(Revista Pergunte e Responderemos, PR 192/1975)
Em síntese: Este artigo propõe resumidamente o conteúdo de uma Carta Pastoral do Cardeal Léon-Joseph Suenens, de Malines-Bruxelas, publicada em Pentecostes de 1975, a respeito da Missa dominical.
O autor nota que as estatísticas referem um declínio da freqüentação da Missa dominical, o que não é desprezível, mas também não é decisivo, pois os cristãos foram designados pelo próprio Cristo não como multidão predominante, mas como fermento em massa e sal na terra.
A seguir, o Cardeal Suenens recorda o testemunho dos antigos cristãos (Atos dos Apóstolos), que, tendo encontrado o Cristo, faziam dele o centro de sua vida. Isto implicava em que O procurassem assiduamente na Ceia do Senhor. Esta foi sendo celebrada, de preferência, aos domingos, visto que todo domingo comemos a Páscoa, celebrando o acontecimento máximo da mensagem e da vida cristãs.
O convite que a Igreja outrora dirigia aos fiéis para freqüentarem a Eucaristia dominical, tornou-se um preceito. Este preceito não é mera obrigação jurídica, mas vem a ser uma exigência e expressão da vida cristã, semelhante ao dever de comer e respirar imposto pelas leis da biologia natural. Para o cristão, participar da Missa dominical é uma graça mais do que um dever.
A Eucaristia aos domingos é frutuosa para quem dela participa com fé, ainda que não sinta atrativo natural para a Liturgia. Nesta, o que importa, não é o sentir dos cristãos, mas a ação de Cristo em seus discípulos.
Se algum cristão julga que a Missa, como é celebrada, não atinge os homens de hoje, procure dar todo o seu possível para vivificar as assembléias eucarísticas. Estas, embora sejam regidas por rubricas fixas, tomarão a configuração humana que os seus membros lhes quiserem dar.
O Card. Suenens termina fazendo um apelo a que os fiéis descubram de novo o primado de Deus em uma civilização materialista como a nossa, e testemunhem essa consciência renovando sua participação na Missa dominical, donde jorram vigor e vitalidade para o povo de Deus.
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Comentário: A participação dos fiéis na Missa dominical tem sido objeto de estudos e debates entre os membros do povo de Deus. A Santa Sé vem-se interessando especialmente por assunto de tanto relevo. Aqui no Brasil tem-se escrito a respeito, com grande interesse por parte dos fiéis católicos. – Ora, a fim de atender à problemática que assim se põe, o Cardeal Léon-Joseph Suenens, arcebispo de Malines-Bruxelas (Bélgica), publicou em Pentecostes do corrente ano notável Carta Pastoral com o título «Deus interpela a sua Igreja». Visto que é de plena atualidade também para os fiéis de nossa pátria, oferecemos aos nossos leitores as linhas-mestras desse importante documento.
1. Estatísticas: significado dos números
O texto começa por verificar que, conforme as estatísticas, vem declinando o número de fiéis que participam da Missa dominical… Entre parênteses, vale a pena notar que no Brasil se registra freqüência crescente a certas celebrações eucarísticas, pois a nova Liturgia despertou muitos cristãos, principalmente entre os jovens, para uma vivência eucarística mais assídua. Todavia é certo que numerosas pessoas hesitam a respeito da necessidade de comparecer à S. Missa aos domingos.
A propósito, o Card. Suenen adverte que, embora números e estatísticas não nos possam deixar indiferentes, eles não constituem critério decisivo para se avaliar a vitalidade cristã; esta não se mede por números, mas por profundidade. Jesus nunca prometeu a seus discípulos que constituiriam a maioria no mundo; antes, falou de fermento na massa e sal na terra (cf. Mt 13,33; 5,13); estes símbolos nos lembram que o poder do Espírito não se mede em termos quantitativos. Os apóstolos eram apenas doze para levar a Boa-Nova até os confins da terra e fizeram a bela obra de que hoje desfrutamos. Os primeiros cristãos, vivendo em meio a populações pagãs, foram muitas vezes entregues à morte pela fé; não obstante, o sangue dos mártires era semente de novos cristãos. Hoje ainda acontece que os discípulos de Cristo vivem numa sociedade pluralista ao lado de outros crentes e ateus, tendo que enfrentar freqüente questionamento de sua fé. Não é, pois, no peso dos números que o cristão baseia sua ação no presente e sua esperança no futuro.
