(Revista Pergunte e Responderemos, PR 372/1993)
Em síntese: Stephen Hawking, um dos maiores físicos teóricos de nossos tempos, é pessoa que perdeu grande parte das suas funções motoras, mas possui talento intelectual perfeitamente lúcido e ativo. A sua trajetória biográfica e científica foi reconstituída em filme intitulado “Breve História do Tempo’, este filme compreende relatos autobiográficos, como também a narração de reminiscências da mãe e de amigos de Stephen Hawking. Do texto do filme vão, a seguir, extraídos alguns segmentos dos mais significativos, que evidenciam como a própria moléstia foi um incentivo para que o jovem Hawking se dedicasse mais ao estudo e se tornasse o sábio que ele hoje é… Um sábio que, educado na fé cristã, atualmente parece estar alheio à religião, mas não exclui a possibilidade de descobrir os vestígios de Deus através de suas pesquisas na história do universo.
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Stephen Hawking é um dos maiores físicos teóricos da atualidade. Celebrizou-se especialmente pelo seu livro “Uma Breve História do Tempo. Do Big Bang aos Buracos Negros”. Em suas elucubrações não se furta a falar de Deus. Ultimamente o editor Errol Morris resolveu produzir um filme com o mesmo título, em que apresenta traços da vida e do pensamento do grande cientista. Desse filme alguns textos foram publicados pela revista francesa “Sciences et Avenir”, fevereiro 1993, pp. 18-20.
A figura de Stephen Hawking se impõe à consideração e à admiração de quem o conhece, porque é homem genial por sua inteligência, mas de corpo franzino e sofrido, afetado em seus nervos motores. Estes dados aparecerão melhor nos episódios seguintes, que foram recolhidos e traduzidos a partir de “Sciences et Avenir” (n° citado).
1. BIOGRAFIA E GENIALIDADE
1.1. Hawking e Galileu
“Nasci aos 8 de janeiro de 1942, trezentos anos exatamente após a morte de Galileu. É claro que não sou o único nessas condições: calculei que cerca de duzentas mil pessoas nasceram nessa mesma data. Não sei quantas dentre elas se interessaram mais tarde pela astronomia. Nasci em Oxford, se bem que naquela época meus pais morassem em Londres. Oxford era um lugar ideal para dar à luz durante a guerra: os alemães haviam aceito não bombardear Oxford e Cambridge, se os britânicos poupassem Heidelberg e Göttingen. Na medida em que me lembro, eu era um menino normal, não muito propenso a aprender mediante a leitura. Eu era principalmente interessado pela maneira como as coisas funcionavam. Quando eu tinha doze anos, um dos meus colegas apostou com um amigo, valendo uma caixa de bombons, que eu jamais chegaria a algo. Não sei se o perdedor cumpriu o que prometera por aposta; e, se o cumpriu, não sei em que sentido…”
(Stephen Hawking)
1.2. Primeiro Prêmio de Catecismo
(Isobel Hawking, mãe de Stephen)
“Durante o seu primeiro ano na Escola St. Albans, creio que Stephen pertencia ao rol dos três últimos alunos da turma. Perguntei-lhe por que estudava tão pouco, e respondeu que estava longe de ser o único. Na verdade, ele caçoava desmedidamente do estudo. Embora não fosse bom aluno, ele não deixava de ser tido como muito inteligente pelos seus professores. Em determinado ano, ele recebeu o primeiro prêmio de Catecismo, o Divinity Prize, o que não era surpreendente, pois o seu pai lhe lia os relatos bíblicos desde a adolescência. Stephen os sabia todos de cor. Era muito interessado pela religião, mas creio que hoje ele quase não a pratica”.
