Espiritualismos: a teosofia: que é?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 414/1996)

 

Em síntese: A Teosofia é uma escola de pensamento de fundo hinduísta. A filosofia religiosa da Índia antiga foi reelaborada pela Sra. He­lena Blavatsky, que lhe deu sua formulação pessoal, incluindo as teses do panteísmo e da reencarnação. A Teosofia assim concebida apresenta-se como a quintessência ou a súmula de todas as religiões o que atrai muitos adeptos. A corrente teosófica tem exercido grande influência na síntese proposta pela Nova Era; esta associa o pensamento hinduísta a concep­ções espíritas, ufológicas, gnósticas, holísticas…, que nem sempre se com­binam harmoniosamente entre si.

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Diz-se que a Teosofia é a sabedoria do homem espiritualmente maduro ou emancipado de crenças infantis. – Vale a pena examinar esta proposição.

1. Teosofia: o Nome

“Teosofia” é vocábulo que geralmente se contrapõe a “Teologia”. Este termo (composto do grego Theós, Deus, e Logos, razão) costuma desig­nar o trabalho da inteligência que reflete sobre as proposições da fé, a fim de lhes penetrar o sentido profundo. Ao contrário, Teosofia (…sophía=sa­bedoria) vem a ser, como dizem, o conhecimento concernente a Deus recebido por revelação direta da Divindade ou por iluminação reservada a poucos; atinge verdades que o raciocínio já não consegue alcançar…

O título “Teosofia” já era usado por escolas antigas, como a dos Neoplatônicos (séc. III/VI d. C.), a dos Cabalistas, a dos Alquimistas. De­pois de haver caído em descrédito, dada a fantasmagoria dessas escolas, foi reabilitado no fim do século passado por uma corrente de pensamento que refundia idéias antigas, adaptando-as a circunstâncias novas. Sendo assim, começaremos nosso estudo propondo breve histórico das origens da Sociedade Teosófica; a seguir, percorreremos as principais doutrinas teosóficas, para finalmente tomar posição diante dessa concepção.

1. Breve Histórico

Protagonistas do movimento teosófico moderno são duas figuras femininas: Helena Petrowna Blavatsky e sua continuadora, Annie Besant. A Sra. Blavatsky(+ 1891), de origem russa, abandonou seu marido ao 17 anos de idade, um ano após o casamento, e pôs-se a percorrer o mundo em demanda da sabedoria… Ouviu mestres ocultistas, magos e “médiuns” da Ásia Menor, da Inglaterra, do Egito e, por fim, nos Estados Unidos da América (Nova Yorque) resolveu fundar a Sociedade chamada “Teosófica” (1875), a qual em 1877 transferiu sua sede principal para Adyar, perto de Madras, na Índia. Ciência e religião pareciam associar-se na nova escola; fenômenos maravilhosos, semelhantes aos do espiritismo, aí se verifica­vam: mensagens, luzes no ar, “precipitações” ou descidas de flores, car­tas, etc., tudo obtido, como diziam, pela intervenção de espíritos que al­guns mestres tibetanos (ou Mahatmas) evocavam. Surgiram, porém, sus­peitas sobre a autenticidade de tais prodígios; em conseqüência, a Socie­dade de Pesquisas Psíquicas de Londres instituiu inquérito, que terminou em 1885, denunciando ao mundo Mme. Blavatsky como uma das mais completas, finórias e interessantes mistificadoras que a história jamais tenha conhecido…”.

Sem demora, a Sra. Blavatsky retirou-se para a Europa, deixando bastante comprometido o futuro da Sociedade. Quando, porém, morreu (1891}, sucedeu-lhe na direção da escola uma de suas discípulas, Annie Besant, a qual havia de reerguer o prestígio da instituição.

Annie, filha de família irlandesa protestante, também abandonou seu marido, Frank Besant, tornando-se primeiramente pregadora de materia­lismo. Após dez anos de propaganda atéia, voltou-se para o espiritismo, o hipnotismo e a maçonaria, até que foi atraída por Mme. Blavatsky; muito inteligente e ativa, conseguiu ser colocada à frente da Sociedade Teosófica em 1891.

