Islamismo: o islamismo

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 317/1988)

 

Em síntese: O Islã foi fundado por Maomé (Muhammad = o Louvado) no ano da hegira (=êxodo), ou seja, em 622. O ‘Profeta” fundiu elementos do judaísmo, do Cristianismo e da religião árabe num estrito monoteísmo, que professa como síntese de seu Credo: “Allah é Deus e Maomé é seu enviado”. Os maometanos também apregoam a total submissão à vontade de Deus (= islam; donde o vocábulo muslim =muçulmano); acreditam na res­surreição final dos mortos, no juízo de Deus e na retribuição póstuma (o pa­raíso concebido em termos materiais, e o inferno para os incrédulos ou idó­latras especialmente). O seu livro sagrado é o Corão, tido como intocável Pa­lavra de Deus. Entre as práticas religiosas do Islã, contam-se: a oração cinco vezes por dia; o jejum do mês do Ramadã; a peregrinação a Meca ao menos uma vez na vida; a esmola em favor dos pobres. A vida moral do Islã cultiva a honestidade, mas é tolerante em relação à poligamia e sujeita a mulher e os filhos a severas restrições. O Islã é religião teocrática, isto é, tende a formar Estados baseados nas linhas-mestras do Corão, devendo o Chefe de Estado ser muçulmano; os cidadãos não muçulmanos sofrem limitações em seus di­reitos civis e religiosos.

Os fiéis católicos reconhecem os valores positivos do Islã e fazem vo­tos para que a revelação feita por Deus ao Patriarca Abraão se torne plena­mente clara aos olhos dos filhos de Agar ou dos agarenos.

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Após ter estudado o Hinduísmo e o Budismo em PR 309 e 310/1988, pp. 78-89 e 98-106, passamos a considerar o Islamismo na série das grandes correntes religiosas da humanidade.

Os maometanos (seguidores do Islã) constituem numericamente o se­gundo bloco religioso da atualidade. Com efeito; dado que a população mundial seja de 5 bilhões de habitantes, conta-se o bloco cristão com 1.640.000.000 de fiéis, ou seja, 33,9%[1]; a seguir, vem o bloco muçulmano com 854.000.000 de adeptos.

Uma das características do Islamismo é a de ser “Religião e Estado” (al-Islam din wadawla) ao mesmo tempo; esta concepção restaura o ideal da teocracia vigente, aliás, em países como o Irã e o Paquistão.

Examinemos os traços próprios do fundador e da mensagem do Isla­mismo.

1. O fundo de cena

O Islã teve origem na península arábica do século VII d.C. A popula­ção desta região estava dividida em tribos setentrionais e tribos meridionais, postas em contínua luta entre si. Dedicavam-se principalmente ao pastoreio de animais, à agricultura e ao comércio feito mediante caravanas.

Os árabes da época, principalmente os piedosos (hanif), conservavam a noção do antigo Deus Supremo, El, como os demais povos semitas, mas, em grande maioria, tinham também suas crenças animísticas[2]; nutriam especial veneração por pedras, como a Pedra Negra de Meca (talvez de origem me­teórica). Praticavam peregrinações aos lugares de sua devoção. Além disto, admitiam uma multidão de espírito (ginn, gul..), que eles temiam e venera­vam, e dos quais alguns iam sendo cultuados como deuses e deusas. Assim o politeísmo ia-se desenvolvendo. Verdade é que na mesma península arábica viviam também cristãos (na maioria, nestorianos e monofisitas, isto é, sepa­rados da Igreja universal por suas concepções a respeito de Cristo) e princi­palmente judeus; estas duas correntes religiosas exerciam sua influência so­bre a população árabe, de modo que a religião desta tendia a certo ecleticismo.

É sobre este pano de fundo que aparece a figura de Maomé.