1.3. O problema da xícara de chá
(John Mc Clenahan, amigo de infância)
“Stephen e eu nos conhecemos quando tínhamos dez anos. Um dia levantamos uma questão: quando o seu chá está muito quente, ele esfria mais rapidamente se logo se lhe acrescenta o leite ou, ao contrário, mais vale esperar e só depois misturar-lhe o leite? Eu não conseguia equacionar o problema. Mas para Stephen isto se deu sem demora, como por iluminação. Lembro-me muito precisamente da discussão: conforme a lei de Stefan (não confundir com Stephen!), todo corpo quente difunde calor em cota proporcional à quarta potência da sua temperatura absoluta. Stephen daí concluiu que, quanto mais longamente se deixasse o chá não diluído pelo leite, tanto mais rapidamente ele esfriaria. Por conseguinte, era preciso acrescentar o leite no fim de um período de espera, e não logo de início”.
1.4. Físico á revelia
(Stephen Hawking)
“Meu pai queria que eu estudasse Medicina. Mas eu considerava a biologia muito descritiva, não bastante fundamental. Eu queria dedicar-me à Matemática. Conseqüência: entrei no curso de Física na Universidade de Oxford. Naquela época, a displicência pelo estudo estava muito em moda em Oxford. Era preciso ser brilhante sem fazer esforços. Trabalhar duro para conquistar uma menção honrosa eratotalmente desacreditado. O programa de Física fora elaborado de tal modo que se podia facilmente deixar de estudar até a época do exame final. Calculei ter estudado cerca de mil horas em três anos – o que faz uma média de uma hora diária aproximadamente. Não me sinto ufano por ter assim procedido; apenas descrevo minha atitude de então, que eu compartilhava com a maioria dos meus colegas. Estávamos penetrados pelo tédio e pelo sentimento de que nada havia que merecesse um esforço. No terceiro ano de Universidade, pedi ao Ministério da Inglaterra um cargo de funcionário público. Mas no dia previsto esqueci-me de apresentar-me para prestar exame. Não fora essa distração, sem dúvida eu teria feito carreira no funcionalismo civil”.
1.5. Aluno brilhante, mas preguiçoso
(Robert Berman, ex-professor de Stephen em Oxford)
“Quando conheci Stephen, ele ainda não tinha dezessete anos. Prestou com brilhantismo seu exame de admissão, em particular o de Física. Na solene argüição oral, à qual assistiam naquela época o Diretor dos Estudos, o professor principal, assim como outros colegas, todos perceberam imediatamente que Stephen seria um aluno excepcional; sem problema recebeu a bolsa para estudar Física. Ele foi, sem hesitação, o mais brilhante aluno que eu jamais tive. Talvez não tenha sido tão feliz nos seus exames finais quanto certos alunos que eu tive depois; acontece, porém, que estes não eram apenas inteligentes, haviam também trabalhado duramente. Stephen era realmente dotado, de modo que quase não estudava”.
1.6. O anúncio da moléstia
(Derek Powney, um colega de Oxford)
“Um dia, quando eu visitava Oxford, procurava desesperadamente alguém com quem me sentasse à mesa para almoçar, quando de repente Stephen apareceu. Ele se ofereceu generosamente para comprar as bebidas. Trouxe-as e colocou-as sobre a mesa.
Num momento em que ele ia depositar o seu copo de cerveja sobre a mesa, deixou-o cair. Eu lhe gritei que não era hora para se sujar. Mas ele me contou que passara duas semanas no Hospital, onde fora submetido a uma série de exames. Os médicos descobriram que ele estava enfermo. Ele me contou então muito tranqüilamente que estava para perder aos poucos o uso do seu corpo e que, no estágio final da doença, ele se pareceria com uma espécie de legume, ao passo que o cérebro continuaria a funcionar perfeitamente. Tornar-se-ia então incapaz de comunicar-se com o resto do mundo.
Disseram-lhe que sua doença era incurável, mas não se podia prever se morreria dentro de seis meses ou vinte anos. Fiquei totalmente arrasado – o que certamente não era reconfortante para Stephen. Eu sabia perfeita mente que ele não tinha fé e isto me parecia ainda mais terrível, porque ele devia estar sempre perguntando a si mesmo: por que eu? Mas parecia aceitar tudo sem exceção. Creio que foi a partir desse momento que começou a se dedicar seriamente ao estudo”.
