Protestantismo: igreja universal do reino de Deus

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 360/1992)

Em síntese: A Igreja Universal do Reino de Deus foi fundada em 1977 por Edir Macedo Bezerra, ex-funcionário da Loterj, depois que Macedo havia passado pelo Catolicismo, pelo espiritismo e pelo protestantismo moderno. Em quinze anos de existência, essa “Igreja” tornou-se um verdadeiro império, dis­pondo de imóveis de luxo e algumas empresas; tem suas filiais nos Estados Unidos, em Portugal, na Espanha e na América Espanhola. O enriquecimento do fundador e de seus assessores tem sido questionado pelas autoridades ci­vis. Verdade é que a “Igreja” arrecada enormes quantias, prometendo mila­gres, praticando “exorcismos” e estimulando os crentes a dar muito para po­der receber muito de Deus; todavia há quem pergunte se essa fonte de receita basta para explicar a magnitude dos negócios de Edir Macedo. A compra da rede Record de televisão ficou por US$ 45 milhões, dos quais – diz a impren­sa – uma parte foi conseguida na Colômbia à custa de narcotráfico.

Do ponto de vista da fé, verifica-se que a religião na nova “Igreja” se torna antropocêntrica, em vez de teocêntrica, pois se ocupa principalmente com o atendimento às carências dos homens…, e isto de maneira emocional, sugestionante, teatral, desencadeando um frenesi nas assembléias, que pode tomar as pessoas aliviadas e eufóricas, mas não toca na raiz de seus pro­blemas. A suposição de que haja intervenção do demônio em todos os males, e a aplicação abusiva de exorcismos geram um clima de apavoramento, que subjuga as pessoas e muitas vezes agrava os males em vez de os resolver Em suma, o fenômeno da “Igreja Universal” é um sinal para os católi­cos, pois decorre da insuficiente formação do povo de Deus, que, na sua boa fé mal instruída, se deixa arrastar pela falsa mística e a teatralidade de exibi­ções religiosas.

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Repetidamente os nossos leitores têm solicitado esclarecimentos sobre a famosa Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Nunca escre­vemos algo em PR sobre tal assunto, porque a abordagem redundaria em detrimento da pessoa de seu fundador, de quem a imprensa muito tem falado. – Acontece, porém, que o caso se tornou tão provocador que nos decidimos a apresentar alguns dados sobre tal “Igreja”, procurando ser objetivos e sintéticos. Colhemos nossas informações em reportagens publicadas pelos jornais do Rio e de São Paulo, cientes de que constan­temente novas e novas notícias são publicadas sobre o assunto.

1. Traços biográfico

Edir Macedo Bezerra é um fluminense do interior do Estado do Rio. Quis ser professor; para tanto estudou Matemática e Ciências Estatísticas em nível universitário, cursos que abandonou sem concluir. Diz ele mesmo que “era uma pessoa triste, deprimida, angustiada”,
(Siglas: JT = Jornal da Tarde, São Paulo, FSP = Folha de São Paulo, São Paulo, GLB = O Globo, Rio de Janeiro); procurou alívio na Igreja Católica, mas não se satisfez. Passou então para o espiritismo e freqüentou terreiros de macumba, mas também aí não encontrou as respostas desejadas. Teve então um “encontro pessoal com Deus”:

“Estava em uma reunião pública de evangelistas na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio. As pessoas cantavam e, de repente, desceu uma coisa sobre nossa cabeça, nosso corpo, como se estivéssemos sendo jogados debaixo de um chuveiro. Foi algo, ao mesmo tempo, físico e espiritual, abstrato e concreto. Pude me ver como realmente era, e eu me via como se estivesse descendo ao inferno. Caí em prantos.

Então a mesma presença me apontou Jesus. Foi quando nos convertemos, e nos entregamos de corpo, al­ma e espírito” (FSP, 20/06/1991, p. 1-12).

Edir fez-se então membro da Igreja pentecostal Nova Vida, onde permaneceu até 1974.

Deixou-a finalmente por causa de uma experiência que ele assim descreve:

`Minha segunda filha nasceu com lábio leporino, uma grande deformação que praticamente eliminava o céu da boca. Eu sofri, eu gemi; ela não foi uma alegria – foi uma tristeza, uma agonia. No dia em que ela nasceu, eu decidi que não ficaria mais na igreja em que estava e que iria partir para anunciar o Deus que me fora revelado” (FSP 20/06/1991 p. 1-12).

