(Revista Pergunte e Responderemos, PR 300/1987)
Em síntese: A Congregação para os Sacramentos (Roma) publicou uma Nota, lembrando: 1) a necessidade de se levarem as crianças à primeira Confissão sacramental antes da primeira Comunhão Eucarística, pois esta prática, entre outras vantagens, tem valor pedagógico indispensável na formação do cristão; este, desde cedo, deve estimar a entrega amorosa e confiante de si mesmo à misericórdia do Senhor; 2) as condições estipuladas pelo Código de Direito Canônico para que se possa validamente ministrar a absolvição coletiva aos fiéis.
***
O sacramento da Confissão ou da Reconciliação tem suscitado sucessivos pronunciamentos da Santa Sé, que deseja preservar a identidade deste dom do Senhor e favorecer a frutuosidade do mesmo. Por isto, aos 20/12/1986 a Congregação para os Sacramentos emitiu uma Nota que aborda mais uma vez o tema, juntamente com assuntos ligados aos sacramentos da Ordem e do Matrimônio: recomenda que o sacramento da Reconciliação seja ministrado às crianças antes da primeira Comunhão, como sempre se fez, e que a absolvição coletiva não seja dada aos fiéis fora dos casos e das condições previstas pelo Código de Direito Canônico. Transcreveremos, a seguir, estas observações sobre a Penitência sacramental, acrescentando-lhes breves comentários.
1. A NOTA DA SANTA SÉ
Roma, 20 de dezembro de 1986
CONGREGATIO
PRO SACRAMENTIS
Prot. N. 1400/86
Excelência,[1]
A Congregação para os Sacramentos realizou uma “Plenária” nos dias 15, 16 e 17 de abril do corrente ano, com a participação dos Exmos. Cardeais e Exmos. Bispos que a compõem.
Os temas tratados incidiram sobre os Sacramentos da Penitência, da Ordem e do Matrimônio.
Foram os seguintes os assuntos versados, com as formulações que se lhes deram e as decisões tomadas em relação a cada um deles:
I – Considerações pastorais acerca do tempo da primeira Confissão
Foi tida presente a atual disciplina eclesiástica quanto ao tempo da primeira Confissão, confirmada pelo cân. 914 C.D.C., o qual prescreve que as crianças, que já atingiram o uso de razão, devem ser preparadas para receber a primeira Comunhão, fazendo antes a Confissão sacramental.
Fundamento de tal observância, para as crianças, não é tanto o estado de culpa em que elas possam encontrar-se quanto o objetivo formativo e pastoral; ou seja, o intuito de educá-las já desde a mais tenra idade no espírito cristão de penitência, na gradual aquisição do conhecimento e do domínio de si, no exato sentido do pecado, mesmo do pecado venial, na necessidade de pedir perdão a Deus e, sobretudo, na entrega amorosa e confiante de si mesmo à misericórdia do Senhor.
Essa educação compete principalmente aos pais, aos educadores e aos sacerdotes: todos eles devem inculcar nas crianças, mais do que o sentido de culpa, a alegria serena pelo encontro com o Pai que perdoa, o que se encontra bem expresso na forma da absolvição pronunciada pelo Sacerdote.
Os Padres da Plenária aproveitaram da ocasião deste tema para salientar quanto é necessário que se volte a descobrir o Sacramento da Penitência a todos os níveis: mentalidade dos fiéis a respeito do mesmo, condições do penitente, modo de agir do ministro e forma da celebração.
0 Santo Padre, no seu discurso de encerramento dirigido aos Membros da Plenária, deteve-se sobretudo na Penitência, tendo afirmado que a Igreja é ciosa do Sacramento do perdão e tem intenção de permanecer fiel à vontade do Senhor. Recomendou um empenho
catequético cada vez mais adequado e aprofundado, para levar os fiéis a apreciarem, a aproximarem-se com freqüência e a receberem com fruto este Sacramento.
