Missa: o domingo: por quê?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 372/1993)

 

Em síntese: O Cardeal Danneels, de Malines-Bruxelas (Bélgica), inau­gurou o Ano do Domingo (1992-93) na Bélgica mediante uma Carta Pasto­ral, em que lembra o valor do domingo tanto no plano meramente humano e familiar quanto no plano da fé. O ritmo de um dia diferente após seis dias de trabalho é vital para o ser humano e para a família; sem reen­contro consigo e com os familiares no domingo, o ser humano corre o ris­co de se desfigurar. Principalmente o domingo é o dia do encontro com o Senhor, que se faz por excelência na Eucaristia, esta é fonte de renovação da vida; é reabastecimento do cristão para que possa reassumir suas tarefas semanais com o vigor e a coragem que só os valores eternos lhes podem comunicar.

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Reproduzimos, em tradução portuguesa, uma Carta do Cardeal God­fried Daneels, Arcebispo de Malines-Bruxelas, datada de dezembro de 1992, a respeito do domingo e seu significado. É de notar, aliás, que o episcopado belga declarou Ano do Domingo o ano que vai de dezembro (Advento) 1992 a novembro (Cristo-Rei) 1993, desejando, desta maneira, reavivar nos fiéis a consciência do valor do domingo como Dia do Senhor.

O texto foi extraído de SNOP (Boletim da Conferência dos Bispos da França) nº 892, 11/12/1992, p. 7.

1. O TEXTO

“Um Ano do Domingo.

O domingo é tão importante?

Não se parece cada vez mais com os outros dias?

Será coisa tão grave permitir que sua imagem se empalideça?

Todos os dias não são igualmente válidos para que sejamos felizes?

– Apesar de tudo, o domingo é muito importante. E não somente para os cristãos; também para o mundo inteiro. Porque o domingo não é somente um dia para Deus. Ele existe também para o homem. Aliás, o seu predecessor – o sábado judeu – foi a primeira ‘regulamentação social’ de uma comunidade. O domingo é tanto para Deus quanto para o homem. Aliás, Deus e o homem têm interesses comuns em tudo.

0 domingo existe para a coletividade: tem um significado social. É um dia de repouso, uma proteção contra as perturbações dos ritmos na­turais do trabalho e do repouso da vida individual e comunitária. Numa época de atividades super-excitantes e de stress – muitas vezes também de um ‘alcoolismo do trabalho’ -, devemos estar protegidos de nós mesmos. O dia de repouso nos é proposto já por uma razão de saúde pública. Todos sabem que, se não assumirmos o repouso todos juntos – ainda que alguns fiquem a serviço da comunidade por necessidade -, o repouso se tornará impossível.

O domingo é um dia em que devemos ‘encontrar-nos de modo diferente’ do que ocorre nos outros dias. A variação nos dias da semana é indispensável para o equilíbrio do homem. Ela relativiza a febre do tra­balho e dá todo o seu sentido aos dias úteis da semana.

O domingo existe também para a família. É um dia de convivência, para corroborar os laços afetivos, para dar lugar aos outros, para que os fa­miliares escutem uns aos outros. Durante a semana, a família se reduz freqüentemente a comer, dormir e trocar de roupa. É certo que, para algu­mas famílias, o domingo será um dia de sofrimento: encontrar-se, às vezes, é doloroso. Há divergências de opinião e discórdias. Há domingos dilacera­dos para os filhos de casais separados, que passam o fim de semana ora em casa do pai, ora em casa da mãe. Mas é também o dia em que se pode ultrapassar o sofrimento pelo diálogo, o perdão e a paciência. Foi, aliás, no domingo de Páscoa que o Senhor confiou o ministério do perdão aos seus apóstolos.

Enfim, o domingo é o dia do Senhor. No domingo, os cristãos se reú­nem para se reencontrar junto de Deus, para escutar a sua Palavra e para receber o Corpo e o Sangue de Cristo na Eucaristia. Nós somos todos aguardados, porque precisamos uns dos outros como de pão. Antes do mais, porque nenhuma vida de fé pode ser duradoura, se ela fica encerrada numa piedade pessoal do coração.

