Por que o mal existe?

Olá a todos!
Eis a ideia para vocês refletirem ao longo da semana: “por que o mal existe?”.

Uma grande questão que sempre nos ronda é a existência do mal. Por que ele existe? Se ele existe, Deus existe? Onde está Deus quando ocorre uma catástrofe, quando um bebê na barriga da mãe é morto por uma bala perdida, quando um louco invade uma escola e começa a atirar em centenas de pessoas etc?

Para esclarecer melhor esta questão, indico abaixo talvez o melhor texto que já li sobre isso. Vale a pena lê-lo por completo.

Uma semana abençoada a todos!

Padre Paulo M. Ramalho

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Padre Paulo M. Ramalho – Sacerdote ordenado em 1993. Cursou o ensino médio no colégio Dante Alighieri. Engenheiro Civil formado pela Escola Politécnica da USP; doutor em Filosofia pela Pontificia Università della Santa Croce. Atende direção espiritual na igreja Divino Salvador, Vila Olímpia, em São Paulo.

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Revista Pergunte e Responderemos, PR 146/1972
D. Estevão Bettencourt

Nas páginas que se seguem, voltaremos a considerar o mal, pois constitui um constante escândalo para não poucas pessoas; julgam ser a existência do sofrimento entre os ho­mens um argumento que evidencia decisivamente a não-exis­tência de Deus:

“Caso se admita um Deus todo-poderoso, a realidade da dor leva a duvidar do seu amor. E, se se admite um Deus que ama, o mal significa que Deus não é poderoso. Ora um Deus que seja fraco ou que seja sem amor, não é Deus.”

Procederemos, no estudo do problema, por via indutiva, partindo de fatos concretos que excitam a reflexão do pen­sador. Donde o roteiro: 1) Panorama do mal; 2) E Deus? 3) As leis da natureza; 4) Liberdade do homem; 5) Refor­mulação do problema.

1. O panorama do mal

Comecemos por tomar consciência dos males que mais pesam sobre o homem:
– doenças, enchentes, secas, ciclones, frio, morte…
– fome, subdesenvolvimento, ignorância, racismo, ter­rorismo, guerras…

Quais seriam as causas imediatas de tais flagelos?

– Para responder, devemos distribuir os diversos males em duas categorias.

a) A primeira categoria (assinalada na primeira série acima) deve-se à natureza mesma dos elementos que cercam o homem ou constituem o organismo humano. Tais são as doenças e a morte; devem-se ao desgaste dos componentes do corpo humano (o coração, os pulmões e outros órgãos, com o uso, se enfraquecem e deterioram, acarretando molés­tias e desenlace). Os incêndios devem-se à natureza do fogo, que é altamente benéfico quando aplicado à cozinha, mas tremendamente nocivo, quando queima os móveis, as vestes ou a habitação do homem. Nas inundações, a água torna-se daninha… a mesma água sem a qual o homem não poderia viver. A barra de ferro numa oficina e a rocha numa estrada que caiam sobre a cabeça de um homem, estão simplesmente seguindo a lei natural da gravidade. Em suma, parte não exígua dos fenômenos que causam sofrimento ao homem, pode ser explicada pela natureza mesma dos elementos.

b) Outra série de males deve-se ao próprio homem: de­riva-se do uso desregrado da liberdade de arbítrio. Assim a guerra, o racismo, o terrorismo, a fome, o subdesenvolvi­mento, a miséria são, em parte, entretidos ou agravados pelo egoísmo, a ganância ou a injustiça de certos homens em re­lação a outros. Há moléstias provocadas pelo excesso de bebi­das alcoólicas, pelo recurso a entorpecentes, pela prática do ato sexual em ocasiões prematuras… Em tais casos, pode-se dizer que o sofrimento tem por causa o próprio homem que se precipita em uma situação infeliz: o ser humano, desres­peitando o código de trânsito da humanidade, sofre as consequências naturais da desordem provocada.

Estas reflexões, porém, sugerem imediatamente

2. Uma interrogação

Dirá alguém com certo bom senso: Mas, se Deus exis­tisse, não poderia impedir o desencadeamento dos males pro­vocados pelos elementos naturais ou pelo próprio homem?

– Sim! responderíamos.

– E como julgas que Deus haveria de impedir os males da humanidade?

