(Revista Pergunte e Responderemos, PR 288/1986)
por Marciano Vidal e outros
Em síntese: Os estudos do livro em foco, de caráter interdisciplinar, convergem para amenizar o julgamento sobre o homossexualismo. Este, ao menos em certos casos, poderia ser aceito na sociedade ao lado do heterossexualismo. A principal razão aduzida vem a ser o caráter ainda obscuro do fenômeno homossexual; não deveria ser avaliado do ponto de vista meramente biológico ou fisiológico, mas do ponto de vista psicológico e afetivo; se praticado por amor, dizem, é algo que tem seu valor e merece respeito no plano ético ou moral.
A propósito observamos que 1) o livro não leva na devida conta a lei natural, que é parâmetro seguro para se julgar o homossexualismo como prática aberrante no plano fisiológic , por conseguinte, no plano ético; 2) o livro nada diz a respeito dos recentes processos terapêuticos aptos a reintegrar o homossexual na sociedade. Hoje em dia existem estudos que apresentam resultados notáveis obtidos mediante tratamento psicoterápico de indivíduos homossexuais.
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O livro “Homossexualidade: Ciência e consciência” é obra interdisciplinar, que estuda o mesmo tema do ponto de vista da biologia, da antropologia cultural, da psicologia, da sociologia, da Bíblia, da história do Cristianismo, da Moral e do Direito. Colaboram na obra Marciano Vidal, Javier Grafo, José Maria Fernández-Martos, Pablo Lasso, Gregorio Ruiz, Gonzálo Higuera, professores do Departamento de Praxis da Universidade Cornillas (Madri)[1]. Trata-se de um estudo amplo, que tem certo peso. Por isto vamos dedicar-lhe as páginas subseqüentes, analisando a sua tese fundamental, que perpassa os diversos artigos e procurando refletir sobre a mesma.
1. A TESE DO LIVRO
Nos estudos referentes à “Ciência” (pp. 7-80) é posto em relevo o caráter ainda obscuro do homossexualismo: seria fenômeno congênito, arraigado no próprio processo genético do indivíduo? Seria, ao contrário, devido ao ambiente em que o indivíduo cresce, e às influências que sofre durante os seus anos de formação? Com outras palavras: teria raízes biológicas ou meramente psicológicas?
Após longas explanações, o Prof. Javier Grafo (“Biologia da Homossexualidade”) conclui seu estudo com as seguintes palavras:
“Embora os dados biológicos sejam ainda fragmentários e incompletos, não se pode excluir, em minha opinião, que determinados fato rés biológicos tenham importante incidência no fato da homossexualidade: fatores genéticos, influências hormonais pré-natais, sexualizacão do cérebro. . .Sobre estes pontos se faz necessário um maior aprofundamento, que deverá ser levado em conta em uma avaliação integral do fenômeno da homossexualidade. Em qualquer caso, os dados que citamos, parecem apontar preferencialmente para uma explicação psicológica ou sociológica atual dos nossos conhecimentos, a possibilidade de que determinados fatores biológicos possam favorecer ou predispor para um comportamento homossexual” (pp. 29s).
Em nome da Psicologia, conclui o Prof. José Maria Fernandez-Martos:
“Eu, a partir da psicologia clínica, sonho com o dia em que o homossexual se veja e viva muito mais integrado no conjunto da humanidade. Se fantasiamos esta como uma grande orquestra, penso que cada um de nós traz, desde nossa primeira idade, identidade e pobreza à singular música de nosso instrumento. A sinfonia conjunta iria mal, se o oboé desprezasse o ceio, ou o piano a flauta, ou o violino se enchesse de orgulho e não soubesse retirar-se em movimentos rápidos. Coube ao homossexual um instrumento nada fácil de dominar, mas creio que nem por isso menos valioso ao conjunto. Sua maior sensibilidade, seu sangrar com a conflitividade do humano, sua falta de defesa, sua capacidade para o matiz, etc. podem-nos ser valiosíssimos por integrar em nossa grande orquestra tão heterossexual, machista e viril e que para ser sincero não passou, depois de séculos, de tocar uma fanfarra mas ruídos que atraente e melódica. Quem sabe tenham algo de cômico o trombone ou o bumbo, mas lá estão com sua surpresa e seu encanto. Por desgraça, não é apenas a minoria homossexual que os da orquestra dos fortes e ‘como devem ser’ mantêm à margem Aí estão outros instrumentos esperando ser ouvidos, deficientes físicos, Terceiro Mundo, idosos, etc. Eles são mais pobres ou menos valiosos? Teríamos de parar e ouvir a sua musica (p. 64).
