Espiritualismos: compreendendo a Nova Era

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 384/1994)

Em síntese: A corrente filosófico-religiosa “Nova Era” é um amálgama de esoterismo, hinduísmo (com panteísmo e reencarnação), holismo, comunicação com os mortos, medicina alternativa, gnosticismo e também Cristianismo. Carece de nítida estrutura de pensamento, como também de um governo central. Tem-se expandido notavelmente, porque parece conciliar entre si modos diversos de pensar e agir. Pode-se dizer que Nova Era é a expressão da insatisfação do homem moderno, que experimenta o vazio causado pelo materialismo e as rápidas mudanças da sociedade contemporânea. Os adeptos da Nova Era recusam o que o mundo atual lhes oferece, mas nada de positivo têm a pôr no lugar dos valores tradicionais, pois as mensagens do esoterismo, do channeling, da ufologia, da gnose… são altamente fantasiosas e subjetivas; as emoções e os sentimentos prevalecem sobre a lógica e o raciocínio. — Aos fiéis católicos compete responder ao desafio da Nova Era mediante a transmissão integral e convicta da mensagem cristã guardada na Igreja Católica; saibam associar palavra e conduta de vida, pois o homem moderno se interessa grandemente pela coerência e sinceridade com que os fiéis vivem sua crença religiosa.

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A corrente filosófico-religiosa dita “Nova Era” está sempre em foco, suscitando novas e novas interrogações. Em 1993, foi publicado em português o volume “Compreendendo a Nova Era”, da autoria de Russell Chandier, escritor-jornalista do Los Angeles Times.[1] Impressionado pelo movimento religioso norte-americano, R. Chandier resolveu pedir oito meses de licença ao seu jornal para estudar a fundo o fenômeno “Nova Era”. Aproveitou então esse tempo para fazer uma pesquisa extensa e profunda, entrevistando pessoas, lendo obras, assistindo a palestras…, que lhe permitiram escrever o volume em pauta. — Realmente, a obra de R. Chandier fornece informações múltiplas e preciosas sobre a Nova Era. Eis a razão pela qual a utilizaremos nas páginas subseqüentes para abordar o assunto já considerado em PR 379/1993. 554•572. Dada a atualidade do tema e o interesse dos leitores por claras notícias a respeito, pode-se ter como oportuna mais uma apresentação do assunto enriquecida por dados novos.

Começaremos por perguntar:

1. QUE É A “NOVA ERA”?

O autor assim abre o seu capítulo 1:

“Desencorajador! Este foi o adjetivo que demos a um imenso quebra-cabeça que escolhemos, certo feriado, dentro do armário cheio de jogos…

Quando, no verão de 1987, planejei escrever um livro que fizesse sentido acerca do amorfo movimento da Nova Era, isso também pareceu-me uma tarefa desencorajadora. Havia tantas peças e pedacinhos. Havia fronteiras incertas. Havia sempre novas esferas de atividade. Havia um elenco giratório de personagens…

Apesar de estar tão em moda, é muito difícil definir a Nova Era, pois suas fronteiras são imprecisas. Trata-se de um caleidoscópio sempre em mutação de ‘crenças, hábitos adquiridos e rituais’, conforme a revista Time observou com razão em seu artigo de fundo da edição de 7 de dezembro de 1987, New Age Harmonies” (pp. 15-17).

O autor assim esboça o que seja Nova Era: é um amálgama ou uma confluência de várias correntes de pensamento heterogêneas, que têm ao menos um fio condutor comum: a recusa, um tanto confusa e irracional, do pensamento e dos valores convencionais, em favor de certas posturas teóricas e práticas novas (novas, porque “provenientes do além” ou do aprofundamento de elementos misteriosos). Daí a expressão “Nova Era”. Mais precisamente: estaríamos na transição da Era de Peixes (era colocada sob o signo de Peixes) para a Era de Aquário ou Aguadeiro (jovem que traz um cântaro de água que ele vai derramar em sinal de bênção, conforme o Zodíaco e a Astrologia).

E quais seriam os elementos que confluem na Nova Era? — Podemos recensear sete deles.

1.1. O Pensamento Hindu

Predomina nas expressões da Nova Era o hinduísmo, muito voltado para a mística e o invisível — o que corresponde a um anseio do homem ocidental; vários mestres budistas têm feito escola no Ocidente, como também muitos cidadãos ocidentais têm ido procurar na índia alguma resposta para as suas aspirações.