A nova Presidente esperava um Messias, cujos caminhos ela queria preparar juntamente com um antigo ministro anglicano a quem se associ­ara: Charles Leadbeater. Annie Besant fez-se então tutora de um jovem hindu, Jiddu Krishnamurti, que ela apresentava ao mundo como o futuro Mestre e Salvador da humanidade. Corriam, porém, graves rumores so­bre a moral idade de Leadbeater. Nessa situação, o pai do jovem resolveu mover um processo contra os tutores do menino, obtendo finalmente ga­nho de causa, sem resultado prático, porém. Após a sentença condenatória proferida contra Leadbeater, a seção alemã da Sociedade Teosófica, che­fiada por Rudolf Steiner, separou-se do bloco teosofista (1913), constituin­do uma escola independente, hoje dita “Antroposofia”; ver artigo seguinte deste fascículo.

A Sra. Besant ainda se envolveu em movimentos de política da ín­dia, o que lhe suscitou novos amigos e adversários. Terminou seus dias em 1933, na sede de Adyar, gozando de prestígio tanto entre os seus dis­cípulos como junto às autoridades britânicas.

Importa-nos agora analisar sumariamente

2. As principais Teses da Teosofia

Quatro aspectos doutrinários hão de merecer a nossa atenção:

1) A atitude fundamental do pensamento teosófico. A Teosofia pretende anunciar ao mundo não um sistema religioso à semelhança dos muitos credos propostos no decorrer dos séculos, mas, sim, o patrimônio mesmo donde todas as religiões tiraram algo. Este patrimônio seria antiqüíssimo, remontando aos tempos da Atlântida (continente que dizem haver sido submerso 9.000 anos antes de Cristo); os destroços da famosa cultura atlântida teriam sido guardados em arquivos secretos do Egito, do Tibet e da China, e finalmente explorados pelas fundadoras da Sociedade Teosófica. Esta assim apregoa a emancipação do homem frente às tradi­cionais concepções religiosas: quem possui a Teosofia, possui a luz bran­ca ou a Verdade plena, ao passo que cada sistema religioso só apresenta uma das sete cores do espectro ou uma faceta depauperada da Verdade.

Munida de tais “credenciais”, que ensina a Teosofia a respeito de Deus e do homem?

.2) O Deus dos teosofistas não é um Deus pessoal, distinto do mundo,­ mas é substância neutra que se identifica com tudo: “A Teosofia, em matéria teológica, é panteísta: Deus é tudo, e tudo é Deus” (Annie Besant, Why I became a Theosophist. London 1891, 18).

Esse Deus, no interior de cada criatura, vai aos poucos tomando consciência de si ou vai-se desenvolvendo. São palavras de Mme. Blavatsky:

“Cremos em um Princípio universal, do qual tudo procede e no qual tudo será reabsorvido no fim do grande ciclo do Ser… Nossa Divindade é [It is, no gênero neutro] o misterioso poder de evolução e involução, a onipresente, onipotente e mesmo onisciente Potencialidade criadora” (The key to Theosophy 44).

3) Conseqüentemente, o mundo e o homem, para o teosofista, não são senão aspectos fugazes da Divindade posta em evolução.

Em particular sobre a alma humana, ensina a Teosofia que o Abso­luto produz, por emanação, as almas. Portanto, cada alma, chamada Mô­nada, é fundamentalmente divina. Acontece, porém, que, logo após a ema­nação, as almas se acham em estado de inconsciência ou como que ador­mecidas, à semelhança da planta na semente, antes da germinação. Para que despertem, têm que descer ao mundo visível.

Encerradas na matéria, as almas sofrem as vibrações desta, que aos poucos as fazem chegar ao estado de consciência ou vigília. O encarceramento se dá primeiramente na matéria mineral, para se repro­duzir em ritmo ascensional através dos reinos vegetal e animal.

Chegando ao estado de consciência, a alma se individualiza, isto é, torna-se um eu distinto do tu e do ele: distingue-se das outras almas, embora conserve em comum com elas a mesma natureza divina. Incum­be então ao indivíduo a tarefa de aprofundar o seu eu, compenetrando-se de que é Deus…, de que constitui uma só substância com os demais seres e apenas uma manifestação do Grande Ser. A fim de realizar este proces­so de aprofundamento, a alma tem que sofrer encarnações sucessivas, nas quais ela há de se esforçar por purificar-se ou por viver cada vez mais emancipada das ilusões dos sentidos.

