(Revista Pergunte e Responderemos, PR 152/1972)
Em síntese: A S. Missa é o sacrifício do Calvário perpetuada sobre os altares; Cristo se oferece então com a sua Igreja ao Pai. Sem Missa não há Cristianismo, como não o há sem o Calvário. Por isto é que a Igreja estabeleceu para os seus fieis o preceito da Missa dominical. O Concílio do Vaticano II, longe de diminuir a importância desta norma. valorizou de novo modo o domingo e abriu novas possibilidades de participação da S. Missa : diversos estilos de celebração, horários dilatados, etc. A espontaneidade com que o fiel católico vai a Missa no domingo, não é condição para que tal ato tenha valor e sentido; há valores que exigem sacrifício e disciplina, mas nem por isto podem ser menosprezados. De resto, a espontaneidade da participação e a estima da S. Missa não podem faltar em quem tenha exata consciência do que é a Missa; a pastoral deverá avivar tal consciência nos fieis, e lembrar-lhes que o Cristianismo só se vive plenamente em contato com o Sacramento e a Comunidade.
O episcopado do Canadá publicou recentemente uma Declaração sobre o assunto, que vai transcrita nas paginas seguintes.
***
Resposta: É freqüente indagar-se, entre fieis católicos, se a Missa aos domingos (ou aos sábados de tarde) ainda é obrigatória. A mentalidade aberta e compreensiva do Concilio do Vaticano II não dispensa o cristão de lei tão minuciosa? E, que valor pode ter a Missa para quem a ela assista constrangido e a contragosto?
Estas perguntas, decisivas na prática da catequese e na formação das consciências, serão o objeto das reflexões que se seguem.
1 . Tem valor?
Para começar, leve-se em conta que pode haver autênticos valores que custem sacrifícios; o próprio comer – condição indispensável à vida – pode ser penoso, de modo que o indivíduo só se alimente vencendo fastio e capricho. O tratamento da saúde, em geral, pode exigir dura disciplina. Todavia nem por isto o bom senso o rejeita. Apesar de praticado com sacrifício e constrangimento, conserva pleno sentido e não deixa de ser obrigatório para quem queira sobreviver; a “espontaneidade”, no caso, não a critério decisivo.
Em conseqüência, vê-se que a freqüentação da S. Missa aos domingos pode ter pleno sentido e valor mesmo quando o cristão não “sinta vontade” de ir à igreja. O fato de, não obstante, vencer-se e participar da Eucaristia é um testemunho de fé e de amor a Deus (testemunho que Deus reconhece e que o próprio individuo pode reconhecer). Em verdade, o homem fala ao Senhor principalmente pela inteligência e a vontade, que a fé ilumina; a sensibilidade e os afetos são subordinados as faculdades superiores; por isto é que, mesmo quando no plano afetivo o cristão se sente indiferente e frio em relação aos valores religiosos, conservam pleno valor os atos que ele pratique em virtude da sua fé religiosa esclarecida. – Ademais note-se que a pessoa que quisesse seguir suas inclinações espontâneas – caprichosas e volúveis como por vezes são – nunca se desabrocharia nem realizaria algum ideal. Toda autentica personalidade subordina suas tendências inatas a luz da razão e da fé.
Logicamente então indagamos: em que consiste o valor da Missa?
2. Missa, valor cuja nobreza obriga.
1. Para o cristão, a Missa é o sacrifício que Cristo ofereceu uma vez no Calvário e agora perpetua sobre os altares; na Missa Cristo, como Sacerdote e Hóstia, se entrega ao Pai, envolvendo na sua oblação a Igreja, isto é, cada um de seus fiéis. Ora o sacrifício do Calvário é o sacrifício da Redenção; sem ele não há Cristianismo nem vida crista. Por conseguinte, sem a Missa o Cristianismo se torna mera escola de bons costumes ou sistema de morigeração; já não é a comunicação da vida de Deus Pai aos homens mediante Cristo; já não e inserção dos homens no Corpo Místico de Cristo para que com Cristo voltem ao Pai.
