(Revista Pergunte e Responderemos, PR 414/1996)
Em síntese: A Antroposofia se deriva da Teosofia, guardando os mesmos princípios básicos da sua matriz. Com efeito, julga deter a sabedoria primordial donde terão procedido as demais correntes de sabedoria racional ou religiosa; professa também o panteísmo e a reencarnação. Todavia, ao desligar-se da Teosofia, Rudolf Steiner; fundador da nova escola, houve por bem explorar o que na concepção teosófica dizia respeito ao homem (donde o nome Antroposofia que caracteriza tal corrente de pensamento).
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A Antroposofia constitui uma Escola filosófica fundada por Rudolf Steiner (1861-1925). Este pensador até 1913 era o chefe da seção alemã da Sociedade Teosófica, então recém-fundada. Desentendeu-se porém, com a Presidente desta, a Sra. Annie Besant, por causa das pretensões que Me. Besant nutria, de apresentar ao mundo o novo Messias na pessoa de um jovem hindu, Krishnamurti, o qual já estaria na sua trigésima encarnação… Steiner, julgando que Mme. Besant abusava da credulidade de seus discípulos, resolveu separar-se da Sociedade Teosófica para ensinar uma Teosofia remodelada, à qual foi dado o nome de Antroposofia. A respeito da Teosofia veja o artigo anterior deste fascículo.
1. As Linhas do Pensamento Antroposófico
O termo sofia (sabedoria, em grego) indica tratar-se de conhecimentos sapienciais, isto é, adquiridos não propriamente pela experiência dos sentidos e pelo raciocínio da inteligência (de que se serve, por exemplo, a Teologia), mas, sim, por uma intuição superior mística devida a faculdades especialmente apuradas de certos indivíduos. A fonte dessa sabedoria seriam tradições ocultas, oriundas da Atlântida (famoso continente que teria desaparecido) ou de arquivos e bibliotecas antiqüíssimas pertencentes ao Egito e ao Oriente. Essa sabedoria primordial haveria deixado de ser patrimônio comum dos povos, que em seu lugar foram criando as diversas formas de religião hoje conhecidas, todas inferiores à explicação do mundo dada pelas concepções antigas… Ora a Teosofia, recorrendo no século passado aos Mestres (Mahatmas) da índia, do Tibet, da Caldéia, do Egito, propunha-se cultivar de novo essa sabedoria primordial, fazendo convergir a sua atenção para Deus (Theós); Steiner, ao separar-se do teosofismo, não abandonou as grandes teses doutrinárias deste, mas preferiu explorar o que na concepção primordial dizia respeito ao homem (donde Antroposofia, de ánthropos, homem).
Steiner julgava que a Teosofia fazia perder ao homem um pouco de seu equilíbrio e o desviava dos respectivos deveres sociais; a Teosofia incutiria uma atitude passiva, prometendo a intervenção de misterioso poder do alto. Por isto, o fundador do antroposofismo quis despertar nos seus discípulos o amor de um método, de uma disciplina imposta às faculdades superiores do homem, a fim de ampliar o raio de alcance do espírito. As teses, porém, que Steiner ensinava como resultantes dessa disciplina, são, em grande parte, as mesmas que as da Teosofia, a saber:
1) O Panteísmo ou monismo. Deus seria a única realidade existente, da qual o mundo, espiritual e material, se originou por emanação; a substância divina seria impessoal, neutra, sempre em via de evolução no decorrer da história; em cada indivíduo humano ela estaria paulatinamente tomando consciência de si mesma, até chegar à plenitude ou à perfeição: o homem é assim uma manifestação de Deus, manifestação identificada com a Divindade.
2) A alma humana é um agregado de muitas partes, unidas entre si por relações assaz frouxas. Está claro que não lhe é imposta uma lei moral extrínseca, divina, pois alma e Divindade vêm a coincidir entre si; toca a cada indivíduo descobrir dentro de si as normas de sua conduta prática (o que dá margem, sem dúvida, a muita liberdade e arbitrariedade no plano moral).