No termo final das reencarnações, “aquele que era um pobre e limi­tado ser humano, verá que sua natureza real é divina e… que ele é Deus” (A. Lyra, O Homem e a Evolução, em “O Teosofista” jan.-fev. 1956, 35). A centelha feita chama perde-se e deixa-se “absorver na essência univer­sal” ou Nirvana (d. Blavatsky, The Key to Theosophy 78).

Nirvana é palavra que etimologicamente significa “extinção”. Não implica aniquilação da alma, mas, antes, o estado em que “a alma deixa de ser alguma coisa, visto que se tornou tudo” (Blavatsky, The Key to Theo­sophy 78). Em outros termos: tendo adquirido a consciência perfeita da sua Divindade ou da sua identificação com o Grande Todo, a alma perde todo o senso de separação individual; destrói-se para ela a ilusão do eu e do tu.

Ainda se deve observar que as reencarnações sucessivas se verifi­cam rigorosamente segundo a Lei do Karma. Conforme esta, a alma em sua próxima existência sobre a terra colherá exatamente as conseqüênci­as das ações praticadas na vida presente; há inexorável correspondência entre a conduta atual do homem e a sua sorte futura. Contra essa lei nada podem o arrependimento e o pranto. Todo ato humano é elo numa corren­te inquebrantável de causas e efeitos, ou ainda: todo ato é efeito que se torna causa e infalivelmente produz outro efeito.

Em conseqüência, cada indivíduo humano vem a ser o autor exclu­sivo da sua sorte, o seu próprio Salvador. As idéias de redenção gratuita, perdão e indulgência são totalmente alheias às concepções teosofistas.

4) Quanto à Moral que decorre destes princípios, é assaz sóbria. Sintetiza-se num único preceito, que é o de praticar o bem ou o altruísmo, como o fizeram os grandes mestres da humanidade (Buda e Jesus de Nazaré).

Na vida prática, o teosofista, não admitindo um Deus pessoal distin­to do homem, vem a ser o seu próprio e absoluto legislador; é o indivíduo quem formula as suas normas de procedimento concreto, sem ter que ouvir autoridade alguma que lhe fale em nome de Deus…

Este sumário da doutrina teosófica já nos permite

3. Uma Avaliação

A razão humana teria três observações a fazer à mensagem teosofista.

1) O panteísmo ou a doutrina de que “Deus é tudo e tudo é Deus” (A. Besant) constitui autêntica aberração lógica. De fato, Deus, por defini­ção (formulada pelos teosofistas mesmos), é o Absoluto. Ora o Absoluto de modo nenhum pode coincidir com o ser transitório, quais são o mundo visível e a alma humana, pois tudo o que se move e evolui adquire perfei­ção que não tinha: não é, pois, o Absoluto ou Aquele que esgota o conceito de Ser Perfeito.

Observam alguns pensadores que o panteísmo é forma requintada de ateísmo, que menos surpreende a natureza humana, porque ainda con­serva o rótulo de Deus, de acordo com as exigências da sã razão. A filosofia­ não-cristã moderna não tende tanto ao ateísmo como ao panteísmo e monismo. Por que isto? – Porque, na verdade, estes equivalem àquele, guardando, porém, aparências aptas a seduzir o inelutável senso religio­so do homem.

Annie Besant mesma oferece fundamento para esta afirmação, ao escrever:

“A primeira coisa que ensinam os teosofistas, é que toda idéia de sobrenatural deve ser rejeitada… A segunda… é a negação de um Deus pessoal; daí decorre que os agnósticos e os ateus assimilam mais facil­mente os ensinamentos da Teosofia do que os fiéis dos credos ortodoxos” (Why I became a Theosophist 17s).

A fundadora da Sociedade Teosófica bem reconhecia a afinidade prática, se não filosófica, do panteísmo (negação de um Deus pessoal) com o ateísmo.

Torna-se oportuno observar que a “Ordem de Rosa-Cruz”, hoje em dia tão notória por sua propaganda, também professa o panteísmo, por muito que se queira dissimular sob as aparências de corrente cristã.

