Evolucionismo: origem da vida e acaso

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 335/1990 )

Em síntese: Este artigo apresenta o texto do Prof. J. Swyngedauw, que recusa a explicação da origem da vida por recurso ao acaso. Independentemente de qualquer concepção filosófica, a ciência mostra a total inviabilidade dessa teoria, pois a complexidade de uma só célula viva é tal que nem mesmo uma célula pode ter tido origem por acaso. De resto, numa reflexão racional sobre o assunto, deve-se dizer que o acaso não é um sujeito responsável por coisa alguma; não existe o Senhor Acaso. Com efeito; acaso é o nome que damos a um cruzamento de atividades que a nossa ignorância não sabe explicar.

***

Há anos o biólogo francês Jacques Monod, Prêmio Nobel, publicou o livro “O Acaso e a Necessidade”,[1] tentando reconstituir a origem da vida a partir do acaso ou do jogo de roleta da natureza, que teria encastelado os átomos e moléculas dos ácidos nucléicos, da proteína, da albumina, da ossatura…

Já naquela época se refutava a tese de Monod, lembrando um velho axioma filosófico: o acaso não é sujeito responsável por coisa alguma; não existe o Sr. Acaso. Com efeito; Acaso é o nome que damos a um cruzamen­to de atividades que nossa ignorância não sabe explicar. Por conseguinte, o recurso ao acaso como elemento explicativo da vida é mera falácia de lin­guagem.

Na verdade, quando os cientistas falam de acaso tem em vista o jogo das probabilidades: teriam ocorrido de maneira cega ou sem causa inteligente, as jogadas prováveis dentro de determinado sistema para compor átomos, moléculas, tecidos vivos etc? Tal hipótese tem sido estudada por muitos sábios. Entre estes se destaca J. Swyngedauw, Professor Honorário de Biofísica na Faculdade de Medicina de Lule (Franca) que acaba de editar o livro: La Vie… un hasarci? (A Vida… um acaso?) Ceil Editeur – 1989.

O próprio autor apresentou a Linha-mestra dessa obra no artigo Lo hasard, auteur de la vie? (O acaso, autor da vida?), publicado no periódico La Presse Médicale, 2-9 de setembro 1989, 18, n. 27, pp. 1312-1313. A seguir, apresentaremos a tradução portuguesa desse artigo e lhe acrescentare­mos alguns comentários:

O ACASO, AUTOR DA VIDA?

“Está demonstrado, e ninguém duvida disto, que as reações bioquímicas ocorrentes num organismo vivo se realizam segundo modalidades especificas; nestas os processos enzimáticos desempenham as primeiras funções, mas em conformidade com as leis clássicas da termodinâmica reconhecidas em laboratório. Nem poderia ser de outro modo. Os organismos vivos cons­tam exclusivamente de átomos que, graças às suas propriedades de ligação eletroquímica, se associam em moléculas de todos os tamanhos; tudo o que ocorre numa célula viva, acontece inevitavelmente segundo a sintaxe universal dos átomos”.

Quanto ao mecanismo das combinações dinâmicas específicas, que levaram à produção da vida, os biólogos, em sua grande maioria, admitem que a evolução, desde a matéria bruta até o cérebro humano, [é a conseqüência de propriedades de complexificação da matéria; essa complexifica­ção resultaria inicialmente do acaso dos encontros de moléculas na atmosfe­ra e nos oceanos primitivos. A evolução das espécies teria ocorrido no qua­dro da hipótese de Darwin: acaso e seleção natural são, com maior ou menor rigor, professados. Todavia certo número de cientistas da natureza julgam, como P. Grassi, essa hipótese de todo insuficiente].

Excluído o acaso

Trata-se, pois, de opiniões em que entram alguns a priori (preconceitos) mais ou menos conscientes, decorrentes da orientação filosófica de cada estudioso. O dilema só pode ser resolvido se retrocedermos até as origens, is­to é, à Terra primitiva, anterior a qualquer esboço de vida. Havia então ape­nas um sistema físico sujeito em particular, ao segundo princípio da termodinâmica, conforme o qual a entropia[2] do sistema… Só podia crescer.