Edir não diz se sua filha foi curada ou não. O fato, porem é que doravante resolveu apregoar a cura mediante a fé. Em 1974, junto com Roberto Augusto Alves, Romildo Soares (seu cunhado) e os irmãos Samuel e Fidelis Coutinho, fundou a Igreja “Cruzada do Caminho Eterno”. Edir era o respectivo tesoureiro; em 1977 desentendeu-se com os irmãos Coutinho e, ao lado do cunhado e de Roberto Augusto, inaugurou a Igreja Universal do Reino de Deus. A primeira sede da “Igreja” estava no prédio de uma antiga funerária à Avenida Suburbana, na Abolição (zona Norte do Rio de Janeiro).

Nos primeiros meses após a fundação da Igreja Universal, as prioridades dos três “irmãos” (Edir, Roberto Augusto e Romildo) eram duas: abrir novos templos e manter um programa diário de rádio em horário alugado, no qual relatavam curas milagrosas, convidando os ouvintes a comparecer ao culto. Romildo Soares era o líder da Igreja, mas Edir Ma­cedo começou a destacar-se no programa que fazia na Rádio Metropolitana do Rio de Janeiro.

Quatro anos depois da fundação, Edir outorgou o título de “bispo” a si próprio e a Roberto Augusto Alves. “Este negócio de bispo é só um título para envolver os católicos”, terá dito Edir Macedo, segundo o depoimento de Roberto Augusto ao Jornal da Tarde de 02/04/91, p. 16.

O próprio Roberto Augusto Alves, que “sagrou” Edir como “bis­po”, separou-se de Macedo e retornou à Igreja da Nova Vida; algo de semelhante fizeram vários companheiros de Edir Macedo – entre os quais o famoso pastor Carlos Magno de Miranda, que se afastou para fundar a sua Igreja dita “do Espírito Santo de Deus”. Romildo Soares, cunhado de Edir, retirou-se para constituir sua Igreja dita “Igreja da Gra­ça”. – Na verdade, a colaboração com Edir tornou-se difícil por causa da prepotência deste líder e em virtude do espírito mercantilista que cada vez mais foi prevalecendo em suas atividades.

Assim se desfez a sociedade dos fundadores da Igreja Universal, cujo Estatuto, registrado a 1°/11/1977, reza em seu artigo 1°:

“Um grupo de irmãos, vindos de várias organizações evangélicas, re­conhecem que foram chamados por Deus através do Espírito Santo para continuarem a obra iniciada por Nosso Senhor Jesus Cristo, continuada pelos apóstolos primitivos e pelos milhares de santos irmãos que através dos séculos, com suas vidas, testemunharam acerca da verdade, que é Jesus Cristo, a única solução para a humanidade, e resolveram em comum acordo fundar uma corporação religiosa e denominá-la de Igreja Universal do Reino de Deus”.

Feito “bispo” monárquico, Edir Macedo criou para si um vasto im­pério. Era funcionário da Tesouraria da Loterj (Loteria do Rio de Janei­ro); deixou as suas funções e, como pregador do Evangelho e arauto de curas, foi adquirindo vários meios de comunicação e outros bens mate­riais, cujo elenco era o seguinte em abril de 1991, ou seja, quatorze anos após a fundação da sua “Igreja”:

– 14 emissoras de rádio (no Rio de Janeiro,em São Paulo, Fortale­za, Salvador, Curitiba, Porto Alegre, Teresina, Vitória…);

– uma rede nacional de televisão: a Record;

– imóveis no Brasil e no exterior: apartamentos no Rio eem São Paulo, uma casaem Nova Iorque, todos os prédios nos quais estão funcionado os cultos da Igreja Universal, sendo mil no Brasil e dez no exterior (cinco nos Estados Unidos, um na Argentina, um no Paraguai, um na Colômbia, um em Portugal e um na Espanha);

– além disto, contam-se as empresas abaixo:

Unitec Engenharia e Empreendimentos Ltda., construtora respon­sável pelas obras dos templos;

Gráfica Universal Produções Indústrias e Comércio Ltda., editora que imprime todas as publicações da Igreja, além da revista “Plenitude”;

Fábrica de Móveis Universal, que confecciona toda a mobília dos templos (bancos, púlpitos, cadeiras…);

Gravadora Universal, que produz e comercializa os discos dos pastores-cantores da Igreja;

Delpa Distribuidora de Títulos e Valores, empresa do mercado de capitais, que está em nome do Deputado estadual Paulo César Marques de Velasco (PST).

