(Revista Pergunte e Responderemos, PR 395/1995)
Em síntese: Note-se o estilo singular segundo o qual Jesus realizava milagres: nunca em seu favor, jamais para punir, sem teatralidade, com discrição e sobriedade. Estas características diferenciam bem os milagres de Jesus dos que os taumaturgos dos judeus ou pagãos tenham realizado, e testemunhara em favor da historicidade de tais feitos. Estes são entendidos por Jesus e pela Tradição dos Apóstolos como sinais (semeia, em grego) que explicitam a vinda do Messias e do Reino de Deus.
Mais: os milagres estão de tal modo inseridos na pregação e na missão de Jesus, autenticando-as e comprovando-as, que não podem ser negados sem que se negue a própria identidade de Jesus Cristo. Ver especialmente Mt 11,2-6; 12, 28; 11, 20-24. Desde os seus primórdios, a pregação dos Apóstolos apresentava Jesus como autor de portentos, mesmo perante pessoas que haviam conhecido Jesus e podiam contestar falsas notícias a respeito; cf. At 2,22; 10,38. Nem mesmo os adversários de Jesus contestaram a sua atividade taumatúrgica, mas atribuíram-na, uns, a Satanás (cf. Mt 12,24), e outros a poderes mágicos (assim o Talmud judeu).
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Os Evangelhos narram que Jesus realizou muitos feitos maravilhosos, chamados em grego seméia (sinais) ou dynámeis (atos de poder). Visto que a mentalidade moderna é, não raro, cética em relação a milagres, perguntamos: podem tais feitos maravilhosos ser tidos como históricos? E, em caso positivo, que valor ou significado têm? – É a estas questões que serão dedicadas as páginas subseqüentes.
1. OS MILAGRES NO EVANGELHO: CARACTERÍSTICAS
Segundo os evangelistas, Jesus realizou numerosos fatos extraordinários, mencionados de modo genérico nos seguintes textos:
Mc 1,32-34: “Ao entardecer, quando o sol se pôs, levaram-lhe todos os que estavam enfermos e endemoninhados. E a cidade inteira aglomerou-se à porta. E ele curou muitos doentes de diversas enfermidades e expulsou muitos demônios”.
Mc 6,56: “Em todos os lugares onde entrava, nos povoados, nas cidades e nos campos, colocavam os doentes nas praças, rogando que lhes permitisse ao menos tocar na orla de sua veste. E todos os que o tocavam, eram salvos- . Ver L c 7,2 1.
São João termina o seu Evangelho escrevendo: ”Jesus fez muitos outros sinais em presença dos seus discípulos, mas não foram descritos neste livro” (20, 30).
Os evangelistas só narram “pequeno” número de milagres, a saber: trinta aproximadamente. Alguns destes podem estar descritos duas vezes, como é o caso da multiplicação dos pães; cf. Mc 6,33-44 e 8,1-10; a sadia crítica julga que se trata de um só milagre descrito duas vezes com pormenores diferentes.
Os milagres de Jesus são de diversas modalidades: há curas de doenças várias (lepra, cegueira,. surdez, paralisia, epilepsia…), há expulsões de demônios, trás ressurreições de mortos (o filho da viúva de Naim, a filha de Jairo, Lázaro), uma pesca milagrosa, a conversão da água em vinho, uma multiplicação de pães e peixes, o domínio sobre uma tempestade e o caminhar sobre as águas.
Examinemos as características do procedimento de Jesus taumaturgo:
1) Jesus nunca realizou um milagre em seu proveito pessoal, para pôr-se em evidência ou para sair de alguma situação embaraçosa. Sofreu fome, sede, cansaço, dormia onde se encontrava, sem ter onde reclinar a cabeça; quando foi aprisionado por seus inimigos, nada fez para se libertar e escapar da morte horrenda e humilhante; quando pregado à cruz, foi ironicamente “desafiado” por seus adversários para se libertar, mas não o quis, embora pudesse desconcertar os seus algozes, que diziam: “Salvou os outros, mas não pode salvar a si mesmo. O Cristo, o rei de Israel desça agora da cruz, para que vejamos e acreditemos” (Mc 15,31s). Jesus quis parecer fraco e talvez impostor aos olhos de quem o desafiava.