II – Absolvição coletiva sem prévia confissão individual
Foram dadas normas explícitas a respeito disto pelo Código de Direito Canônico (Cân.s 961 e 962), pela Exortação Apostólica Reconcitiatio et Paenitentia (A.A.S. 1985, vol. LXXI I, pp. 185-275). Não obstante isso, verificam-se muitos abusos. É necessário, portanto, como evidenciaram os Padres da Plenária, ter sempre presente o caráter excepcional de tal absolvição, evitar nos fiéis a confusão entre a absolvição geral e a confissão individual, explicar-lhes o motivo pelo qual subsiste o dever de se confessar individualmente depois da absolvição geral e chamar-lhes a atenção para essa obrigação.
O Santo Padre insistiu sobre este último ponto na citada alocução e recordou que esta forma extraordinária de perdão não exime o fiel do encontro pessoal com o Senhor no Sacramento da Penitência; a Igreja, de fato, tutela o direito de cada pessoa a esta subjetividade, que não pode ficar dispersa no anonimato da massa. As Conferências Episcopais, portanto, persistam com firmeza na salvaguarda daquilo que respeita à absolvição coletiva, estabelecendo os casos de “grave necessidade” para se recorrer a esta forma de perdão, envidando esforços para que seja ministrada uma catequese exata a tal propósito e insistindo para que seja recordado aos fiéis que recebem a absolvição geral, o compromisso contraído de confessar-se individualmente, no tempo devido, daqueles pecados graves que foram absolvidos de forma coletiva (cf. cân. 962 § 1).
……………………………………………
Aproveito o ensejo para lhe renovar a expressão de estima fraterna em Cristo Senhor.
De Vossa Excelência Rev.ma
dev.mo
A. Card.Mayer
Praef.
+ L. Kada
Secretário
2. COMENTÁRIOS
2.1. Confissão das crianças
Nos últimos tempos as crianças têm sido, por vezes, levadas à primeira Comunhão sem Confissão sacramental prévia, sob a alegação de que não cometem pecado grave. Ora, como se compreende, tal prática acarreta problemas para esses cristãos, que mais dificilmente se iniciarão no sacramento da Penitência após tal omissão. O texto da Congregação para os Sacramentos expõe claramente as razões em prol da clássica prática, pondo em relevo principalmente a necessidade de educar as crianças para “a entrega amorosa e confiante à misericórdia do Senhor”.
Aliás, a Santa Sé já se pronunciou algumas vezes no sentido mesmo desta Nota, a saber: em 1971, 1973 e 1977. Ver PR 216/1977, pp. 530-536.
2.2. Absolvição coletiva dos pecados sem confissão prévia
Eis os cânones do Código de Direito Canônico referentes à celebração do sacramento da Penitência:
Cân. 960 – A confissão individual e íntegra e a absolvição constituem o único modo ordinário pelo qual o fiel, consciente de pecado grave, se reconcilia com Deus e com a igreja; somente a impossibilidade física ou moral escusa de tal confissão, neste caso, pode haver a reconciliação também por outros modos.
Cân. 961 – § 1. Não se pode dar a absolvição, ao mesmo tempo, a vários penitentes sem prévia confissão individual, a não ser que:
1° haja iminente perigo de morte e não haja tempo para que o sacerdote ou sacerdotes ouçam a confissão de cada um dos penitentes;
2° haja grave necessidade, isto é, quando par causa do número de penitentes não há número suficiente de confessores para ouvirem as confissões de cada um, dentro de um espaço de tempo razoável, de tal modo que os penitentes, sem culpa própria, seriam forçados a ficar muito tempo sem a graça sacramental ou sem a Sagrada Comunhão. Esta necessidade, porém, não se considera suficiente, quando não é possível ter os confessores necessários só pelo fato de grande concurso de penitentes, como pode acontecer numa grande festividade ou peregrinação.
§ 2. Julgar sobre a existência das condições requeridas no § 1, n° 2, compete ao Bispo diocesano que, levando em conta os critérios concordados com os outros membros da Conferência dos Bispos, pode determinar os casos de tal necessidade.
Cân. 962 – § 1. Para que um fiel possa receber validamente a absolvição dada simultaneamente a muitos, requer-se não só que esteja devidamente disposto, mas que, ao mesmo tempo, se proponha também a confessar individualmente, no tempo devido, os pecados graves que no momento não pode assim confessar.
