(Revista Pergunte e Responderemos, PR 336/1990)
por Rend Latourelle S.J.
Em síntese: o Pe. René Latourelle oferece ao público brasileiro um livro valioso, em que apresenta os resultados da crítica dos Evangelhos realizada nos últimos decênios. Mostra que o estudo objetivo e sereno do texto dos Evangelhos e da história do judaísmo e do Cristianismo antigo substituiu a desconfiança dos racionalistas do século passado até 1950 por um voto de confiança na historicidade dos Evangelhos Não é a veracidade destes que deve ser provada, mas são as teorias que supõem haver interpolações ou ficções dos antigos cristãos no texto dos Evangelhos. Para chegar a esta conclusão, Latourelle percorre interessante roteiro de considerações, que terminam no enunciado dos critérios de autenticidade dos Evangelhos; estes critérios, reconhecidos por autores católicos e não católicos, possibilitam a penetração mais profunda no texto sagrado, despojada dos preconceitos da crítica liberal anterior a 1950.
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A questão da realidade histórica de Jesus não mais se coloca em nossos, dias, pois é evidente que existiu um personagem real chamado “Jesus de Nazaré”, que está na base de todo o fenômeno “Cristianismo”[1]; a crítica já abandonou as vãs teorias que pretendiam fazer de Jesus um personagem mitológico. Todavia o que se pergunta hoje em dia, é se os Evangelhos nos transmitem os ditos e os feitos históricos de Jesus ou apenas aquilo que as primeiras comunidades cristãs pensavam e acreditavam a respeito de Jesus; através do texto do Evangelho podemos chegar ao conhecimento fiel de Jesus de Nazaré? Ou podemos tão somente chegar ao conhecimento da fé da Igreja primitiva?
Entre os vários autores que se têm dedicado a esta problemática, merece relevo o Pe. René Latourelle S.J., ex-professor da Universidade Gregoriana (Roma). Após vários outros livros, lançou em 1977 a obra “L’accès à Jésus par les Evangiles. Histoire et Herméneutique”, obra recém-traduzida para o português com o título “Jesus existiu? História e Hermenêutica”[2]. É trabalho profundo, meticuloso, fruto de grande erudição, que contrasta com a simploriedade e superficialidade de que dão provas autores não especializados ao tratar do mesmo assunto[3]. A tal livro serão dedicadas as páginas seguintes.
1. O conteúdo da obra: justificativa
Na Introdução e no capítulo I o autor apresenta a justificativa do seu trabalho:
1) A fé não é o resultado de pesquisas experimentais (como as conclusões da Física e da Química) nem de um silogismo (como as proposições filosóficas), mas é entrega do homem a Deus, que falou por Jesus Cristo, … entrega um tanto “louca” ou “escandalosa” (cf. 1 Cor 1, 23; At 17, 18.20.32).
2) Doutro lado, a fé não implica a renúncia ao raciocínio (o que se chamaria “fideísmo”); o fiel deve poder dar contas de sua opção “escandalosa”; a fé é o ato da inteligência, que examinou as razões de crer e finalmente resolveu acreditar porque existem motivos de credibilidade; a fé é uma atitude sensata e inteligente.
3) É por isto que a inteligência humana se debruça sobre os Evangelhos; quer saber se os seus relatos são dignos de aceitação, porque fiéis à história ocorrida. Se não o são, nada sabemos a respeito de Jesus; a fé do homem moderno estaria aderindo não a Jesus de Nazaré, mas às proposições fictícias de homens simples do século I; professar a Messianidade e a Divindade de Jesus seria ilusão irracional e a fé cristã se tornaria irrisória.
4) Vê-se, pois, que é plenamente justificada a pesquisa relativa à autenticidade histórica do Evangelho.
5) Nessa pesquisa há estudiosos que chegam a conclusões antagônicas:
a) Rudolf Bultmann, por exemplo, julga que os Evangelhos nos transmitem uma mensagem meramente existencial (querigma) ou um apelo à conversão dirigido à nossa condição de pecadores; não haveria que nos preocupar com a historicidade dos relatos evangélicos, tida por Bultmann como inatingível;
b) ao contrário, outros autores, impregnados de filosofia positivista, procuram reconstruir os acontecimentos passados em sua pura materialidade histórica, julgando que a historiografia pode ser tão fria e desligada da vida quanto a matemática, a astronomia, a Física… Não admitem, portanto, que os evangelistas possam ter narrado fatos históricos a partir deste ou daquele ponto de vista pessoal, fazendo da história um veículo de doutrina. Quando descobrem uma apresentação existencial dos feitos de Jesus, têm-na por não histórica.
c) Em oposição a uns e outros, deve-se dizer que os fatos históricos são geralmente apresentados dentro de enfoques peculiares aos respectivos narradores, sem perder a sua fidelidade historiográfica; vêm descritos dentro de uma ótica interpretativa, que deve ser levada em consideração, como diremos melhor no decorrer deste artigo.
Após estas premissas, Latourelle distribui o seu trabalho em três partes:
I.A Evolução da Crítica; II. Precisões Metodológicas; III. Esboço de uma Demonstração.
Ao que se segue uma Conclusão: Balanço de um Estudo.
