Evolucionismo: acaso ou inteligência criadora

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 180/1974)

 

Em síntese : Um artigo de R. de la Taille e A. Humbert-Droz publi­cado pela revista “Science et Vie”, n° 683, em agosto 1974, pp. 26-39, apresenta conclusões a que chegou recentemente a Escola de Físicos de Bruxelas. Estes, aplicando-se ao estudo da termodinâmica, julgam poder projetar novas luzes sobre a questão da origem da vida. A harmonia expressa nos fenômenos da biologia e da bioquímica e, de modo especial, as formas geométricas que caracterizam os corpos (tanto os inertes como os vivos), desde as espirais e hélices do ADN até as das galácias, são testemunhos da Inteligência Criadora. Assim a tese de que a vida se deve ao acaso aparece mais e mais como hipótese gratuita até mesmo entre os cientistas.

As páginas que se seguem não apresentam as minúcias do artigo citado, pois estas se destinam a especialistas, mas reproduzem as linhas gerais do mesmo. Trata-se, sem dúvida, de artigo que tem enorme im­portância não só no campo das ciências como no da Filosofia.

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Comentário: As questões relacionadas com a origem do mundo e do homem estão sempre, ou cada vez mais, em foco, não somente entre os cientistas, mas em todo homem, na me­dida mesma em que é homem e procura os pontos cardeais para se orientar durante a sua existência na terra. Mesmo o mundo dos artistas, cuja função é muitas vezes «artificial», lança oportunamente ao público tais questões, como se de­preende das palavras que o ator e músico italiano Dario Fo repetiu recentemente em entrevista à imprensa: «Se não sa­bemos de onde viemos mal poderemos saber para onde va­mos». [1]

Até o século passado, tais interrogações eram soluciona­das geralmente mediante o recurso a Deus, Criador Sábio e Providente do mundo e do homem (verdade é que a respeito se atribuíam à S. Escritura minuciosas notícias, que hoje se verifica não pertencerem à mensagem da Bíblia). A partir de Ch. Darwin (1809-1882), as antigas concepções foram sen­do postas em xeque, dando lugar a teses não raro materialis­tas, que pretendiam lançar a ciência esclarecida contra a fé. Nos últimos anos, porém, parece que a própria ciência por si mesma aponta cada vez mais os vestígios da sabedoria de Deus no grande universo como também na micro-Matéria. Tenham-se em vista os depoimentos de fé proferidos por astro­nautas, que, percorrendo os espaços e chegando à Lua, se sen­tiram incitados a glorificar o Criador.

Interessa-nos aqui registrar, como um dos mais recentes testemunhos a este propósito, o conteúdo do artigo «Le Hasard n’existe pas» (O acaso não existe) da autoria de Annie Hum­bert-Droz e Renaud de la Taille, publicado na revista «Science et Vie», n° 683, agosto 1974, pp. 26-39. Este estudo refere os resultados de pesquisas a que chegaram ultimamente os físicos da Escola de Bruxelas Ilya Prigogine[2], Glansdorff… ; divi­de-se em duas partes: 1) conclusões da termodinâmica; 2) observações sobre a arquitetura de viventes e não viventes. O artigo é encabeçado pela seguinte observação, que bem indi­ca o seu teor:

“A perfeita espiral de uma concha de caramujo traz talvez a resposta a uma questão científica e filosófica de enorme alcance: a vida originou-se realmente do puro acaso, como se tem acreditado até os últimos tempos? Os físicos da Escola de Bruxelas, baseando-se na termodinâmica, demons­tram, ao contrário, que a vida, embora seja um equilíbrio instável, obedece a leis. Doutro lado, o estudo da arquitetura das formas vivas e das inanimadas… indica que existem esquemas geométricos dominantes, desde o cristal até a flor e a célula viva. Radiantes, esféricos ou em hélice, esses esquemas também parecem confirmar que ‘Deus não joga com dados’, segundo a célebre fórmula de Einstein” (p. 26).

Percorreremos os dois tópicos do mencionado artigo em estilo sumário, interessando-nos mais pelas suas linhas gerais (que têm grande importância filosófica) do que por suas

mi­núcias destinadas a especialistas.