O hinduísmo tem duas grandes notas características: o panteísmo e o reencarnacionismo. O panteísmo identifica a divindade, o homem e o mundo entre si. Essa identificação condiz bem com o holismo. concepção filosófica subjacente a muitas teses da Nova Era: holon, em grego, significa todo; a Nova Era entende que todas as coisas formam um só todo (holon). Este princípio retorna freqüentemente nos escritos da Nova Era:

“O antigo paradigma que divide, separa e analisa, precisa de ser descartado – até mesmo apagado de forma terminante – para que seja aberto espaço para a nossa supos­ta unidade entre a realidade e o divino. Tudo é Uno; Deus é Tudo, e Tudo é Deus. A humanidade é endeusada, a morte é negada, e a ignorância – e não o mal – passa a ser o inimigo” (p. 37).

A crença na reencarnação é corolário lógico do panteísmo: se não há Deus distin­to do homem e Salvador, é a própria criatura que se deve salvar. . . e ela o faz mediante duas ou mais encarnações, necessárias para que se desvincule totalmente do apego das paixões.

1.2. A Comunicação com os Mortos

Chama-se, na Nova Era, “canalização” a comunicação com os mortos; os médiuns são “canalizadores” ou “canais”. Estes põem-se em transe para poder entrar em contato, como dizem, “com algum espírito, mestre desencarnado, habitante de outro planeta ou mesmo com alguma entidade animal altamente evoluída” (p. 99).

As canalizações incluem a psicografia; poesia e peças musicais são assim captadas do “fundo mental” dos mestres, como dizem. — Entre os canais de grande renome está o brasileiro Luiz Antônio Gasparetto, que dirige um Centro Espírita para os pobres em São Paulo e leva ao ar um programa semanal de televisão, durante o qual diz receber cinqüenta artistas, “mestres antigos”: Renoir. Picasso. Goya, Van Gogh e Toulouse-Lautrec. . . Estes misturariam as tintas, as poriam nas mãos de Gasparetto, movimentariam rapidamente os seus braços e mãos sobre o papel ou a tela… É também canal de grande fama o pastor protestante Neville Rowe, engenheiro eletricista formado, que serve de canal para Golfinhos e também para Soli, um habitante de planeta distante das Plêiades!

Nossa Senhora do Rosário estaria falando através de Verônica Leuken, uma católica ultra-tradicionalista. A Virgem SS. teria revelado que o Pe. Teilhard de Chardin S.J. (+ 1955) se acha no inferno e que o presidente John Kennedy está no purgatório “por não ter manuseado direito a crise dos mísseis em Cuba” (p. 102).

“Os protestantes conservadores geralmente identificam as entidades canalizadas com maus espíritos ou demônios. De acordo com este ponto de vista, as entidades são reais, mas mentem para as pessoas” (p. 105).

Há. porém, quem julgue que “os médiuns estão ludibriando propositalmente os seus clientes, a fim de obterem fama ou lucro ou ambas as coisas” (p. 106).

1.3. Objetos Voadores e Inteligências Extra-Terrestres

É parte integrante do amálgama da Nova Era a aceitação de discos voadores (OVNI) e de seres extra-terrestres (ETs).

“Os americanos são desesperadamente curiosos de coisas como os objetos voadores não identificados (OVNI) e as Inteligências Extra-terrestres (I ETs)” (p. 110).

Um médium da Nova Era, Darryl Anka, “afirma que foi o primeiro a detectar Bashar, um ser extra-terrestre proveniente da constelação de Orion, quando ele (Anka) e alguns amigos puderam ver fisicamente, em plena luz do dia, de perto, a nave de Bashar sobre Los Angeles” (p. 111).

“Ruth Norman, de oitenta e seis anos de idade, a quem o People’s Weekly chamou ‘a grande dama dos espíritos da Nova Era’, é proprietária de sessenta e sete acres nas imediações de San Diego da Califórnia, onde, no ano de 1002, ela espera que aterrissem trinta e três espaçonaves interligadas, cada qual trazendo mil habitantes de outros planetas, inaugurando assim a era de UNARIUS (Universal Articulate Interdimensional Understanding of Science)” (People Weekly, 26/01/1987, p. 31).

“No livro Out on a Limb, Shirley MacLaine ‘vê’ veículos cheios de seres extra-terrestres. Esses estariam mencionados no livro do Êxodo, quando ‘o povo hebreu saiu do Egito e atravessou o Mar Vermelho’ (14,19-22); e também percebe uma espaçonave na visão das rodas do profeta Ezequiel (Ez 1-10)” (p. 111).

“Uma pesquisa da Gallup, feita em 1987, mostrou que 50% dos americanos acreditam na existência de discos voadores — a mesma proporção dos que crêem que os seres extraterrestres são reais — e uma em cada dez pessoas disseram que já tinham visto algo que pensavam ser algum OVNI” (p. 112).

“Os filmes de Stephen Spielberg, como E.T. e Encontros do Terceiro Grau têm fomentado a chamada ufologia (estudo sobre os objetos voadores não identificados), onde os visitantes do espaço exterior são sempre tipos amigáveis, sábios e benévolos.

