Controle da natalidade: a pílula anticoncepcional em foco

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 169/1974)

Em síntese: O Dr. Alexandre Dorozynski publicou um artigo na revista “Science et Vie” de junho 1973, em que expõe o declínio do uso da pílula anticoncepcional e os resultados obtidos pelos estudiosos na procura de novos métodos anticoncepcionais. Especialmente digna de nota é a notícia de que nos EE. UU. dois médicos já descobriram um produto apto a regular o ciclo da mulher: em conseqüência, esta poderá abster-se de anticoncepcionais (que são sempre nocivos em certo grau) e observar o seu ciclo menstrual com a certeza de não ser surpreendida por indesejada gravidez. Parece que pouco falta para que tal descoberta possa ser en­tregue ao uso público.

O Dr. Dorozynski acentua enfaticamente os efeitos negativos dos anti­concepcionais. Estes parecem, em última instancia, violentar a consciência humana, que, espontaneamente, tende a respeitar a vida.

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Comentário: Está constantemente em foco na imprensa a famosa pílula anovulatória, produzida, pela primeira vez, pelo Dr. Gregory Pincus em 1952. Sabe-se que, logo que foi ofere­cida ao grande público, gozou de grande voga. Vasta biblio­grafia anunciava, nos anos de 60, que a pílula anticoncepcional parecia ser a solução para o problema da limitação da natali­dade. Todavia médicos e moralistas mostraram-se divididos frente ao novo contraceptivo: enquanto muitos clínicos aponta­vam efeitos nocivos decorrentes do uso da pílula, numerosos pensadores, inclusive S. Santidade o Papa Paulo VI, rejeitavam a pílula como sendo algo que fere os princípios da sadia morali­dade. Em sua encíclica «Humanae Vitae» (nº 24), sobre o con­trole da natalidade, o S. Padre em 1968 exortava os homens de ciência a que procurassem descobrir uma pílula que tornas­se regular o ciclo da mulher, permitindo assim ao casal recor­rer à continência periódica sem o perigo de gravidez para a esposa.

Pois bem. Após mais de vinte anos de uso da pílula ano­vulatória, pergunta-se: que decorre da experiência assim feita? Que pensam hoje os estudiosos a respeito do controvertido assunto?

Estas questões foram recentemente abordadas pelo Dr. Alexandre Dorozynski em artigo intitulado «La pilule? Il y a mieux… » (A pílula? Há coisa melhor… ), da revista «Scien­ce et Vie» t. CXXIII, nº 669, junho 1973, pp. 55-57.[1] O autor afirma que tem caído notoriamente na França e em ou­tros países o número de pessoas que usam a pílula. A seguir, enumera as novas pesquisas que vêm sendo realizadas pelos cientistas para descobrir algo de melhor do que a pílula, mere­cendo então especial realce a noticia de uma pílula reguladora do ciclo da mulher.

Dado o grande interesse de que se reveste tal artigo, va­mos abaixo resumi-lo, visando assim a servir ao público brasi­leiro.

1. Declínio da pílula

Em 1968 o uso da pílula foi oficialmente autorizado ao público na França. Desde então até 1971, o seu consumo cres­ceu gradativamente naquele país, chegando a atingir 5% das mulheres da França, que podem escolher entre vinte fórmulas de pílula anticoncepcional lançadas no mercado francês.

Em 1972, porém, a pílula caiu a uma cota de consumo inferior à de 1968. Semelhante declínio se tem verificado em outros paí­ses: na Suécia, por exemplo, primeiro país europeu que tenha recorrido em larga escala à pílula, esta vai sendo menos e me­nos utilizada.

E por quê?

– A eficácia da pílula como contraceptivo não deixa dú­vidas; é de 99,6 em 100 casos, embora essa eficácia ainda não seja de todo explicada. Acontece, porém, que um conjunto de motivações médicas e morais concorrem para alijar a pílula.

Com efeito, os médicos verificam que esta acarreta efeitos ulte­riores desagradáveis ou mesmo perigosos, como hipertensão, enfartes, náuseas, retenção de água, aumento de peso, esterili­dade definitiva… Doutro lado, patenteia-se que a consciência manifesta aversão espontânea a qualquer intervenção física ou química nos processos que dão origem a um ser humano. Essa aversão não parece depender do grau de cultura da mulher, pois ocorre em pacientes alfabetizadas como em não alfabeti­zadas, em mulheres «emancipadas» como em «não emancipa­das»,- ela se registra tanto em países altamente desenvolvidos (Suécia, França….) como em países pobres e menos desenvol­vidos (Egito, Índia…); dir-se-ia que é espontâneo e geral o repúdio de intervenções artificiais no processo genital do ser humano.