Jesus taumaturgo não ambicionava sucesso nem benefícios materiais. Ao contrário, proibia que as pessoas curadas apregoassem a obra de Jesus. Assim, por exemplo, após ressuscitar a filha de Jairo, Jesus “recomendou com insistência a pai e mãe que ninguém viesse a saber o que tinham visto” (Mc 5,43). Após a cura do surdo-mudo curado à distância da multidão, Jesus recomendou que não o dissessem a quem quer que fosse (Mc 7,36).[1]
2) Jesus não realizava milagres para punir. Este tipo de portento encontra-se em narrações extra-bíblicas como também em escritos do Antigo Testamento: narra-se, por exemplo, que certa vez Eliseu foi escarnecido por alguns meninos por causa da sua calvície; “Eliseu virou-se, olhou para eles e os amaldiçoou em nome do Senhor. Então saíram do bosque duas ursas e despedaçaram quarenta e dois deles” (2Rs 2,23s).
Verdade é que dois episódios do Evangelho podem ser interpretados como milagres punitivos. O primeiro é o da figueira estéril, que Jesus amaldiçoa, fazendo-a murchar instantaneamente (cf. Mt 21,18s). É de notar, porém, que, no caso, não é punida uma pessoa, mas uma árvore, que é símbolo da esterilidade do povo de Israel; Jesus, fazendo secar a figueira, quis significar a sorte que tocaria ao povo judeu incrédulo quandoderrotado pelos romanos em 70. – O segundo episódio é o dos porcos de Gerasa: Jesus permitiu que dois mil deles se precipitassem no mar (cf. Mc 5,9-14); notemos, porém, que este relato é diversamente interpretado pelos exegetas, dos quais alguns julgam que o evangelista usou de um artifício literário e não quis ser tomado ao pé da letra (ver Curso sobre Ocultismo, Módulo 24, Escola “Mater Ecclesiae”).
Jesus veio para salvar e não para destruir (cf. Lc 9,54s); por isto não é condizente atribuir-lhe a vontade de prejudicar pessoas, ainda que fossem pagãos, como os gerasenos. O autêntico espírito de Jesus se revela quando os filhos de Zebedeu quiseram fazer baixar fogo sobre os samaritanos inóspitos; “Jesus, voltando-se, repreendeu-os” e terá acrescentado, conforme alguns manuscritos: “Não sabeis de que espírito sois, pois o Filho do Homem não veio para perder a vida dos homens, mas para salvá-la” (Lc 9, 54s).
3) Jesus efetuava milagres com grande simplicidade, sem recorrer a fórmulas mágicas nem a ritos complexos. Bastava-lhe dizer uma palavra com autoridade, como no caso do leproso: “Quero, sê curado” (Mc 1,4042). Ao paralitico disse o Senhor: “Eu te ordeno: levanta-te, toma o teu leito e vai para casa” (Mc 2,12). Ao homem que tinha a mão seca, mandou Jesus: “Estende a mão” (Mc 3,5). Ao mar agitado por violenta tempestade, imperou: “Silêncio! Acalma-te! Logo o vento serenou e houve grande bonança!” (Mc 4,39). Ver ainda o caso da filha de Jairo (Mc 5,41s), o do filho da viúva de Naím (Lc 7,14s), o de Lázaro (Jo 11,44), o do cego de Jericó (Lc 12,43).
Num episódio ou noutro, Jesus tocava a pessoa doente; era este um gesto de benevolência e compaixão, especialmente significativo no caso do leproso (cf. Mc 1,40s); os leprosos eram pela Lei banidos do convívio dos homens (cf. Lv 13, 44-46); ora Jesus tomou o leproso pela mão e o curou… Também tocou com a mão a filha de Jairo morta, que Ele ressuscitou, violando assim a Lei, que considerava impuro quem tocasse um cadáver; cf. Mc 5,41; Lv 11,39.
