(Revista Pergunte e Responderemos, PR 373 1993)
Aceitar a distinção entre o bem e o mal ou entre bom comportamento e mau comportamento é maniqueísmo dualista. O bem estaria de um lado e o mal, do outro. “Acabemos com a distinção”. É o que estão dizendo. – Será verdade?
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O maniqueísmo é uma corrente de pensamento derivada de Mani (século III) na Pérsia. Professava a existência de dois Princípios ou Seres Primordiais, dos quais um seria essencialmente bom (o Princípio da Luz) e o outro essencialmente mau (o das Trevas); o primeiro seria responsável pelo espírito, o outro, responsável pela matéria. Esta doutrina tem o nome de dualismo ontológico. Não é aceitável, nem aos olhos da razão nem aos olhos da fé.
Existe, porém, o dualismo ético. Este professa que nenhum ser é essencialmente mau, mas, sendo dotado de vontade livre, pode ter um comportamento desarmonioso em relação à dignidade humana. Tal fato é da experiência de todos os homens; o próprio São Paulo podia dizer: “Não faço o bem que quero, mas pratico o mal que não quero” (Rm 7,19). Os instintos ou impulsos naturais (conscientes ou inconscientes) nem sempre esperam a autorização da razão para se manifestar. Compete à pessoa de bem coibi-los e dar-lhes remédio, para não se tornar incoerente. Quem sente, mas não consente em tais impulsos, não está pecando. Existem, portanto, o bem e o mal no plano ético ou no plano da conduta humana. Quem reconhece isto, está longe de ser maniqueu, pois maniqueísmo, como dito, se refere ao plano ontológico, e não ao plano moral. Observemos que um criminoso, por mais malvado que seja, tem prendas da natureza humana (inteligência, vontade, afetividade…); é corajoso, perspicaz; infelizmente, porém, aplica esses dons à destruição e ao terror, em vez de os dedicar à construção da sociedade; tal indivíduo pode ser recuperado em muitos casos, tornando-se um bom cidadão. Portanto não é mau essencialmente, mas apenas em seu agir.
Pergunta-se agora: como reconhecer concretamente o que é moralmente bom ou mau? – A resposta não é difícil: existem ditames éticos impregnados em todo ser humano, ditames que constituem a lei natural; a existência desses ditames, anteriores a qualquer crença religiosa, mais uma vez se manifestou em 1948 na promulgação da Carta dos Direitos Humanos; após os crimes de 1939-45, os povos da terra resolveram afirmar solenemente a necessidade de se respeitar a pessoa do próximo, seus bens, sua fama, sua liberdade… Vemos, pois, que a reafirmação do bem (honestidade, lealdade, fidelidade…) e do mal (homicídio, furto, calúnia…) como comportamentos antagônicos é algo de sadio e mesmo indispensável à vida social. Sem isso, caímos no caos e na desgraça.
Estêvão Bettencourt O.S.B.