2. A Evolução da Crítica
1. Até o século XVIII não se discutia a fidelidade histórica dos Evangelhos; apenas havia interesse em harmonizar entre si os quatro relatos dos Evangelhos.
No século das luzes (século XVIII), com H.S. Reimarus (1694-1768), teve início a crítica céptica dos Evangelhos. Estes terão sido imaginados pelos antigos cristãos, de modo tal que não nos transmitem a imagem real de Jesus… O autor mais radical dessa corrente é Rudolf Bultmann (+ 1974), que distingue entre Jesus de Nazaré (inacessível a nós) e o Cristo da fé, cuja imagem é delineada pelos evangelistas; estes não fizeram obra historiográfica (nem seria conveniente querer extrair de seus escritos alguns dados históricos), mas descrevem tão somente o que os antigos cristãos imaginavam a respeito de Jesus; a leitura dos Evangelhos nos transmitiria apenas um apelo à mudança de vida ou à passagem da vida inautêntica para o viver autêntico.
As posições de Bultmann provocaram vivas reações de católicos e protestantes. Frente ao ceticismo desse autor, os críticos repensaram a problemática; tornaram-se mais moderados, adotando atitudes de confiança a respeito dos Evangelhos. “Chegaram a uma mesma conclusão: o acesso a Jesus pelos Evangelhos, durante muito tempo considerado impossível pelo positivismo histórico e pelos adeptos da teologia do querigma, é atualmente reconhecido como empreendimento necessário e possível” (p. 27).
“Tal conclusão, fruto de dois séculos de buscas, constituí senão a própria prova, pelo menos sólida presunção em favor da posição que representa. Se tantos estudiosos, entre os quais certo número figurou anteriormente entre os mestres da dúvida, dão crédito aos Evangelhos como via de acesso a Jesus, pode-se crer legitimamente que a verdade vai neste sentido… Esse argumento de autoridade, ele próprio fundado sobre a crítica interna dos Evangelhos, já constitui peça considerável da demonstração” (pp. 27s).
R. Latourelle volta às mesmas observações após haver percorrido os diversos nomes dos críticos dos séculos XIX e XX:
“Depois de dois séculos de história, a crítica completou o seu circuito. No termo da aventura, nos encontramos novamente diante da mesma afirmação inicial: pelos Evangelhos conhecemos verdadeiramente Jesus de Nazaré (mensagem, ação, projeto e destino). Que diferença, no entanto, entre a confiança acrítica do passado e a confiança criticamente provada e laboriosamente conquistada do presente! As negações ou as suspeitas da crítica obrigaram católicos e protestantes a pesquisar a fundo a história desses livrinhos aparentemente tão ingênuos, tão transparentes, que são os Evangelhos. Após décadas de pesquisas, a história de sua formação tornou-se mais familiar para nós. O conhecimento dessa história, por mais completa que seja, longe de nos amedrontar, infunde segurança e nos sustenta” (pp. 72s).
Após tal percurso histórico, Latourelle propõe alguns princípios básicos que devem nortear a investigação da historicidade dos Evangelhos. É o que ele chama
3. Precisões Metodológicas
Vêm ao caso três pontos.
3.1. O genero literário “Evangelho”
Por “Evangelho” entende-se não somente a mensagem de Jesus Cristo, mas também um gênero literário ou uma maneira de escrever e narrar que não tem equivalente fora do Novo Testamento. Tal gênero literário não pode ser equiparado à historiografia de Políbio (+ 128 a.C.), Tucídides (+ 395 a.C.), Tito Lívio (+ 17 d.C.), nem ao gênero “biografia” usual entre os gregos, nem ao tipo de “Memórias” de Xenofonte (que escreveu sobre Sócrates) nem ao que se chama “retrato literário”.
Com efeito. Os Evangelistas se interessaram não só pela morte e a ressurreição de Cristo, como os demais autores do Novo Testamento, mas também pela atividade terrestre de Jesus. Todavia não foram escritores de gabinete, recorrendo a Bibliotecas, preocupados em compor uma biografia completa de Jesus, desde o nascimento até a morte. Com efeito; não se encontra nos Evangelhos a explanação das origens de Jesus, da sua formação, do seu caráter…; também não se acham aí uma topografia e uma cronologia precisas – dados fundamentais na historiografia. As indicações de tempo e lugar são genéricas: “em seguida, naquele tempo, depois, em casa, sobre o lago, na estrada, sobre a montanha…”
Em conseqüência, deve-se dizer que os evangelistas não quiseram descrever a história pela história, mas tinham consciência de estar proclamando algo de singular ou o Acontecimento n° 1 da história humana, ou seja, a intervenção decisiva de Deus Pai mediante Jesus Cristo; tratava-se de apresentar a “plenitude dos tempos”, na qual se cumpria a salvação prometida e aguardada durante séculos. Por isto a apresentação de tal evento não podia deixar de ter um caráter muito vivencial: era também um apelo à decisão mais fundamental por parte dos leitores; todos os homens são chamados à conversão; quem queira ler corretamente os Evangelhos, terá que deixar repercutir dentro de si esse prodigioso apelo à mudança de vida. – Adotando o gênero literário dito “Evangelho” (Boa-Nova), os evangelistas não faziam senão redigir por escrito a pregação dos Apóstolos, que se baseava, sim, em fatos históricos, mas fazia desses eventos históricos uma proclamação de salvação. Também os Apóstolos, ao pregar, não eram meros cronistas, mas arautos da Boa-Nova.