2. O Fundador

Maomé (570?-632), ou seja, Muhammad-ibn-Abbalag-ibn-Muttalib, o “Louvado”, nasceu na cidade de Meca, da família dos Hassenitas (Hashim), pertencente ao clã setentrional dos Banu Muttlib e à tribo dos Coraítas. Des­de cedo, viu-se pobre e órfão de pai e mãe, de modo que se pôs a trabalhar como condutor de caravanas no deserto; assim visitou o Sul da península arábica (Yemen), a Mesopotâmia, a Síria e a Palestina. Em suas viagens, en­controu muitos israelitas e cristãos, que lhe deram a ouvir narrações bíbli­cas, especialmente passagens apócrifas referentes ao Novo Testamento (por exemplo, o Protoevangelho de Tiago, que trata da Virgem Maria). Parece, porém, que Maomé nunca teve um contato mais detido com os Evangelhos canônicos.

Provavelmente com 25 anos de idade, esposou a sua própria patroa, a rica viúva Hadidja, de quem teve alguns filhos e quatro filhas; entre estas, Fátima, que esposou Ali, o primo de Maomé.

Em 610-611, Maomé, com trinta anos de idade, teve uma experiência religiosa, convertendo-se do politeísmo animista ao monoteísmo; passou a professar a absoluta unicidade de Deus, El, sob a forma árabe de Allah. Apresentou-se como profeta (nabi) e enviado (rasul), e pregava, juntamente com o monoteísmo, o abandono à vontade de Deus (islam; donde se origina o termo muslim, muçulmano), a ressurreição dos mortos e o juízo de Deus sobre os homens. Impugnou outrossim a idolatria existente na Arábia e o comércio religioso correlativo.

Dizendo-se legado de Deus, que recompensa os bons, castiga os maus e faz triunfar os seus profetas apesar da obstinação dos ímpios, Maomé con­seguiu reunir alguns poucos fiéis, mas foi rejeitado pela maioria dos ricos moradores de Meca, que eram dados ao politeísmo e o perseguiam. O profe­ta teve então que fugir, deixando familiares e amigos, em troca de um con­vite dos habitantes de Yathrib, rivais dos de Meca, em 622. Segundo a tradi­ção, este êxodo (hijra, hegira) ocorreu em 16/07/622 d.C.; tal data assinala o início da era muçulmana. A cidade de Yathrib mudou de nome, passando a chamar-se Medina (al-Madinat annabi, a cidade do Profeta).

Frente às hostilidades que lhe vinham dos israelitas, Maomé reivindi­cou para si e os seus seguidores o patrocínio do Patriarca Abraão (pai de Ismael por meio de Agar); Abraão foi apresentado como o fundador da Kaaba, o santuário de Meca que encerra a “Pedra Negra”; doravante os mao­metanos deveriam rezar voltados (gibla) para Meca e não mais para Jerusa­lém.

Tendo-se fortalecido, Maomé atacou as caravanas de Meca, prejudican­do o seu comércio. Após represálias mútuas, finalmente conseguiu entrar em Meca no ano de 629. A vitória de Maomé foi tida como triunfo não apenas de seus homens, mas também de seu Deus ou de suas crenças religiosas; o Profeta eliminou os ídolos da cidade; aproximadamente 360, conforme a tradição. Fundou assim o primeiro Estado islâmico.

No ano décimo da hegira, Maomé realizou a “peregrinação do Adeus” a Meca, que ficou sendo modelo para todas as peregrinações muçulmanas. Tendo voltado a Medina, morreu ali pouco depois (08/06/632). Mediante a religião, deixava unificadas entre si as tribos árabes da península.