Em substituição à pílula propriamente dita, foi produzida a dita «mini-pílula», cujos efeitos esterilizantes e nocivos à saúde seriam reduzidos… Todavia essa nova fórmula só con­correu para lançar ainda maior descrédito sobre a pílula.

Em conseqüência, as pesquisas dos cientistas em torno da contracepção prosseguiram por caminhos diversos, chegando a resultados surpreendentes, dos quais o mais alvissareiro é o seguinte:

2. A pílula reguladora

Independentemente um do outro, puseram-se a trabalhar na mesma linha o Dr. Roger Guillemain, francês, membro do Instituto Salk dos EE. UU. (Califórnia), e o Dr. Andrew Schally, de Nova Orleães (U.S.A.). Ambos pensaram em re­grar o ciclo da mulher de tal forma que lhe baste praticar a abstenção durante certos dias do mês para poder ter sua vida sexual sem o risco de gravidez. Essa regulação parece que realmente se pode obter mediante injeção de dose ínfima do hormônio da fecundidade, ou seja, do extrato hipofisiário de­signado por LH/RH. Esse extrato provoca a secreção do hor­mônio estimulante do folículo, que estimula os folículos ova­rianos; acarreta outrossim a secreção do hormônio luteinizan­te, LH, que provoca a ovulação. – O Dr. Guillemain, em colaboração com o Dr. Sam Yen, da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia, recebeu autorização para proceder a ensaios do novo produto em quinhentas mulheres. Os resul­tados até agora são de todo positivos: verifica-se que a nova fórmula é inócua e eficaz durante vários ciclos ovulatórios consecutivos. Procuram agora os médicos substituir a referida injeção por uma pílula reguladora que não venha a ser destruí­da pelos sucos gástricos.

As pesquisas assim delineadas correspondem ao que o S. Padre Paulo VI almejava em sua encíclica «Humanae Vitae»:

“Queremos agora exprimir o Nosso encorajarnento aos homens de ciên­cia, os quais podem dar um contributo grande para o bem do matrimônio e da família e para a paz das consciências, se se esforçarem por esclare­cer mais profundamente, com estudos convergentes, as diversas condições favoráveis a uma honesta regulação da procriação humana. É para desejar muito particularmente que, segundo os votos já expressos pelo Nosso Pre­decessor Pio XII, a ciência médica consiga fornecer uma base suficiente­mente segura para a regulação dos nascimentos, fundada na observância dos ritmos naturais. Deste modo, os homens de ciência, e de modo espe­cial os cientistas católicos, contribuirão para demonstrar que, como a Igre­ja ensina, não pode haver contradição verdadeira entre as leis divinas que regem a transmissão da vida e as que favorecem o amor conjugal autêntico” (n° 24).

A pílula reguladora será o método ideal para limitar a natalidade, pois em nada violará as leis da natureza, mas, ao contrário, secundará e beneficiará o ritmo nativo do organismo feminino sem o intoxicar.

Ao lado, porém, deste tipo de estudos, devem-se aqui men­cionar vários outros, atualmente em curso no mundo dos cien­tistas.

3. Outros esterilizastes femininos

Enumeraremos sete pistas pelas quais enveredam os estu­diosos e pesquisadores de laboratório.

1) Os Drs. Guillemain e Schally também têm procurado realizar a síntese de hormônios análogos ao LH/RH; de acordo com o momento em que fossem ministrados, tais preparados poderiam impedir a ovulação ou eliminar o óvulo fecundado. – Este novo método é diretamente esterilizante ou mesmo abortivo – o que o assemelha, do ponto de vista moral, à pílula anticoncepcional.

2) A firma norte-americana Upjohn vem estudando um progestativo sintético, do qual uma injeção trimestral e intra­muscular bastaria para garantir o efeito contraceptivo. O novo produto, chamado «Dopo-provera», está sendo experimentado em certos países da Europa, ao passo que as autoridades dos EE. UU. proibiram a aplicação do mesmo a mulheres norte­-americanas, visto que já provocou câncer em cadelas. Mais: o Dr. Juan Zanartu, Diretor do Centro de Estudos Biológicos da Reprodução na Universidade do Chile, julga que o referido produto poderia provocar esterilidade prolongada.

3) O Prof. Allen Menge, da Universidade de Michigan, identificou doze antigenes distintos no esperma do coelho; inje­tados na fêmea, esses antigenes provocam no útero da mesma a formação de anticorpos que tornam o espermatozóide impo­tente. Menge está procurando apresentar ao público esses anti­genes sob forma de vacina.