Mais: os evangelistas tiveram que transmitir tal apelo a homens de diversas regiões: Mateus, aos da Palestina; Marcos, aos de Roma, Lucas, aos da Grécia; João, aos da Ásia Menor. Isto significa que, a novo título, tinham que escrever segundo perspectivas vivenciais (supondo circunstâncias históricas diversas), a fim de que penetrassem as mentes dos respectivos leitores e respondessem aos seus problemas.
Assim vê-se que os Evangelhos são, ao mesmo tempo, relatos históricos e profissão de fé; aliás, o Antigo Testamento conhecia algo de semelhante: os seus “Credos” eram relatos sucintos dos atos salvíficos de Deus; verdades de fé e fatos históricos se entrelaçavam; a história era narrada de maneira a suscitar atitudes de vida e as grandes doutrinas eram encarnadas em fatos históricos; cf. Dt 26, 5-9; 6, 20-24; Js 24, 2-13… Nada de igual se encontra na literatura profana.
Isto leva a considerar a distinção entre
3.2. História e história (Historie und Geschichte)
O termo “história” pode ter duplo sentido. Pode, sim, designar o passado do homem (história vivida) como também a história narrada ou a historiografia. A fim de evitar ambigüidades, os autores alemães modernos distinguem entre Historie (história passada, vivida) e Geschichte (História narrada). Historie seria o passado como tal; Geschichte, a narração desse passado ou a historiografia.
A concepção de história que dominou no século XIX e que inspirou os julgamentos de muitos cristãos sobre os Evangelhos, foi a do Positivismo representado por Ludwig von Ranke (1795-1886) e Theodor Mommsen (1817-1903). Ora, segundo os princípios do Positivismo, que aspira a ter do passado uma imagem exata e completa a partir de “fontes historicamente puras”, o julgamento não podia deixar de ser desfavorável aos Evangelhos, pois estes pareciam ser fontes “contaminadas’ pela perspectiva da fé e a interpretação teológica. Convém, pois, examinar os postulados do Positivismo.
Este define a historiografia como o registro ou a fotografia dos fatos pretéritos; seria a narrativa dos acontecimentos em estado bruto ou em sua pura materialidade, isenta de qualquer interpretação; o modelo da historiografia seria o das ciências naturais, que tendem à exatidão fria, neutra, impessoal. . . Ora tal modelo de historiografia é artificial e inexeqüível; os relatos historiográficos são geralmente inspirados por uma interpretação individual ou coletiva, sem a qual, de resto, perderiam muito do seu significado e da sua vida. Assim, por exemplo, dizer que o jornalista Wladimir Herzog foi assassinado no cárcere em São Paulo é dizer mais do que um fato; para falar exclusivamente de um fato, dever-se-ia dizer que foi encontrado morto de tal e tal maneira no cárcere; quem diz que foi assassinado, já transmite uma interpretação do fato.[4] Todo fato humano, portanto, presta-se espontaneamente a uma ou mais interpretações. Aliás, as próprias ciências naturais também não são sempre cultivadas com a pretensa objetividade e isenção de ânimos que o Positivismo apregoa: quem estuda, muitas vezes estuda em vista de uma meta, a serviço de uma causa, financiado por uma instituição, que influi no próprio curso das pesquisas.
Consideremos, no tocante à historiografia, dois elementos de subjetividade, que não podem ser eliminados:
a) a escolha de uma perspectiva: quem, por exemplo, descreve o século XVI do ponto de vista religioso, dirá que foi uma época muito conturbada pela reforma protestante e as guerras ou agitações que ela suscitou. Quem, ao contrário, considera o aspecto cultural do mesmo século, dirá que foi grandioso por causa do Renascimento literário, arquitetônico, pictórico e por causa das grandes descobertas marítimas…;
b) a opção afetiva. Os fatores afetivos desempenham freqüentemente papel determinante no modo de julgar pessoas e acontecimentos. Assim a avaliação do papel político de homens como Napoleão, De Gaulle, Churchill, Lenin… dependerá muito das premissas afetivas de quem vai julgar. A guerra de 1939-45 será diversamente entendida por alemães, franceses, ingleses, norte-americanos, japoneses, chineses… A poligamia, o extermínio dos inimigos, a escravatura praticadas no Antigo Testamento, a Inquisição e as Cruzadas da Idade Média serão entendidas de um modo por historiadores que apliquem a tais fatos as categorias culturais do século XX, e de outro modo por aqueles que lhes apliquem os parâmetros da cultura da respectiva época antiga ou medieval. Consciente ou inconscientemente, o historiador é condicionado por seus pressupostos filosóficos, por suas opções existenciais. . . , que influenciam a escolha dos documentos, a organização dos dados e a síntese final do seu trabalho.