Logo no primeiro artigo. Marciano Vidal e J.M.F. Martos afirmam- “É o homossexual, enquanto homossexual, um anormal? Nossa resposta decidida é: não” (p. 12). A p. 15 acrescentam- “Todos estes fatos indicam que a homossexualidade e uma variante, se preferível, não desejável, porém, lógica e normal dentro do vastíssimo reino da sexualidade humana”.
Passando ao plano ético. Marciano Vidal pondera diversos aspectos da questão e afinal não toma posição moral diante do fenômeno: critica tanto a total condenação como a total liberação do homossexualismo, e propõe em sua conclusão alguns itens significativos:
“1. Impõe-se em primeiro lugar, adotar uma atitude de provisoriedade nas abordagens e nas soluções, sejam estas de caráter aberturista ou conservador. Os dados antropológicos não são definitivos: consequentemente, o juízo ético não pode ser fechado. A avaliação moral da homossexualidade deverá ser formulada em uma chave de busca e de abertura…
4. Destacamos, de modo especial, o respeito à estrutura dialética do juízo ético, que tem de ser ao mesmo tempo objetivo-subjetivo e particular-geral. Não se pode cair em reduciomsmos nem ‘objetivistas e universalizantes’ nem ‘subjetivistas e carismáticos’.
6. Para o homossexual irreversível, a coerência salvadora para sua situação não passa necessariamente pela única saída de uma moral rígida: mudança para heterossexual idade ou abstinência total A moral cristã é suficientemente criativa e salvadora para poder propor sentenças de integração pessoal-interpessoal-social, ao ser humano que, sob o olhar do Deus Amor, se encontra existindo a partir da condição homossexual” (pp. 125s).
Dir-se-ia que, conforme Marciano Vidal, o juízo ético favorável ou desfavorável à prática do homossexualismo varia de caso para caso. Poderá haver situações em que tal procedimento será lícito, como também haverá circunstâncias em que o mesmo seja moralmente ilícito.
A posição de Marciano Vidal parece representar bem a mentalidade da obra; esta não assume atitude definida diante da prática do homossexualismo; tende mesmo a fazê-lo passar por legítimo em muitos casos (excluídos naturalmente aqueles em que o homossexualismo implica violência sobre parceiro, abuso de crianças e adolescentes, prostituição homossexual. . .). A Bíblia e a Tradição da Igreja são abordadas também em termos liberais, de modo a não se tirar dessas fontes nenhum argumento que condene peremptoriamente as práticas homossexuais quando derivadas de hemofilia ou de “amor”. Entre as razões alegadas em favor de um juízo brando sobre o assunto, está a seguinte: na Idade Média considerava-se a prática homossexual unicamente do ponto de vista biológico ou genital (era tida, em conseqüência, como anti-natural); ora nos tempos atuais dever-se-iam levar em conta o relacionamento interpessoal e os afetos que o homossexualismo propicia e exprime (cf. pp. 104s). O fato de ser uma manifestação de “amor” tornaria legítima a prática homossexual.
2. UMA REFLEXÃO
Proporemos três pontos.
2.1. O critério básico
1. O livro em foco, cheio de ponderações e propostas formuladas em nome da ciência e da filosofia contemporâneas, evidencia a necessidade de se procurar um ponto de partida e o fio da meada para avaliar a prática homossexual. Ora esta há de ser julgada à luz da lei natural. A natureza normalmente leva seus indivíduos à masculinidade ou à feminilidade (biológica e psicológica); uma existe para encontrar sua complementação (física e psíquica) na outra. . . complementação que se traduz no fruto do amor ou na prole. Neste contexto, a prática homossexual aparece, a mais de um título, como anormalidade, pois a genitalidade masculina foi estruturada para se unir à feminina e vice-versa; e somente nestas condições a vida sexual atinge a sua razão de ser e a sua plena fecundidade.
É sobre este raciocínio que se baseia o juízo da Igreja (e de muitos pensadores não cristãos) sobre a prática do homossexualismo. Ver Declaração “Persona Humana” da S. Congregação para a Doutrina da Fé, de 29/12/75.
2. Dir-se-á: a biologia é algo de cego ou neutro dentro do ser humano e não representa a sua personalidade; esta se exprime, por excelência, nos afetos e no amor. Por conseguinte, se há amor numa relação contrária à natureza ou homossexual, não existe razão para condenar tal prática.
Em resposta, observamos: os afetos e o amor da pessoa humana pertencem a um ser psicossomático, isto é, composto de alma e corpo. O corpo não é algo de estranho à pessoa, de modo que esta não pode amar autenticamente desprezando o seu corpo e as leis da biologia; quem ama, é um sujeito corpóreo, que só subsiste e sobrevive se observa as leis da corporeidade ou da sua biologia; se quero comer pedras, respirar gás carbônico, viver no fundo dos mares. . ., destruo a minha pessoa, porque destruo a minha corporeidade com as suas leis biológicas. Paralelamente dizemos: se quero amar, praticando o uso do sexo contrariamente às leis da natureza, estou cometendo uma aberração que afeta a minha pessoa e o meu próprio ser.