O livro sagrado dos maometanos é

3. O Corão

Maomé não escreveu os seus ditames, mas os discípulos o fizeram a partir de 650; donde se originou o Corão (Quran = recitação), que consta de 114 capítulos ou Suras e 6.236 versículos ou avat. Para os muçulmanos, tal livro é a própria Palavra de Deus, reprodução fiel de um original gravado em tábuas existentes desde toda a eternidade. Gozando de autoridade máxima, ensina aos seus leitores como se devem relacionar com Deus, com os correli­gionários e com os demais homens. É realmente um Código de Moral que, partindo dos dez mandamentos, chega a prescrições minuciosas relativas a rubricas litúrgicas, proibições alimentares, transações comerciais, convívio familiar, direito penal e empreendimentos bélicos. Assim o Corão é, ao mes­mo tempo, para os maometanos a “Bíblia”, a Constituição, o Direito Civil, o Direito Penal, o Livro das Rubricas litúrgicas, o Código de Moral… As crianças muçulmanas esforçam-se por aprende-lo de cor nas aulas de religião; conformar-se ao Corão significa unir-se à vontade de Deus; conscientes dis­to, muitos muçulmanos trazem uma miniatura do Livro Sagrado pendente do pescoço sobre o coração. É claro que o texto do Corão precisa de ser constantemente aprofundado; por isto grandes mestres e escolas através dos séculos se dedicaram e dedicam ao estudo do mesmo.

Escrito em língua árabe simples e clara, o Corão não pode ser oficial­mente traduzido para outro idioma; por isto todo muçulmano não árabe é convidado a aprender o árabe a fim de poder recitar o Corão e tomar parte no culto (visto que em toda parte as orações oficiais muçulmanas são profe­ridas em árabe). Os fiéis mais devotos costumam repetir algumas passagens privilegiadas como é a Sura I, a Fatiha (de certo modo, o Pai-Nosso muçul­mano)

“No nome de Deus, o Benfeitor misericordioso,

Louvor a Deus, Senhor dos mundos,

Benfeitor misericordioso,

Soberano do Dia do Juízo,

Nós Te adoramos, de Ti imploramos ajuda!

Dirige-nos pela via reta,

A vida daqueles a quem deste os teus benefícios,

Que não são objeto da tua ira,

E que não se desviaram”.

No Islamismo nada se pensa ou se decide sem recorrer ao texto do Corão e ao exemplo do Profeta, que deixou um “modelo perfeito” aos seus seguidores. Em conseqüência, o texto escrito e a tradição viva (Sunna) deri­vada de Maomé são as duas fontes de orientação do Islã; os propósitos, os atos e os silêncios do Profeta têm valor normativo para as gerações posterio­res.

4. O Credo

O Islã professa seus artigos de fé derivados do Corão, aos quais é preci­so aderir com a inteligência, o coração e as obras. Diz uma sentença da Sunna: “A fé (íman) consiste em crer em Deus, nos seus anjos, nos seus li­vros, nos seus enviados e no juízo final, assim como na predestinação, que acarreta o bem e o mal”.

Percorramos esses artigos:

1) Deus é único, podendo ser designado através de seus 99 “Belos Nomes”, que correspondem aos seus atributos. “Benfeitor Misericordioso, Rei, Santíssimo, Salvação, Pacificador, Preservador, Poderoso, Majestoso, Criador, Renovador, Formador…”. O conceito de Deus é expresso mediante duas seções típicas do Corão: a do Trono e a da Luz:

“Deus não há outra Divindade fora dele – é o Vivente, o Subsisten­te. Nem sonolência nem sono jamais o acometem. A Ele pertence o que está nos céus e o que está na terra. Quem intercede junto a Ele se não por per­missão dele? Ele conhece o que está nas mãos dos homens e através deles, ao passo que estes só percebem do seu saber aquilo que Ele permite. O teu tro­no se estende sobre os céus e sobre a terra. Para conservá-lo, Ele não é obri­gado a dobrar-se. Ele é o Augusto, o Imenso” (Corão 2,255).

“Deus é a Luz dos céus e da terra. A sua luz é semelhante a um nicho onde se encontra uma lucerna. A lucerna está dentro de um recipiente de vidro. Este se assemelha a um astro cintilante. A lucerna é acesa graças a uma árvore bendita, uma oliveira nem oriental nem ocidental, cujo óleo resplandeceria mesmo que nenhum fogo o tocasse. Luz sobre Luz, Deus der­rama a sua Luz, dirige quem Ele quer” (Corão 24,35).