Mas nem por isto nos é lícito cair no ceticismo a respeito da possibilidade de relatos históricos fiéis aos fatos. Para os conseguir, o historiador deve, antes do mais, ter consciência de que parte de tais e tais premissas (por ele escolhidas); deve também estar disposto a abrir-se a outras perspectivas diferentes das suas, e até . . . a renunciar às suas premissas, caso elas sejam evidentemente deturpadoras dos fatos históricos. É preciso que o historiador se disponha a deixar o momento presente e a fazer-se contemporâneo dos fatos passados e dos referenciais de cultura que os explicam. É preciso que haja “simpatia” e o mesmo comprimento de onda… A objetividade em historiografia é, antes do mais, a busca de objetividade. . . , busca de objetividade que pode chegar à objetividade real e plena, ou seja, à descrição dos fatos na ótica genuína, como eles devem realmente ser relatados e entendidos.
Façamos a aplicação destas considerações gerais aos Evangelhos.
3.3. Os Evangelhos e a história
Os Evangelhos se aproximam muito mais das noções de história e de fidelidade histórica do que pensavam os positivistas. Com efeito; os Evangelhos nos transmitem a existência terrestre de Jesus com o sentido profundo que ela teve para o próprio Jesus e para nós. Assim, por exemplo, São Lucas faz questão de frisar, no prólogo do seu Evangelho (Lc 1, 1-4), que ele pesquisou e se informou para poder escrever com exatidão sobre a materialidade dos fatos ou sobre os fatos brutos; ao mesmo tempo, porém, São Lucas e os demais evangelistas procuram exprimir o significado dos fatos relatados, ou seja, a verdade interior contida e veiculada por tais fatos ou pela verdade exterior; os evangelistas se interessam pelo sentido dos acontecimentos, sentido que pertence aos próprios acontecimentos e que aos poucos foi desabrochando na consciência das gerações cristãs. Assim os relatos evangélicos não atendem apenas à curiosidade ou ao enriquecimento intelectual do leitor, mas tomam o valor de uma interpelação e de um apelo dirigido ao leitor. Tenhamos em vista, por exemplo, a morte de Jesus: não é um simples falecimento, mas tem o caráter de entrega à vontade do Pai, em réplica ao Não dito pelo primeiro Adão; ela abre a via de acesso ao Pai para o leitor que dela toma conhecimento. A realidade de Jesus não é neutra; ela põe em jogo a existência daquele que a encontra; ela chama a uma decisão. O leitor do Evangelho não é alguém que toma posse de um passado morto, mumificado, para contemplá-lo como espectador frio e desinteressado, mas é alguém que descobre um Jesus que significa toda uma mensagem de vida.
Mais um ponto se impõe à nossa consideração: o cristão que aborda os Evangelhos, é um homem de fé. Poder-se-á objetar que isto lhe torna difícil a compreensão objetiva dos Evangelhos, pois ele já tem um pré-conceito favorável. Ao contrário, o fato de ser homem de fé lhe é vantajoso, pois o coloca, desde o início, na perspectiva em que os Evangelhos foram escritos: a da fé. Se não fosse assim, teríamos de concluir que a atitude ideal para apreciar a doutrina de um filósofo é a do cético; para compreender uma religião, a do ateu; para perceber o sentido de uma vida comprometida, a do homem sem ideal. O homem de fé está obrigado a reconhecer e declarar seus pressupostos de fé, mas não está obrigado a abandoná-los sob pretexto de uma neutralidade impossível.
Após estas ponderações de ordem metodológica, passemos à terceira parte do livro de R. Latourelle, que propõe os critérios para se demonstrar que os evangelistas foram historiadores fiéis aos fatos.
4. Critérios de autenticidade histórica dos Evangelhos
Trata-se agora de mostrar que os escritos dos Evangelhos e os fatos passados estão de acordo entre si. Para tanto, distinguem-se critérios primários ou fundamentais, critério secundário ou derivado (o estilo de Jesus) e critérios mistos. – Examinemos as duas primeiras categorias de per si.
4.1. Critérios primários ou fundamentais
São quatro.
4.1.1. Critério de múltipla atestação
Eis como se enuncia:
“Pode-se considerar como autêntico um dado evangélico solidamente atestado em todas as fontes (ou na maioria delas) dos Evangelhos (Marcos, fonte de Mt e de Lc; a Quelle[5], fonte de Lc e Mt; as fontes especiais de Mt e de Lc e, eventualmente, de Mc), e nos outros escritos do Novo Testamento (particularmente Atos, Evangelho de João, cartas de Paulo, de Pedro e de João, carta aos Hebreus).
Tal critério é de uso corrente em historiografia. A certeza obtida repousa sobre a convergência e a independência das fontes. – Poder-se-ia objetar que as fontes utilizadas pelos evangelistas não são independentes entre si, mas derivadas do mesmo manancial: a Igreja nascente. – Em resposta, notemos que uma fonte pode representar elevado número de testemunhas: é o caso de 1 Cor 15, 3-9, que apresenta a ressurreição e as aparições de Jesus atestadas por mais de quinhentos irmãos; podem, sim, existir testemunhos múltiplos que se exprimem concordemente a ponto de constituírem uma só fonte. Além disto, as características regionais das antigas comunidades cristãs (Colossos, Éfeso, Filipos, Corinto, Roma. . .) constituem fator de independência, contrabalançando o perigo da uniformidade. Por último, registremos ainda o aforismo latino: “Testimonia non numerentur, sed ponderentur. – Os testemunhos não valem tanto pelo seu número, mas sim pelo seu peso”. Um testemunho sério e leal pode ser suficiente para fundamentar o nosso assentimento, ao passo que diversos testemunhos suspeitos têm valor exíguo. – Eis alguns exemplos de aplicação deste critério:
A misericórdia de Jesus para com os pecadores é atestada em todas as fontes do Evangelho e nas mais variadas formas literárias: a parábola do filho pródigo (Lc 15, 11-32), a controvérsia com os fariseus (Mt 21, 2832: “os publicanos e as prostitutas vos precederão”), um milagre (a cura do paralítico em Mc 2, 1-12), um relato de vocação (a de Levi em Mc 2, 13-17).