3. Formulemos a mesma proposição a partir de uma objeção. Para tentar provar que não existe lei natural e que o homem não está sujeito às normas da sua biologia, já se disse o seguinte: o homem domina os rios (desviando o seu curso), as montanhas e colinas (derrubando-as para fazer estradas), os mares (aterrando-os); assim o homem muda a natureza que o cerca para implantar-lhe as marcas da sua inteligência. Como então não lhe seria lícito mudar ou desviar as leis naturais do seu organismo para impor-lhe as tendências da sua afetividade? – Em resposta, notemos que os rios, as colinas e os mares são objetos postos fora do homem; não são o próprio homem, ao passo que o corpo não está fora do homem; este não tem um corpo (como pode ter um rio ou uma montanha. . .), mas é o seu próprio corpo; quando digo eu e meu corpo que o diz; por isto as leis do corpo (ou da biologia) são as leis do próprio eu, são as minhas leis; se violo essas leis, se voluntariamente uso a sexualidade de maneira antinatural, destruo-me no plano físico e também no plano moral. – Não há como fugir desta verificação básica.
4. É certo que a ciência moderna aponta elementos outrora desconhecidos pelos moralistas. Mostra, por exemplo, que no início da sua existência o ser humano pode ser sexualmente indiferenciado; no decorrer de toda a sua vida, a pessoa masculina guarda traços de feminilidade, e vice-versa; entre o masculino e o feminino pode haver tipos intermediários (em vez de XX e XY podem-se encontrar indivíduos XYY, XXY, XO, XXX. ..)… Estas descobertas, porém, não habilitam o cientista a falar de um terceiro ou de um quarto sexo. . .; reconhece apenas que, em algumas pessoas masculinas, os caracteres femininos são mais acentuados, e vice-versa. Neste contexto os indivíduos homossexuais e transexuais1 são estatisticamente minoritários (os homossexuais vêm a ser 4 ou 5 nos levantamentos feitos até agora); dir-se-ia que correspondem àquela faixa de desacertos que a natureza, embora sábia, sempre produz; o processo genético está sujeito a desvios diversos e o ambiente no qual o indivíduo vive, pode suscitar a evolução transviada do potencial genético da pessoa.
Reafirmada a anormalidade do homossexualismo, o que a sã filosofia hoje propõe como algo de novo, é que os indivíduos homossexuais merecem tratamento compreensivo. São pessoas que geralmente sofrem, porque marginalizadas ou reduzidas a solidão. Muitas vezes não têm culpa de ser tais. Daí surge a necessidade de ajudá-las a superar a problemática mediante recursos terapêuticos. Isto não quer dizer que se legitimem as práticas homossexuais. Para vencer as dificuldades, será muito útil às pessoas homossexuais dedicar-se ao trabalho, à arte ou a algum hobby, que sublime os respectivos afetos. Certamente tal condição pode ser penosa; todavia o sofrimento implicado pelo autodomínio e a temperança é inerente a todo programa de auto-realizacão humana; mesmo os heterossexuais têm que praticar o autodomínio e a renúncia em vários pontos, se não se querem entregar às paixões que degradam. Não há grandeza de personalidade sem firmeza de opções radicais. Infelizmente a psicologia moderna pouco leva em consideração este fator de engrandecimento da pessoa; as escolas contemporâneas induzem seus clientes a crer que a renúncia traumatiza e prejudica; quem acredita nesta proposição, sugestiona-se no sentido de evitar qualquer programa de austeridade; torna-se incapaz de resistir aos instintos pré-deliberados e se torna escravo das paixões. O problema da homossexualidade é então pretensamente resolvido pela concessão aos impulsos eróticos. – Todavia quem sabe que austeridade e disciplina de vida são elementos indispensáveis à formação de qualquer personalidade, encontra menos dificuldade em praticá-las e colhe os frutos positivos de tal autodomínio. A pessoa homossexual pode ser feliz mesmo num quadro de abstenção e continência.
2.3. A fundamentação bíblica
O Prof. Gregório Ruiz aborda a homossexualidade na Bíblia (pp.81-94). Considera longamente o texto de ‘Gn 19,1-16, que narra o pecado de Sodoma, do qual se derivam as expressões “sodomia” e “sodomita”. O exegeta tende a mostrar que a interpretação homossexual do episódio talvez seja infiel ao texto bíblico: tratar-se-ia não de pecado sexual, mas de falta de hospitalidade e acolhida por parte dos habitantes de Sodoma. G. Ruiz não afirma categoricamente a nova interpretação, mas atem como conjetura bem fundamentada.