2) Os anjos são, antes do mais, os puros adoradores de Deus e os seus mensageiros junto aos homens; também exercem a função de “registrar” as ações dos homens e de “interrogá-los” na hora da morte.

O demônio também existe; feito de “fogo”, recusou prostrar-se diante de Adão por ordem de Deus (Corão 7,12); desde então, Satanás, à frente das suas tropas demoníacas, odeia o gênero humano e tenta, de todo modo, desviá-lo de Deus.

O Corão admite ainda os djinn, espíritos intermediários entre anjos e demônios, aos quais Maomé também teria sido enviado.

3) Existem quatro livros sagrados, mediante os quais Deus quis suces­sivamente transmitir a sua mensagem: a) a Torá (Pentateuco ou a Lei de Moisés); b) os Salmos (orações reveladas, mas não obrigatórias); c) o Evange­lho (no singular); e d) o Corão. Este ab-roga e torna inúteis os livros anterio­res.

Os muçulmanos mais ortodoxos afirmam que a Torá e o Evangelho, como se encontram atualmente nas mãos dos israelitas e dos cristãos, não correspondem aos textos originais de que fala o Corão; foram “falsificados”;[3] por isto carecem de todo interesse para um muçulmano. Este encontra no Corão aquilo que, dos livros anteriores, lhe é necessário reter. Também é em função do que afirma o Corão que os israelitas e os cristãos são conhecidos e julgados.

4) Os enviados de Deus distinguem-se em Profetas Maiores e Profetas Menores.

Os Maiores são: Abraão, o amigo de Deus, fundador do monoteísmo primitivo; Moisés, o interlocutor de Deus, legislador para os filhos de Israel; Jesus, o Filho de Maria, que procede da “Palavra” e do “Espírito” de Deus, mestre dos cristãos; por fim, Maomé, o mais perfeito e mais justo dos Pro­fetas, enviado a todos os seres humanos “para aperfeiçoar a sua religião” (Corão 5,3). `

Os Profetas Menores pertencem tanto à tradição bíblica (Adão, Noé, Isaque, Ismael, Lote, Jacó, José, Aarão, Davi, Salomão, Elias, Eliseu, Jó, João Batista…) quanto à árabe (Hud, Salih, Shu’ayh…). Reproduzem a mes­ma aventura do Profeta, que clama no deserto para transmitir ao povo a mensagem do monoteísmo fundamental.

Os muçulmanos assinalam a Jesus um lugar de relevo entre os Profe­tas: nasceu de Mãe Virgem, dizem eles, por efeito da Palavra Criadora de Deus, como Adão. Foi um taumaturgo eminente, que chegou a ressuscitar mortos. Contraditado pelos israelitas, foi condenado à morte de Cruz, mas salvo por Deus; voltará à terra como “sinal da hora”. Os maometanos acusam os cristãos de atribuir honras divinas a Jesus, pois negam o mistério da SS. Trindade (Corão 4,171; 5,73); também negam que os israelitas o te­nham crucificado (4,157). No Corão encontra-se esta exortação aos cristãos: Ó gente da Escritura, não sejais exagerados na vossa religião. Dizei somente a verdade em relação a Deus. Jesus, filho de Maria, é apenas o enviado de Deus… Crede em Deus e nos seus enviados e não digais ‘Três’. Deixai de fa­zê-lo” (4,171).

Quanto a Maria, é tida como escolhida entre todas as mulheres, purifi­cada desde o nascimento e consagrada a Deus; foi virgem e mãe, pois gerou um filho sem a cooperação do varão.

5) O juízo final. No fim dos tempos haverá a ressurreição dos mortos; todos serão julgados e receberão a justa sanção o paraíso ou o inferno.