Mas os relatos de seres malévolos também têm aparecido aos montões. O livro Communion, do escritor de fantasias Whitley Strieber, esteve entre os títulos mais vendidos no verão de 1987. A sinistra estória, que Strieber insiste ser veraz, é seu relato de ter sido seqüestrado para o interior de uma espaçonave por uma horda de alienígenas com 90 cm de altura” (p. 112).

George King, o inglês que é a luz orientadora da Sociedade Aetherius, sediada em Los Angeles, afirma ter entrado em contato com o “Mestre Jesus” e com uma multidão de inteligências espaciais. E prediz que um “Novo Mestre” virá “em breve e publicamente em um disco voador” (p. 115).

“Também há o culto Bo and Peep, algumas vezes chamados de ‘Os Dois’. Em meados da década de 1970, essa misteriosa dupla proclamou que, para escaparem da vindoura catástrofe, os crentes precisavam vender tudo, abandonar seus familiares e amigos e não se desgrudar de Bo and Peep, até que espaçonaves, descendo à Terra, sugassem-nos todos para a segurança em um redemoinho astral” (p. 115).

“Alguns grupos protestantes conservadores acreditam que os contatos com os OVNIs e com as IETs são causados pela atividade demoníaca (a mesma explicação que oferecem quanto às entidades canalizadas) — aquilo a que o observador de seitas, David Fetcho, se referiu, ao falar em espíritos demoníacos que obtiveram o poder de realizar materializações reais no terreno físico” (p. 117).

1.4. Medicina Alternativa

A Nova Era fala de “saúde holística”, ou seja, a saúde que envolve todo o homem em seus aspectos físico e espiritual. O pressuposto aquariano do holismo aplica-se também a este setor, e leva a crer que as doenças têm fundo psíquico, devendo-se a falso acúmulo de energias; consequentemente, podem ser curadas pela sugestão, por placebos e pela emissão de energias saudáveis.

“De acordo com a medicina oriental, a dor é entendida não como um sintoma, mas como um acúmulo de energia em algum local do corpo, energia essa que, se for corretamente redistribuída, poderá restaurar a saúde e equilibrar harmonicamente o corpo. A energia — energia psíquica — corrige ou equilibra as incorreções orgânicas” (p. 206s).

“A acupuntura e suas terapias correlatas da acupressão (shiatsu) e da reflexoterapía também fazem uso da crença de que o fluxo da energia pode ser redirecionado para que haja um equilíbrio de energias curativas, ou mediante a inserção de agulhas (acupuntura) ou por meio da aplicação de pressão (acupressão e reflexoterapia) a pontos específicos do corpo” (p. 207).

Além disso, várias outras táticas são aplicadas pela medicina holística:

– a reflexoterapia, que, efetuando massagens sobre pontos precisos dos pés. produz rápido alívio nas partes do corpo em que isto se faça necessário;

– a iridologia ou diagnóstico da íris: o olho, sendo o espelho da alma, a observação da íris pode detectar o que está errado na vesícula biliar ou em qualquer outro órgão do corpo;

– a leitura da aura ou dos campos coloridos eletromagnéticos etéreos que circundam o corpo humano; disto se segue a massagem correta, a terapia pelos aromas, pelas cores, pelos cristais, pelas vestes. . . destinados a restaurar a vibração correta do organismo;

– a ioga. a massagem de Rolfing pretendem expelir as energias negativas acumuladas no corpo físico;

– vitaminas, sais minerais, dieta vegetariana, remédios homeopáticos “formam raios adicionais da bem azeitada roda holística da saúde. Essa revolução tem produzido para a nação norte-americana mais de seis mil lojas de alimentos naturais, com vendas calculadas em três bilhões e trezentos milhões de dólares somente no ano de 1987” (p. 209);

– a cirurgia psíquica ou por “médicos do espaço” também é praticada;

– o recurso aos placebos ou ingredientes neutros, que sugestionam o paciente para que se sinta melhor ou curado:

“O Dr. Wayne Oates, professor e autor, publicou os resultados de treze estudos sobre pacientes onde um grupo de pacientes com dores crônicas recebeu pílulas açucaradas, enquanto outro grupo recebia medicação para aliviar as dores. Trinta e cinco por cento dos pacientes que não tomaram remédios, tiveram um alivio de, pelo menos, metade da dor, porquanto tinham acreditado que estavam recebendo os medi­camentos certos” (p. 212).

“O psicólogo de Nova Iorque, Larry LeShan, conta acerca de uma mulher que the telefonou pedindo que realizasse uma cura a longa distância naquela noite. No dia seguinte, ela tornou a telefonar e disse que seu alívio havia sido imediato. Mas LeShan esquecera-se de efetuar a cura!” (p. 212).