2. Consciente disto, a S. Igreja incluiu entre os seus preceitos o da participação da Missa aos domingos. Mediante esta norma, a Igreja quer lembrar aos seus filhos a importância capital da S. Missa e propiciar-lhes o estimulo para que não se afastem dela por muito tempo. É compreensível que, ao terminar um ciclo de sete dias (semana), o cristão consagre o sétimo dia ao Senhor e participe da S. Missa; é por esta que o fiel católico oferece ao Pai com Cristo sua labutas, dores, alegrias e esperanças vividas durante a semana; dá assim um sentido novo aos seus trabalhos e sentimentos; em resposta, recebe do Pai o viático ou alimento necessário para caminhar certeiramente por mais uma semana, procurando construir o mundo e atingir finalmente a mansão do Pai.
Esta lei da Igreja é sabia; inspira-se na mais autentica consciência do terceiro preceito do Decálogo (“Guardar o dia do Senhor”) assim como do significado da S. Missa para a vida crista.
3. Sem dúvida, a Igreja poderia modificar o preceito da Missa dominical, pois se trata de uma lei positiva. Todavia ate hoje não concorrem razões peremptórias para tanto. Não parece demasiado exigir dos cristãos que consagrem trinta ou quarenta minutos de cada semana ao culto de Deus e ao seu revigoramento espiritual na mais autentica fonte; são esses trinta ou quarenta minutos – ponto alto da vida crista – que comunicam significado e valor aos restantes minutos de toda a semana. É lógico que, se alguém, por motivos realmente imperiosos, está impossibilitado de participar da S. Missa, já não se acha sujeito à lei. Também se compreende que a cada cristão seja licito procurar a igreja e o tipo de celebração eucarística (fiel às normas da Igreja) que mais correspondam ao seu estilo pessoal de oração e vivencia comunitária.
O Concilio do Vaticano II, longe de afrouxar ou desvalorizar a participação da S. Missa no dia do Senhor, quis, ao contrário, recomendá-la e facilitá-la; em vista disto, ampliou o prazo útil para o cumprimento do preceito: já que o dia do Senhor na Bíblia é contado de por do sol a por do sol, a S. Igreja, inspirada pela recente renovação litúrgica, permite que, desde o sábado a tarde até o domingo a noite, os fieis possam satisfazer a observância do preceito (seja recordado que ate poucos anos atrás só se celebrava a Eucaristia no domingo de manhã).
4. Talvez, porém, queira alguém dizer: prefiro ir à igreja em dia de semana, quando não há o movimento de pessoas e vozes que caracterizam uma assembléia eucarística de domingo, principalmente nas igrejas paroquiais. Rezo então mais sossegado e recolhido.
– O cristão tem plena razão ao procurar rezar profundamente em lugares silenciosos. Faça-o freqüentemente e com fervor. Isto, porem, não impedirá que vá também a assembléia eucarística do domingo. O homem é um ser de dimensões sociais; essas dimensões foram assumidas pelo Cristianismo, que dos seus membros faz uma só família, um só povo em marcha; esse povo caminha conjuntamente para a Casa do Pai, celebrando a mesma Eucaristia e comendo o mesmo pão da unidade. Assim como ninguém se realiza a sós na sua vida civil ou profissional, assim também ninguém vive a sua fé isoladamente, mas é na Igreja e na comunidade que cada cristão encontra o alimento e o estimulo para o seu pleno desabrochar espiritual. Não há Cristianismo sem adesão à Igreja e sem vida eclesial. Tal a escolha, por parte da Igreja, de um dia determinado da semana para se realizar, por excelência, a assembléia eucarística do povo de Deus. Não há dúvida, o domingo é o dia mais indicado para isso, pois comemora a ressurreição do Senhor, ou seja, a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, vitória em conseqüência da qual o gênero humano entrou na posse da vida eterna.
5. O cristão que tenha compreendido o que é a S. Missa e o que é ser cristão não pode deixar de conceber o desejo espontâneo de participar regularmente da S. Missa. Esta já não é para ele um fardo, mas uma necessidade vital. Há deveres exigentes que praticamos sem ter consciência de que são deveres, mas, ao contrario, movidos por plena espontaneidade; tais são os deveres vitais do comer, respirar, repousar, etc. A S. Missa assume este aspecto para quem a compreendeu devidamente: a fonte e condição de vida, encontro com o Pai, antegozo dos valores eternos. O cristão consciente disto não consegue ,dispensar-se da freqüentação da S. Missa.