– Ele o faria de duas maneiras:

a) … ou mudando a natureza das criaturas: assim suspendendo o poder de queimar do fogo, quando este se voltasse contra o homem, detendo as leis da gravidade, quando esta provocasse a queda de um corpo bruto sobre o trabalhador, compensando o desgaste dos elementos (órgãos e ou­tros seres) que se usam…

Em suma, Deus interviria na natureza, a fim de que as criaturas irracionais só agissem em sentido benéfico para o homem.

b) … ou detendo ou teleguiando a liberdade do homem, a fim de que esta só optasse pelo bem, e nunca pelo mal.

Que dizer de tais sugestões?

3. As leis da natureza

Nem uma nem outra proposta acima condiz com a sabe­doria de Deus. Aquele que criou os seres irracionais e o homem, respeita as leis da natureza; não as retoca cons­tantemente, pois isto seria pouco lógico ou sábio.

Aprofundemos esta afirmação.

Se Deus interviesse continuamente no mundo, modifi­cando as leis da natureza, destruiria a atividade natural das criaturas. No mundo, tudo se processaria de maneira mara­vilhosa; nada mais seria certo ou seguro; a exceção seria a regra; as certezas mais óbvias tornar-se-iam duvidosas. O homem não poderia contar com coisa alguma e a ciência se tornaria impossível, se as coisas mudassem de comportamento para evitar o sofrimento do homem.

Mais ainda. Pensemos no seguinte:

Quando uma criança que aprende a andar, cai, machu­ca-se porque o solo é duro. Todavia lembremo-nos de que é precisamente graças a essa dureza que a faz sofrer, que a criança pode caminhar sobre o solo. Quando um trilho de ferrovia cai sobre a perna de um homem, nós o quiséramos leve e macio como pluma; todavia, quando tal trilho sus­tenta o peso de um trem, queremo-lo tal como é, ou seja, duro como aço.

Vê-se, pois, que uma das condições do progresso cientí­fico a que o homem aspira, é precisamente a fixidez ou imuta­bilidade das leis da natureza.

Essa fixidez faz, não raro, o homem sofrer. Para que o homem não sofresse, deveria ser insensível como a pedra. Verifica-se, porém, que quanto mais subimos na escala das criaturas, tanto mais sofrimento encontramos; passando do reino mineral para o vegetal, para o animal e para o humano, mais nos defrontamos com criaturas vulneráveis. No mundo visível que nos cerca, quanto mais um ser é perfeito, mais é sensível e vulnerável; extinguir a sensibilidade e a vulne­rabilidade seria extinguir a própria perfeição dos seres. – Tal é a natureza, nem pode deixar de ser tal, se no mundo dese­jamos lógica e coerência.

A pedra não sofre quando é despedaçada pela dinamite. O animal, porém, urra quando é atropelado por um carro;

… urra, porque é mais perfeito, é vivo. O homem que é aco­metido por uma doença ou perde um filho, sofre mais ainda, porque é mais perfeito; ele sofre, e tem consciência de estar sofrendo. Onde não há consciência nem sensibilidade, não há sofrimento, mas também não há dignidade humana. Por con­seguinte, a possibilidade de sofrer, e sofrer profundamente, é inerente à superioridade do homem sobre as demais criaturas.

Em consequência, pode-se dizer que o prazer e a dor, a vitória e a derrota são duas faces inseparáveis; e uma só realidade, como o são cara e coroa de uma mesma moeda.

Consideremos agora o que diz respeito à

4. Liberdade do homem

Não poderia Deus guiar a liberdade do ser humano, como foi dito anteriormente, quando esta estivesse para optar pelo mal, prejudicando a si e ao próximo?

A rigor, Deus o poderia, mas é preciso reconhecer que destruiria a liberdade. Esta significa sempre “Sim” e “Não”; é natural, pois, que exerça tanto uma como outra destas opções.

Justamente a liberdade é o potencial que diferencia o homem do animal irracional. O valor de um ato se deriva precisamente da liberdade com que é praticado. O animal irracional executa atos certeiros em virtude dos seus instin­tos; todavia tais atos não são livres (porque instintivos e cegos); por isto o animal não falha, mas também não aperfeiçoa o que faz, nem tem mérito, porque não pode deixar de fazer o que faz, nem o pode fazer de outro modo.

Ao contrário, o homem não recebe seu planejamento pronto; pode planejar, inventar, porque é livre e, por isto, capaz de merecer.

A liberdade do homem, portanto, Deus não a teleguia nem destrói, mas respeita-a até as últimas consequências. É o Se­nhor Jesus quem o sugere mediante uma de suas parábolas:

Certo homem possuía grande fazenda, que ele adminis­trava com dois filhos e numerosos trabalhadores; todos se sentiam bem na casa desse pai e patrão.