Sem dúvida, sob o efeito de irradiações ionizantes de diversas proce­dências, formaram-se numerosos encastelamentos de moléculas, entre os quais os das moléculas bióticas, em meio a uma multidão de outros agrupamentos. Isto se deu em virtude das afinidades próprias dos átomos que as constituíam, isto é, em virtude da informação intrínseca, cuja índole é mera­mente eletroquímica. Mas essas moléculas bióticas não tinham possibilidade de encontrar o caminho e a disposição extremamente complexa necessária para torná-las um organismo vivo. O acaso pode apresentar coincidências; nunca, porém, foi capaz de organizar o que quer que seja. Aliás, este é um dado de experiência cotidiana: todos sabem que as casas tanto quanto os maciços montanhosos mais pujantes se desagregam e acabam desaparecendo sob os golpes das forças cegas oriundas da energia solar: sobre a Terra em formação, na falta de um agente organizador extrínseco, ter-se-ia perpetuado indefinidamente um caos de macromoléculas e de agregados. Os estudio­sos tentaram, de diversos modos, contornar as conseqüências do segundo princípio da termodinâmica, mas elas são impreteríveis.

De outro lado, escapou à maioria dos biólogos, e a Jacques Monod em particular, uma noção capital: é impossível que os primeiros esquemas de vi­da tinham tido origem a partir de uma espécie de jogada ou de um feliz acaso ocorrido na roleta de Montecarlo. Eles resultam do encadeamento de uma multidão de remanejamentos físico-químicos estruturantes e sucessivos, rigorosamente definidos e estritamente improváveis. Quantitativamente essas improbabilidades se multiplicam umas pelas outras, de modo que é nula a probabilidade global de que apareça o primeiro esquema de vida por efeito do mero acaso. É de todo impossível. A constituição do ADN[3] presta-se a demonstrá-lo por um cálculo de probabilidade elementar não equívoco.

O funcionamento da vida, isto é, a proliferação dos mais modestos or­ganismos conhecidos, as bactérias, exige cerca de quatro milhões de nucleotídeos no seu ADN; é a reprodução desses quatro milhões que garante a perenidade do patrimônio genético.

Suponhamos, com Cl. Héléne. Que o primeiro agrupamento que possa ser considerado significativo ou encaminhado para o surto da vida, comporte não alguns milhares, mas apenas cem nucleotídeos dispostos segundo uma ordem rigorosamente definida.

Tentemos fazer o que faz o acaso, a saber: reconstituir esse modelo mediante jogadas cegas sucessivas dos quatro nucleotídeos padrão. A probabilidade de obter o primeiro resultado é de 1/4, ou seja, 0,25. A de obter os dois primeiros resultados é de (0,25)2. Para obter a série de cem nucleotídeos, a probabilidade é (0,25)100 ou aproximadamente 10-60, isto é, uma probabilidade sobre um numero desmedido, a saber: 1 seguido de 60 zeros, o que vem a ser impossibilidade absoluta e isto para chegar a uma seqüência ridiculamente breve. O resultado seria igualmente improvável ou mesmo im­possível se o alfabeto cromossômico comportasse inicialmente apenas três ou quatro nucleotídeos.

Acontece, porém, que a vida de um ser tão rudimentar quanto a bactéria não comporta apenas cem nucleotídeos, mas aproximadamente quatro milhões, número este que deveria constar como expoente se quisessem cal­cular a sua probabilidade de aparecer a partir do nada.

