Confissão: ainda o sacramento da confissão.

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 141/1971)

Ouvem-se vozes contraditórias a respeito do que a S. Igreja está para determinar no tocante ao sacramento da Confissão: modificará a praxe de administrá-lo?… Ou chegará a dispen­sá-lo, aboli-lo? – A propósito já foram publicados dois artigos em PR 136/1971, pp. 152-172. A fim de esclarecer ulterior­mente o assunto, que constantemente volta à baila, vão abaixo publicados dois significativos documentos.

1. Para os Religiosos…

Um texto relativamente recente da Santa Sé sobre a con­fissão parece contribuir para esclarecer o pensamento da Igreja neste setor. Verdade é que ele se dirige aos Religiosos, isto é, aos cristãos que fizeram votos de vida consagrada a Deus sob uma Regra conventual. Como quer que seja, indica que a Igreja estima a frequentação regular e assídua do sacramento da Confissão e deseja que seus fiéis não se esqueçam do valor que ele tem, mesmo independentemente dos casos de pecado mortal.

Abaixo vai transcrito em tradução portuguesa o referido documento, o qual foi sancionado pela S. Congregação para os Religiosos e Institutos Seculares com a data de 8 de dezembro de 1970. Só mais tarde foi dado a lume, de modo que o periódico «La Documentation Catholique» o publicou em sua edição de 2 de maio de 1971, pp. 418s.

“Enquanto se prepara a revisão das leis canônicas, vários motivos urgentes levaram a S. Congregação para os Religio­sos e os Institutos Seculares a examinar em assembléia algu­mas questões relativas à frequentação e à administração do sacramento da Penitência, principalmente no que concerne aos Religiosos.

1. A confissão dos Religiosos e das Religiosas

1. Em conseqüência da sua especial união com a Igreja, que ‘incessantemente prossegue o seu esforço de penitência e renovação’ (Const. ‘Lumen Gentium’ nº 8), os Religiosos terão em grande estima o sacramento da Penitência. Com efeito, este restaura e fortalece nos membros pecadores da Igreja o dom fundamental da metanoia, isto é, da conversão ao Reino de Cristo, dom já recebido no Batismo (cf. Const. Apost. ‘Paenitemini’ AAS 58, 1966, pp. 179s). Aqueles que se aproximam desse sacramento, recebem da misericórdia de Deus o perdão das ofensas que lhe infligiram e, ao mesmo tempo, são reconciliados com a Igreja que eles feriram pelo pecado (cf. Const. ‘Lumen Gentium’ nº 11).

2. Estimem os Religiosos o uso freqüente desse Sacra­mento. Tal prática incrementa o verdadeiro conhecimento da própria pessoa, favorece a humildade cristã e proporciona a ocasião de salutar direção espiritual, ao mesmo tempo que aumenta a graça. Esses efeitos admiráveis e outros ainda são não somente auxílio para um progresso cotidiano e mais rá­pido na senda da virtude, mas também contribuição de grande valor para o bem comum de toda a comunidade (cf. encíclica ‘Mystíci Corporis’ AAS 35, 1943, p. 235).

3. Em conseqüência, os Religiosos desejosos de fomen­tar sua união com Deus esforçar-se-ão por aproximar-se do sacramento da Penitência freqüentemente, isto é, duas vezes por mês. Do seu lado, os Superiores os incentivarão nesse sentido, propiciando-lhes a possibilidade de se confessar ao menos de quinze em quinze dias e mesmo mais assiduamente, caso o desejem.