1.7. A Escola da Física Teórica
(Stephen Hawking)
“A moléstia começou a se agravar rapidamente e minhas pesquisas pareciam comprometidas, pois eu julgava que não viveria até concluir o doutorado. Com o passar do tempo, o mal se estabilizou. Eu começava a compreender a teoria de Einstein e a admitir adiantar os meus trabalhos. Mas o que modificou tudo, foi meu noivado com Jane Wilde, que eu havia encontrado na época em que descobriram a minha doença. Ela me deu um por que viver. Para que eu me casasse, precisava de um emprego, e, para que conseguisse emprego, precisava de concluir o meu doutorado. Eis por que eu me pus a estudar seriamente, pela primeira vez, na vida e, para grande surpresa minha, isso me ajudou. Minha outra grande sorte era a escola de Física Teórica, área puramente cerebral, que não exige alguma proeza física”.
1.8. A Força do Espírito
(Isobel Hawking)
“Ele mesmo diz que nunca teria chegado aonde está hoje se não tivesse caído doente. Creio que a observação é verídica. Como dizia Samuel Johnson, o fato de você saber que será enforcado na próxima madrugada lhe confere um extraordinário poder de concentração. A doença certamente não é um bem, mas para Stephen é um mal menor, pois ele tem a Capacidade de viver intensamente dentro da sua cabeça. Ele acredita nas possibilidades quase infinitas do espírito humano”.
1.9. O Pensamento de Deus
(Stephen Hawiking)
“Se descobrirmos uma teoria completa a respeito da origem do universo, ela deverá ser compreensível a todas as pessoas e não apenas a um punhado de cientistas. Então todos nós, filósofos, cientistas e até gente da rua, seremos capazes de tomar parte na discussão sobre por que existe o universo e por que existimos nós. Se encontrarmos a resposta a estas perguntas, haverá o triunfo supremo da razão humana. Naquele momento conheceremos o pensamento de Deus”.
A tais dizeres acrescentemos breves comentários:
2. COMENTANDO…
Três pontos podem vir à baila após a leitura dos traços biográficos de Stephen Hawking:
2.1. Ciência e Fé
Stephen foi educado na fé cristã; mostrava grande interesse pela Religião, mesmo quando não o manifestava pelo estudo. Depois afastou-se da prática religiosa. Quando atingido pela doença, parece não ter tido fé. Esta ficava latente talvez, e tê-lo-á ajudado a manter-se intrépido. Hawking está disposto a reconhecer o pensamento de Deus, caso Este se lhe torne evidente através dos estudos. Um grande cientista pode também ser um homem de fé, como comprovam tantos nomes famosos e como o próprio Stephen Hawking admite.
2.2. A Moléstia
A moléstia, sem deixar de ser penosa, foi certamente benéfica para St. Hawking. Acuado pelo duro golpe, passou a levar os estudos a sério, coisa que talvez não tivesse feito em caso de boa saúde. Confirma-se o que já os antigos gregos diziam: Pathos mathos, o sofrimento é escola, é educação. A história conhece numerosos episódios que o ilustram. A Providência Divina dispensa os seus dons com grande sabedoria, permitindo que dos males decorram bens muito grandes.
2.3. Uma pessoa amiga
A presença de Jane Wilde no momento mais agudo da crise foi salutar para Stephen Hawking. Verifica-se mais uma vez o papel inestimável de uma pessoa amiga para levantar o ânimo de quem sofre e até provocar uma guinada na vida do enfermo; “ela me deu um por que viver”. Na verdade, as criaturas só podem dar tal presente, porque transmitem o que Deus lhes inspirou; Ele é a fonte de todo bem, de toda razão de viver.
Possa Stephen Hawking chegar ao termo de sua evolução científico-religiosa!