O carregar a Cruz após Jesus encontra-se em Mt 16, 24; Mc 8, 34; Lc 9, 23 (a referência à Cruz explicita a necessidade de morrer a si mesmo para entrar no Reino de Deus, tão freqüentemente apregoada e literalmente vivida por Jesus).
Os traços essenciais da fisionomia, da pregação e da atividade de Jesus também se encontram em todas as fontes: a afirmação de que a Lei de Moisés chegava ao seu ponto culminante em Jesus e, por isto, estava abolido o seu papel de preâmbulo; a resistência de Jesus ao Messianismo nacionalista e político; a atividade taumatúrgica de Jesus, a sua pregação em parábolas…
4.1.2. Critério da descontinuidade
Formula-se assim:
“Pode-se considerar autêntico um dado evangélico (principalmente quando são palavras e atitudes de Jesus) irredutível seja à concepção do judaísmo, seja às concepções da Igreja nascente”.
Antes mesmo de considerar relatos particulares, pode-se dizer que os Evangelhos, em seu conjunto, se apresentam como um caso de descontinuidade, visto que constituem algo de único e original em relação a qualquer literatura. Os Evangelhos, como vimos, não são biografias nem apologias nem especulações doutrinais, mas testemunhos sobre o acontecimento singular da vinda de Deus na história, na linguagem e na carne do homem. O conteúdo dos Evangelhos é a pessoa de Jesus Cristo, que não entra dentro das categorias da história profana universal, nem dentro daquelas que a história das religiões conhece. Jesus é absolutamente único.
As atitudes de Jesus o denotam especialmente. Assim a expressão Abbá (Pai querido), empregada por Jesus ao falar a Deus, manifesta uma intimidade de relações totalmente desconhecida ao judaísmo anterior. Somente Jesus podia usufruir de tal intimidade e autorizar os seus a repetir com Ele: “Pai nosso”. Perante a Lei de Moisés Jesus não conhece os embaraços dos fariseus, mas dirige-se diretamente para o espírito da Lei: o seu comportamento em sábado e diante das purificações legais representa ruptura com o mundo dos rabinos. Da mesma forma, sua concepção de Reino difere radicalmente da do judeu comum: é um Reino que chega à glória mediante o sofrimento redentor do Servo de Javé
Eis agora alguns exemplos de descontinuidade em relação às concepções da própria Igreja nascente:
1) o Batismo de Jesus coloca-o entre os pecadores. Pergunta-se, pois: como a Igreja primitiva, que proclamava Jesus “Senhor”, podia inventar uma cena tão contrastante com a sua fé? Diga-se o mesmo em relação à tríplice tentação, à agonia e à morte na Cruz.
2) A ordem dada aos Apóstolos de não pregar aos samaritanos e aos gentios (Mt 10, 5s) já não correspondia à situação da Igreja após Pentecostes, aberta a todas as nações[6].
3) O fato de Jesus ter chamado seus discípulos (cf. Mt 10, 1; Mc 3, 14s; Lc 9, 1) está em descontinuidade com o contexto rabínico, segundo o qual é o discípulo que escolhe o mestre, e com o da Igreja nascente, na qual a expressão “discípulo” designava, antes de tudo, aquele que crê em Jesus.
4) Todas as passagens do Evangelho que, apesar da veneração da Igreja primitiva para com os Apóstolos, enfatizam a incompreensão, os defeitos e até as defecções dos Apóstolos (traição de Judas, negação de Pedro), contrastam com a situação dos cristãos após Páscoa.
5) Os Evangelhos conservaram dizeres obscuros de Jesus como os de Mt 11, 11s; Mc 4, 11; ou dizeres que minimizam Jesus (Mc 10, 18; Mt 12, 31)[7], apesar da tentação que podia acometer os primeiros cristãos, de suprimir tais dizeres.
6) O fato de terem os Evangelhos conservado expressões arcaicas como “Reino de Deus, Filho do homem” é testemunho de uma tradição que remonta a Jesus, pois São Paulo, que escreve entre 51 e 67, já não utiliza esse vocabulário.