Para a maioria dos muçulmanos, ou seja, para os que conservarem a fé, é certo que bastará apenas a fé para salvá-los e que, por isto, o inferno terá fim logo que hajam expiado os seus pecados; entrarão então no paraíso.

O paraíso é concebido como jardins banhados por riachos; os homens terão “esposas purificadas” (Corão 2,25); todos gozarão de bens que satisfa­rão plenamente as suas necessidades corporais e espirituais. Todavia rara­mente serão chamados a ver a Deus, pois isto é uma graça toda especial.

O inferno consta de fogo ardente para sempre, devido aos incrédulos ou àqueles que tiverem colocado ídolos ao lado de Deus.

6) Embora o Corão afirme que “Deus dirige quem quer ser dirigido” (74,31), toda a tradição muçulmana exalta tanto a vontade de Deus que dis­to se segue a predestinação ou um desígnio prévio de Deus; este predetermi­na o homem para o paraíso ou para o inferno. Diz o Corão: “Aquele que o quer, tome a via que leva ao Senhor; mas vós não o haveis de querer, se Deus não o quiser” (76,29s).

O Islã contemporâneo tende a incutir a liberdade do ser humano e a necessidade de se esforçar em prol da salvação. Mas, de outro lado, incita sempre a submeter-se aos misteriosos decretos de Deus como o fez Abraão.

Existe, pois, uma questão aberta neste particular. Como afirmar simul­taneamente a soberania absoluta de Deus e a liberdade do homem?

5. As cinco pilastras do culto

Segundo uma tradição, Maomé respondeu a um anjo que o visitava: “O Islamismo consiste em testemunhar que não há outro Deus além de Allah e que Maomé é o seu enviado, em recitar a oração ritual, em pagar o imposto ritual, em jejuar durante o mês de Ramadã e em peregrinar à Casa de Deus desde que isto seja possível”.

Examinemos cada qual destas “cinco pilastras”:

1) A profissão de fé (shahada) na unicidade de Deus (Allah) e na mis­são de Maomé resume o essencial do Credo; faz de todo homem um verda­deiro muçulmano desde que proferida com os lábios e o coração; recomen­da-se especialmente que os devotos a pronunciem nos últimos momentos com o dedo indicador voltado para os céus, a fim de confirmar a fé dos mo­ribundos na hora decisiva.

2) A oração ritual (salat) há de ser recitada cinco vezes por dia: na au­rora, ao meio-dia, no meio da tarde, ao pôr-do-sol e no começo da noite. Exige-se pureza do corpo e das vestes do orante assim como do local de ora­ção; daí as várias abluções (de pés e mãos) que costumam os muçulmanos fazer antes de rezar. A oração consta de fórmulas simples, acompanhadas de gestos e prostrações. Na sexta-feira ao meio-dia, o rito é mais solene, pois se realiza na mesquita central do bairro da cidade, após uma homilia, a fim de testemunhar a unidade da “comunidade muçulmana”.

3) A esmola legal (zakat), destinada a purificar o uso dos bens deste mundo, consiste em transferir para a caixa comum um décimo dos proventos anuais de cada fiel; tal dinheiro destina-se aos pobres e necessitados (Co­rão 9,60). Nos modernos Estados muçulmanos, esta esmola se acha incluída no montante dos impostos que cada cidadão deve pagar. É praticada espon­taneamente, máxime no fim do mês de Ramadã e por ocasião das festas li­túrgicas.

4) O jejum (sivam) do mês de Ramado exige que todo fiel se abstenha de todo alimento, bebida e relacionamento sexual desde a aurora até o pôr-do-sol, para honrar a Deus, sentir fome, disciplinar o corpo e aprender a padecer com os infelizes. Durante a noite ocorrem a refeição, as festas, as orações e meditações suplementares, que fazem do mês de Ramadã um pe­ríodo de mais estrita observância religiosa.