Até mesmo o câncer é tratado holisticamente. “Mediante o relaxamento, a medi­tação e a visualização, há quem julgue que a imaginação ativa do paciente pode pôr em ação o sistema imunológico do corpo a fim de destruir até mesmo os mais generaliza­dos tumores malignos” (p. 211)

“Esforce-se por retratar mentalmente o câncer; diz a voz do doutor em uma fi­ta gravada usada para instruir os pacientes. ‘Imagine as células brancas do sangue de seu corpo – um vasto exército que foi posto ali para eliminar as células anormais. . . Veja esses fagócitos atacando as células cancerosas e levando-as para fora… Veja como o câncer está encolhendo. . . Veja como você está cada vez mais bem sintonizado com a vida”‘ (Jonathan Kirsch, Can Your Mind Cure Carecer? em New Vilest Magazine, 3/01 /1977, p. 40).

1.5. Gnosticismo

Gnosticismo é uma corrente filosófico-religiosa que data dos séculos III/IV d.C. e que se vem propagando, sob modalidades diversas, até nossos dias. Tem por base a convicção de que o conhecimento (gnosis) salva o homem; trata-se, porém, de um conhecimento oculto, reservado aos iniciados; quem o consegue, faz parte de uma elite. que é muito superior ao comum dos homens:

“A premissa da Nova Era é que o conhecimento ou gnous é a chave para sermos despertos de nossa ignorância da divindade. O sonolento ‘eu superior’ pode ser despertado. A criação e a humanidade simplesmente são ‘elevadas’ a um nível divino, através da transformação pessoal” (p. 37).

“É inequívoca a influência gnóstica sobre o pensamento da Nova Era, conforme os seus líderes reconhecem livremente. O gnosticismo, que foi reputado uma heresia pela Igreja crista primitiva, assevera que os seres humanos estão destinados à reunião com a essência divina de onde brotaram. Aqueles que estão ‘no saber’ (significado literal de gnosis) ‘entendem que o homem é divino, que a sua origem e destino divinos separam-no do resto da criação e que não há limites aos seus poderes. A própria morte é uma ilusão’, explica o notável historiador Christopher Lasch” (p. 53).

1.6. Cristianismo

Também aparecem no conjunto das correntes da Nova Era elementos de Cristianismo. Jesus Cristo, por exemplo, é aí reconhecido como um avatar ou uma especial manifestação da Divindade; deverá aparecer no mundo com o nome de Maitreya, dando início à Nova Era ou à de Aquário. Os adeptos desta corrente pretendem criar “uma eclética religião mundial, que se assemelhe de perto aos sistemas religiosos do Oriente e não às crenças monoteístas ocidentais” (p. 38).

Este caráter eclético da Nova Era explica que tal corrente não tenha uma chefia única, uma organização central e uma sede de governo permanente.

“Ninguém fala pela inteira comunidade da Nova Era, disse Jeremy P. Tarcher, porta-voz de uma firma de Los Angeles que publica livros da Nova Era. ‘Dentro do movimento não há unanimidade sobre como defini-lo, nem há uma coesão significativa que nos permita chamá-lo de movimento’ (New Age as Perennial Philosophy. em Los Angeles Times Book Review, 7/02/1988. p. 15)” (p. 31).

1.7. Concepções Políticas

A Nova Era, segundo a sua visão holística do mundo, quer unificar politicamente os povos da Terra; consoante esse modo de ser, “tornar-se-iam obsoletas as fronteiras nacionais. Assim, a agenda da Nova Era requer uma emergente civilização mundial e um único governo central, incluindo impostos planetários e as Nações Unidas como a única agência central de governo” (p. 38).

Essa unificação é baseada no pressuposto de que “os seres humanos estão ficando cada vez melhores, numa ordem bem mais elevada e interligada” (p. 242).

“Satin propõe um sistema de orientação planetária tão completo que inclui até mesmo um serviço de taxação para ajudar a redistribuir riquezas às nações mais pobres. Em seu modelo político, não há lugar nem para o socialismo nem para o capitalismo – esse tipo de questões deveria ser decidido pelas comunidades locais – mas antes uma economia orientada para a vida, composta principalmente de empreendimentos de escala humana” (p. 249).

São estes os principais traços de pensamento e ação que convergem para formar o amálgama da Nova Era. Vê-se que está longe de ser uma mensagem unitária; por ter muitas facetas (nem sempre compatíveis entre si), pode recrutar adeptos dos mais diversos tipos.