Estes fatos nos obrigam a tomar nova consciência da nossa identidade ou do que é ser cristão ontem e hoje.
2. A identidade do cristão e Páscoa
A Carta Pastoral em foco convida o leitor a retroceder até as origens do Cristianismo; essa fase inicial fica sendo modelo e manancial de atitudes autenticamente evangélicas (embora tenha tido também as suas sombras).
Os antigos cristãos viviam realmente como quem tinha descoberto Alguém: Jesus Cristo, o Senhor e Mestre. Encontravam em Cristo o segredo da vida e da morte. Por isto também eram ciosos de levar o testemunho da sua fé a toda parte; eram apóstolos e missionários, conscientes de que o cristão é «um homem a quem Jesus Cristo confiou outros homens» (Pe. Lacordaire). Cada um se sentia co-responsável ou portador de uma parte da responsabilidade comum.
Mais: tendo encontrado o Cristo como Pessoa viva, os cristãos reuniam-se espontaneamente em assembléias para proclamar a sua fé em Jesus e celebrar a Eucaristia. Não precisavam de preceito para confessar Jesus Cristo e celebrar seus mistérios; Ele era toda a razão do comportamento dos discípulos, de tal modo que o reunir-se em torno da mesa do Senhor estava na lógica da fé dos cristãos.
Os Atos dos Apóstolos nos dizem que os primeiros cristãos «eram assíduos ao ensinamento dos apóstolos, fiéis à comunhão fraterna, à fração do pão e à oração» (At 2,42). Era dessa fidelidade que tiravam o amor que os caracterizava a ponto de dizerem os pagãos: «Vede como eles se amam». – É a imagem da Igreja primitiva, tão marcada pela assiduidade à oração e pelo zelo da caridade fraterna, que se deve levar em conta quando se quer projetar luz sobre a atual problemática da Missa dominical.
Perguntar-se-á: e por que se reuniam os discípulos em determinado dia da semana – no domingo -, e não em qualquer outro?
A resposta é decorrente da consciência de que o domingo é, por excelência, o dia da Páscoa do Senhor, o dia da passagem da morte para a ressurreição. É no domingo que os cristãos celebram o acontecimento decisivo da sua fé e da sua vida: é, sim, na morte de Cristo que é sepultada a nossa morte e que triunfa para sempre a nossa vida. A realidade de Páscoa sempre marcou profundamente a piedade cristã; é ela que permite aos discípulos de Cristo experimentar na dor e nas tribulações a alegria inalterável da presença de Deus; Páscoa é também a reconciliação da humanidade, qual filho pródigo, com o Pai que lhe abre os braços.
Se, pois, o cristão deseja redescobrir o sentido profundo da Missa dominical, deve retomar consciência da tonalidade pascal que todo domingo tem; deve compenetrar-se do significado da nova e eterna aliança que o faz entrar na intimidade de Deus.
3. A lei da vida
1. Se, pois, a Igreja até hoje convida os fiéis a celebrar todos os domingos a Páscoa do Senhor, Ela o faz por fidelidade ao Mestre e à antiga praxe dos cristãos.
Verdade é que o convite, no decorrer dos séculos, tomou a forma de preceito grave. Isto se deve à consciência que a Igreja tem, de que o encontro com o Senhor é insubstituível fonte de vida. Não se trata de preceito legalista, arbitrariamente imposto de fora para dentro; esse preceito apenas traduz e concretiza o convite do Senhor aos discípulos para comerem a Páscoa com Ele até o seu retorno na glória. – Poderíamos comentar esta afirmação comparando tal preceito com a ordem dada pelos médicos aos seus pacientes, de comerem, repousarem e respirarem bem; é ordem médica, com a qual o ser humano já está identificado antes que o clínico a profira, desde que ele saiba o que é a vida. Assim quem compreende bem o que é a Eucaristia, não se preocupa tanto com o dever de assistir à Missa, mas considera muito mais a graça de poder participar dela.