Independentemente, porém, do texto de Gn 19, o autor reconhece que a S. Escritura condena peremptoriamente o homossexualismo em passagens como Lv 18,22; 20,13; Rm 1,26s; 1Cor 6,9s; 1Tm 1,9-11. Procura, porém, atenuar a condenação 1) observando que são relativamente poucos os textos bíblicos que rejeitam o homossexualismo e 2) tentando relativizar o seu significado pelo fato de dependerem da cultura antiga (hoje ultrapassada) e especialmente de catálogos de vícios confeccionados pelos estóicos.
Notamos, porém, que, 1) se a Bíblia se refere poucas vezes ao homossexualismo, ela o faz com muita clareza e firmeza, principalmente em Lv 18, 22; 20,13 e Rm 1,26s; 2) o fato de que, antes dos autores sagrados do Novo Testamento, já os estóicos haviam condenado tal prática, não esvazia as palavras de São Paulo, mas, ao contrário, manifesta que, à luz mesma da razão natural, o homossexualismo parecia antinatural e reprovável fora da Revelação bíblica. Eis por que o artigo da coletânea referente à Bíblia é fraco, se não inspirado por premissas preconcebidas.
3. CONCLUSÃO
As ciências modernas muito alargaram o horizonte dos estudiosos no tocante ao homossexualismo. Um de seus grandes benefícios consiste em fazer-nos compreender que alguém pode ter uma estrutura homossexual por fatores biológicos e psicológicos involuntários; muitos são tais sem culpa moral. Ao mesmo tempo, porém, verifica-se na bibliografia moderna a tendência a inocentar ou mesmo legalizar a própria prática homossexual com dolorosas conseqüências morais para os indivíduos e a sociedade.
Ponderando tais dados, chegamos à seguinte conclusão: de um lado, as ciências contemporâneas, apesar de seus progressos, não permitem tirar ao homossexualismo a qualificação de prática aberrante e antinatural. De outro lado, seguir a natureza ou as leis naturais é penhor de retidão e grandeza para o ser humano. Basta lembrar que, após as calamidades ocorridas na guerra de 1939-1945, as Nações Unidas houveram por bem reafirmar ditames da própria natureza sancionados na Declaração Universal dos Direitos do Homem; esta, em grande parte, nada mais é do que a promulgação solene da lei natural e do direito natural. Por isto com muita sabedoria a Moral cristã reprova as práticas homossexuais; fazendo-o, ela presta um serviço à humanidade, que tende a destruir os seus valores mais típicos, que são os da Ética. Essa reprovação, porém, é acompanhada de uma atitude de compreensão benigna que. em vez de esmagar, procura ajudar o irmão a se reencontrar com seu modelo natural e assumir o lugar que lhe compete na sociedade.
É lamentável que o livro em foco tenha obscurecido tal perspectiva, usando de estilo não raro ambíguo, mas tendente a concessões pouco sadias. Aliás, é estranho não haja no livro um capítulo sobre a terapia do homossexualismo ou sobre os procedimentos da Psicologia Clínica contemporânea, que tem ajudado os indivíduos homossexuais a se integrarem na sociedade em que nasceram.
A propósito não podemos deixar de citar o livro do Prof. Dr. Gerard van den Aardweg: “Homosexuality and Hope. A Psychologist talks about Treatment and Change” (Homossexualidade e Esperança. Um Psicólogo fala a respeito de Terapia e Mudança). Servant Books Ann Arbor, Michigan, U.S. A. O autor é doutor em Psicologia pela Universidade de Amsterdam (Holanda); tem dado cursos em diversos países da Europa, nos Estados Unidos e também no Brasil; em sua clínica especializou-se no tratamento de homossexuais; a prolongada experiência de consultório forneceu-lhe muitos dados que integram o seu livro. O Dr. van den Aardweg tem dois capítulos altamente interessantes no caso: The Road to change (A Via para Mudar, c. 8) e Change without Psychoterapy (Mudança sem Psicoterapia, c. 9). Através de suas páginas, o clínico mostra que são recuperáveis, total ou parcialmente, vários dos pacientes que, por falsa orientação, se julgam condenados a ser diferentes dos demais seres humanos. É muito importante valorizar o trabalho dos profissionais que se empenham nessa linha terapêutica.
Estêvão Bettencourt O.S.B.
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NOTA
[1] Tradução do espanhol por Roberto Peres de Queiroz e Silva Marcos Marcionilo – Ed. Loyola, São Paulo 1985, 140x210mm, 154 pp.