O agente organizador

Estas considerações excluem peremptoriamente o acaso e mesmo qualquer indeterminação na elaboração do fenômeno vida. O mesmo se diga a respeito de todas as inovações que apareceram no decorrer da evolução. Inovações que se acompanharam mutuamente ou que estavam determinadas pela introdução, no ADN, de seqüências de centenas de milhares de nucleotídeos. Elas procediam de um mecanismo em que o acaso não tinha cabimento. Crer que o acaso tenha podido dar origem a complexidade morfológica e funcional específica da vida equivale a afirmar a possibilidade de ganhar na roleta milhares de vezes consecutivas – o que é aberrante. O mesmo se diga a respeito de toda nova seqüência de ADN ocorrente durante o processo de evolução. Além do mais, qualquer que seja o número elevadíssimo de ensaios do acaso na imensidade da atmosfera e dos oceanos, é para cada um desses ensaios que se afirma a impossibilidade de ganhar na loteria milhares de vezes consecutivas.

Assim ficam solapados todos os sistemas darwinistas e toda a base de argumentação de J. Monod, que exaltam o papel do acaso num lirismo um tanto triunfalista. O acaso, o mero acaso, liberdade absoluta e cega na raiz do prodigioso edifício da evolução… Pode-se dizer hoje que os mecanismos elementares da evolução estão não apenas compreendidos em princípio, mas também identificados com precisão.

O surto e o desenvolvimento da vida exigem, ao contrário, uma fonte de informações estranha ao setor matéria-energia; exige um agente organizador, a respeito do qual podemos supor que seja simultaneamente incorpóreo presente em toda parte e permanente.

Jean Rostand escrevia: ‘Procuro uma teoria da evolução que só faça apelo a fatores materiais físico-químicos’. É este o sonho e a ambição de to­dos os biólogos, que muitos físicos, como J. Parriri e A. Kastler, para não citar outros, consideram utópico e que na verdade o é, de acordo como que acabamos de demonstrar.

O obstáculo intransponível consiste em que, por definição, uma evolução se desenvolve no tempo. Ela consta de uma série de configurações de pouca probabilidade, que podemos caracterizar como instantâneos sucessi­vos de uma película de cinema. A série das imagens traduz então a continui­dade dos movimentos de objetos reais que evoluem no espaço. As coisas são totalmente diferentes no caso da evolução em que um anti-acaso, o ‘agente organizador’, fornece, nas bases da evolução, a multidão das informações criativas sob a forma de seqüência de nucleotídeos introduzidos no ADN; de um tal processo está excluído o acaso.

Ademais, qual o biólogo que nunca experimentou, diante dos prodígios da natureza, a impressão de que existe uma inteligência subjacente, que desafiou e desafia diariamente a multidão dos pesquisadores? Esta impres­são, F. Jacob a recalca deliberadamente ao escrever na Introdução de ‘A Ló­gica do Ser Vivo’: ‘O ser vivo representa a execução de um projeto, mas pro­jeto que nenhuma inteligência concebeu. Ele tende para urna finalidade, mas finalidade que nenhuma vontade escolheu’. Escolher uma finalidade, execu­tar um projeto… Como entender que estas proposições possam não ter sujei­to ou não ter uns agentes organizadores, que o segundo princípio da termodi­nâmica exige imperiosamente?

Claude Bernard, cujo gênio fizera tábua rasa dos a priori da ciência de sua época, escrevia em 1865 na Introdução ao ‘Estudo da Medicina Experi­mental’: ‘.– O que é essencialmente do setor da vida e o que não pertence nem à Química nem à Física, nem a qualquer outra área, é a idéia diretriz dessa evolução vital. Em todo gérmen vivo há uma idéia criativa que se desenvolve e manifesta pela organização respectiva’. Será que o problema se modificou desde então?