2. EXPANSÃO DA NOVA ERA

“A Nova Era realmente tem influenciado cada faceta da vida contemporânea. Seus propagandistas e suas crenças geralmente são visíveis em nossos aparelhos de televisão no cinema, em horóscopos impressos ou em lojas locais de alimentos naturais. Até mesmo programas esportivos e de ginástica, de treinamento, de motivação, de aconselhamento psicológico e de aulas religiosas servem de canais freqüentes para as noções da Nova Era.. .

Trinta e quatro milhões de cidadãos americanos estão interessados no desenvolvimento interior, incluindo o misticismo, de acordo com a SRI Internacional, uma organização de pesquisa de opinião pública em Menlo Park, Estado da Califórnia… Quase metade dos adultos norte-americanos (42%) atualmente crê que estiveram em contato com alguém que já havia morrido — em uma pesquisa nacional anterior, onze anos atrás, essa taxa era de 27%” (p. 21).

“Cerca de sessenta milhões de americanos – cerca de um em cada quatro – agora acreditam na reencarnação, uma das doutrinas-chave da Nova Era; e 14% endossam o trabalho dos médiuns espíritas, ou seja, aqueles que na Nova Era, de modo geral, são conhecidos como ‘canalizadores de transes'” (p. 22).

“Em maio de 1988, a mídia transbordou de relatórios – baseados sobre

revelações de um livro escrito pelo chefe de pessoal da Casa Branca, Donald T. Reagan. — onde é dito que o Presidente e a Sra. Reagan muitas vezes liam previsões astrológicas e que Nancy Reagan consultava astrólogos para ajudá-la a determinar o itinerário das atividades e das viagens de seu marido.

Uma pesquisa da Nothern lilinois University também anunciou que mais da metade dos americanos pensa que seres extraterrestres têm visitado a Terra, uma crença corrente em muitos círculos da Nova Era” (p. 23).

Examinemos agora

3. ORIGENS E EXPANSÃO DA NOVA ERA

O surto da corrente eclética dita “Nova Era” foi preparado de perto pela

teosofia, escola de pensamento hindu fundada pela Sra. Helena Blavatsky (11891) e desenvolvida por Annie Besant (+1933). A Sra. Alice Bailey (11945) pôs a mão final nessa herança oriental.

“Parece que quem cunhou o nome ‘Nova Era’ foi Alice Bailey, o qual é usado reiteradamente em seus escritos. Mas a grande popularidade da expressão aconteceu somente depois que a ‘Nova Era’ foi associada à música título do musical de 1960, Hair, designada ‘Age o f Aquarius'” (p. 57).

Nos Estados Unidos o desencadeamento do processo se deu em 1971, quando alguns impressos começaram a ser difundidos juntamente com práticas alucinógenas.

“Pesquisas de âmbito nacional, feitas pela organização Gallup, corroboram as descobertas de Greeley: as experiências paranormais e as crenças nos pressupostos da Nova Era estão em ascendência, fazendo da Nova Era o sistema alternativo de crenças de mais rápido crescimento no país, de acordo com os novos pesquisadores de assuntos religiosos, Bob e Gretchen Passantino. Uma pesquisa de levantamento de opinião pública, feita em 1978, indicou que dez milhões de americanos estavam ocupados em algum aspecto do misticismo oriental e nove milhões em curas espirituais… E essa mesma organização descobriu que, entre 1978 e 1984, a crença na astrologia subira de 40% para 59% entre as crianças em idade escolar” (p. 22).

4. REFLETINDO…

4.1. Por que Acontece o Fenômeno Neo-religioso?

1. Embora conste de correntes de pensamento variadas, a Nova Era. em seu âmago, vem a ser a rejeição do pensar filosófico e religioso tradicional para dar lugar a concepções e práticas novas, um tanto misteriosas e irracionais; daí o adjetivo Nova que qualifica a fase de tempo (Era) aguardada para breve ou para a época subseqüente ao signo de Peixes no Zodíaco. A resposta de Nova Era aos anseios do homem tem um quê de fantasioso e mágico, pois se deriva de forças ocultas e de comunicações do além.

Este fato leva a refletir seriamente. O senso religioso dos homens ocidentais não se extinguiu, como proclamava a Teologia da morte de Deus na década de 1960, mas vai procurar em fontes novas, pouco lógicas, a sua mensagem.