3) O currículo de vida do homem nesta terra é condicionado pelas obras que o indivíduo tenha realizado em uma vida ou encarnação anterior. É esta a inexorável lei do Karma; tudo que ocorre ao homem neste mundo é efeito e, ao mesmo tempo, causa: efeito em relação à encarnação passada, causa em relação à futura. Mediante sucessivas descidas ao corpo, ou seja, através de longo período de tempo, a alma humana se purifica, passando aos poucos da sua animalidade inicial à plena consciência da sua identidade com a substância única, divina, do universo. Tendo atingido esta consciência, o homem perde naturalmente a sua personalidade, que o singulariza, e mergulha-se no único grande Todo (estado do nirvana, que os conceitos comuns da nossa experiência não poderiam em absoluto descrever).
Em suma, o panteísmo ou monismo e a lei da reencarnação, eis as duas pilastras sobre as quais repousam tanto a concepção teosofista como a antroposofista. Esta verificação é suficiente para incutir as diferenças radicais que intercedem entre Cristianismo e Antroposofia. No tocante à Antroposofia em particular, as potências ocultas de intuição mediante as quais o homem poderia transcender o conhecimento racional, são antes produto da fantasia de Steiner do que objeto de conclusões cientificamente firmadas.
Verdade é que o pensador alemão, visando ao público europeu, ao qual se dirigia, quis apoiar suas concepções em fontes e tradições ocidentais, cristãs, distanciando-se um pouco das fontes orientais para as quais apela a Teosofia. Não foi feliz, porém, porque, para ficar dentro dos quadros de pensamento do ocultismo, teve que negar a Divindade de Cristo; desejando não abater ídolo algum, apresentou Jesus como reencarnação e síntese de Mitra (divindade persa) e Dionísio (divindade grega)!
2. Que dizer?
A Antroposofia logrou sucesso logo nos seus primeiros anos (como, aliás, também a Teosofia). Esta boa aceitação se explica por fatores diversos:
a) o materialismo e o racionalismo que imperaram no século passado, parecem ter cansado as mentes e despertado de novo em muitos pensadores sinceros a sede do mistério, do conhecimento místico, ou seja, do conhecimento adquirido não por via meramente humana, mas por uma pretensa iluminação divina;
b) as grandes ruínas, materiais e morais, que o mundo ocidental sofreu nos primeiros decênios do séc. XX concorreram para que não poucos filósofos voltassem sua atenção para o Oriente; este sempre impressionou os ocidentais por parecer muito mais voltado para o transcendente e o eterno; pelo seu caráter conservador, tradicionalista, toma o aspecto de uma arca de paz. É o que explica que Teosofistas e Antroposofistas tenham ido pedir inspiração aos pensadores orientais e hajam encontrado eco satisfatório no Ocidente;
c) é imponente e sedutor o título de “manancial donde todas as religiões tiraram uma parcela de verdade”, título que a Teosofia e a Antroposofia reivindicam para sua concepção. Este título é gratuito; nenhum estudioso o pôde jamais comprovar (aliás, por definição, nem seria possível apresentar provas em favor do mesmo, pois se pressupõem tradições e arquivos ocultos ao público – o que realmente constitui bela evasiva!). Não obstante, a fórmula com que a Antroposofia se apresenta ao mundo, é muito apta a bajular o orgulho do homem; aderindo à Teosofia ou à Antroposofia, este poderá dar-se por mais esclarecido e inteligente do que seus semelhantes que fiquem presos às formas tradicionais de religião… O teosofista e o antroposofista não negam a existência de Deus, mas conseguiram fazer do Soberano Senhor uma entidade impessoal e neutra que na prática não “incomoda” o homem. Embora Rudolf Steiner não se quisesse diretamente incompatibilizar com o Cristianismo nem com alguma forma de religião, ele propõe um conceito de Deus e das relações do homem com Deus que cedo ou tarde tende a remover nos seus adeptos qualquer dos credos religiosos tradicionais.