(Revista Pergunte e Responderemos, PR 393/1995)
Em síntese: Há quem diga que o homem não é mais do que um macaco aperfeiçoado; nada de específico e próprio haveria no homem. Eis, porém, que a observação atenta das manifestações do ser humano e do macaco dá a ver que no homem existe a faculdade de conceber o universo abstrato, formando definições, construindo linguagem sonora lógica, permitindo cálculos e progressos de civilização, cultivando o senso ético e a Religião – resultados estes que o macaco não consegue alcançar. A razão destas manifestações é a existência, no homem, de um princípio vital ou alma espiritual que transcende a matéria e por isto se exprime de maneiras que ultrapassam as capacidades da matéria.
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No artigo anterior deste fascículo, fez-se referência as páginas da revista VEJA (28/9/1994), que insinuavam ser o homem tão simplesmente o descendente do macaco. Aliás, em nossos dias registra-se forte tendência a despojar o ser humano de todos os predicados que sempre foram tidos como características exclusivamente suas. Charles Darwin (+ 1882) insinuava que o ser humano não vem a ser senão um macaco aperfeiçoado; Sigmund Freud (+ 1939) gloriava-se de haver reduzido o homem a joguete de instintos cegos, ao passo que a filosofia estruturalista decompõe o homem em elementos estruturais sem conteúdo específico; proclama assim a morte do homem, como passo conseqüente à “morte de Deus”.
Já foi dito à p.55 deste fascículo que, ao se tratar de tal assunto, urge distinguir entre corpo e alma do homem (este não é um bloco monolítico); o corpo, sendo matéria, pode ter vindo de matéria viva preexistente; ao contrário, a alma, sendo espiritual, é criada por Deus para cada ser humano no momento da fecundação do óvulo pelo espermatozóide ou, se nos referimos aos primeiros pais,… no momento em que o organismo do primata evoluído devia tornar-se sede da vida humana.
Nas páginas subseqüentes, continuaremos a estudar valores–específicos do homem, que o distinguem dos animais infra-humanos por serem expressões da alma espiritual (que os animais não possuem). Assinalaremos cinco traços, que complementarão quanto foi dito no artigo precedente.
INTELIGÊNCIA DO HOMEM E INSTINTO DO ANIMAL
1.1 Domesticação do animal e educação da criança
Há certos animais domesticados que parecem tão espertos ou “inteligentes” quanto um ser humano. Tal é o caso, por exemplo, dos macaquinhos de circo, que executam exercícios em trapézio, montam a cavalo, andam de bicicleta, tocam acordeão, fumam cigarro, comem à mesa com fidalguia, etc. Dir-se-ia que entre esses animais e um homem educado há mais afinidade do que entre um índio das selvas e um cidadão do séc. XX.
Observando de mais perto, porém, o estudioso verifica que, aquilo que o macaco executa de estupendo, ele o faz unicamente para imitar o comportamento do homem, sem perceber o significado intrínseco de seus atos (não foi em vão que os antigos deram ao macaco o nome de “simus”, isto é, simulador ou imitador). Em outros termos: a conduta do macaco se deve a mera associação de imagens e impressões; ele aprende cegamente (isto é, sem saber por que) a realizar tal gesto ou a efetuar tais e tais ações desde que seja impressionado por tal estímulo.[1] Com efeito, o animal que aprendeu alguma “arte”, nunca evoluiu nem se aperfeiçoa na execução da mesma; jamais chega ao limite máximo de suas possibilidades; ele apenas tolera a arte que lhe ensinaram, sem perceber a finalidade da mesma. Desde que se veja emancipado do seu domesticador, liberta-se dos costumes que aprendeu, ou emprega despropositadamente os instrumentos que ele antes parecia manejar com sabedoria.
Assim um macaco pode aprender a comer com a colher; desde, porém, que o homem o deixe entregue a si mesmo, tal animal usará da colher para brincar ou para qualquer outra atividade, não, porém, para comer. O macaco que toca acordeão, assim que o pode, serve-se deste instrumento como se fora um trampolim, um projétil ou um bastão para atingir determinada fruta. O símio que veste trajes humanos, não consegue deixar de comer seus próprios excrementos, apesar dos muitos castigos que lhe são infligidos.
Estes dados mais uma vez mostram que o irracional não possui a capacidade de apreender proporções ou de perceber as relações vigentes entre meio e fim ou entre causa e efeito.