2. Que terá acontecido nos nossos países ocidentais, geralmente berçados pelo Cristianismo? – Sejam ponderados os seguintes fatos:

a) O século XX foi certamente uma era convulsionada; marcada por duas guerras mundiais (1914-18 e 1939-1945, respectivamente), das quais a segunda causou 55 milhões de mortes; até hoje sentem-se as conseqüências da grande desordem assim acarretada (tenham-se em vista as lutas na ex-Iugoslávia e na ex-URSS). Seguiu-se a descolonizaçao na África e na Ásia, com os conflitos daí decorrentes a repercutir também no Ocidente (migração de africanos e asiáticos para a Europa e a América). Muitas esperanças desfizeram-se, muitos valores desmoronaram, muitas pessoas foram, e estão sendo, deslocadas.

b) Simultaneamente, vem-se registrando enorme progresso científico e tecnológico. Se, de um lado, este é um fato positivo e alvissareiro, de outro lado acarreta certo desatino e perplexidade: a máquina é preferida ao homem, que sofre o desemprego em proporções avultadas; a máquina também ameaça o homem, pois lhe pode causar catástrofes dolorosas, se manipulada contra o homem. A ciência pode tornar-se selvagem para o homem; tenha-se em vista o que ocorreu na Genética: novas e novas experiências reduzem o embrião humano ao nível de coisa, que é produzida artificialmente e destruída quando não tem valor pragmático; os critérios da ciência definem quem há de viver e quem há de morrer.

c) A corrida aos bens materiais na Europa e na América contribui para “achatar” o homem. O materialismo sufoca o senso místico natural ou congênito de todo ser humano.

d) A corrente existencialista iniciada por Sören Kierkegaard (+ 1855) tem lançado o descrédito sobre a metafísica e os valores perenes e transcendentais. Um certo anti-intelectualismo no tocante à Ética, ao Direito e à Religião progride ao lado do intelectualismo das ciências exatas; os sentimentos e as emoções subjetivas prevalecem sobre o raciocínio e a lógica objetiva. “Cada um na sua verdade ou Ética” é um adágio popular bastante disseminado, que bem exprime o subjetivismo de certas concepções relativas ao homem e ao seu destino.

e) Verifica-se que até mesmo o Cristianismo clássico foi afetado pelas ondas do pensamento moderno no que este tem de negativo: o secularismo ou uma predominante preocupação com as estruturas temporais (sociais, econômicas e políticas) deste mundo contribuiu para esvaziar o Cristianismo dos seus valores mais típicos ou dos seus aspectos transcendentais. A “teologia da morte de Deus”, também dita “Cristianismo sem Deus” ou “Cristianismo arreligioso”, proposta por autores das décadas de 1940-1960 (Dietrich Bonhoeffer, Harvey Cox, John Robinson, Altizer. van Buren…), embora já tenha feito sua onda, deixou marcas; estas se refletem ainda nas modalidades extremadas da Teologia da Libertação, que persiste até nossos dias, colocando em eclipse a autêntica mística cristã, para enfatizar proposições e realizações de ordem material.

Em conseqüência, um certo relativismo e um reducionismo cristológico e eclesiológico têm tornado anêmicos o anúncio do Evangelho.

3. Estes fatores conjugados entre si provocam um grande vazio dentro do homem ocidental. Todo ser humano precisa, incoercivelmente, de saber por que e para que vive. Ora, somente a fé religiosa pode responder cabalmente a estas questões.

Compreende-se então que o senso religioso inato do homem procura abastecer-se em fontes não tradicionais, concebidas de modo confuso, irracional e fantasioso; Buda, Maitreya, Moon ou “um outro Jesus” são chamados a preencher a lacuna do coração humano, numa tentativa mais ou menos cega de satisfazer às aspirações deste. Um guru, um líder “carismático”, um “profeta”. . . proporcionam aparente segurança ou firmeza às pessoas inquietas. Novas comunidades oferecem acolhida e calor humano aos desesperançados. Estes julgam encontrar assim a solução para os seus anseios.

Perde-se freqüentemente a consciência de que a fé é um ato da inteligência humana (não um ato cego ou emocional) e, por isto, deve estar apoiada em credenciais ou em motivos de credibilidade (eu tenho que procurar saber inteligentemente por que hei de crer nisto ou naquilo e não naquilo outro). O pulular de novos movimentos religiosos e seitas daí resultante levava André Malraux a escrever: “O problema capital do fim do século XX será o problema religioso”[2]. Este fenômeno, sem dúvida, revela a dimensão religiosa perene do ser humano, mas é muito mais a recusa da irreligião do que a afirmação da fé no sentido pleno desta palavra; é a atitude de quem rejeita ser considerado como sujeito de parâmetros da economia, explicável pelo intercâmbio entre produção e consumo; parece ser mais um protesto (quiçá modista) do que a restauração da autêntica atitude religiosa (esta, para ser plenamente humana, deve contar com o apoio e a colaboração da inteligência); é um sintoma da inquietação do homem que perdeu o seu Norte e se sente angustiado porque ainda atraído por Ele sem saber onde O encontrar; tal sintoma é, sem dúvida, sadio, mas ainda rudimentar ou incompleto.