Não se deve exagerar o valor da descontinuidade, pois isto levaria a rejeitar como inautêntico tudo o que se situasse na linha do judaísmo ou da Igreja nascente; Jesus se tornaria um personagem desvinculado do seu meio e da sua época. Na verdade, Jesus quis nascer de um povo cujas tradições lingüísticas e culturais ele assumiu, para colocar sobre este fundo a grande novidade do Evangelho; por isto não se pode banir da autêntica mensagem cristã todo e qualquer resquício do judaísmo. Daí o terceiro critério a ser apresentado:
4.1.3. O critério da conformidade
Eis como se formula:
“Pode-se considerar como autêntico um dito ou gesto de Jesus que se encontre em estreita conformidade não apenas com a época e o meio de Jesus (meio lingüístico, geográfico, social, político, religioso), mas ainda, e sobretudo, esteja intimamente coerente com o ensinamento essencial, com o âmago da mensagem de Jesus, a saber: a vinda e a instauração do Reino Messiânico”.
Seguem-se exemplos de aplicação deste critério:
1) A situação histórico-política da Palestina mencionada pelos Evangelhos é a que outras fontes nos referem, com seus personagens típicos (o Governador Quirino, da Síria, Herodes Antipas, Caifás, Pôncio Pilatos, Filipe) e com as vicissitudes de que foram protagonistas.
2) O quadro geográfico: a Palestina, com o seu Lago de Tiberíades ou Genesaré (também Mar da Galiléia), as cidades de Nazaré, Cafarnaum, Cesaréia de Filipe…. tais como foram exploradas pelas escavações arqueológicas dos últimos tempos.
3) O ambiente cultural: o fundo semítico, as palavras aramaicas, o vestuário, os usos, a alimentação, os costumes… supostos pelos Evangelhos são os da Palestina do século I.
4) O contexto religioso mencionado pelos evangelistas é o que delineiam também os apócrifos e os escritos dos monges de Qumran: rivalidades entre fariseus e saduceus, controvérsias rabínicas, expectativa escatológica e messiânica, a estima do Templo de Jerusalém…
Assim Jesus nos aparece como alguém que simultaneamente é do seu tempo e deste se distingue. Esta aparente contradição pode ser entendida do seguinte modo: Jesus anuncia uma mensagem única e original numa linguagem e num contexto tipicamente judaicos.
4.1.4. O critério da explicação necessária
Assim se formula:
“Diante de um conjunto considerável de fatos ou de dados que exigem explicação coerente e suficiente, caso se apresente uma explicação que esclareça e harmonize todos esses elementos (enigmáticos sem essa explicação), podemos concluir que nos encontramos em presença de um dado autêntico (fato, gesto, atitude, palavra de Jesus)”.
Os fatos que precisem de explicação, podem ser de natureza muito diversa: tenhamos em vista a atração exercida por Jesus, o entusiasmo das multidões, o ódio das autoridades judaicas, a fecundidade e a difusão da fé cristã… – A exigência de urna explicação satisfatória não é senão a aplicação, no setor da história, do princípio da razão suficiente: todo fenômeno deve ter causas adequadas que o elucidem. Assim em matéria de jurisprudência, quando se trata de descobrir o autor de um delito, a hipótese que esclareça o maior número de fatos, é a que a Justiça aceita como explicação do delito. Tal princípio é utilizado na maioria das ciências humanas (sociologia, antropologia. . .) e também no estudo dos Evangelhos: aceita-se como autêntica uma explicação apta a resolver numerosos problemas, sem provocar outros maiores ou sem provocar nenhum.
Eis alguns exemplos de aplicação de tal critério:
1) A atitude de Jesus diante das prescrições legais das autoridades judaicas, e diante das Escrituras, as prerrogativas que atribuía a si mesmo, a linguagem que adotava, o prestígio de que gozava, o fascínio que exerceu sobre os discípulos e o povo… só têm sentido se admitimos, na origem disso tudo, uma personalidade única e transcendente. Tal explicação é mais consistente do que a hipótese de que a Igreja primitiva tenha criado “o mito Jesus”.
2) “Como explicar que, desde o início do Cristianismo, Jesus seja sempre apresentado como o Cristo, o Senhor e o Filho de Deus, nos Atos dos Apóstolos, nas cartas de São Paulo, nas fórmulas de fé mais antigas, nos hinos litúrgicos, na pregação e no comportamento novo dos Apóstolos? O acordo dos documentos é unânime. Presumir que tudo isso seja apenas geração espontânea, criação de imaginações exaltadas ou fruto de fé sem raiz é, antes, um deus ex machina[8] do que verdadeira explicação. Mais econômico e coerente é pensar que esse acordo unânime da Igreja primitiva tem sua razão de ser na própria existência de Jesus, que durante sua vida, tanto por seu comportamento quanto por sua palavra, permitiu que o tema de sua Messianidade e de sua filiação divina germinasse, amadurecesse e se difundisse. A fé da Igreja não é um satélite sem rampa de lançamento (p. 195).
3) A autenticidade dos milagres pertence a esse crendenciamento de Jesus junto aos Apóstolos, aos discípulos e às multidões. Explicam a segurança invencível das testemunhas de Cristo, a transformação radical dos Apóstolos e o fogo contagioso de sua esperança e de sua caridade, o ódio dos sumos sacerdotes e dos fariseus por causa dos feitos de Jesus, a importância dos milagres na pregação dos Apóstolos e da Igreja nascente.