Pelo Estatuto de 1977 o administrador dos bens é o Secretário Ge­ral, “o qual não faz parte da Diretoria e exerce o cargo de forma vitalícia”. Edir Macedo foi nomeado para essa função. Mas em 1990, quando surgiram as primeiras denúncias de enriquecimento do “bispo”, ele convocou uma assembléia geral, “ficando a partir de 13/10/90 isento de qual­quer responsabilidade oriunda do cargo”.

2. O culto praticado na “Igreja”

O culto exercido nas sessões da IURD é predominantemente o de atendimento às pessoas que lá compareçam, afetadas por algum pro­blema físico, psíquico, familiar, econômico…

Os pastores da “Igreja” geralmente atribuem o surto desses pro­blemas à intervenção do demônio (não raro confundido com pomba-gira ou algum exu da Umbanda); consequentemente aplicam exorcismos – o que se faz em meio a gritos, lágrimas, gemidos, convulsões, pancadas, aclamações, palmas, etc… Eis como a repórter Kassia Caldeira descreve o que ela observou no salão da IURD, à Avenida Celso Garcia 499 no Brás (zona Norte de São Paulo, SP):

“Junto com o pastor Romualdo, outros pastores entram no ritmo da lam­bada e dão início a uma evolução com passos ensaiados. Abraçados, eles começam um dos três cultos realizados por dia no salão da Igreja Universal do Reino de Deus, na avenida Celso Garcia 499, no Brás, zona Norte da Ca­pital.

Um dos maiores problemas que a humanidade enfrenta é o sentimental. Você já teve muitos homens ou muitas mulheres. Mas, de fato, nunca teve al­guém. Esta é a Corrente do Amor. E pelos grilhões do inferno vamos acabar com sua infelicidade, prega o pastor Romualdo para homens, mulheres e crianças que se amontoam com os braços erguidos. A maioria veste roupas simples.

Enquanto segue a música, outros pastores e obreiros descem do palco e dançam no mesmo compasso. Todos seguem as ordens do pastor. À pri­meira ordem, a platéia fecha os olhos, enquanto o pastor ordena que apareçam todos os demônios e pombas-gira. O demônio-das-sete-saias vai se manifestar nas pessoas que tiveram peças de roupas roubadas, evoca o pastor, provocando um ruído ensurdecedor de gritos por todo o salão. Ho­mens e mulheres agem como se estivessem em transe.

Os obreiros e obreiras (ajudantes-voluntários da Igreja) pegam vários fiéis pela cabeça. Alguns são levados para o palco, enquanto se escutam os gritos de: Está amarrado, está amarrado!. A expressão significa que os demônios estão sob controle. Tem início o exorcismo. O pastor chama os que nunca estiveram presentes ao palco…

O exorcismo termina. Os demônios e pombas-gira já se foram, e é hora de cantar novamente. O pastor, então, dá ordem para que tenha início a coleta das contribuições dos fiéis. Os Obreiros e obreiras circulam com rapidez entre as cadeiras, com os cestinhos onde o dinheiro é depositado dentro de envelo­pes” (JT 02/04/91 p. 17).

Eis outras notícias de reportagem significativas:

“O grito meio-animalesco, meio-humano parte daquela senhora magri­nha, de meia-idade, semblante marcado pelo desespero. Ajoelhada na frente de quase duas mil pessoas, ela fala e urra, ora com sua voz fraquinha, ora com uma voz forte e grave. Ela tem o Satanás no corpo, avisa o pastor Val­decir. ‘Vamos expulsá-lo… Valdecir segura firmemente a possessa. pela nu­ca, girando-a com brutalidade ao comando de suas perguntas. A platéia, em transe, repete as palavras do pastor. Sai, Satanás! Sai, Satanás!.

A sessão de exorcismo se interrompe de forma inesperada. O pastor confessa que cometeu um engano. .O demônio não está nesta mulher, con­clui Valdecir, garantindo em seguida: ‘Satanás está no filho dela. Com um forte sopro no rosto, Valdecir chama a mulher de volta à realidade. Agora ele pede aos fiéis que demonstrem sua fé doando dinheiro a Jesus Cristo e ao Espírito Santo” (JT 12110/90, p. 30).