Algumas pessoas dizem: ‘Rezo melhor sozinho(a) em casa’. Está com­provado que um fiel não se pode sustentar a sós. Um cristão solitário está em perigo de morte. Algumas vezes dirão: Isso para nada me serve’. Mas será esta a autêntica questão? Não devemos nós colocar também a pergun­ta: ‘Será que eu para nada sirvo aos outros?’ Se eu não estou presente, tor­na-se impossível aos outros celebrar plenamente. A Eucaristia dominical não é um grande supermercado no qual vou fazer minhas compras. É uma casa de família, onde um lugar à mesa fica vazio se eu estou ausente. To­dos sabemos que uma festa de família não será plenamente feliz ou será talvez um fracasso, se um irmão ou uma irmã convidados estiverem au­sentes.

Por conseguinte, o Ano do Domingo não há de ser um ano como os outros. Trata-se de Deus e do homem. Aliás, é isto que se encontra grava­do nos murais: ‘Domingo, um tempo para Deus, um tempo para o ho­mem’. Eu vos desejo, de coração um ano tal!”

2. REFLETINDO­

O cardeal Danneels toca um ponto nevrálgico da vida contemporâ­nea: o vilipêndio do domingo, que muitos querem transformar em dia de lucro comercial ou em dia que mais mergulhe o ser humano na corrida em demanda do prazer sensível e de valores ilusórios.

O autor da Carta usa uma linguagem que toque até as pessoas mais afastadas da prática religiosa, lembrando que:

1) o domingo não é só de interesse religioso, mas também de interes­se humano – pessoal e familiar. Se não se respeita o domingo como dia diferente, dia de lazer sadio e, principalmente de reencontro da pessoa consigo mesma e com seus familiares, entra em perigo a própria autentici­dade do ser humano; perdendo a sua intimidade e os vínculos da família, a pessoa corre o risco de se desfigurar.

2) Além disto (em linguagem estritamente teológica, diríamos: aci­ma de tudo), o domingo é o dia do Senhor, o dia da Páscoa, o dia da vi­tória da Vida sobre a Morte, o dia em que uma vida nova é oferecida ou corroborada no cristão, o dia em que um sopro de eternidade bafeja o coração humano para que continue sua caminhada semanal com mais fir­meza e coragem. Daí a importância da Missa dominical, que vale não só pelos sentimentos que desperte ou não desperte no cristão, mas vale tam­bém porque é um tornar-se presente a Deus de modo especial pela fé, pelo desejo de resposta aos anseios mais profundos do ser humano. É outrossim o encontro dos membros da Igreja, que são solidários entre si; se alguém julga que nada pode receber dos seus irmãos (coisa muito difícil!), pense que ao menos poderá dar aos seus semelhantes, que o aguardam fraternal­mente.

3) À guisa de complemento, acrescentamos outra advertência sobre o mesmo assunto, proveniente do Bispo de Amiens (França), Mons. Jac­ques Noyer:

“Uma evolução que aos poucos apagasse o domingo para fazer dele um dia como os demais, seria trágica para nossas famílias, nossas cidades, nosso país.

Se, para oferecer um domingo de qualidade à maioria da população, temos de aceitar que alguns trabalhem, isto deve ocorrer dentro de condi­ções e limites precisos.

A tradição cristã deu à nossa sociedade esse ‘dia do Senhor’, que é, ao mesmo tempo, dia de festa, de vida em família e de oração. Hoje o do­mingo não pertence apenas aos cristãos. Ele quer ser um dia de liberdade e de repouso. Quer responder às exigências da convivência social. Quer tornar a vida humana mais humana.

Não o deixemos desaparecer.

Amiens, 22 de outubro de 1992″

(extraído do Boletim SNOP, nº 889, 20/11/1992, p. 1).