4) De modo particular, consideremos a multiplicação dos pães: Jo 6, 1-15; Mt 14, 13-21; Mc 6, 30-44; Lc 19, 10-17. No caso deste episódio, é preciso explicar por que Jesus foi considerado um grande profeta depois do acontecimento, a ponto de O quererem fazer rei; é preciso explicar a explosão de Messianismo político provocada pelo ato de Jesus; é preciso explicar por que Jesus forçou seus discípulos a embarcar sem demora como se estivessem apegados a algo; é preciso explicar como o episódio, a princípio não compreendido, constituiu um fato decisivo na caminhada dos discípulos; é preciso explicar a importância que o episódio assumiu na tradição dos Sinóticos e no quarto Evangelho e finalmente na Tradição teológica e iconográfica dos primeiros séculos. Todos estes dados exigem uma explicação que seja mais do que um arranjo falso; admitida a historicidade da multiplicação dos pães, tem-se nesse fato inicial o fundamento e a razão suficiente de todos os dados atrás enumerados.
4.2. Critério secundário ou derivado: o estilo de Jesus
Através dos quatro critérios básicos até aqui enunciados, podemos estabelecer o estilo de Jesus: o estilo da pessoa e da vida de Jesus. Tal critério é dito “derivado” porque supõe a aplicação dos quatro anteriores.
Em seu comportamento, Jesus manifesta amor sempre igual pelos pecadores, compaixão por todos os que sofrem dureza implacável, aversão a toda forma de orgulho, santa cólera contra a mentira e a hipocrisia e, principalmente, referência de intimidade singular a Deus Pai. Em suas palavras, encontra-se um misto de mansidão, simplicidade e, ao mesmo tempo, de soberana autoridade; por isto o mesmo Jesus que se proclama o servo de todos, o bom pastor, o amigo dos pequeninos, é também o que declara: “Eu vim… Eu vos digo … Na verdade eu vos digo … Quem constrói sobre a minha-palavra. .. , Vem, segue-me . . . , Levanta-te. . . Anda. . . ” Sua palavra tem uma tonalidade de urgência definitiva: “Até agora foi-vos dito. . . Doravante eu vos digo… ” (cf. Mt 5, 21-48). “Então vereis o Filho do Homem” (Mt 26, 64), “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mt 24, 35), “Naqueles dias a desgraça será tal…'” (Mt 24, 21s). Jesus não apenas inaugura nova época, a época decisiva anunciada pelos Profetas, mas é Ele próprio, em pessoa, o ponto de chegada do Antigo Testamento e o começo da era definitiva.
Latourelle e outros estudiosos enunciam ainda critérios mistos para comprovar a historicidade dos Evangelhos. Visto que não acrescentam grande contribuição aos critérios já apresentados, passamos imediatamente às conclusões que Latourelle deduz da análise dos critérios de autenticidade dos Evangelhos.
5. Conclusão
Enumeram-se dois pontos.
5.1. O conteúdo dos Evangelhos
O exame a aplicação dos critérios elencados levam a “espantosos resultados. Quase a totalidade do material evangélico é assim recuperada” (p. 200). Assim, por exemplo,
1) o ambiente lingüístico, humano, social, político, econômico, cultural, jurídico, religioso… da
atividade terrestre de Jesus pode ser comprovado como genuíno;
2) as grandes linhas do ministério público de Jesus também…: os começos na Galiléia, o entusiasmo do povo e dos Apóstolos diante dos prodígios realizados, a incompreensão progressiva de uns e outros, o ministério de Jesus em Jerusalém no final de sua vida, o processo religioso sustentado por acusações de ordem política (como se Jesus se fizesse o rival de César), a condenação à morte, o desfecho vitorioso… ;
3) os grandes acontecimentos da vida de Jesus aparecem outrossim como autênticos: o Batismo (Mc 1, 9-11, par.)[9], as tentações (Mc 1, 12s, par.), a Transfiguração (Mc 9, 2-10, par.), o ensinamento sobre a vinda decisiva do Reino (Mc 1, 15 par.), o convite à penitência e à conversão (Mc 1, 15, par.), o ensinamento em parábolas (Mt 13, 1-53, par.), as bem-aventuranças (Mt 5, 3-12, par.), o Pai-Nosso (Mt 6, 9-13, par.), os milagres e exorcismos como sinais do Reino (Mt 8, 1-9, 38, par.), a traição de Judas, a agonia, o processo, a crucifixão, o sepultamento, a ressurreição (Mc 14, 1-16, 20 par.)..
“Na medida em que prosseguem as pesquisas, o material reconhecido como autêntico cresce sem cessar até abarcar todo o Evangelho” (p. 201).
5.2. Confiança ou desconfiança?
Após aplicação rigorosa dos critérios de autenticidade histórica, já não se pode dizer como Bultmann: “Sobre Jesus de Nazaré, nada se sabe ou quase nada”. Não se pode mais sustentar tal afirmação.