2) A respeito da doutrina da reencarnação, faz-se mister notar que é vã, pois não pode apelar para um só argumento direto e positivo em seu favor. Com efeito,

a) não temos reminiscência de reencarnações sucessivas, como con­fessam os próprios reencarnacionistas, dos quais é aqui citado W. Lutoslawski:

O mais importante argumento contra a reencarnação é o esque­cimento quase geral das vidas passadas… Se é verdade que já vive­mos algumas vezes, como se explica não só o esquecimento geral (das vidas anteriores), mas o esquecimento dessas vidas por espíritos ele­vados e sobretudo pelos místicos, os quais penetraram até a essência do ser?” (citado por P. Siwek, A reencarnação dos espíritos. São Paulo 1946, 192).

Mme. Blavatsky julgava que a falta de reminiscência é “a velha difi­culdade” contra a reencarnação (The Key to Theosophy 122).

Os pretensos casos de reencarnação, após os estudos mais moder­nos, não passam de reconhecidos fenômenos parapsicológicos, os quais nada têm que ver com vidas anteriores à atual.

b) a reencarnação constituiria um castigo injusto. Pergunta-se com razão; de que serviria a uma alma voltar à carne, se ela não sabe por que culpas e taras é enviada a este mundo?.. se ela ignora quais as etapas que já percorreu na sua purificação espiritual?

c) a reencarnação prende-se geralmente a falso conceito de Deus, ou seja, ao panteísmo, junto com o qual ela é professada na Índia. De fato, se não há um Deus pessoal, que o homem possa invocar, é este mesmo quem tem que remir a si; ora os esforços do homem em demanda da perfeição são sempre lentos. Donde se segue que uma série de encarna­ções sucessivas se impõe como solução para o problema. Esta solução errônea, por apregoar auto-redenção, não deixa de ser sedutora, pois bajula o orgulho da criatura humana, dando-lhe a ilusão de que ela de ninguém depende.

Conceba, porém, o homem um Deus pessoal e distinto do mundo; saiba humildemente que é amado por esse Deus, o qual toma a iniciativa de salvar a sua criatura…, e ver-se-á dispensado de recorrer aos imaginá­rios ciclos das reencarnações!

3) A Teosofia pretende ser “a essência de todas as religiões e da verdade absoluta, da qual uma gota apenas se encontra em cada cren­ça” (Blavatsky, The Key of Theosophy, ed. franc 1916,85).

O título é sumamente lisonjeiro, mas… precisaria de ser compro­vado.

Mme. Blavatsky baseava essa sua afirmação no “testemunho dos Videntes”, isto é, de Mahatmas iluminados do Tibet,… no ensinamento da “Loja Branca”, da “Hierarquia dos Adeptos”,… na cultura do pretenso con­tinente “Atlântida”, cultura que em verdade não passa de mera ficção lite­rária de Platão (como prova a crítica moderna). Ora aos olhos do bom senso humano tais testemunhos exigem muita fé, e fé não suficientemen­te justificada, pois as autoridades acima mencionadas são secretas e incon­troláveis; já foram mesmo mais de uma vez comprovadas como nulas ou falsas, desde que se tenha podido proceder a uma pesquisa objetiva.

O que no título de “quintessência de todas as religiões” muito atrai os homens, parece ser o caráter relativo que ele comunica a todo sistema religioso tradicional; a Teosofia serve para emancipar o homem de qual­quer lei religiosa, conferindo-lhe autonomia em matéria de consciência, sem lhe deixar ver que na realidade ele está renegando a Deus…

Na verdade, a Etnologia e a História das Religiões, em suas conclu­sões mais recentes, ensinam que o patrimônio primitivo do gênero huma­no não é o panteísmo com o seu reencarnacionismo, mas, antes, o monoteísmo ou crença num Deus que é Pai bondoso e tutor da moralidade.

Feitas estas observações, torna-se oportuno por fim notar que o movimento teosófico, apesar de erros capitais, traz sua mensagem positiva para o homem contemporâneo, pois constitui uma reação de caráter místico (embora de mística falsamente concebida) contra o materialismo e o mecanicismo que invadiam a sociedade em fins do século passado. A Teosofia significa em plena época de ateísmo que impossível é ao homem viver sem Deus, e que, quando ele abandona a face do autêntico Senhor, tem que criar seus ídolos ou forjar um espectro de Deus.