Os Evangelhos referem apenas três casosem que Jesusrecorre aos métodos terapêuticos da medicina popular: Mc 7,31-37 (a saliva, tida como desinfetante, acompanhando a palavra Effatha, Abre-te!); Mc 8,3235 (Jesus usa saliva e a imposição de mãos para curar o cego de Jerico); Jo 9,6s (Jesus fez lama com a saliva e aplicou-a aos olhos do cego de nascença).
Geralmente o milagre é instantâneo; apenas dois casos parecem fazer exceção: os dez leprosos foram curados quando, a mando de Jesus, iam apresentar-se aos sacerdotes (Lc 17,14); o cego de Jericó parece ter recuperado a vista por etapas (cf. Mc 8,22-25).
4) Jesus não fazia alarde nem publicidade dos seus milagres; antes, era muito discreto e reservado. Não se apresentava como taumaturgo, nem procurava doentes para curá-los; eram estes que se dirigiam espontaneamente a Jesus ou eram levados por outrem:
“Apresentaram-se a ele com um paralítico transportado por quatro homens” (Mc 2,3);
“Começaram a transportar os doentes em seus leitos onde quer que descobrissem que ele estava” (Mc 6,55);
“Levaram-lhe um surdo-mudo” (Mc 7,32);
“Mestre, eu te trouxe meu filho, que tem um espírito mudo” (Mc 9, 17);
“Ao entardecer, quando o sol se pôs, levaram-lhe todos os que estavam enfermos e endemoninhados” (Mc 1, 32).
Em outras ocasiões Jesus é convidado a ir à casa do enfermo:
“O chefe da sinagoga rogou-lhe insistentemente dizendo: ‘Minha filhinha está morrendo. Vem e impõe-lhe as mãos, para que ela seja salva e viva” (Mc 5,23s);
“O funcionário real foi procurar Jesus e pedia-lhe que descesse e curasse seu filho, que estava à morte” (Jo 4,46).
A iniciativa do milagre não parte de Jesus, a não ser em poucos casos, nos quais o Senhor é movido por compaixão, como aconteceu na multiplicação dos pães:
“Tenho compaixão da multidão porque já faz três dias que está comigo e não tem o que comer” (Mc 8,2);
“O Senhor, ao ver a viúva de Naím, ficou comovido e disse-lhe: ‘Não chores’ ” (Lc 7,13).
A discrição de Jesus se revela na sua recusa de qualquer forma espetacular: realiza milagres longe da multidão (cf. Mc 7,33; 8,23). Manda que as pessoas beneficiadas se calem, embora esta ordem muitas vezes não seja respeitada pelos homens, que querem manifestar seu entusiasmo e louvar a Deus. De modo particular, Jesus rejeitava a exploração de seus milagres para fins políticos, como atesta o episódio da multiplicação dos pães: “Jesus, sabendo que viriam buscá-lo para fazê-lo rei, refugiou-se de novo a sós na montanha” (Jo 6,15).
2. CONFRONTO COM PORTENTOS EXTRA-EVANGÉLICOS
O estilo dos milagres de Jesus contribui para diferenciar o Senhor Jesus dos magos e taumaturgos do paganismo, bem como dos piedosos (hasidim) judeus, famosos por seus prodígios.
Eis, por exemplo, um milagre atribuído a Honi, judeu devoto, quase contemporâneo de Jesus:
Honi era desenhista de círculos místicos. Um dia aconteceu que lhe disseram: “Reza para que a chuva comece a cair!” Ele rezou, mas sem resultado. Que fez então? Traçou no chão um círculo, pôs-se no meio e disse diante de Deus: “Senhor do universo, os teus filhos tem os olhos fixos em mim, como se eu fosse um familiar teu. Eu te juro pelo teu grande nome que não me moverei daqui enquanto não te compadeceres dos teus filhos”. Então começaram a cair gotas de chuva. Honi disse: “Não foi isto que eu pedi! Pedi aguaceiros capazes de encher cisternas, fossas e cavernas”. Então começou a chover a cântaros. Honi voltou a carga: “Não foi isto que eu pedi. Pedi chuva de bênçãos, de benevolência e de clemência”. Então começou a cair chuva como era de esperar. Cf. Michna Ta’anit 3,8.