A Genética ainda não existia em 1865; ela passou por um desenvolvi­mento prodigioso, mas que propõe ele como motor da evolução sendo o fantoche recalcado do acaso, do qual mostramos a inépcia, fantoche depurado ou não pela seleção natural e diversificado pela sexualidade? Quando os cientistas tiverem acabado de desemaranhar o inextricável novelo dos bilhões de nucleotídeos do ADM da espécie humana e das outras espécies, quando tiverem descoberto todos os mecanismos que constroem o embrião, podemos imaginar que teremos progredido na descoberta da fonte desse rio de desenvolvimento gigantesco? Podemos presumir estar então mais bem co­locados do que hoje para encontrar a chave do automatismo quimérico que teria dado origem ao surpreendente mecanismo da vida? Não se deve antes crer que, na medida mesma em que a ciência progride, crescerá a vertigem do pesquisador por perceber o hiato desmedido que separa, de um lado, a agitação térmica desordenada da matéria inanimada e, de outro lado, a virtuosidade dos agrupamentos de moléculas do menor dos viventes?’

As considerações do Prof. J. Svvyngedauw suscitam, por sua vez, ulte­riores

2. Reflexões

2.1 – Acaso: que é propriamente?

1. Dizem os filósofos que o acaso é o encontro ou o cruzamento aci­dental isto é, não necessário, não harmonizado (não ordenado), não previs­to, de duas causas (ou duas séries de causas) independentes uma da outra; cada uma dessas causas (ou séries de causas) age em vista de uma finalidade própria determinada.

Assim diz-se que alguém, cavando a terra para plantar uma árvore, acha por acaso um tesouro que outra pessoa enterrou ali para escondê-lo. Dois amigos se encontram, por acaso, em uma cidade para onde cada um, sem saber das intenções do outro, foi a negócios. Num lance de dados sai, por acaso, o número premiado. Uma telha cai, por acaso, na cabeça de um pedestre.

O próprio Wonod dá o seguinte exemplo de acaso:

“Suponhamos que o Doutor Dupont seja chamado com urgência para visi­tar um novo doente, enquanto o bombeiro Dubois trabalha no conserto ur­gente do teto do prédio vizinho. Logo que o Dr. Dupont passa junto ao prédio, o bombeiro, por inadvertência, deixa cair seu martelo, cuja trajetória (determinista) vai interceptar a do médico, que morre com o crânio esmagado… Dizemos que ele não teve sorte. Que outro termo empregar para um acontecimento como esse, imprevisível por sua própria natureza? Aqui o acaso evidentemente deve ser considerado como essência, inerente à inde­pendência total das duas séries de acontecimentos cujo encontro provoca o acidente” (p. 131).

2. Refletindo sobre o acaso assim apresentado, verifica-se que:

1) O acaso não é uma pessoa, um ser existente, nem uma causa com atividade própria. Não é um agente distinto das duas pessoas que por seus motivos próprios cavam a terra ou que, a negócios, vão a uma cidade em dia determinado. O acaso não é um espírito maligno que, escondido no fundo de um copo, faça sair o número premiado ou, postado num telhado, faça cair uma telha ou um martelo… O “Sr. Acaso” não existe.

2) O acontecimento dito casual supõe sempre duas ou mais causas que agem por um fim determinado; supõe sempre ordem e finalidade: se ninguém tivesse enterrado o tesouro para escondê-lo e se ninguém tivesse cava­do a terra para plantar uma árvore, o encontro do tesouro (dito casual) teria sido impossível; se não fossem as leis da natureza, como a da gravidade e a da atração da matéria, nem telha nem martelo cairiam do telhado. Em conseqüência, o que se diz acontecer por acaso, tem causas: é o efeito das causas que concorreram para a sua produção. Todavia, ao tender para a sua finali­dade própria, cada causa é independente da outra; nenhuma está subordinada à outra.