4. No tocante à confissão das Religiosas em particular, fica estabelecido:

a) No intuito de favorecer legítima liberdade, todas as Religiosas e Noviças podem confessar-se válida e licitamente a qualquer sacerdote aprovado para ouvir confissões no lugar em que residem; não se requer jurisdição especial (cân. 876) nem nomeação para tanto.

b) Todavia, a fim de melhor atender às necessidades das comunidades, estabelecer-se-á um confessor ordinário para os mosteiros de vida contemplativa, assim como para as casas de formação e as comunidades mais numerosas. Nesses mos­teiros e nas casas de formação, será também nomeado um confessor extraordinário, ao qual, porém, as Religiosas não terão a obrigação de se apresentar.

c) Para as outras comunidades, poder-se-á nomear um confessor ordinário, se circunstâncias particulares o exigirem e de acordo com o julgamento do Ordinário do lugar. Este procederá à nomeação, seja a pedido da comunidade, seja depois de ter consultado a esta.

d) O Ordinário do lugar escolherá cuidadosamente con­fessores que gozem de maturidade apropriada e das outras qualidades necessárias. Depois de haver consultado a comu­nidade interessada, formulará um juízo sobre o número de confessores, a idade devida e o prazo de exercício de suas funções; efetuará a nomeação dos confessores e a eventual renovação do mandato dos mesmos.

e) As prescrições canônicas contrárias às presentes disposições ou incompatíveis com estas estão revogadas. O mesmo ocorre com as prescrições que, em virtude da nova legislação, já não tenham razão de ser.

5. O que está dito no artigo precedente aplica-se também aos Institutos leigos masculinos na medida em que isto lhes compete.

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Dado em Roma, aos 8 de dezembro de 1970.

E. Heston CSC
Secretário

I. Card. Antoniutti
Prefeito”.

Estas instruções, aqui publicadas a pedido de leitores inte­ressados, são assaz significativas para se formar um juízo sobre o valor do recurso ao sacramento da Penitência e o pensamento da Igreja a propósito.

2. Absolvição coletiva

Não é raro que se dê a absolvição dos pecados a uma assembléia reunida, desde que se arrependa sincera e publicamente dos seus pecados. Não há confissão específica e pessoal das faltas nem antes nem depois desse rito. Assim mais facilmente se desenvolve o trabalho paroquial e missionário do que no caso de se ouvirem, um por um, dos fiéis que desejam a absolvição de suas falhas.

Consultada por mais de um Sr. Bispo sobre a liceidade dessa prática, a Comissão Teológica da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil publicou a seguinte declaração assinada por D. Ivo Lorscheiter, então Presidente da dita Comissão:

“1. A questão da absolvição coletiva sem confissão pré­via e pessoal dos pecados foi estudada pela Comissão, que levou em conta não somente artigos e escritos recém-publica­dos, mas também os documentos que o Conselho para a Exe­cução da Constituição Litúrgica, com sede em Roma, pôs à disposição dos peritos do Brasil.

2. Do exame desses dados, amplos e delicados, depre­ende-se o seguinte:

2.1. Há necessidade patente de se renovarem o rito e a praxe do sacramento da Penitência, porque nos dias atuais não mais satisfazem. Por isso, merecem elogios os esforços feitos no sentido de se prepararem os fiéis ao sacramento da Confissão mediante leituras, orações e cantos comunitários.

2.2. Quanto à absolvição coletiva dos pecados sem prévia acusação dos mesmos, sabe-se que a Santa Sé a tem conce­dido em casos tidos como excepcionais (embora freqüentes durante as guerras e em territórios de missões), ressalvada a obrigação de se confessarem os pecados já remitidos. As declarações da Igreja têm-se baseado na afirmação de que a confissão específica dos pecados graves é de preceito divino; vejam-se os decretos e os cânones do Concílio de Trento em Denzinger-Schönmetzer, n° 1672, 1679, 1681, 1707.

A Igreja tem tomado por norma não conceder a faculdade de absolver coletivamente sem confissão prévia específica, a não ser nos casos em que haja causa proporcionada à gravi­dade do preceito da integridade da confissão.

2.3. A faculdade de conceder que seja dada a absolvição coletiva sem prévia acusação (ficando a obrigação de confissão posterior) até hoje esteve reservada à Santa Sé. Por conse­guinte, parece que nenhuma outra autoridade está habilitada a conceder tal faculdade; muito menos está credenciada para legitimar ou praticar a absolvição sacramental com dispensa da confissão posterior.