Vê-se, pois, que a pastoral hoje em dia deve interessar-se especialmente por esclarecer os fieis sobre a S. Missa e a vida crista em geral: de a ver que o Cristianismo não é nem simplesmente mensagem de amor, fraternidade e justiça, nem mero sistema de morigeração ou educação moral, nem apenas relacionamento subjetivo e privado da criatura com o Criador. Embora tenha essas dimensões, o Cristianismo as envolve todas numa visão de sacramento: é Deus que se da primeiramente ao homem, suscitando a resposta do homem; e Deus se dá objetivamente, mediante o Corpo de Cristo prolongado Igreja e na Eucaristia.
3. Um documento recente
Precisamente a fim de atender aos fieis que indagam só o preceito da S. Missa Dominical, os bispos do Canadá promulgaram recentemente uma Instrução assaz significativa. Visto que o documento é de alta utilidade também para os cristãos no Brasil, vai abaixo transcrito em tradução portuguesa:
“Alguns cristãos interrogam a si mesmos sobre o sentido e o dever da celebração da Eucaristia aos domingos.
O domingo é o dia do Senhor. Toda a comunidade cristã se reúne para comemorar no mistério da Eucaristia a morte e a ressurreição de Cristo. O Concilio do Vaticano II quis valorizar a Liturgia do domingo na vida do cristão. Seria grave erro pensar que os bispos do Concilio tenham intencionado diminuir a importância do domingo para os cristãos.
Hoje como ontem, e até o fim dos tempos, os fieis devem reunir-se no domingo, e eles se reúnem, para glorificar a Deus e celebrar a ressurreição do Senhor. Escutam a palavra de Deus; nela encontram vida e luz. Compartilham o corpo e o sangue do Senhor. Junto fazem a descoberta de como o Senhor prepara com eles ‘céus novos e terra nova’.
O cristão e a comunidade dos fieis precisam de se reencontrar como irmãos em momentos nos quais, mediante a comunhão com o Corpo de Cristo, podem reanimar a sua fé e a sua esperança a serviço do mundo a transformar.
A celebração do domingo nas paróquias, reunindo todos cristãos, ricos e pobres, de todas as classes sociais e idades, é manifestação da universalidade da Igreja e o ato pelo qual ela torna visível aos homens.
Longe de desaparecer como obrigação ultrapassada após Concilio do Vaticano II, a celebração do domingo tornou-se ainda mais importante em virtude da luz, dos valores e das facilidades que o Concilio proporcionou aos cristãos.
Mais ainda: numa época em que os homens procuram a sua libertação em todas as acepções desta palavra, o sentido da assembléia de domingo toma dimensões correspondentes as novas necessidade.
Sinal de Deus entre os homens, via que indica em que direção se prepara a terra nova a qual os homens aspiram, força que sustenta a difícil procura, a assembléia fraterna dos cristãos a um liame capital e um gesto privilegiado.
Assim, pois, a celebração do domingo não se pode subtrair as exigências da lei do Evangelho, que é a lei de amor! É uma obrigação que a maturidade dos cristãos estima como responsabilidade pessoal e primordial. Como preceito da Igreja, a lei da participação na Eucaristia do domingo é mantida e reafirmada por causa da sua nobreza nativa.
A estrutura das paróquias de hoje tornar-se-á acolhedora para todas as formas de expressão, de animação e de agrupamento que contribuam para se construírem células de comunidades, uma rede mais articulada de oração, uma melhor experiência da comunhão eclesial, um engajamento aberto a todos e uma promoção da comunidade maior. Para se atingirem tais fins, as comunidades de base podem tornar-se um instrumento eficaz. Outros meios poderão ainda ser procurados. E para um esforço coletivo de penetração do sentido da assembléia eucarística que desejamos convidar os cristãos” (traduzido de “L’Osservatore Romano”, ed. francesa, 12/V/1972, p. 6).
Em suma, com este documento os bispos do Canadá lembram que ser cristão não é simplesmente cultivar uma sã filosofia e um generoso amor aos homens, mas é receber de Deus a vida eterna, prenhe de sabedoria e de amor, a fim de derramá-la sobre todos os homens; assim penetrado pelo dom de Deus, o cristão pode validamente aspirar a colaborar na transformação deste mundo, que a ciência e a técnica tornam cada vez mais complexo e exigente. Ora é precisamente na S. Missa, fielmente participada de domingo em domingo, que o cristão recebe um pouco de eternidade para poder dar sentido e valor a labuta dos seis dias de trabalho da semana.