3) Justamente o fato de que essas causas não estão subordinadas ou ordenadas uma a outra, torna o efeito dessas causas imprevisível ao observador; surpreso por tal efeito imprevisto, o observador então fala de efeito casual ou de ação do acaso. Se um efeito pode ser previsto, não se diz que acontece por acaso. Se alguém pudesse calcular exatamente o ângulo sob o qual serão lançados os dados num jogo de azar…, Se pudesse calcular a força do lançamento respectivo, a elasticidade da mesa sobre a qual os dados vão cair, a trajetória que hão de percorrer, poderia prever com certeza o número que esses dados apresentarão ao parar. Para essa pessoa, o número não seria casual. O mesmo se pode dizer dos outros exemplos de acaso atrás recenseados: se alguém pudesse calcular a velocidade e a trajetória do Dr. Dupont, as­sim como o grau de distração ou inépcia do bombeiro Dubois, e a força da gravidade que atrai o martelo, não diria que este caiu casualmente sobre a cabeça do Dr. Dupont.

Por conseguinte, conclui-se que um efeito só é casual em relação à mente do observador incapaz de prever o cruzamento das causas e o resultando das atividades das mesmas. Tal incapacidade resulta ou de que essas cau­sas são numerosas e complexas demais ou de que não é possível observá-las sem as perturbar (daí Heisenberg talar das incertezas ou indeterminações do comportamento de agentes naturais).

O acaso, portanto, é uma simples palavra, que significa a nossa “ignorância das causas”[4] – Ele nada produz; nem é a negação das causas, mas ape­nas a mascara atrás da qual as causas se ocultam a nós.

Por estas observações acerca do acaso vê-se claramente a impossibilidade de atribuir-lhe a existência dos seres do universo e a ordem com que esses seres se harmonizam entre si numa cadeia de ações e reações.

Por isto também o acaso já foi abandonado por muitos cientistas e pensadores, que reconhecem a necessidade de outro fator para explicar a realidade do mundo. Eddington chegou a falar do “Anti-acaso”!

2.2. Acaso, arma de dois gumes

Suponhamos que a matéria primitiva do universo estivesse sujeita ao mero acaso ou à pura eqüiprobabilidade, sem direção ou força ou lei prefe­rencial. Num tal conjunto, qualquer combinação ou estrutura que se formas­se por acaso, estaria também sujeita a deformar-se ou destruir-se por acaso.

Dirá, porém, alguém: a seleção natural faz que, dentre as formas pro­duzidas por acaso, subsistam as mais aptas a subsistir ou sobreviver e pere­çam as menos estáveis. – Em resposta, pode-se observar: se as formas oriun­das do acaso são equiprováveis entre si, elas se destroem com a mesma pro­babilidade com que se formam. A seleção não confere estabilidade, mas supõe-na; ela (personificada?) pode ao máximo escolher entre as combinações estáveis.

2.3. Evolução e acaso

A explicação pelo acaso desafia a sã razão ainda por outro motivo.

Pergunta-se: como combinações casuais de cromossomos puderam acarretar modificações cada vez mais complexas, dispostas segundo autentica ordem progressiva? Como se pode justificar que o progresso dos organismos tenha sempre coincidido com uma crescente complexidade? Os grandes grupos de vertebrados apareceram sucessivamente, passando dos peixes aos batráquios, aos répteis, aos pássaros, aos mamíferos; por último, veio o ho­mem como remate da série ascendente Em vão se procuraria um fóssil de mamífero nos estratos geológicos da era primária ou um fóssil humano na era secundária. Fica, pois, a pergunta aberta: donde vem essa arquitetura, essa ordem progressiva, que ninguém pode negar? Donde pode proceder a organização ascendente dos seres vivos senão de uma Inteligência Suprema que tenha previsto e disposto essas escalas de progresso da vida? Pode a racionalidade provir do irracional ou do desarrazoado? Podem as leis da lógica e da matemática, que presidem aos fenômenos do universo, derivar-se do erro e do ilógico?

Mais ainda. Convém lembrar o que é um código genético: é o conjunto de cromossomos responsável pela construção de um ser vivo. Esse código contém bilhões de bilhões de instruções e sinais. A “construção” de uma simples minhoca precisa de tal número de instruções que a imaginação mal as pode conceber. O código genético contém as instruções referentes à construção de cada órgão com seus pormenores ínfimos, com seus bilhões de células e neurônios, etc. Nos cromossomos humanos em particular, há tantas informações que elas poderiam encher uma biblioteca inteira, ou seja, entre um e dois milhões de páginas impressas. Cf, Ph. l’Héritier, Qu’est-ce que l’hérédité? Em “Hérédité et gênétique”. Paris 1964

Poderá isso tudo se ter tornado a partir de erros ou de lances irracionais?