1. Termodinâmica e vida

1. A termodinâmica é a ciência das relações entre fenô­menos térmicos, e mecânicos. Há 150 anos, o físico francês Sadi-Carnot publicava os seus trabalhos a respeito do funcio­namento da máquina a vapor, dando assim início às suas teses até hoje válidas. Em 1974, cientistas do mundo inteiro, reu­nidos na Escola Politécnica de Paris, celebraram o 150° aniver­sário da termodinâmica. Esta se apresenta fecunda não só em conclusões de índole física, mas também no setor da filosofia, como adiante se verá: permite prever algo sobre o futuro do universo, como também parece fornecer a chave das leis de se­leção e evolução da vida.

Principalmente os físicos da Escola de Bruxelas nos últi­mos anos vêm-se interessando pelos fenômenos da vida à luz da termodinâmica. Ilya Prigogine, por exemplo, observa:

“O ser vivo não é o improvável ganhador de imensa lo­teria; a vida já não aparece como um milagre precário, uma luta contra um universo que a recusa. Com a generalização da termodinâmica, chegamos a compreender que em certas condições particulares a vida é a regra 2. O rígido dualismo do acaso e da necessidade está ultrapassado”.

Esta observação contradiz, com válido fundamento, à tese de Jacques Monod no livro «O acaso e a necessidade» (Petró­polis 1970), segundo o qual «tudo o que existe no universo é o fruto do acaso e da necessidade» (Demócrito).

2. Pergunta-se: como procede a Escola de Bruxelas pa­ra demonstrar a sua tese?

– Em poucas palavras, lembremo-nos de que dois são os grandes princípios da termodinâmica:

1) O primeiro afirma que a energia total de um sistema observável (macroscópico) se conserva através das suas trans­formações físico-químicas. Por exemplo, a energia química consumida na combustão da gasolina transforma-se e, trans­formada, encontra-se integralmente no trabalho de propulsão do veículo e no calor emitido pelo radiador.

2) O segundo princípio define os limites das transforma­ções, afirmando: pode-se transformar energia motriz em tér­mica (calor), mas não se consegue o contrário. Com outras palavras: o calor que resulta de uma transformação de ener­gia química em energia motriz, propulsora, já não se trans­forma em outro tipo de energia; o processo é irreversível; o passado fica sendo passado uma vez por todas. Isto quer dizer que o universo tende a um estado em que já não haverá mo­vimento, mas inércia, e igual temperatura em toda parte. A evolução do universo é unidirecional. A tendência ao equilíbrio da temperatura e à inércia é chamada entropia; esta vai-se acentuando no decorrer dos tempos, de modo que se pode pre­ver chegue, em época remota, ao seu grau máximo.

A entropia equivale a desordem molecular; a lei de au­mento irreversível da entropia é lei de desorganização pro­gressiva. Todo sistema isolado do mundo exterior evolui

irre­mediavelmente para a desordem máxima, ou seja, para o es­tado de entropia máxima. Destas premissas se poderia con­cluir que a vida – cujas estruturas supõem, por excelência, ordem – não teria chance de se realizar se considerássemos apenas as leis da termodinâmica. Foi, de fato, a esta conclu­são que a maioria dos biólogos chegou nos últimos anos.

Todavia a Escola de Bruxelas aplicou-se ao estudo mais exato desta proposição, conseguindo demonstrar o contrário, ou seja, a tese de que não existe incompatibilidade entre o aparecimento da vida (caracterizada pela ordem) e o segundo princípio da termodinâmica aplicado aos sistemas isolados (princípio que significa desordem). Essa Escola chegou, sim, à conclusão de que em sistemas não isolados – isto é, que permutem energia ou energia e matéria com o mundo exte­rior – o estado final de equilíbrio termodinâmico não é ne­cessariamente o estado desordenado.