Pode-se notar, outrossim, que, por vezes, o senso religioso se transfere para o culto de valores meramente humanos tidos como sagrados ou quase sagrados: os direitos do homem (em lugar dos direitos de Deus), a conservação da natureza ou a ecologia (com a veneração da Mãe-Terra), as reivindicações da Amnesty Internacional e o culto à raça…

É interessante o comentário que Jean Vernette faz ao pulular religioso de nossos dias:

“O atrativo das novas gnoses e o fascínio do maravilhoso revelam o pânico de uma sociedade altamente industrializada que se tornou incapaz de oferecer um sentido da existência apto a convencer os homens.

Traduzem a necessidade de crer, mesmo em pessoas formadas na mentalidade científica. A astrologia seduz, porque parece apoiar-se sobre leis científicas. .. As crenças ufológicas apoiam-se sobre fatos tidos como seguros; o espiritismo parece ter um suporte experimental.

Todavia, essas modalidades de crer não têm a firmeza de uma fé consistente. Por exemplo, a astrologia liberta da angústia existencial porque parece oferecer certo domínio sobre o futuro. Mas, dado que as previsões não são sempre garantidas com certeza, as pessoas acreditam e não acreditam nelas. Um traço de flou ou vago caracteriza esse tipo de religiosidade”(art. citado, Esprít et Vie, 13/03/86, p. 150)[3].

Pergunta-se agora:

4.2. Que Fazer? Como Responder?

O Papa Paulo VI afirmou que o Espírito Santo fala, às vezes, pelos ateus. Por que não estaria falando através do vasto surto religioso, um tanto emotivo e ilógico, de nossos dias?

Na base desta premissa, podemos dizer que a religiosidade ardente de nossos tempos não deve ser menosprezada, como se fosse uma onda vazia, mas há de ser tida como um apelo da sociedade contemporânea aos fiéis católicos. O Evangelho conserva hoje a força e a capacidade de atrair que tinha nos primeiros séculos: perseguido pelo Império Romano, conseguiu vencer as pressões sem ter dinheiro nem armas, mas unicamente pelo poder de convicção da verdade; a beleza da mensagem cristã calou fundo no coração dos homens pagãos, a tal ponto que Tertuliano (+220) escrevia: “A alma humana é naturalmente cristã”.

Em nossos dias, portanto, o Evangelho, vivido durante quase vinte séculos pela Igreja de Cristo, há de poder responder aos anseios do homem moderno. Pergunta-se. porém: será que os cristãos crêem no valor e na “loucura” do Evangelho, como as primeiras gerações acreditavam? Não faltará aos fiéis católicos a têmpera convicta e corajosa que animava os antigos cristãos? O fenômeno religioso fervilhante e desorientado de nossos tempos não será o indício de que existe uma lacuna no coração dos homens, que somente a Igreja pode preencher? O homem de hoje é sequioso do Transcendental. como os pagãos eram sequiosos; não estará faltando quem comunique a esses irmãos a Palavra que Deus revelou precisamente para atender aos anseios de todo homem?

Impõe-se, a quanto parece, a resposta positiva a estas perguntas; é forçoso reconhecer que os fiéis católicos poderiam ser mais ardorosos na transmissão da mensagem que eles receberam de graça para comunicar de graça… Donde deduzimos as seguintes conclusões:

1) Faz-se mister anunciar o Evangelho — o que, aliás, sempre foi um dever dos fiéis católicos. Eis, porém, que as circunstâncias atuais o exigem com três modalidades importantes:

– na integridade da fé católica. Não haja receio de expor as verdades atinentes à Eucaristia, ao pecado e ao sacramento da Reconciliação, ao Papa, aos novíssimos…

– com segurança e firmeza (o que não quer dizer em atitude polêmica ou agressiva). O homem moderno estima convicções sólidas e corajosas. Não basta falar, mas é preciso falar com persuasão. São Paulo não recorria aos artifícios da retórica quando pregava e escrevia, mas exprimia-se com o calor de quem sabe o que diz e ama a verdade proferida; isto o tornou o grande arauto da mensagem cristã;

– de maneira que toque não só a inteligência, mas também os afetos e os anseios do ser humano. É preciso saber falar ao coração do homem, já que hoje as emoções e os sentimentos desempenham importante papel na vivência religiosa.

2) Faz-se necessário cultivar e expor também o aspecto místico da vida cristã. A experiência de Deus se faz na oração e pela oração. O mundo de hoje procura lugar de silêncio e retiro, onde a pessoa se recomponha da vida dilacerada e agitada que leva. O catolicismo tem bela tradição mística, codificada nas obras de mestres famosos: carmelitas, inacianos, beneditinos. . . É para desejar, porém, que não se confundam esta dos psíquicos paranormais ou anormais com dons místicos ou graças de oração; em vista disso, é preciso que se enfatize o papel da inteligência e do raciocínio no progresso espiritual; a fé não é sentimento cego, mas é um ato da inteligência movida por credenciais ou por motivos que justifiquem logicamente o ato de fé.