A respeito de outro devoto judeu – Hanina ben Dosa – se conta o seguinte: “Enquanto Hanina ben Dosa rezava, uma serpente venenosa mordeu-o, mas ele continuou a rezar. As pessoas que o viram, afastaram-se e encontraram a mesma serpente morta com a boca aberta. Exclamaram então: “Ai do homem mordido pela serpente, mas ai da serpente que mordeu Hanina ben Dosa!” (Mishna y Ber 9a).
As notas típicas dos milagres de Jesus se evidenciam também pela consideração dos milagres atribuídos a Apolônio de Tiana.[2] Eis um destes:
“A peste campeava em Éfeso. Apolônio, solicitado para intervir, foi rapidamente de Esmirna a Éfeso. Reuniu os efésios e disse-lhes: ‘Tende coragem! Hoje deterei a peste’. Levou então os efésios para o teatro, onde viram um velho mendigo que piscava os olhos artificiosamente. Apolônio mandou aos efésios que o apedrejassem. Quando começaram a atirar pedras, o mendigo que piscava os olhos, pôs-se a lançar olhares terríveis e a mostrar olhos inflamados. Diante disto, os efésios tomaram consciência de que era um demônio e o apedrejaram com tanta violência que em pouco tempo ele caiu recoberto por grande multidão de pedras. Pouco depois, Apolônio mandou que fossem retiradas as pedras e averiguassem o animal que tinham morto. Os efésios descobriram o corpo que eles julgavam ter esmagado, e encontraram não o homem que desaparecera,mas um cão semelhante a um lobo tão grande quanto um dos maiores leões” (Vie d’Apollonius de Tyane, par Philostrate, t. IV, Amsterdam, M.M. Rey 1779, p. 90s).
Não é necessário frisar como diferem, por sua simplicidade e dignidade, os relatos evangélicos dos relatos de milagres atribuídos aos personagens atrás mencionados.
3. HISTORICIDADE DOS MILAGRES DE JESUS
Uma das questões mais candentes que hoje se ponha a respeito dos milagres de Jesus, é precisamente a da sua historicidade; a crítica racionalista tem na conta de impossível a realização de algum milagre.
A propósito observamos:
3.1. Considerações gerais
Os milagres estão intimamente associados à missão de Jesus, a tal ponto que, negados os milagres, se nega a própria identidade de Jesus. Os Apóstolos, desde as suas primeiras pregações, apresentaram Jesus como autor de milagres. Assim no dia de Pentecostes São Pedro se referia a Jesus como “aprovado por Deus com milagres, prodígios e sinais… como bem sabeis” (At 2,22).[3] Depois, em casa de Cornélio, o mesmo Pedro anunciava que “Deus ungiu Jesus com o Espírito Santo e com poder; ele passou fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo diabo, porque Deus estava com ele” (At 10,38). De resto, os milagres ocupam tal espaço nos Evangelhos e estão de tal modo inseridos na trama da missão de Jesus que é impossível tê-los como inventados e artificiosamente atribuídos a Jesus; sem os milagres não se explicariam a admiração e o entusiasmo que Jesus suscitou desde o início de sua missão pública. Jesus falou mediante palavras e sinais, como bem dá a entender Mateus ao sintetizar a vida pública de Jesus: “Jesus percorria todas as cidades e aldeias ensinando nas suas sinagogas, pregando o Evangelho e curando todas as doenças e enfermidades” (Mt 9,35; cf. 4,23).