O melhor exemplo de evolução em demanda de um estado de equilíbrio ordenado (em um sistema não isolado) é o cristal; neste os átomos estão perfeitamente ordenados segun­do diversos planos. Contudo, do ponto de vista da termodi­nâmica, os seres vivos não são comparáveis a cristais. Com efeito, o cristal apresenta estrutura de equilíbrio: uma vez formado, ele não exige a ação da energia no seu ambiente para se manter; ele está em equilíbrio com o mundo exterior. Ora tal não é o caso dos organismos vivos, pois as células, para permanecerem vivas, permutam constantemente energia e ma­téria com o seu ambiente. As estruturas biológicas, portanto, são estados específicos de não-equilíbrio; exigem dissipação constante de energia e matéria; donde o nome que Ilya Pri­gogine e em geral os cientistas hodiernos lhes dão: estruturas dissipativas. Em conseqüência, vê-se que a diferença existente entre um pássaro e a escultura desse pássaro consiste em que o pássaro precisa de permutar energia e matéria com o ambiente para guardar a sua forma, ao passo que a escul­tura não precisa disto. Por conseguinte, a fim de explicar a vida, a Escola de Bruxelas ampliou o quadro da termodinâ­mica (limitado ao estudo dos estados de equilíbrio), fazendo-o abranger também os estados de não-equilíbrio. Um estado de não-equilíbrio é provocado pelas pressões que o ambiente exer­ce sobre o sistema. Essas pressões que consistem em afluxo contínuo de energia ou de certas espécies químicas (alimenta­ção) têm por efeito tornar impossível o estado de equilíbrio termodinâmico. Se o sistema estudado está longe do equilíbrio, o aparecimento de estruturas dissipativas ordenado torna-se então possível, e essas estruturas só se conservam se as pres­sões continuam.

A seguir, a exposição de Annie Humbert-Droz enuncia experiências realizadas nos setores da biologia e da bioquími­ca, apresenta hipóteses, dai decorrentes, sobre as etapas de origem da vida, e termina com a seguinte reflexão

“Em conclusão, os modelos termodinâmicos de estruturas dissipativas estabelecidos pelos estudiosos da Escola de Bru­xelas (Prigogine, Glansdorff…) provocaram numerosas

pes­quisas no universo destinadas a confrontar esses modelos teóricos com fatos experimentais; foi verificada a exatidão de tais modelos. Parece comprovado, no momento atual, que esses modelos correspondem perfeitamente à realidade dos fenômenos biológicos. E que o acaso já não é, em biologia, o deus cego que se admitia” (p. 39).

Na outra parte do artigo, Renaud de la Taille, baseando-se em ulteriores observações da natureza, chega à conclusão de que realmente, em lugar do acaso, é a ação de uma Inteligên­cia Criadora e sábia que se desvenda ao observador. Eis, brevemente, as suas averiguações.

2. A geometria da natureza

É contrário a toda expectativa, por exemplo, que uma tangerina se divida sempre em gomos iguais entre si ou que uma estrela do mar tenha a forma de um pentágono regular, ou ainda que as escamas do pinho se vão alinhando sob a forma de espiral logarítmica. Com efeito, uma lei essencial da Física reza que toda organização de elementos materiais deve entrar quanto antes no equilíbrio absoluto da maior de­sordem possível. Ora, vista a idade da terra, a laranja e a tangerina deveriam apresentar-se hoje em dia como sacolas sem forma, e o fruto do pinho como um amontoado arbitrário de partículas irregulares.

Formas geométricas também se encontram copiosamente na matéria inerte, contra toda expectativa: as estrelas são es­féricas, as galácias constituem elegantes espirais, e , a matéria em nosso planeta se cristaliza, segundo prismas muito harmo­niosos.

Embora tais fenômenos contradigam às conclusões de quem estuda a termodinâmica, eles não nos impedem de verificar que o universo é coerente, pois se manifesta segundo estruturas geométricas regulares; estas se opõem ao conceito de acaso e denunciam um planejamento sábio e inteligente do universo.

Na matéria viva, e mais ainda do que na inerte, pode-se também observar essa harmonia geométrica. Assim, por exem­plo, tenham-se em conta, entre outros dados, os seguintes:

1) Quase todos os moluscos que têm concha, têm-na em espiral, ou, mais exatamente, em hélice. Um dos exem­plos mais perfeitos de espiral é a concha do nautilo, caramujo dos mares quentes. Os caramujos alongados e pontudos têm a forma de uma hélice cônica.