“No imenso salão da igreja, na Avenida Celso Garcia 499, eles formam uma desordenada fila para poder molhar o rosto ou a mão em uma água ver­melha, que enche três bacias sobre uma mesa ao pé do altar. Um dos fiéis, um senhor de meia-idade, diz que é suco de uva com vinagre benzidos. O ato de benzimento é frenético. Os obreiros, auxiliares do pastor, apressam os fiéis.

Após o benzimento, sempre entoando cânticos religiosos, o pastor Val­decir ordena que sentem. Todos os seus demônios, a maconha, o adultério, a dor e a doença serão afastados, berra ele pelas dez caixas de som espalhadas no amplo salão. O tom de voz do pastor vai aumentando de ritmo, acom­panhado por um obreiro que martela um aparelho sintetizador de som. Música e pastor formam um só compasso, rápido e hipnótico. Os fiéis se envolvem pelas orações, cantam juntos, fecham os olhos, batem o pé no chão, chamam por Deus, expulsam o demônio de suas vidas e de suas casas. O volume do som aumenta, os fiéis gritam mais ainda. A catarse terminaem palmas. Oobreiro e o pastor entoam agora um ritmo dançante, calmo e relaxante. As pessoas cantam, dançam e batem palmas.

Valdecir ordena novamente que todos sentem e começa outra prega­ção. Pede aos fiéis que demonstrem sua fé dando dinheiro para a igreja. ‘Este dinheiro é para Jesus Cristo e para o Espírito Santo’ ” (JT 12/10/90, p. 30).

Edir Macedo afirma que numerosos são os milagres ocorridos na sua igreja: “Temos pessoas curadas de Aids, de câncer, de surdez, parali­sia, cegueira, tudo atestado por médicos. É um fato corriqueiro, bíblico, e se deve à obra do Espírito Santo” (FSP 20/06/91, p. 1-12).

“Se tiver fé, leva; se não tiver, não adianta. Uma mínima fé sem nenhu­ma dúvida é capaz de realizar grandes coisas; uma grande fé com alguma dúvida não leva a nada. Garantindo. A palavra de Deus garante a cura. Nós ensinamos as pes­soas a cobrar de Deus aquilo que está escrito. Se ele não responder, a pes­soa tem de exigir, bater o pé, dizer “Estou aqui, precisando. Dá certo” (FSP 20/06/91, p.1-12).

Escreve ainda Edir Macedo em um de seus livros:

“Da mesma forma como o Senhor Jesus disse a Satanás, nós também temos que dizer à doença, câncer, paralisia ou qualquer outra enfermidade: Está escrito! Pelas pisaduras do meu Senhor Jesus, eu já fui curado! Portanto saia imediatamente do meu ser e nunca mais volte!’ Creia nisto, e a partir deste exato momento a raiz da enfermidade ou doença morre e os seus sin­tomas vão desaparecendo às vezes instantaneamente, às vezes gradativa­mente, dependendo da fé da pessoa” (JT 06/04/91, p. 14).

3. A coleta de dinheiro…

O pregador Edir Macedo tem o dinheiro em grande estima: “O di­nheiro é uma ferramenta sagrada que Deus usa na sua obra” (JT 06/04/91, p. 14).

Escreve Macedo no seu livro “Nos Passos de Jesus”:

“A Igreja do Senhor Jesus Cristo jamais conseguiria divulgar a salvação eterna entre os povos se não houvesse uma ferramenta imprescindível chama­da dinheiro. Foi exatamente por esta razão que Deus instituiu na Igreja os dízimos e ofertas, a fim de que através deles a Igreja pudesse usar de todos os meios de divulgação para proclamar Jesus Cristo o Salvador. O Espírito Santo nos fez compreender que o dinheiro na sua obra é o sangue da Igreja do Senhor Jesus, pois ele, através de um meio qualquer de divulgação, faz pessoas receberem a vida eterna dentro de um lar, hospital, presídio, etc. “(ibd.).

Daí a insistência no pagamento do dizimo:

“Quando pagamos o dízimo a Deus, Ele fica na obrigação, porque pro­meteu, de cumprir a sua Palavra, repreendendo os espíritos devoradores que desgraçam a vida do homem, atuando nas doenças, nos acidentes, nos vícios, na degradação social e em todos os setores da atividade humana, fa­zendo com que o homem sofra eternamente. Quando somos fiéis ao dízimo, além de nos vermos livres desses sofrimentos, passamos a gozar de toda a Plenitude da Terra, tendo Deus a nosso lado nos abençoando em todas as coisas” (ibd.).