A criança, ao contrário, após aprender a manejar determinado instrumento, tende a perscrutar as leis do seu funcionamento, chegando a desmontar tal objeto, a fim de se tornar consciente das causas dos respectivos efeitos. Se possível, a criatura humana, tendo percebido as relações que existem entre as diversas partes do instrumento, ainda procura aperfeiçoar a este, tornando-o mais adaptado à sua finalidade.
Em outros termos dir-se-á: o irracional vive exclusivamente no presente; utiliza, sim, conhecimentos adquiridos no passado, mas apenas na medida em que beneficiam a situação presente; não possui a capacidade de se emancipar das circunstâncias atuais para conceber de algum modo também o futuro; é isto que comunica à conduta do animal a índole prática e realista que por vezes suscita a nossa admiração. – O homem, ao invés, tende a abarcar os acontecimentos passados e presentes numa só visão de conjunto, na qual o futuro já é previsto e contemplado; ao desenrolar sucessivo dos acontecimentos o homem costuma dar uma interpretação, procurando os fios condutores ou as linhas-mestras da história; e é por essa interpretação ou por essa “filosofia” que a pessoa humana costuma, antes do mais, guiar a sua conduta; a situação concreta de determinado momento não toma então senão valor secundário.
1.2 A Percepção do Universal
Ainda duas experiências vêm ao caso para mostrar a diferença entre inteligência e instinto. Aquela apreende o invisível; este, não.
O prof. G. Révesz apresentou a macacos, crianças e homens oito caixas fechadas, das quais uma continha chocolate. Na primeira experiência colocou o chocolate na primeira caixa; na segunda experiência, deslocou-o para a segunda caixa; na terceira experiência… para a terceira caixa; assim, de cada vez, na caixa sucessiva. Ora homens e crianças dos seis, sete anos em diante descobriram sem demora a lei que regia essas experiências: importava saber que o alimento se encontrava na caixa n + 1, sendo n o número da experiência anterior. Ao contrário, os macacos, submetidos ao mesmo teste, não descobriram a lei abstrata geral (n + 1), mas de cada vez se precipitaram sobre a caixa que na experiência anterior fora “premiada”. Isto quer dizer que o animal infra-humano é incapaz de superar o concreto, material, para perceber o abstrato, universal. Donde se conclui que lhe falta a capacidade de conhecer espiritual, imaterial, ou a inteligência.
A análoga conclusão chegou o Prof. Hamilton: fez uma mesma experiência com dez indivíduos humanos (um adulto normal, um adulto deficiente, seis crianças normais de dez a cinco anos, uma criança de 26 meses, uma criança anormal de onze anos) e 27 animais (cinco macacos, dezesseis cães, cinco gatos e um cavalo). A experiência consistia em introduzir os indivíduos num recinto fechado com quatro portas. Uma destas podia abrir-se com um empurrão, ao passo que as outras estavam hermeticamente fechadas por fora. A porta que podia ser aberta com um empurrão variava de experiência para experiência, mas não de modo que pudesse ser identificado pela memória, pois as mudanças eram efetuadas segundo uma lei simples que seria preciso descobrir. – Ora também neste caso somente os indivíduos humanos sadios de mais de dois anos chegaram a perceber a lei secreta das mudanças. Aos animais o problema ficou sendo insolúvel. Isto quer dizer, mais uma vez, que os animais infra-humanos são incapazes de perceber princípios abstratos; não têm inteligência.
1.3. Desenvolvimento do macaco e da criança
0 fato de que a conduta da criancinha não se diferencia da do macaco nos seus primeiros meses, não quer dizer que o bebê não seja verdadeiro ser humano desde os seus primeiros dias, mesmo desde a concepção no seio materno. Apenas as suas faculdades intelectivas permanecem latentes em grau maior ou menor, enquanto não estão plenamente desenvolvidos o cérebro e, em geral, os sentidos, que fornecem à inteligência os elementos sobre os quais ela raciocina. A medida que o desenvolvimento se dá, a criança manifesta a presença e as qualidades do seu intelecto.
