora julgava-se que o matrimônio estaria consumado e feito indissolúvel mesmo que a esposa, recusando por medo iniciar a vida sexual, fosse violentada.
Como se vê, a temática matrimônio é muito complexa. O que há de novo na legislação da Igreja datada de 1983, é a compreensão mais apurada do psiquismo humano e das suas potencialidades, como também dos seus limites. Este fator é importantíssimo, pois não se pode julgar o comportamento de alguém unicamente pelo seu foro externo. É decisivo o
foro interno, que nem sempre transparece. Em conseqüência, verifica-se que muitos matrimônios outrora tidos como válidos hoje podem ser considerados nulos, porque faltaram ao(s) nubente(s) as condições psicológicas Para contrair as obrigações matrimoniais.
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NOTAS:
[1] Notemos a diferença entre declarar nulo e anular. Anular significa desfazer, destruir o vínculo matrimonial, ao passo que declarar nulo implica averiguar e tornar público o fato de que nunca houve vínculo matrimonial.
[2] Tal é a opinião que o Pe. Jesus Hortal, S.J. emite em caráter estritamente pessoal (o que quer dizer que o assunto não é claro e permite sentença contraditória):
“Quando a personalidade de um cônjuge se revela completamente diferente de como era conhecida antes do casamento, pode-se dizer que o consentimento matrimonial do cônjuge que errou, é verdadeiro? Não acabou por casar com uma pessoa inexistente, que formou em sua imaginação? Ao nosso modo de ver, nesse caso, poderia ser invocado, como causa de nulidade, o erro sobre a pessoa de que trata o cânon 1097 § 1°. O problema está em determinar o limite entre o que é apenas uma qualidade, mas que não muda fundamentalmente a personalidade, e a própria personalidade. A dificuldade, porém, não deve impedir de reconhecer que pode haver matrimônios nulos por erro sobre a personalidade do cônjuge” ) Casamentos que nunca deveriam ter existido. Uma solução pastoral, São Paulo 1987, p. 19).
[3] Isto é, condição de que isto ou aquilo venha a acontecer: por exemplo,
“o consentimento valerá se meu marido conseguir um bom emprego” ou “… se minha esposa se formar em Música“.
[4] A invalidade equivale à nulidade; torna sem efeito determinado ato. A iliceidade não torna nulo o ato, mas dele faz uma infração ou uma violação da lei (eventualmente, um pecado). Por exemplo, um roubo é ato ilícito, ilegal e pecaminoso, mas o dinheiro roubado conserva seu valor de dinheiro e serve para pagar dívidas (embora seja pagamento ilícito, porque realizado com dinheiro roubado). Uma fruta roubada é uma fruta que não me é lícito comer, mas que nem por isto deixa de alimentar a que a come.
Por “impotência” entende-se não a esterilidade, mas a incapacidade de realizar uma autêntica relação sexual. Ora a impotência anterior ao matrimônio e perpétua (incurável) torna nulo o casamento, mesmo que o outro cônjuge conheça previamente e aceite tal situação. Notemos bem: há pessoas que não são impotentes (são capazes de cópula sexual), mas são estéries (jamais o seu ato sexual poderá redundar em prole); tais indivíduos podem casar-se validamente. Não há dispensa da Igreja para esse impedimento, porque a relação sexual, realizada de modo humano, é a consumação do contrato matrimonial.
Impotência relativa é a que impede relacionamento sexual somente com alguma ou algumas pessoas. Só é impedimento para o matrimônio com tais pessoas. É indiferente a causa (física ou psíquica) donde procede a Impotência. Compete aos médicos e psiquiatras averiguar se é perpétua ou se há esperança de cura.