§ 2. Os fiéis, enquanto possível, também no momento de receber a absolvição geral, sejam instruídos sobre os requisitos do § 1; à absolvição geral, mesmo em caso de perigo de morte, se houver tempo, preceda uma exortação para que cada um cuide de fazer o ato de contrição.
Cân. 963 – Salva a obrigação mencionada no cân. 989,[2] aquele a quem são perdoados pecados graves mediante absolvição geral, ao surgir oportunidade, procure, quanto antes, a confissão individual, antes de receber outra absolvição geral, a não ser que se interponha justa causa.
À guisa de comentário:
1) 0 Código evitou propositalmente a expressão “pecado mortal” para afastar a recente distinção entre pecado grave e pecado mortal. Pecado mortal seria apenas aquele que mudasse a opção fundamental do cristão ou a escolha de Deus como Fim Supremo; por exemplo, se alguém assalta ou mata, mas não tem a intenção de abandonar sua crença religiosa, não estaria cometendo pecado mortal, mas tão somente pecado grave. Assim entendido, o pecado mortal seria muito raro, pois a maioria dos que pecam, não tenciona explicitamente romper com Deus, mas apenas procura as “vantagens” do pecado. – A Santa Sé insiste, pois, na clássica distinção entre pecado leve ou venial e pecado grave ou mortal. Este ocorre quando há matéria grave, conhecimento de causa e vontade deliberada; o pecado venial, ao contrário, se dá quando falta algum destes três elementos.
2) Para que seja permitido a um sacerdote ministrar a absolvição coletiva sem confissão prévia, requer-se o cumprimento de cinco condições:
– haja grande número de penitentes desejosos de Reconciliação;
– seja insuficiente o número de confessores para atender-lhes dentro de prazo razoável. Este insuficiente número não deve ser procurado intencionalmente pelo pároco ou reitor da igreja; este, ao contrário, deve esforçar-se com antecedência para obter os necessários confessores;
– os penitentes não atendidos ficariam, sem culpa própria, e por muito tempo, privados dos sacramentos. Esta condição é muito importante, porque mostra que não basta a aglomeração de penitentes; se estes não podem ser atendidos em tal dia festivo e nesta igreja, mas podem ser atendidos dentro de alguns dias ou em outra igreja, já não se verifica a condição que legitima a absolvição coletiva;
– é ao Bispo, de acordo com a Conferência Episcopal, que toca definir os dias do ano em que as mencionadas condições costumam ocorrer. – O Código não diz que o sacerdote pode, por iniciativa própria, ministrar a absolvição coletiva, sob a condição de comunicar posteriormente o fato ao Bispo;
– os fiéis devem ser instruídos a respeito da necessidade de confessarem os pecados absolvidos no tempo devido (o Ritual da Penitência diz: “dentro de um ano no máximo e, certamente, antes de receber nova absolvição coletiva”). O propósito de se confessar posteriormente é condição para a validade da absolvição coletiva, de modo que quem, conscientemente, não quer emitir tal propósito não pode receber o perdão ministrado coletivamente.
A razão pela qual a Igreja não pode dispensar a confissão pessoal dos pecados, é a própria palavra do Senhor Jesus em Jo 20,22s: “Recebei o Espírito Santo. ‘Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, serão retidos'”. Para que o ministro possa exercer tal função – perdoando ou não perdoando em nome do Senhor – requer-se que tenha conhecimento de causa ou conheça as disposições do penitente (está realmente arrependido e disposto a se converter e a reparar os danos decorrentes do seu pecado?). A Igreja pode, sim, por motivos emergentes inverter a ordem das partes integrantes do sacramento da Reconciliação, permitindo seja dada a absolvição antes de feita a confissão; mas não pode abolir alguma destas partes integrantes. A confissão dos pecados é de instituição divina, e não humana.
Estêvão Bettencourt OS.B.
_____
NOTAS:
[1] A Comunicação foi dirigida ao Bispo presidente de cada Conferência Episcopal para que a fizesse chegar a cada Bispo do respectivo território.
[2] O cânon 989 reza:
“Todo fiel, depois de ter chegado à idade da discrição, é obrigado a confessar fielmente os seus pecados graves, pelo menos uma vez por ano”.