2.4. Sendo, pois, o assunto da competência da Santa Sé, esta Comissão de Teologia julga dever responder ao digno Bispo consulente queira aguardar uma decisão que, conforme se diz, está sendo elaborada em Roma e não tardará a vir a lume.

Enquanto não houver alteração nas determinações, de mais a mais que o assunto não é meramente disciplinar ou pastoral, mas se relaciona também intimamente com a teologia dogmática, nada deve ser mudado”.

À luz das normas derivadas da Santa Sé e recordadas na declaração acima, torna-se evidente que a absolvição coletiva sem confissão prévia dada nas cidades, aos domingos ou em outros dias de maneira habitual, não é válida, ou seja, não constitui o sacramento da Penitência,… não apaga os pecados mortais (é uma paraliturgia penitencial que contribui, com a contrição dos fiéis, para apagar os pecados veniais apenas).

Não há dúvida, a grande influência de fiéis em certos dias do ano (ou mesmo todos os domingos) torna impossível ao sacerdote ouvir a todos em confissão auricular. Parece então que a solução óbvia do problema é a absolvição coletiva. A propósito seja lícito fazer as seguintes reflexões:

1) Não seria possível distribuir o horário das confissões sacramentais de tal modo que os fiéis possam receber o sacra­mento da Penitência não somente no domingo, mas também no sábado e em outros dias da semana? Assim não haveria tanta afluência ao confessionário justamente no domingo ou nos dias mais trabalhosos para os sacerdotes. Eliminar-se-ia a causa que motiva a tendência a dar a todos a absolvição sem confissão prévia.

2) Os fiéis não têm obrigação de comungar em tal e tal domingo ou em tal e tal dia festivo. Não estando em condições de receber a S. Comunhão em estado de graça e não se podendo confessar, não se vê por que insistir em que vão comungar; aguardem a ocasião de se confessar alguns dias mais tarde.

A devoção para com a S. Comunhão, embora seja algo de ex­celente e altamente recomendável, não impõe obrigação de comungar mais imperiosa do que a obrigação de acusar todos os pecados graves em confissão sacramental a fim de obter o estado de graça.

3) Os pastores e catequistas deverão interessar-se mais e mais por que os fiéis adquiram noção tão lúcida quanto possível da diferença que existe entre pecado leve e pecado grave. Sai­bam examinar a sua consciência e formar um juízo sobre as suas faltas, de modo que não vão procurar o confessionário em dias de grande afluência sem ter estrita necessidade de o fazer.

As faltas leves podem ser acusadas nas confissões ditas «de devoção» em dias mais tranqüilos do que os domingos e os dias festivos.

É claro, porém, que o sacerdote não deve insinuar aos seus fiéis que só se confessa (no domingo ou em qualquer outro dia) quem tem pecado grave! Tal insinuação constrangeria as consciências e prejudicaria o segredo da confissão.

4) Por último, é oportuno lembrar que o pastor de almas não é soberano na administração dos sacramentos, mas é mero ministro. É Cristo – e somente Cristo – quem confere a graça; Ele a confere mediante os sacramentos, que Ele instituiu e que Ele confiou à sua Igreja. A autoridade suprema da Igreja compete formular normas para a administração dos sacramen­tos; são normas que não raro tocam a validade do rito sagrado. Se o sacerdote não as observa, mas improvisa em algum ponto essencial (ainda que movido por nobre intenção pastoral), arrisca-se a não conferir o sacramento, mas, sim, um cerimo­nial inválido, que vem a ser abuso e burla…

Diante dos problemas novos que a pastoral moderna sus­cita, compete ao sacerdote não improvisar em pontos essenciais, contrariando explicitas determinações da Igreja, mas, sim, in­formar as autoridades competentes e delas solicitar oportunas normas, mais condizentes com as novas realidades.

5) A confissão comunitária só é sacramento para os fiéis que nela realizam a acusação pessoal e específica dos seus pe­cados em forma auricular. Cf. PR 111/1969, pp. 114-126.

As sugestões pastorais deste artigo parecem ter real valor até que seja publicada a nova Regulamentação do assunto prometida pela Santa Sé.