De resto, observa Pierre Lerov:

“Todos sabem que o autor de Acaso e Necessidade não confiou no acaso para assegurar a venda da sua obra. Ele apelou para todas as oportunidades que a publicidade lhe oferecia: rádio, televisão, artifícios da imprensa escrita, entrevistas, discussões públicas… Monod utilizou, sim, todos os meios para dar a conhecer e difundir o seu livro. Assim procedendo, ele deu-nos belo exemplo de orientação do acaso. Por que não se terá dado o mesmo com fenômenos de envergadura a alcance muito maior? Não há dúvida, a vida deve ter sua explicação em causas naturais, mas isto não exclui que tais causas tenham sido premeditadas e intencionais” (“Le matérialisme ou la nécessitê du hasard”, em “Ecclesta”, no 263, fevereiro. pp, 30s)

Por fim, observa-se:

2.4. Acaso e origem do universo

A explicação da vida e de suas espécies pelo acaso deixa aberta o pro­blema: e a matéria que se combinou casualmente…, Donde vem? Qual a ori­gem da nebulosa inicial?

Monod não tenta explicar a existência da matéria, nem parece preocupar-se com isto; parte da matéria como sendo um dado primitivo. Ora a ori­gem da matéria é, para todo pensador, um problema fundamental. Don­de possui a matéria a sua existência e as suas capacidades de produzir a am­pla escala de compostos anorgânicos, de formas viventes, de sentimentos e instintos?

Caso se diga que ela possui isso tudo por si mesma, tem-se o panteísmo – o panteísmo que Monod quer evitar. Caso se responda que ela não o possui por si, pois a matéria é contingente, mutável, limitada, chega-se à existência de Deus. Tal é a conclusão professada por muitos pensadores e sábia.

Aliás, quem admite um Deus Criador, não cai no animismo ou no in­fantilismo de aceitar a matéria animada ou dotada de psiquismo. O Criador se relaciona com este mundo como o artista se relaciona com seus artefatos: estes dão testemunho da inteligência, da sabedoria, do carinho de seu autor, mas não se confundem com ele. Assim como todo relógio traz a marca do seu relojoeiro, este mundo traz os vestígios da ordem e da harmonia concebidas pelo seu Criador. Esta posição é lógica e coerente, ao passo que o recurso ao acaso vem a ser uma fuga ou capitulação da razão.

O presente artigo é particularmente ponderável, dado que foi recentemente publicado no Brasil o livro “Vida Maravilhosa” (Wonderful Life) de Stephen Jay Gould, que tenta restaurar a tese de que a evolução não tem sen­tido preferencial e a idéia de “progresso” não tem significado na biologia. O acaso seria então a chave para explicar a realidade.

____

NOTAS:

[1] Cf. PR 141/7977, pp. 386-3S9.

[2] Entropia é o fato de que a energia cinética ou motriz se transforma em térmica, mas o inverso não se dá; o calor não se converte em energia cinética. Em conseqüência todo sistema posto em movimento tende à estagnação numa temperatura uniforme.

[3] ADN – ácido desoxirribonucléico, que forma a substância principal dos cromossomos.

A estrutura já surpreendentemente complexa do ADN das bactérias foi necessariamente precedida por uma multidão de formas mais elementares análogas aos vírus ou mais simples ainda.

[4] Ao matemático Henri Poincaré atribuem-se os seguintes dizeres:

“La hasard estun mot qu’inventa l’ignorance

Et qui de nos esprits marque l’insuffisanoe”

(citado na “Revue des Objections” Paris 192O, pp, 139s).

 

Sobre o autor