2. Eis, porém, que se ouve não raro a pergunta: «A Missa tem valor se o cristão não sente atrativo por ela?» – Em resposta, diga-se: na Eucaristia, o mais importante não é aquilo que a criatura sente, mas, sim, aquilo que o Senhor Jesus realiza; em toda Missa, quer o sintamos, quer não, o Cristo Jesus comunica as graças da sua Paixão e Ressurreição, dando-nos consigo acesso ao Pai num só Espírito.
Por isto toda Missa é não somente válida, mas também frutuosa, para quem se abre à ação de Cristo pela fé. Esta não se identifica com sentimento, mas é uma atitude da inteligência e da vontade, que são a sede dos atos mais tipicamente humanos e cristãos, ao passo que o sentimento é periférico, por vezes, e infantil.
3. Todavia ainda objetará alguém: «A Eucaristia, como é celebrada, fica estranha à vida e aos problemas dos homens de hoje, de modo a não constituir uma comunidade viva! Em minha paróquia, a celebração não nos atinge». – A isto observa o Card. Suenens: «Você não terá o direito de criticar a celebração em sua paróquia enquanto não tiver esgotado todos os seus recursos para tornar mais viva e participada essa celebração!» A Escritura compara os cristãos a pedras vivas, que devem edificar conjuntamente o Corpo de Cristo. A Igreja não se constrói com material pré-fabricado, mas, sim, pela disposição e cimentação das suas pedras – trabalho este que compete a cada cristão.
Sábia advertência! Embora a Igreja não seja apenas o conjunto dos fiéis, mas, sim, o Corpo de Cristo prolongado, a face humana da Igreja depende da conduta de cada um dos seus membros; se o aspecto visível da Igreja deixa a desejar, cada cristão, a bom direito, pode perguntar a si mesmo se isto não acontece por omissão do próprio sujeito; terá este dado toda a sua colaboração para abrilhantar o vulto sensível da Igreja de Cristo? Na verdade, é fácil e cômodo criticar, mas não é fácil assumir os problemas e tentar. solucioná-los.
4. Conclusão
Encerrando suas ponderações, o Card. Suenens renova o apelo a que os fiéis «estejam sempre presentes às assembléias litúrgicas, para que não diminuam a Igreja por sua ausência nem privem de um de seus membros o Corpo de Cristo» (citação do Didascálion, obra do séc. III).
Esse insistente apelo a todos, principalmente aos jovens, não é senão o eco da voz da própria Igreja, em continuidade com o testemunho dos ancestrais que, de geração a geração, transmitiram a mesma fé ao povo cristão de hoje.
Acrescenta textualmente o Card. Suenens:
“A todos eu quisera dizer: temos de encontrar de novo a paternidade e o primado de Deus, a gratuidade do seu amor, o sentido da adoração e do louvor. Estamos tão mergulhados numa civilização material que, quando vemos, na televisão ou em torno de nós, homens prostrados em oração, como nossos irmãos muçulmanos, nós nos admiramos do seu gesto de adoração e da sua fidelidade em professar publicamente a fé em Deus. Eles nos lembram que nem o homem nem a sociedade bastam a si mesmos e que o primeiro de todos os mandamentos fica sendo: `Amarás o Senhor teu Deus’.
Esse dever de adoração e de louvor, temos de vivê-lo e exprimi-lo diante de Deus e do mundo…
Possam nossas assembléias de domingo proclamar no mundo de hoje o primado de Deus, Pai dos homens e penhor seguro da fraternidade humana! Possam os cristãos encontrar de novo a alegria pascal que está no âmago de toda a Liturgia!”
A Carta Pastoral do Card. Suenens, de Malines-Bruxelas, que acaba de ser assim condensada, projeta luz sobre o questionamento, hoje em dia ocorrente, da Missa dominical. Em síntese, dá a ver que esta é muito mais uma exigência de vida do que um preceito jurídico. É a expressão mais lógica possível da consciência que o cristão deve ter, de que encontrou o Senhor Jesus como Pessoa viva,… Pessoa viva que transforma a vida de seus discípulos reunidos em torno da Mesa-Missa dominical.
O texto da Carta Pastoral aqui apresentada encontra-se no jornal “L’Osservatore Romano” de 29/08/1975 (ed. francesa), pp. 2-3.