5) A peregrinação (haji) a Meca (Arábia) é prescrita uma vez na vida a todos aqueles que a possam efetuar. Os fiéis veneram a Caaba (Santuário que encerra a Pedra Negra), girando sete vezes em torno dela; recitam as ora­ções prescritas; vão a Arafat, colina que dista 21 km de Meca, a fim de rezar em pé e invocar a Misericórdia Divina; voltam a Meca, passando por Muz­dalifa e Mina, onde degolam uma ovelha em memória do que terá feito ou­trora Abraão naquele lugar… A peregrinação é sempre ocasião de afervora­mento para quem a pratica.

A peregrinação é efetuada no dia 10 do último mês do ano litúrgico muçulmano, ano de meses lunares (e, por isto, onze dias mais breve do que o solar). A hegira (hijra =migração) é o ponto de partida desse calendário, cujas festas litúrgicas são móveis em relação ao calendário gregoriano, habi­tual no Ocidente.

6. Vida moral e familiar

O muçulmano, atento á vontade de Deus, procura cumprir tudo que a sua fé lhe impõe. Assim, por exemplo, deve abster-se de alimentos proibidos: carne de porco ou de animal não imolado ritualmente, sangue…, vinho, álcool.

No plano moral Maomé deixou nove preceitos:

“O meu Senhor me ordenou nove coisas: ser sincero na vida particular e em público, ser moderado na riqueza e na pobreza, justo na cólera e na satisfação, perdoar a quem me oprime, reatar as relações com quem as rom­pe comigo, dar a quem me priva de algo, fazer do meu silêncio uma medita­ção, dos meus discursos uma deificação, do meu olhar uma consideração a fim de aprender dos acontecimentos e das coisas que me caem sob os olhos”

Na vida de família, o Corão é tolerante em matéria de contracepção, mas rigoroso na rejeição do aborto. Permite ao homem ter até quatro mu­lheres por motivos legítimos (seja, porém, justo para com elas dentro dos limites do possível; cf. Corão 4,3); ao marido é lícito despedir a esposa sem dar explicações a quem quer que seja (nem a um juiz). A mulher, em geral, ocupa posição inferior no lar e na sociedade; os filhos são mais ligados ao pai do que à mãe.

Vários códigos jurídicos muçulmanos têm procurado, nos últimos tempos, remediar a estes costumes, obtendo ora mais, ora menos êxito.

7. A espiritualidade do Islã

Existem dois tipos de vivência islâmica:

1) Há quem queira fazer prevalecer os direitos de Deus na vida públi­ca, recorrendo ao poder do Estado. Este então se torna tutor da prática reli­giosa, que pode redundar em certo “legalismo” oficial frio e quase farisaico. Esta tendência a associar política e religião é assegurada por três Organiza­ções internacionais do Islã: 1) o Congresso do Mundo Muçulmano, fundado em 1926, com sede em Karachi (Paquistão); 2) A Liga do Mundo Muçulma­no, criada em 1962, com sede em Meca, e estritamente ligada ao Governo da Arábia Saudita; 3) a Organização da Conferência Islâmica, fundada em Rabat (1969), com sede em Gedda, congregando 44 Estados.

Os países de população muçulmana em nossos dias adotam ora mais, ora menos rigidamente a união da religião e do Estado. Todos os países ára­bes (com exceção do Líbano e da S(ria) têm o Islã como religião do Estado; exigem que o chefe do Governo seja muçulmano e que as leis islâmicas se­jam a fonte inspiradora da vida social. Embora o Islã não tenha clero, em to­dos os países maometanos existem os “homens da religião”, que fazem as vezes de um clero pago pelo Estado para tratar da observância da religião no respectivo país. Os cidadãos são identificados e tratados de acordo com a sua confissão religiosa o que quer dizer que os cristãos e os judeus são considerados cidadãos especiais, que não podem ter acesso às funções gover­namentais.