Os estudiosos têm realizado experiências muito significativas neste setor. Assim, por exemplo, o casal Kellog permitiu que seu filhinho, Donald, dos dez aos dezenove meses de idade, fosse educado ao lado de uma criazinha de macaco chamada “Gua”, a qual, no início da experiência, contava sete meses de idade. Os observadores submeteram o filhote de macaco e a criança exatamente às mesmas provas (necessidade de fazer um desvio ou um circuito para alcançar o seu alimento, subir sobre um tamborete, manejar um objeto, obedecer a uma ordem, etc.). Após minucioso confronto, verificaram que durante alguns meses Donald e Gua apresentavam semelhantes reações aos estímulos extrínsecos; respondiam aos mesmos testes com sucesso variável, mas geralmente obtendo empate final; apenas o macaco se mostrava mais hábil e ligeiro nos seus movimentos físicos, enquanto a criança manifestava mais capacidade de prestar atenção. Após determinado prazo, porém, observaram que a criança, por seus progressos, se distanciava do concorrente, de sorte a tornar vã qualquer ulterior comparação. A criança começou a falar propriamente; transpôs o limiar da linguagem, que a caracterizaria como ser humano.
Experiência semelhante à do casal Kellog foi empreendida pela cientista russa Sra. Kohts, que confrontou o comportamento de seu filho com o de seu chimpanzé a partir de um ano e meio até os quatro anos de idade. Observou que o chimpanzé aprendia, sim, certas façanhas, mas de modo mecânico e rotineiro, sem manifestar tendências a se aperfeiçoar; ao contrário, o menino demonstrava a propensão a realizar trabalho cada vez mais produtivo, ou seja, a superar continuamente os dados que aprendia. Isto é, mais uma vez, indício de que a criança estava consciente do significado ou das proporções das artes que assimilava, ao passo que o macaco não percebia tais proporções.
Assim a faculdade de falar constitui o sinal de demarcação colocado entre o reino dos irracionais e o do homem; essa demarcação é intransponível, mesmo ao mais perfeito dos viventes meramente sensitivos.
2. A LINGUAGEM HUMANA
O chimpanzé e o gorila não podem falar nem aprender a falar linguagem sonora desenvolvida, como demonstram todas as tentativas até agora realizadas. Em conseqüência, os experimentadores têm procurado ensinar aos chimpanzés e aos gorilas alguns sinais, que se assemelham aos da linguagem dos surdo-mudos. A aprendizagem surtiu efeitos, como se depreende do relatório publicado por Francine Patterson com o título Conversations with a Gorilla em National Geographic, vol. 154, october 1978, pp. 438-465. Experiências anteriores à de Francine Patterson foram levadas a termo por cientistas como R. Fouts, Gardner, Rumberger, Gill, Glaserfeld…; os resultados foram positivos… Todavia D. Ploog em 1972 verificava que, mesmo diante de tal êxito, se devem registrar profundas diferenças: a comunicação entre animais e a linguagem usada pelos homens não diferem entre si apenas por diversidade de graus de perfeição dentro da mesma pretensa linha homogênea, mas supõem estruturas físicas e psicológicas essencialmente diversas: o homem é, por sua natureza mesma, um ser dado à cultura ou pré-programado para a cultura; o mesmo não se pode dizer a respeito dos animais inferiores ao homem, que são dados a repetir e imitar o que vêem, sem poder criar algo que dependa de lógica e raciocínio.
Notemos também que os chimpanzés podem transmitir uns aos outros certos artifícios: assim na ilha japonesa Koshima, que não é habitada por seres humanos, uma fêmea de macaco descobriu certa vez que, para limpar batatas, não é necessário esfregá-las entre as mãos, mas basta mergulhá-las na água e lavá-las. Quatro anos mais tarde, a metade dos indivíduos do grupo a que pertencia tal gêmea, praticava o rito de lavar as batatas; no decorrer de dez anos, 71% dos membros do grupo haviam adotado tal costume por via de imitação. Deve-se, porém, observar que esta propagação de artifício não se deve ao desejo de educar, ensinar ou de comunicar aos semelhantes alguma novidade; ela se assemelha muito mais à difusão por contágio ou por imitação.
3. O SENSO ÉTICO
Já Charles Darwin em 1871 procurava enumerar os caracteres que distinguem o ser humano de maneira típica, permitindo assim estabelecer a linha divisória entre o homem e o animal inferior. Dizia então:
“Sem restrição, subscrevo a tese dos especialistas que afirmam que, dentre todas as diferenças existentes entre o homem e o animal inferior, o senso moral ou a consciência é a mais importante” (Die Abstammung des Menschen, p. 144).