Mais: todo o modo de considerar os Evangelhos há de ser reformulado. Durante perto de um século, os críticos conservaram para com os Evangelhos um preconceito sistemático de desconfiança; exigiam que se lhes provasse a veracidade dos relatos evangélicos. Ora após os estudos iniciados em 1950 sobre os critérios de autenticidade histórica, a atitude de desconfiança já não tem propósito; é suplantada pelas conclusões a que chegaram os próprios críticos dos últimos decênios. Temos de inverter as posições e dizer: nos casos discutidos, predomina a suposição de autenticidade. Com outras palavras: não é a historicidade dos Evangelhos que deve ser demonstrada, mas é a pretensa não historicidade. Quem deseja afirmar que tal ou tal episódio resulta de interpolação ou da ficção dos antigos cristãos, deve prová-lo. “O pressuposto de que os Evangelhos merecem confiança, é fundado, ao passo que o preconceito de que não merecem crédito não está fundamentado” (p.201).
Isto não quer dizer que se deva excluir de antemão a possibilidade de haver nos Evangelhos o eco de reflexões das antigas comunidades cristãs; tais reflexões (que explicitavam o sentido das palavras do Senhor) parecem evidentes se comparamos entre si, por exemplo, o sermão das bem-aventuranças em Mt 5, 3-12 e Lc 6, 20-26; a parábola dos convidados às núpcias em Lc 14, 16-24 e Mt 22, 1-14. Todavia não somente a fé, mas também a crítica racional leva a dizer que essas explicitações consignadas pelos evangelistas são consentâneas com o pensamento e o discurso de Jesus. Temos acesso a Jesus de Nazaré histórico, que foi identificado como Cristo e Senhor na base precisa do que Ele disse e fez realmente durante a sua passagem terrestre entre nós.
“A pesquisa histórica não impõe a fé,. mas a torna possível; dá acesso ao autêntico Evangelho do autêntico Jesus. Fica faltando que nos deixemos interpelar pelo Cristo e nos abandonemos ao Espírito que fala dentro de nós, fazendo-nos perceber a mensagem viva de Jesus, a nós dirigida pessoalmente, como palavra viva” (p. 215).
Eis como o Pe. René Latourelle conclui seu precioso livro, que merece ser colocado nas mãos de todos aqueles que sinceramente desejam estudar o problema religioso, pondo de lado o subjetivismo “achista” (“eu acho”) e a fantasia desligada da razão.
Em consonância com o livro de R. Latourelle está o de F. Lambiasi: Autenticidade Histórica dos Evangelhos. Estudos de Criteriologia. Ed. Paulinas 1978.
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NOTAS:
[1] Escreve, por exemplo, Rudolf Bultmann, um dos críticos mais radicais do Evangelho nos últimos decênios:
“O fato de duvidar de que Jesus tenha realmente existido não tem fundamento algum e não merece sequer ser refutado. É indiscutível que Jesus está na origem do movimento histórico cujo primeiro estágio tangível é representado pela comunidade palestinense primitiva” (Jesus. Mythologie et démythologisation. Paris 1968, p. 18).
[2] Ed. Santuário, Rua Pe. Claro Monteiro 342 – 12570 Aparecida (SP), 157 x 227 mm, 231 pp.
[3] Referimo-nos especialmente a J.J. Benítez, pp. 211-219 deste fascículo.
[4] Uma coisa é dizer: “José Maria morreu” : Outra coisa é dizer: “Meu pai (José Maria) morreu”. – Um estranho ou um Jornalista dirá: “José Maria morreu”; o(a) filho(a), porém, interpelado(a) pelo fato, dirá: “Meu pai morreu!” Um filho do falecido não pode falar como um jornalista, pois o fato o toca singularmente.
[5] Quelle = fonte, em alemão. Designa uma suposta coletânea de dizeres de Jesus da qual os evangelistas terão tirado os discursos e sentenças do Senhor inseridos nos respectivos Evangelhos.
[6] A ordem de Jesus dada aos primeiros missionários é realmente o eco da primeira hora da vida pública do Senhor. Significa que o Evangelho devia ser pregado primeiramente, mas não exclusivamente, aos judeus, que haviam preparado a vinda do Messias. Comparando entre si Mt 10, 5s e Mc 3, 1419; 6, 8-11, verificamos que em Mc não se lê que os Apóstólos em sua primeira missão tenham sido enviados apenas aos judeus. O texto de Mc, no caso, posterior ao de Mt, já é o reflexo do universalismo do Evangelho praticado pela Igreja segundo as intenções do próprio Senhor Jesus; comparemos entre si Mt 10, 17-19 e Mc 13, 0-11, onde Mc enfatiza ‘:.. a todas as nações’ ; o mesmo se verifica se comparamos entre si Mt 21, 13 e Mc, 11, 17. – O Evangelho era, sim, destinado a todos os povos, com primazia, porém, para os filhos de Israel, que haviam preparado a vinda do Messias.
[7] A resposta de Jesus ao jovem rico soa: “Por que me chamas bom? Ninguém é bom se não Deus” (Mc 10, 18). Deve ser assim entendida: o jovem entrevia em Jesus algo de especial e grandioso, que o levava a atribuir a Jesus o predicado bom (tob), que não era conferido aos rabinos, mas somente a Deus. Jesus então quer levar seu pensamento adiante, insinuando-lhe: “Se me chamas bom (atributo próprio de Deus), compreende que eu sou Deus”
[8] Deus a partir da máquina ou Deus pré-fabricado ou explicação artificial.
[9] par. significa: as secções paralelas encontradas nos outros relatos do Evangelho.