2) Todavia há também um Islã místico, que se preocupa com o apro­fundamento do mistério de Deus e tende a crescente amor do Criador. Não se afasta do Corão, mas procura seguir as suas básicas inspirações religiosas. Alguns místicos muçulmanos chegaram até a certo monismo, professando a absorção e o desaparecimento do fiel em Deus. Entre os principais vultos da mística árabe, está Al-Ghazali (1059-111), que fez escola dentro da orto­doxia, apregoando a ascese como via para chegar à união com Deus e à paz da alma.

8. O Islã e suas variedades hoje

Os muçulmanos continuam até hoje a referir-se ao Corão e à tradição profética; professam o mesmo Credo, realizam o mesmo culto…, mas apre­sentam variadas formas de existência.

A primeira grande divisão é a de Sunitas e Sciitas. Os primeiros se­guem a Tradição (Sunna), como veio através dos primeiros califas (= sucesso­res do mensageiro de Deus). Os Sciitas, aos quais se acrescentam os harigitas, são um ramo tido como dissidente, porque segue o califa Ali (665-660), pri­mo de Maomé, ao qual se opunha outro parente do profeta, chamado Muawija, Governador da Síria.

Os Sunitas representam 90% dos muçulmanos atuais, ao passo que os Sciitas e outros dissidentes 10%

De modo geral, entre os maometanos encontra-se um amplo leque de atitudes perante os desafios do mundo contemporâneo: há os que querem conciliar sua fé com os costumes da sociedade moderna no tocante aos di­reitos da mulher e dos filhos e no tocante ao direito penal (o Corão estipula a lei do talião e outras punições drásticas). Há igualmente os Fundamentalis­tas ou “Irmãos muçulmanos”, que não aceitam outra Constituição que não o Corão e querem retornar ao Islã dos tempos de Maomé em Medina (têm sua expressão no Irã de Khomeyni e no Líbano).

Além do mais, as culturas regionais imprimem suas características aos muçulmanos, de modo que se distinguem os maometanos árabes dos não árabes (africanos, turcos, soviéticos, indianos, indonesianos…).

8. Conclusão

O Islã resulta de uma amálgama de Judaísmo, Cristianismo e antiga re­ligião árabe; serviu a Maomé para unificar a população da península árabe e transmitir a seu povo a têmpera forte das conquistas políticas mediante a Guerra Santa (quem morre em guerra de conquista, tem assegurada a salva­ção eterna, segundo o Corão). Conserva traços das suas origens pré-cristãs como a prática da poligamia, que ofende a própria lei natural ou a institui­ção natural do matrimônio.

Apesar de julgarem os cristãos extravagantes e exagerados, os maome­tanos dedicam-lhes especial amizade, de acordo com os seguintes dizeres do Corão:

“Verás que aqueles que são mais vizinhos e amigos dos que crêem, são os que dizem: ‘Somos cristãos’. Entre estes, encontram-se sacerdotes e mon­ges, que são pessoas que não se incham de orgulho” (Corão 5,82).

Possa o Espírito Santo agir no coração daqueles que se dizem filhos de Abraão, para que mais e mais cheguem ao conhecimento da verdade revelada!

Estêvão Bettencourt O.S. B

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NOTAS:

[1] Entre os cristãos, distinguem-se: católicos (910.600.000); protestantes (322.000.000); ortodoxos (173.000.000); anglicanos (51.600.000); autóctones (125.500.000). Estes são dados relativos ao ano de 1987, fornecidos pelo Conselho Mundial de Igrejas (organização protestante-ortodoxa).

[2] O animismo professa que todos os seres da natureza são dotados de vida e capazes de agir de acordo com uma finalidade.

[3] Esta alegação não se sustenta, pois a tradição dos manuscritos bíblicos do Antigo e do Novo Testamento é suficientemente rica e significativa para se poder acompanhar a história do texto sagrado e reconstituir o seu teor ori­ginal sempre que surja alguma dúvida. Ver Curso Bíblico por Correspondên­cia, 1ª Etapa, Módulo 3, Caixa Postal 1362 20001 Rio (RJ).

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