Observações efetuadas em pessoas surdas e cegas de nascença revelaram que ao homem a consciência é inata, ou seja, anterior a qualquer experiência.
Somente o homem tem a noção do bem e do mal. Somente o homem pode tornar-se réu ou culpado. Em conseqüência, só o homem tem responsabilidade.
A responsabilidade, por sua vez, supõe liberdade de opção, faculdade esta que falta aos animais inferiores.
Não há dúvida, o animal tem uma bondade espontânea, a qual se manifesta principalmente no instinto materno; todavia não se pode dizer que essa bondade resulte de uma opção consciente. É inconsciente e indeliberada; o animal reage espontaneamente a certos estímulos como é o caso da prole ou dos filhotes. O ser humano também reage espontaneamente a tais estímulos; haja vista como as crianças gostam de brincar com bonecas, cachorrinhos, coelhinhos, etc. Todavia, à diferença dos animais, o homem é capaz de proceder contra os seus instintos; assim fazendo, ele se perverte ou… segue um ideal e cultiva valores que ele julga superiores à satisfação proporcionada pelos instintos. Só o homem pode assumir certas atitudes aparentemente paradoxais ou antitéticas aos instintos: a paciência, a misericórdia, o amor aos inimigos, a compaixão e a benevolência com os criminosos e perversos; tais virtudes estão fora do alcance dos animais, mas elas não são sobre-humanas; são, ao contrário, profunda e tipicamente humanas.
Mais: o animal não é capaz de assumir deveres ou compromissos; não se lhe podem impor normas, mesmo que se lhe imponha determinada aprendizagem. Por isto também a educação é fenômeno especificamente humano; sem educação não só o psiquismo do homem é prejudicado, mas também o próprio desenvolvimento biológico e corporal do homem sofre detrimento.
Tais ponderações evidenciam como o senso moral caracteriza o ser humano, distinguindo-o especificamente dos animais, e colocando o homem em posição singular no reino dos viventes.
4. A CAPACIDADE DE REFLETIR
Ainda ao estudar as diferenças entre o ser humano e os animais inferiores, Darwin apontava a consciência que o homem tem de si mesmo: esta é a chamada consciência psicológica, à diferença da consciência moral[2].
Quais as conseqüências deste fato?
1) Por sua consciência psicológica, o homem é capaz de refletir sobre si mesmo, sobre o seu presente, o seu passado e o futuro. Essa capacidade de refletir é característica do ser humano, pois só este é sujeito de recordação propriamente dita; com efeito, um animal pode reconhecer o seu patrão ou determinados objetos quando estes lhe são apresentados de novo; mas somente o homem pode recordar-se de pessoas ausentes e de acontecimentos já ocorridos. Visto que os animais não conseguem isto, vivem quase exclusivamente no presente como vivem os bebês.
2) É precisamente a capacidade de recordar realidades ausentes que permite a formação de conceitos universais e de uma linguagem tal como o homem possui: linguagem que exprime noções universais, como homem, criança, belo, justo, injusto…, recorrendo aos mais diversos sons (francês, russo, chinês, bantu, tupi, etc.).
3) Notemos outrossim: um ser para o qual só existe o presente imediato, não pode cultivar a história, como o homem a cultiva…
4) … Nem pode ter responsabilidades, porque não pode prever as conseqüências de determinado comportamento seu…
5) … Nem pode ter Religião como o homem tem, visto que a Religião põe o homem em contato com a transcendência ou com os valores históricos e trans-históricos. A Religião vem a ser, pois, um sinal típico e inconfundível do ser humano.
Detenhamos-nos um pouco mais sobre esta afirmação.
5. O SENSO RELIGIOSO
O senso religioso, pondo o homem em contato com valores transcendentais, exprime-se, entre outras maneiras, através da crença na vida póstuma. É por isto que, desde os remotos tempos da pré-história, o ser humano sepulta os seus mortos. Os animais irracionais, diante dos seus semelhantes exânimes, experimentam sentimentos mistos de medo, insegurança, curiosidade, intranqüilidade… Mesmo a fêmea do macaco, apesar do seu instinto materno, não se preocupa com o sepultamento do filhote falecido: após a morte deste, ela ainda procura insistentemente alimentá-lo, carrega-o para diversos lugares,… mas, logo que o cadáver entra em decomposição e as características físicas do filhote se vão extinguindo, ela abandona o cadáver em qualquer lugar e não mais se interessa por ele.