4) Erwin Goldberg e William Zinkham, da Universidade John-Hopkins, de Filadélfia, identificaram no esperma e nas glândulas sexuais masculinas uma enzima que vem a ser um contraceptivo e imunizador natural; chama-se lactato-desidro­genase (LDH-X) e destrói os espermatozóides. Sob forma de vacina, é 100% eficaz quando aplicado à fêmea do macaco. Falta agora aplicá-lo à mulher.

5) Alex Shivers, da Universidade de Tennesse, descobriu um antigene para o ovário feminino: esse produto impede o es­permatozóide de atravessar a membrana exterior do óvulo, ou seja, a zona pellucida. Shivers está atualmente procurando o meio adequado para introduzir essa substância concentrada no corpo humano; deverá injetá-la diretamente no aparelho geni­tal ou introduzi-la no sistema de circulação do sangue?

6) David Bishop, da Escola de Medicina de Ohio, propõe utilizar uma outra enzima – o sorbitol desidrogenase – para interromper a formação de espermatozóides no homem. Essa enzima seria colocada nos órgãos de produção dos espermato­zóides e funcionaria como um saboteador numa fábrica.

7) Os Drs. Oikawa e Yanagimachi, da Escola de Medi­cina de Hawai, Honolulu, em colaboração com o Prof. Nicol­son, do Instituto Salk, verificaram que certos anticorpos ex­traídos principalmente das sementes de aveia se combinam com proteínas da zona pellucida para torná-la impermeável ao es­permatozóide, como faz o antigene ovariano de Shivers. Esses anticorpos são fito-aglutininas, que reproduzem o efeito do espermatozóide; na verdade, sabe-se que, logo que este tenha penetrado no óvulo, a zona pellucida do óvulo se torna imper­meável.

Seja-nos aqui permitida uma observação:

Deve-se reconhecer o notável esmero das pesquisas cientí­ficas que acabam de ser assinaladas. Todavia é preciso lembrar que ciência sem consciência (ética ou moral) não realiza a perfeição do homem. Todos os novos produtos aqui recensea­dos vêm a ser recursos para que, em última análise, se contra­rie à natureza do amor humano: este é por si unitivo e fecundo. Querer tirar-lhe a fecundidade pode implicar em degradação do amor; este poderá vir a ser mero instinto cego e egoísta, que manipula o sexo e, de modo especial, reduz a mulher a instrumento do prazer do homem ou a objeto que se vende ou aluga a preço conveniente.

Além dos novos produtos que agem sobre o organismo fe­minino (exceto o de nº 6), a fim de impedir a fecundação, ou­tros vão sendo estudados cuja atuação se dá no organismo masculino.

4. Processos de atuação sobre o homem

Distinguem-se aqui a chamada «pílula alemã» e a vasec­tomia.

4.1. A «pílula alemã»

Trata-se de um produto que torna o homem impotente, agindo simultaneamente sobre o seu psiquismo (apaga os instin­tos reprodutores) e sobre a sua fisiologia (reduz consideravel­mente o número de espermatozóides e a mobilidade dos mesmos) .

Tal pílula, fabricada na base de acetato de ciproterona, foi descoberta pelo Dr. Fredmund Newmann, da firma alemã Schering, e já foi experimentada pelo Dr. Petry, de Hamburgo, em cinco pacientes voluntários. Logrou, sem demora, grande aceitação até mesmo por parte das autoridades governamentais.

Assim, por exemplo, acontecia nos cárceres da Alemanha Fe­deral que certos delinqüentes sexuais podiam recuperar a liber­dade caso aceitassem a castração física. Ora essa medida acaba de ser «humanizada»: o poder legislativo alemão admite a «castração química» na base de acetato de ciproterona. Na Suíça, os delinqüentes sexuais que aceitaram tal tipo de trata­mento (castração pela pílula), têm sido punidos menos severa­mente do que de costume. Na Inglaterra, o assunto foi deba­tido no Parlamento; todavia um delinqüente sexual recidivo, preso, já obteve a libertação mediante tratamento com a «pí­lula alemã». Esta é mais eficaz do que o eletrochoque…

Ainda se deve mencionar a

4.2. Vasectomia

Nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Suíça, como na Índia e na China, tem sido praticada a vasectomia. É operação sim­ples, realizável em meia-hora, com anestesia local apenas; con­siste em se praticarem duas incisões nos canais condutores dos espermatozóides que saem dos testículos. Mais de um milhão de homens já se submeteu a essa cirurgia nos EE. UU.