A realidade dos milagres de Jesus não foi contestada nem pelos seus adversários; apenas diziam estes que Jesus efetuava tais coisas pelo poder de Satanás; foi, por exemplo, o que se deu logo depois da cura do endemoninhado cego e mudo, segundo Mt 12,24: “Ele expulsa demônios por Beelzebu, príncipe dos demônios”. A notícia da atividade taumatúrgica de Jesus se encontra até mesmo no Talmud da Babilônia (século VI d.C.),onde se diz que Jesus foi executado na vigília de Páscoa como mago e sedutor: “Ele (Jesus) foi levado para fora da cidade a fim de ser apedrejado, porque praticou a magia e seduziu Israel” (Sanhedrin 43a). Essa magia não é senão o nome dado a milagres realizados por Jesus. Raciocinando serenamente, podemos dizer que a acusação de pactuar com Satanás e praticar a magia não pode ter sido forjada pelas comunidades cristãs, pois depõe contra Jesus.
3.2. Critérios de autenticidade histórica
Os críticos estabeleceram alguns critérios que servem para comprovar se determinado episódio do Evangelho é ou não autenticamente histórico.
1) Critério do múltiplo testemunho
Segundo este critério, pode-se ter como autêntico todo milagre que seja atestado por fontes diversas independentes entre si. É o caso, por exemplo, da multiplicação dos pães e dos peixes, relatada pelos Sinóticos e também por São João (que segue tradição diferente da Sinótica): Mt 14, 13-21; Mc 6,32-44; Lc 9, 10-17; Jo 6,1-13. E também o caso da cura do servo do centurião (Mt 8,5-13; Lc 7,1-10; Jo 4,46-54) e da caminhada de Jesus sobre as águas (Mt 14,25-27; Mc 6,48-50; Jo 6,18-20). É o caso outrossim da pesca milagrosa referida por Lucas (5,3-11) e João (21,1-6)… Isto não quer dizer que os milagres relatados por um só dos evangelistas não sejam históricos, pois outros critérios podem garantir autenticidade; o do múltiplo testemunho não é o único.
Este critério é especialmente válido quando entre os diversos testemunhos há um acordo substancial, mas existem pequenas diferenças nos pormenores e na interpretação do milagre: essas pequenas diferenças vêm a ser sólido argumento em favor da historicidade da narrativa, como geralmente afirmam os historiadores. Com efeito; uma identidade muito exata quanto ao modo de narrar é algo de artificial e “encomendado”. Exemplo dessa concórdia substancial com divergências acidentais é o episódio da cura do epilético narrada pelos três Sinóticos: Mt 17,14-20; Mc 9,14-29; Lc 9, 37-42. As três maneiras diferentes de narrar o mesmo episódio dependem da riqueza do acontecimento, que pode ser encarado sob mais de um aspecto.
2) Critério da descontinuidade
É sinal de autenticidade a diferença que possa haver entre o modo como Jesus fazia milagres e o modo como os faziam personagens contemporâneos ou anteriores a Cristo. Com efeito; se os milagres de Jesus fossem mera ficção, seguiriam o modelo dos portentos efetuados por Elias e Eliseu no Antigo Testamento ou por Pedro nos Atos dos Apóstolos. Ora os Profetas do Antigo Testamento realizavam prodígios depois de orar e invocando o nome de Deus.[4] Ao contrário, Jesus não rezava antes de um milagre e agia em seu nome próprio ou por sua própria autoridade: “Eu te ordeno: levanta-te!”, disse Ele ao paralítico (Mc 2,11). Quanto a Pedro, apelou para Jesus ao curar o paralítico à porta do templo: “Em nome de Jesus Cristo Nazareno, caminha!” (At 3,6). E a Enéias, paralítico havia oito anos, disse: “Enéias, Jesus Cristo te cura; levanta-te e arruma teu leito” (At 9,35). Somente Jesus ousava fazer milagres em seu nome próprio, como somente Ele ousava chamar Deus pelo apelativo carinhoso Abbá.
Uma vez estabelecida a historicidade dos milagres de Jesus,[5] resta examinar o significado que possam ter.