O mais velho dos filhos era modelar no cumprimento dos seus deveres; passava os dias no campo a auxiliar o pai. O segundo era mais sujeito às seduções da fantasia; julgava monótona a vida na casa paterna; parecia-lhe que, partindo para a cidade, poderia gozar de amigos e divertimentos e assim preparar para si um futuro mais feliz. Em consequência, resol­veu um belo dia pedir ao pai a sua herança a fim de tentar a sorte longe do insípido ambiente da família.

O pai não pode ter deixado de experimentar profunda dor ao ouvir as palavras do filho; bem previa decepções e amarguras para esse jovem inexperiente. Todavia tinha cons­ciência de que quem lhe pedia o uso da liberdade era o seu filho. Caso se tratasse de um empregado, o patrão o poderia enviar de volta ao trabalho alegando o contrato respectivo; se fosse um escravo, poderia também negar ouvidos ao pedido. Mas filho é filho! O pai quis tratá-lo como tal, respeitando a livre opção desse ser humano, custasse o que custasse ao genitor. Em vez de deter o filho em casa pela violência, o pai quis proporcionar-lhe a ocasião de experimentar a vida; ele talvez voltasse mais maduro, vencido pela evidência.

O jovem, de posse de sua herança, se foi. Enquanto na cidade possuía dinheiro, também tinha amigos e prazeres. O pecúlio, porém, veio a esgotar-se; além disto, sobreveio a fome na região, de modo que o jovem se viu duplamente fla­gelado. Não querendo, porém, render-se, conseguiu, a custo, o emprego de guarda de porcos; isto era tremendamente hu­milhante para um judeu cuja legislação considerava o porco como animal impuro e proibido. O jovem via que os animais eram preferidos a ele, homem, pois o patrão mais se importava com a subsistência dos porcos do que com a do respectivo guarda; este queria saciar-se com a ração da manada, mas não o podia.

Foi então que o rapaz, cansado de lutar, concebeu o propósito de voltar para a casa paterna. Se ele já não merecia ser reconhecido como filho, julgava que o pai, não obstante, não deixara de ser pai; pediria então ao pai que o acolhesse como o último dos seus mercenários. Aconteceu, porém, que, quando o viu regressar ao longe, maltrapilho e esquálido, o pai lhe correu ao encontro; não lhe perguntou onde estivera nem o que fizera, mas levou-o para casa, mandou-o revestir das mais belas vestes e preparou-lhe um banquete, pois, dizia, “este meu filho estava morto e voltou à vida; estava perdido e foi encontrado de novo” (cf. Lc 15, 11-32).

Tal história, segundo a intenção de Jesus, ilustra a con­duta de Deus em relação aos homens. Com efeito,

Deus não é um ditador. Os ditadores pretendem tornar seus povos felizes, mas mediante a força. Na verdade, porém, tais povos não são felizes, porque não são livres.

Deus também não é “paternalista”. Os patrões paterna­listas querem tornar seus operários felizes como eles, patrões, o entendem e sob a tutela dos patrões. Ora os operários es­timam, mais do que tudo, a sua liberdade.

Deus é Pai e, como tal, procede à semelhança do pai da parábola; quer que os homens usem de sua liberdade e responsabilidade; respeita as opções dos filhos. Deus quis que os homens sejam grandes não sempre pelos seus atos (que são frequentemente modestos e corriqueiros), mas, sim, pela liberdade com que eles os praticam.

Após as considerações até aqui propostas, parece com­preensível que Deus não retoque nem a natureza das criaturas irracionais nem a liberdade do homem.

Todavia ainda não está resolvido por completo o proble­ma: Deus sábio, Deus todo-poderoso,

Deus-Amor nada tem a dizer diante do sofrimento do homem? É o que vamos ponderar abaixo.

5. Uma reformulação do problema

1. Até aqui a existência do mal parecia evidente tes­temunho de que Deus não existe. O mal se apresenta a muitos como enigma ou problema que não se concilia em absoluto com a realidade de Deus.

Tentemos, porém, uma hipótese: “Deus existe” e vejamos se, admitida esta hipótese, o mal não deixa de ser tão enig­mático e atroz. Assim reformula-se o problema;

Em vez de dizer: “O mal existe; por conseguinte, Deus não existe”, tentamos considerar a fórmula:

“Deus existe (hipótese). Que sentido tomaria o mal nessa hipótese? Que resposta daria Deus ao problema do nosso sofri­mento?”