O anti-intelectualismo de muitas pessoas religiosas não condiz com a realidade da mensagem católica. Esta interpela o ser humano como tal ou como criatura inteligente e pensante. Quanto mais estudado é o Evangelho, tanto mais saboroso e atraente se torna.

3) Espera-se dos fiéis católicos um testemunho não só de palavras, mas também de vida. Uma conduta indefinida ou incoerente anula os efeitos da pregação. O secularismo é morte para o Cristianismo; Deus há de ser manifestado com toda a lucidez por quem nele crê.

O fiel católico que se dispuser a tal testemunho, entregará a Deus a frutificação dos seus esforços, de acordo com a Palavra do Apóstolo: “Eu plantei. Apolo regou, Deus deu o crescimento” (1Cor 3.6). De resto, a experiência ensina que. onde há vivência plena do Catolicismo a se irradiar em zelo pastoral assíduo, as pessoas deixam de ser atraídas por seitas e novos movimentos religiosos, pois a sua sede de Deus e do Absoluto lhes é adequadamente saciada.

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APÊNDICE

À guisa de complemento, vai aqui publicado um trecho de carta escrita por São Francisco Xavier (1506-1552), missionário na índia, a S. Inácio de Loyola:

“Percorremos as aldeias de neófitos, que receberam os sacramentos cristãos, há poucos anos. Esta região não é cultivada pelos portugueses, já que é muito estéril e pobre; e os cristãos indígenas, por falta de sacerdotes, nada sabem a não ser que são cristãos. Não há ninguém que para eles celebre a Ação divina; ninguém que lhes ensine o Símbolo, o Pai-nosso. a Ave-Maria e os mandamentos da Lei de Deus.

Desde que aqui cheguei, não parei um instante: visitando com freqüência as aldeias, lavando na água sagrada os meninos ainda não balizados. Purifiquei, assim, grandíssimo número de crianças que, como se diz, não sabem absolutamente distinguir entre a esquerda e a direita. Estas crianças não me permitiam recitar o Ofício Divino nem comer nem dormir, enquanto não lhes ensinasse alguma oração; foi assim que comecei a perceber que destes é o reino dos céus.

À vista disso, como não podia, sem culpa, recusar pedido tão santo, começando pelo testemunho do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinava-lhes o Símbolo dos Apóstolos, o Pai-nosso e Ave-Maria. Observei que são muito inteligentes, e, se houvesse quem os instruísse nos preceitos cristãos, não duvido de que seriam excelentes cristãos.

Nestas paragens, são muitíssimos aqueles que não se tornam cristãos,

simplesmente por faltar quem os faça tais. Veio-me muitas vezes ao pensamento ir pelas Academias da Europa, particularmente à de Paris, e por toda parte gritar como louco e sacudir aqueles que têm mais ciência do que caridade, clamando: ‘Oh! como é enorme o número dos que, excluídos do céu, por vossa culpa se precipitam nos infernos!'[4].

Quem dera que se dedicassem a esta obra com o mesmo interesse que às letras, para que pudessem prestar contas a Deus da ciência e dos talentos recebidos!

Na verdade, muitos deles, impressionados por esta idéia, entregando-se à meditação das realidades divinas, talvez estivessem mais preparados para ouvir o que Deus diria neles; abandonando as cobiças e interesses humanos, se fariam atentos a um aceno da vontade de Deus. Decerto, diriam de coração: ‘Senhor, eis-me aqui; que queres que eu faça? Envia-me aonde quer que for de Teu agrado, até mesmo à índia”‘.

Esta carta bem ilustra o senso religioso inato do ser humano e o zelo apostólico do missionário. Conserva sua atualidade.

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NOTAS:

[1] Tradução do inglês por João Marques Bentes. – Ed, Bompastor, Rua Pedro Vicente, 90 – 01109-010 São Paulo SP, 11160×230 mm, 421 pp.

[2] Citado por Jean Vernette, no artigo “Sectes et Gnose. Néo-paganisme et Nouvelle Religiosité. Le déplacement actuel des phénomenes religieux, question posée aux Eglises”, na revista “Esprit et Vie”, 63/1986, p. 130.

[3] Ver pp. 207-298 deste fascículo (N. da R.).

[4] A Teologia, em nossos dias, reconhece que as pessoas que de boa fé professam uma crença não católica (até mesmo pagã) são julgadas por Deus segundo a fidelidade à sua consciência cândida, reta e sincera, e não segundo os parâmetros do Evangelho, que não lhes foi dado ouvir. Cf. Constituição do Vaticano II “Lumen Gentium’, n° 16.

(Nota do Editor)

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