Segundo atesta o pastor Carlos Magno de Miranda, o templo da Avenida Celso Garciaem São Paulorende em torno de Cr$ 150 milhões por semana.

Há diversos modos de estimular os fiéis à entrega de dinheiro:

São distribuídos envelopes aos crentes, aos quais é dado um prazo fixo para que os devolvam com um fio de cabelo para ser benzido e a contribuição monetária (Cr$ 5.000 em geral).

Houve também uma arrecadação de fim de ano “para dar um pre­sentinho a Jesus”; tinha como objetivo, propriamente dito, financiar a viagem do chefe da “Igreja” e seus assessores mais próximos para Jerusalém; levariam para a Terra Santa os pedidos dos doadores de dinheiro.

Outros motivos para arrecadar donativos são os cultos considera­dos especiais, que requerem unção com azeite, correntes de libertação, de prosperidade, de Gedeão (personagem bíblico) e do amor…

Outro dado a ser notado é ainda o seguinte: lê-se na imprensa: “Processo na Justiça revela: bispo contrata falsos doentes para simular curas milagrosas”:

“Uma história exemplar de como são feitos os “milagres e curas” do “bispo” Edir Macedo está arquivada junto com um dos processos que exis­tem contra ele na Procuradoria Geral de Justiça da Capital. Num depoimento incluído no processo, a comerciante Márcia Spósito, dona de um barem Santa Cecília, na Zona Oeste, contou que seu estabelecimento era freqüentado por dois rapazes que trabalhavam para a Igreja Universal do Reino de Deus.

Dia­riamente, depois de tomarem vários goles de cachaça, eles freqüentavam os cultos da igreja, onde desempenhavam uma função peculiar.

Ambos eram pagos para se infiltrarem entre os fiéis no templo da Rua das Palmeiras e, com recursos da própria Igreja, fazer ofertasem dinheiro. Otrabalho deles era incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo. Também era tarefa dos rapazes subir ao palco e se passar por doentes ou pessoas tomadas pelo demônio. Depois, atendendo a palavras de ordem previamente combinadas com o pastor, recuperavam-se como se estivessem exorcizados.

No processo, Márcia Spósito contou que, depois de ouvir a história dos dois rapazes bêbados, quis conferi-la e foi até a igreja. Quando chegou no templo, tentou avisar algumas pessoas e foi colocada para fora. Com base nesse depoimento, o procurador de justiça José Caleiro Filho pediu abertura de inquérito contra o “bispo” Edir Macedo e sua igreja por crimes de charlata­nismo, curandeirismo e estelionato.

Os policiais que investigam o caso suspeitam que muitas pessoas são contratadas com essa finalidade e que esse esquema funcionou nos dois cul­tos no domingo – no estádio do Pacaembú, em São Paulo, e no Maracanã, no Rio -, quando a Igreja Universal do Reino de Deus conseguiu arrecadar cerca de US$ 1 milhão em contribuições que variavam entre Cr$ 500,00 e Cr$ 10 mil,,.

4. A Compra da Rede Record

Muito se comentou também a aquisição da rede Record de televi­são, que custou US$ 45 milhões.

0 pagamento desta quantia ao Sr. Sílvio Santos e à família Macha­do de Carvalho fez-se não somente à custa de arrecadações e campanhas entre os crentes nos templos da “Igreja”, mas, ao que parece, também mediante recursos suspeitos.

Além de vender carros e outros bens, os pastores da “Igreja”, se­gundo se diz, foram buscar dólares na Colômbia, resultantes do tráfico de drogas. A versão dos fatos é a seguinte, conforme a repórter Kassia Cal­deira:

Em dezembro de 1990 o Sr. Edir Macedo estava em apuros para pagar a segunda prestação de US$ 5 milhões aos proprietários da Re­cord. O problema foi finalmente resolvido em meados do mês: no dia 12/12/1990 a Igreja Universal fretou um jato da Lider Taxi Aéreo com desti­no a Bogotá. 0 vôo saiu do Galeão (Rio), levando quatro casais e mem­bros da Igreja Universal: o pastor Carlos Magno de Miranda e esposa, o pastor Honorilton Gonçalves e esposa, o pastor Ricardo Cis e esposa, e Randal Ferreira de Brito com a esposa. Aos pilotos do jatinho foi dito que se tratava de viagem missionária.