2. A título de ilustração e justificativa deste modo de proceder, note-se o seguinte:

Não raro no estudo da matemática e das ciências natu­rais, os cientistas levantam uma hipótese ou um postulado e, a partir deste, tentam elucidar determinado problema. Caso obtenham a solução almejada, têm por comprovada a hipótese previamente formulada.

Foi o que se deu em casos famosos, dos quais um seja aqui citado:

Em 1946, o antropólogo norueguês Thor Heyerdahl, estu­dando os índios do Peru e da Polinésia, julgou poder concluir que tinham a mesma origem étnica, tal era a afinidade de costumes entre eles vigente; adoravam a mesma divindade chamada Kon Tiki. Há milhares de anos, parte daqueles homens primitivos haveria emigrado do Peru para a Poli­nésia a oito mil quilômetros de distância ou mais, servindo-se de barcaças confeccionadas com troncos de árvores e corda­mes. A hipótese de Heyerdahl, submetida à apreciação dos cientistas, provocou ceticismo; como poderiam aqueles aborí­genes navegar, eles que não eram marinheiros e só dispunham de machados de pedra?

O sábio norueguês, porém, não se deu por vencido. Man­dou construir uma embarcação semelhante aos modelos an­tigos e, com cinco companheiros tenazes, partiu do Peru aos 28 de abril de 1947; 101 dias mais tarde, desembarcavam em uma das ilhas de Tahiti na Polinésia (Pacífico). Assim a hipótese de trabalho estava comprovada: as primitivas popu­lações do Peru puderam muito bem chegar à Polinésia, utili­zando suas barcaças num trajeto de 8 ou mesmo 10 mil qui­lômetros.

3. Passemos agora à consideração da pergunta propos­ta: Se Deus existe, que resposta dá Ele ao sofrimento do homem?

Eis o que responde a fé cristã:

Deus se fez homem. Ele não se deixou ficar alheio à dor dos homens; houve por bem compartilhá-la por puro amor. Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, é o teste­munho vivo dessa benevolência divina. O homem pode, sem dúvida, apresentar a Deus muitas perguntas e muitos enig­mas; é certo, porém, que ele não pode dizer: “Não sabes o que é sofrer!”

Dirá alguém: “Tão bela história não será mera estória? Quem a demonstrará?”

O mistério de Deus feito homem em Jesus Cristo é estu­dado e ilustrado pela teologia; não é temerário quem o aceita, pois Jesus deu provas de ser verdadeiro Deus e verdadeiro homem[1]. De resto, é somente na religião ou, mais precisa­mente, na fé cristã que se encontra luz para o problema do mal. A filosofia sempre lutou para explicar o problema da dor; em vão, porém. Os antigos persas e maniqueus admitiam um Princípio do mal subsistente ao lado do Princípio do bem… A última palavra da filosofia sem Deus perante o problema do mal é o existencialismo de Jean-Paul Sartre, que leva à náusea, à afirmação do absurdo e ao desespero.

Sem Deus, realmente não se explica o mal; ao contrário, tem-se um enigma angustiante. A luz de Deus, porém, ou aos olhos da fé cristã, o mal pode ser aceito com paz e confiança. Com efeito, a fé ensina:

O mal não é causado por Deus. Ele se deve às criaturas, que, no seu agir, são deficientes. Deus não impede nem en­trava a ação natural das criaturas, mas encarrega-se de encher o mal com a sua presença divina e dar-lhe um sentido novo ou transfigurá-lo.

Diz muito sabiamente Paul Claudel: “Deus não veio suprimir o sofrimento, nem veio explicá-lo, mas veio enchê-lo com a sua presença”.

4. E como o veio encher com a sua presença?

Jesus Cristo, Deus e homem, tomou sobre si o sofrimento da humanidade até a morte de cruz, fazendo dele a passa­gem para a ressurreição e a vida imortal – O P. Jacques Loew assim comenta tal proposição:

“Se meu grande Deus se fez homem, amando-me até morrer, se ele fez isto por mim, não foi para que, apesar de tudo, eu morra e fique sendo presa da morte.
Se Jesus Cristo é o Filho de Deus, creio na sua palavra: `Na casa de meu Pai… vou preparar-vos um lugar’ (Jo 14,2).
Se Jesus Cristo ressuscitou, foi para dar a mim, a ti, uma vida nova.
Deus mesmo enxugará todas as lágrimas de teus olhos e já não haverá morte, nem luto nem clamor nem dor, pois essas primeiras coisas desapareceram.
Tal benevolência de Deus, eis o que nos espera. Estar com Deus, não como alguém está com o patrão, mas como está com o amigo bem-amado…
Sem dúvida, isto tudo são palavras, se Deus não existe.
Palavras, sim, se Jesus Cristo não é Deus, que se fez homem para nos salvar.
Mas se Deus existe,
Se Jesus Cristo é nosso Deus,
Então tens a grande realidade, a misteriosa certeza: uma outra vida te espera, a dor é passageira…
Tudo passa, mesmo o sofrimento; somente o Amor não passa.
Vem, Senhor Jesus! Vem!”
(“Fêtes et Saisons” n.º 78, 1953, p. 26).

É nos termos acima que a fé ilumina o problema do mal.

Vê-se então que a hipótese “Deus existe”, longe de ser contraditada pela existência do mal, é o princípio de solução para esse problema; Deus quis ser não somente o Criador, mas também o Recriador, o Redentor do homem que sofre. Reconheçamos que o homem poderá sempre propor a Deus infinitamente mais sábio numerosas perguntas e dúvidas (quem entende todos os desígnios do Altíssimo? quem sabe quando ou como criou?). Nunca, porém, a criatura lhe poderá dizer: “Ignoras o que é sofrer! És indiferente ao sofrimento dos homens! Brincas conosco, permitindo impassível que soframos”.

Quem ousaria censurar o Senhor Deus, desde que este, por puro amor e sem obrigação alguma, se quis envolver no sofrimento da humanidade? A quem dá a vida pelos outros, nada se pode objetar.

Eis a linguagem da fé. Ela, à primeira vista, pode parecer infantil e irrisória. Todavia quem reflete, verifica que talvez não seja tão tola, pois fornece luzes que a filosofia mera­mente humana jamais concebeu. Para quem não crê, talvez seja interessante uma experiência sem compromisso: crer e… ver se, à luz de Deus, o sofrimento não toma outro sentido.

5. As considerações atrás propostas a respeito do sofri­mento podem ser ilustradas mediante duas imagens:

Compare-se a vida presente a um tapete, a um belo tapete oriental, do qual aqui na terra só vemos o lado avesso ou inferior. Então é claro que não compreendemos o sentido dos vários fios que se entrelaçam e dos fiapos que pendem desse avesso do tapete. Todavia essa peça de arte foi feita para ser contemplada não do lado de baixo, mas do lado de cima; a sua verdadeira face é a que não vemos por ora; Deus, porém, a vê, e nós um dia a veremos; contemplaremos então o magnífico desenho que os diversos fios do tapete compõem.

Imagine-se também uma criancinha encerrada no seio de sua mãe. Admita-se que tenha consciência de si e uso da razão: ela então experimenta os choques misteriosos que a sacodem; sabe que tem pulmões, mas verifica que não tem ar, nem respira; tem olhos, mas não percebe luz; possui mem­bros (braços e pernas), mas não os utiliza. Tal criancinha ignora que um dia deverá nascer ou ser dada à luz. Em tais circunstâncias, ela deve achar a sua vida absurda, e com razão; a existência no seio materno não tem sentido senão em vista do termo a que deve chegar. – Ora algo de análogo se dá com o homem na terra: a sua vida neste mundo não tem sentido em si mesma; pode até parecer absurda. Toma, porém, o seu significado pleno quando considerada à luz da vida eterna, para a qual o ser humano foi feito e deve tender com todas as fibras; somente se se admite uma vida póstuma, se elucidam mistérios da vida presente.

Bibliografia:

A propósito podem-se consultar:
Jean-Claude Barreau, “Où est le mal?” Paris 1969.
Ch. Journet, “Le mal. Essai théologique”. Desclée de Brouwer 1960. P. Siwek, “Le problème du mal”. Desclée de Brouwer 1942.
J. Javaux, “Prouver Dieu?” Desclée de Brouwer 1967.
A.-D. Sertillanges, “Le Mal”.
Pedro Cerrutti, “A caminho da verdade suprema”. Rio de Janeiro 1954.
“Fetes et Saisons” n.° 78, julho 1953, de que muito nos valemos presente artigo.
Jean-Jacques Larivière, “Creio só neste Deus”. Edições Paulinas, Caxias do Sul 1971.
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NOTA:

[1] Não vem ao caso provar aqui a divindade de Jesus Cristo. A propósito pode-se consultar PR 8/1957, pp. 3-7.

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