Ora entre os homens a atenção aos mortos é uma característica das mais antigas.
Os fósseis do homo erectus (devidamente identificado) encontrados na Europa e na Ásia atestam esta verdade. O homem de Neandertal, por exemplo, sepultava seus mortos na posição de quem está dormindo, com a cabeça pousada sobre uma pedra; sobre o cadáver lançava pó de ocre, que tem a cor da vida (pardo, amarelo, vermelho, castanho…); junto ao defunto colocava alimentos, armas, instrumentos diversos e figuras ornamentais, que lhe serviriam na viagem para o além… O homem de Cromagnon também adotava tais costumes. Estes atestam a fé numa vida póstuma ou numa realidade transcendente.
Chamam outrossim a atenção dos estudiosos as pinturas encontradas nas cavernas da pré-história: representam motivos da caça ou da magia. Ora todo cultivo da arte está originariamente associado à Religião: esta sempre inspirou os pintores, os poetas, os músicos…
Ora a Religião, voltada para os valores transcendentais, é certamente uma característica do espírito; ela é tão antiga quanto o homem, pois se manifesta desde a pré-história até hoje, e nunca foi cultivada pelo animal irracional. A existência, no homem, de sentimento religioso e de expressões correspondentes abre um hiato entre o ser humano e o macaco, hiato este que não foi superado ou transposto até hoje. Nem há possibilidade de superação, visto que a Religião supõe, no ser humano, a realidade do espírito ou da alma espiritual, ao passo que o princípio vital dos irracionais é meramente material. É a alma espiritual ou não material que faculta ao homem ter expressões de si que transcendem os dados concretos, materiais, a que está confinado o ser irracional. Pela religião, o homem se eleva aos valores invisíveis e ao Infinito, procurando assim a resposta às suas aspirações mais espontâneas que são aspirações à Verdade, ao Amor, à justiça, à Vida, à Felicidade sem limites. É tão somente através do caminho da Religião e da Mística que o homem encontra os verdadeiros bens para os quais foi feito e dos quais o animal irracional não tem a mais pálida noção.
A Religião é inspirada pela necessidade que o homem experimenta, de dar sentido à sua vida ou de justificar, perante a sua consciência, a sua luta, o seu trabalho, o seu sofrimento e a sua morte. Na verdade, se não existem valores transcendentais que respondem às aspirações congênitas de todo homem, a presente realidade é vazia e frustrativa; o homem se torna um absurdo, perdido em meio às coisas passageiras que o cercam. E o homem-absurdo seria uma exceção no conjunto do universo, visto que este reflete ordem e harmonia – expressões de uma Inteligência Suprema.
Em nossos dias, a Religião continua sendo um fator típico da inteligência humana. Mesmo os que se dizem ateus, cultivam o Absoluto sob formas leigas ou secularizadas; é o caso do comunismo, ao qual o judeu Karl Marx deu a estrutura de um messianismo sem Deus; o proletariado sacrificado na luta de classes seria o Messias, que, morrendo, prepararia o surto de um homem novo, morigerado e pacífico. As categorias religiosas do judaísmo foram transpostas por Karl Marx para o plano da sociologia e da política; sobrevivem, porém, no esquema de pensamento marxista. – O marxismo cultua religiosamente certos valores meramente humanos ou profanos; este esquema caricatural já não satisfaz a muitos cidadãos, que hoje em dia se afastam do marxismo e das suas pantominas para procurar a verdadeira fé e autênticas expressões religiosas. O senso religioso, inato em todo homem, vem de novo à tona apesar das tentativas de erradicação a que o marxismo o submeteu. Este fenômeno bem evidencia quanto o senso religioso é característico do ser humano. São sempre válidas as palavras de S. Agostinho (+430): “Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e inquieto é o nosso coração enquanto não repousa em Ti” (Confissões I 1).
Atraído irresistivelmente pelo Senhor Deus, o homem “ateu” de nossos dias cria suas místicas, seus “absolutos” seus deuses, suas superstições, que inadequadamente lhe fazem as vezes do único Deus.
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NOTAS:
[1] Ver a propósito o artigo de PR 387/1994, pp. 338-352 (a “inteligência” dos animais).
[2] A consciência moral é a faculdade que temos, de julgar o que convém ou não convém fazer em vista da consecução do nosso fim supremo; a consciência manda, a consciência aprova, a consciência censura nossos atos morais.