4. MILAGRES DE JESUS: SIGNIFICADO
O próprio Jesus explicitou o significado dos seus milagres em três ocasiões de sua missão pública:
1) Mt 11,2-6: João Batista manda perguntar a Jesus se Ele é o que há de vir ou o Messias. Jesus responde apontando seus milagres: “Os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são purificados e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados”. Com outras palavras: Jesus diz que está cumprindo as profecias messiânicas, que identificam o Messias mediante a realização de sinais prodigiosos; ver Is 26,19; 29,18s; 35, 5s; 61,1. Por conseguinte, segundo Jesus, os milagres vêm a ser os sinais de que Ele é o Messias.
2) Mt 12,28: “Se é pelo Espírito de Deus que expulso os demônios, então o Reino de Deus já chegou até vós”. No caso, os milagres são os sinais de que o Reino de Deus já chegou à terra. Com efeito, dominando os males físicos (doenças e achaques) e morais (o pecado) dos homens, vencendo a própria morte, Jesus mostra que na sua pessoa e nas suas obras o Reino de Deus se faz presente e atuante neste mundo. Assim os milagres se inserem harmoniosamente na pregação de Jesus, comprovando-a e autenticando-a.
3) Mt 11,20-24: “Jesus começou a verberar as cidades onde havia feito a maior parte dos seus milagres, por não se terem arrependido: ‘Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em ti e em Sidônia tivessem sido realizados os milagres que em vós se realizaram, há muito se teriam arrependido, vestindo-se de cilício e cobrindo-se de cinza. Mas eu vos digo: No Dia do Julgamento, haverá menos rigor para Tiro e Sidônia do que para vós. E tu, Cafarnaum, por acaso te elevarás até o céu? Antes, até o inferno descerás. Porque, se em Sodoma tivessem sido realizados os milagres que em ti se realizaram, ela teria permanecido até hoje. Mas eu vos digo que no Dia do Julgamento haverá menos rigor para a terra de Sodoma do que para vós”. – Destes dizeres se depreende que os milagres foram efetuados em Corazim, Betsaida e Cafarnaum precisamente para que tais cidades se convertessem, compreendendo a irrupção do Reino Messiânico. Os milagres são, pois, apelos ou sinais eloqüentes pelos quais Deus chama os homens a passar do pecado para uma vida nova.
Conseqüentemente os milagres evidenciam a identidade de Jesus. Ao vê-los, os homens espontaneamente perguntam: “Que é isso? Comanda até mesmo aos espíritos imundos e estes lhe obedecem!” (Mc 1,27) ou ainda: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?” (Mc 4,41). Algo de inédito aparece entre os homens, … e este inédito é o Messias assinalado por suas obras.
Este artigo muito deve ao Editorial “Storicità e Significato dei Miracoli di Gesú’; da revista La Civiltà Cattolica, n9 3444, 18/12/1993, pp. 529-54 1.
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NOTAS:
[1] O silêncio assim imposto por Jesus explica-se pelo fato de que os judeus podiam equivocar-se sobre a messianidade de Jesus, sim, podiam julgar que Ele viera para resolver problemas de ordem material e dar a Israel a hegemonia sobre os demais povos.
[2] Apolônio de Tiana foi um filósofo pitagórico do século I d.C. Teria ficado praticamente ignorado se Filóstrato, no início do século III, não tivesse escrito a Vida de Apolônio, que certamente foi influenciada pelos escritos do Novo Testamento e apresenta Apolônio como herói e taumaturgo igual a Cristo.
[3] Deve-se ponderar que os primeiros pregadores do Evangelho falavam a gente que tinha conhecido Jesus e que poderia contestar qualquer falso titulo de glória atribuído a Jesus.
[4] Ver, Ver, por exemplo:
1Rs 17,7-16 (Elias obtém farinha e azeite para uma viúva em tempo de penúria,
1Rs 17,17-24 (Elias ressuscita o filho de uma viúva);
[5] Historicidade global; este ou aquele pormenor não vem ao caso.