A vasectomia tem sido substituída por uma intervenção ainda mais requintada, que se deve ao engenheiro Dr. Louis Bucale, da «Byonix Corporation», de Nova Iorque: os referi­dos canais condutores não são inutilizados definitivamente por incisões, mas são dotados de minúsculas válvulas de ouro, … válvulas que podem ser abertas ou fechadas por um cirurgião, segundo o alvitre do paciente. Já cem pessoas se sujeitaram a tal intervenção no «Medical Center» de Nova Iorque. Em últi­ma instância, são propostas mesmo válvulas de silicônio, aço inoxidável e material poroso inalterável; estes elementos dis­pensam ulteriores intervenções do cirurgião, pois o próprio paciente, aplicando um ímã, pode abrir ou fechar as válvulas.

A título de complementação, diga-se que também a liga­dura de trompas na mulher vai sendo substituída pelo recurso a «clips», pinças, rolhas, que servem para obstruir a passagem através das trompas. Ao referir tais dados, observa o Prof . Dorozynski:

“As técnicas cirúrgicas (de esterilização) parecem ape­nas parecem menos perigosas (do que os métodos quími­cos), mas elas afetam a personalidade, pois são assemelhadas a uma castração e repercutem de maneira negativa sobre o conjunto da personalidade” (art. cit., p. 57).

Passemos agora a uma

5. Reflexão final

As notícias até aqui apresentadas são concebidas estrita­mente como subsídios para a informação científica. O leitor benévolo relevará o que elas têm de minucioso; tais dados per­tencem ao teor da exposição científica.

O Prof. Alexandre Dorozynski, que comenta tais notícias no mencionado artigo de «Science et Vie», acentua com ênfase o que os processos artificiais de limitação da natalidade têm de violento e anti-humano . Facilmente provocam traumas e com­plexos nos respectivos pacientes, pois todo ser humano – seja masculino, seja feminino, seja de alta, seja de modesta cultu­ra – experimenta em si o respeito espontâneo à vida. Con­trariar esse respeito é tocar uma das fibras mais íntimas e delicadas da pessoa humana; as conseqüências negativas dessa violentação cedo ou tarde tendem a se revelar ou no físico ou no psíquico da pessoa violentada.

São palavras do Prof. Dorozynski:

“O fracasso da pílula é assaz eloqüente: o ato procriador, em última análise, não se pode reduzir a uma sucessão de fun­ções biológicas, qualquer que seja o nível cultural da mulher” (art. cit., p. 57).

“Médicos e sociólogos tomaram recentemente consciência de um fato desconcertante: a realidade da contracepção é total­mente diferente da idéia que eles haviam concebido a respeito” (art. cit., p. 55).

Donde a conclusão do autor, muito séria, embora formula­da em tom jocoso:

“Afinal, diante de tantos esforços altamente competentes, realizados milhões de vezes sobre legiões de camundongos, ratos, cobaias, coelhos e macacas…, diante dessa conspira­ção internacional que visa a impedir Espérmato de se encon­trar com Ovula, quem não sente a emoção do espectador que assiste à paixão contrariada de Romeu e Julieta?

Se o método néo-Ogino é tão eficaz quanto promete, e visto que é o método que mais respeita os processos naturais, quase se chega a desejar que uma convenção internacional ponha termo à conspiração dos novos Capulets e Montaigus,[2] que procuram proibir o encontro do espermatozóide e do óvulo” (art. cit. p. 57).

Estas palavras, provenientes de um homem de ciência, que não pretende ser um moralista, mas um observador objetivo da realidade, têm significado especialmente ponderoso. Elas vêm oportunamente ao encontro dos votos que a consciência cristã formula diante do árduo problema dos anticoncepcionais.

ESTÊVAO BETTENCOURT O.S.B.

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NOTAS:

[1] O artigo é assinado à p. 57 pelo Dr. Alexandre Dorozynski. No índice da revista, porém, vem atribuído ao Dr. Jean Ferrara. – No de­correr destas páginas, não podendo dirimir a dúvida assim originada, su­poremos a autoria do Dr. Dorozynski.

[2] Capulets (Cappelletti) e Montaigus (Montecchi) eram duas famílias de Verona (Itália) no séc. XVI, que rivalizavam entre si. Julieta terá pertencido aos Cappelletti e Romeu aos Montecchi. Shakespeare inspirou-se desses personagens para escrever a sua famosa peça “Romeu e Julieta”