Essa mesma arquitetura em espiral encontra-se em gran­de número de flores ou de botões de flores, na gavinha da videira, nos frutos do pinho, nos canais internos do ouvido. A aranha tece um fio espiralado ao redor dos fios de sua teia postos em estrela; o ADN apresenta-se sob a forma de hélice dupla, surpreendente para quem a observa ao microscópio. De resto, deve-se notar que espirais e hélices se encontram desde o ADN até as galácias e as nebulosas extra-galáticas do imenso cosmos.

2) Outra estrutura, constante no reino vegetal, mas me­nos corrente no animal, é a simetria da estrela; basta cortar certas frutas pela metade para verificá-la; a mesma imagem aparece também nos caules e principalmente nas flores (te­nha-se em vista o clássico exemplo da margarida).

No reino mineral, embora a estrutura da estrela caracte­rize os cristais da neve, mais freqüente é a do prismo termina­do por pirâmide em cada uma (ou, ao menos, em uma) de suas extremidades; sejam citados, como exemplos, o quartzo, o sal grosso… Quase todos os metais, ligas, rochas e outros minerais oferecem desenhos geométricos em sua estrutura íntima; mas a presença de impurezas e o modo como os elemen­tos se tornaram sólidos, condicionam o aspecto final, de tal sorte que muitas vezes os cristais elementares ficam microcóspicos e o conjunto aparece como um aglomerado que não tem nítida forma geométrica, como não tem forma de tijolo um amontoado de tijolos.

A simetria reina entre os animais superiores, visto que es­tes constam de dois lados (o direito e o esquerdo) ou de duas metades justapostas. Essa simetria se explica logicamente pela gravidade, força que nos atrai para a terra em linha vertical. Todo ser vivo que se desenvolva para o alto (e é necessário que o faça, pois é para cima que há espaço livre), deve go­zar de equilíbrio quando se acha em repouso (este equilíbrio é indispensável condição de existência); por conseguinte, des­de que lhe cresça um braço de um lado, é necessário que lhe cresça outro braço do outro lado, simétrico em relação ao primeiro; se assim não fosse, o vivente carregaria peso excessivo de um lado e o conjunto cambalearia. Cada perna deve ter a sua congênere simétrica; por isto, o homem possui duas pernas, enquanto os outros mamíferos têm mais de duas; certos insetos têm seis patas, os aracnídeos têm oito patas, os caran­guejos dez, e as centopéias cem… Por conseguinte, a dupli­cação dos órgãos e a simetria dos mesmos em relação a um plano vertical disposto no sentido da marcha do vivente são con­seqüências da lei da atração universal exercida pela gravidade. Destituída de equilíbrio segundo a direção vertical, nenhuma criatura viva poderia subsistir.

Eis alguns poucos testemunhos, selecionados dentre os muitos que Reanud de la Taille apresenta, no intuito de ilus­trar a harmonia geométrica da natureza. Esta traduz a sa­bedoria do seu Criador, em lugar do qual seria desproposita­do estabelecer o acaso!

Na verdade, a palavra «acaso» não é senão um nome ao qual não corresponde sujeito algum… muito menos corres­ponde o responsável por determinado efeito. O «acaso» é, antes, um suporte fictício ou imaginário que a nossa ignorân­cia concebe ou cria quando ela não conhece o(s) autêntico(s) sujeito (s) responsável (veis) por determinado fenômeno. Quanto mais o estudioso se aplica sem preconceitos à inves­tigação científica, tanto mais se habilita a remover a hipótese do acaso!

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NOTAS:

[1] “O Globo”, 10/10/74, p. 27. Tal afirmação não é senão eco de semelhante observação feita pelo Mestre Gramsxi, segundo a notícia do jornal citado.

[2] Este também é diretor do Centro termodinâmico da Universidade de Austin (Texas, U.S.A.).

[3] Fenômenos cuja nota característica é o calor ou a temperatura alta ou baixa.

[4] No sentido de “é o termo regular do processo de evolução” (N. do tradutor).

 

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