Chegados a Bogotá, ficaram dois dias no Hotel Hilton Internacional; o mensageiro que os pastores esperavam, só apareceu no segundo dia, quando entregou uma pasta com US$ 450 mil dólares. Os dólares foram distribuídos entre os bolsos, sapatos e rou­pa íntima, para que todos pudessem sair do país. Deixaram o Hotel de madrugada rumo ao Aeroporto de Bogotá. O jatinho pousou finalmente no Rio de Janeiro. Carlos Magno de Miranda e sua esposa tomaram ime­diatamente a ponte aérea para São Paulo…

Referindo-se a essa viagem, Carlos Magno de Miranda, que deixou a IURD, observou:

“Aquele período foi o mais dramático da minha vida… Fico pensando como é difícil ser honesto neste país!” E ainda: “Eu saí da Igreja, porque quero ser honesto. Quero minha vida limpa, como sempre tive”.

Mais ainda diz Carlos Magno:

“Uma pessoa bem paga pelo bispo no aeroporto do Galeão e de Gua­rulhos passa caixas e mais caixas de equipamentos sem nota fiscal para o bispo. A Record e as rádios Copacabana e Ipanema, além de um estúdio de gravação no 17° andar do prédio das rádios, estão cheias de equipamentos sem nota fiscal. Numa viagem de volta de Israel, vários casais tiveram os passaportes retidos porque estavam com equipamentos sem nota. 0 bispo pagou os agentes e libertou os passaportes de seus pastores e mulheres, que não podiam dizer que eram pastores ou que o conheciam” (JT 05/04/91 p. 19).

Ocorre também outro fato misterioso: a TV Record tinha uma dívi­da de US$ 2,5 milhões para com o Banespa, dívida que Edir Macedo as­sumiu ao começar o pagamento da Record. Ora um ano após iniciado o processo de pagamento, a dívida fora perdoada à TV Record pelo Banes­pa, favorecendo assim o Sr. Edir Macedo. O Governador Orestes Quércia esteve envolvido na negociata, de modo que interesses políticos também entraramem jogo. Osobservadores, porém, acham estranho que o Ba­nespa tenha desistido da cobrança da quantia que lhe competia e que era dinheiro público.

Em suma, lê-se ainda no JT de 04/04/91 que havia então 97 pro­testos contra a Igreja Universal distribuídos em oito cartórios. Eis algu­mas das ações judiciais contra empresas de Edir Macedo:

1. Medida cautelar Inominada (5° Vara Civel); Promoção Ação de Propaganda e Promoções;

2. Exibição Judicial (20ª): Editora Zebrão de Ouro;

3. Arresto (119): Rádio e Televisão Bandeirantes;

4. Sumaríssima (19): Sérgio Pascoal;

5. Reconvenção (99): AI DiLa Comunicações e Paulo Roberto Ma­chado Barbosa;

6. Precatória (3ª): Antônio Carlos Fernandes de Jaú;

7. Sumaríssima (29): Antônio Lourenço e Leonor Fornaroli Louren­

8. Acidente de Trabalho (2ª Vara de Acidentes de Trabalho)…

Conta ainda a imprensa que a IURD tentou comprar a igreja cate­dral de Novo Hamburgo (RS) em setembro de 1990. Cf. JT 30/11/90, p. 17

Consta outrossim que Edir Macedo quis fundar um Partido político, pelo qual ele se candidataria a presidente da República. Aliás, a IURD tem conseguido eleger alguns deputados e vereadores.

Pode-se admitir que nem todas as notícias veiculadas em desabono de Edir Macedo e sua obra sejam exatas; alguns casos obscuros podem ter sido legitimamente esclarecidos. Como quer que seja, é impressionante o fluxo de dinheiro e o rápido crescimento da IURD, sugerindo ao Delega­do Eldo Garcia o seguinte comentário: “É muito dinheiro para vir apenas da contribuição dos fiéis”. Edir Macedo gosta de conforto em troca do seu zelo: “Podendo ter um carro estrangeiro, eu vou tê-lo… Isso de for­ma alguma denigre a minha imagem. Nós damos o melhor. Podemos vi­ver do melhor” (FSP 20/06/91, p. 1-12).

As notícias até aqui consignadas suscitam algumas reflexões.

5. Refletindo…

São quatro as ponderações que podem vir ao caso

5.1. O conceito de Religião

Verifica-se que o grande interesse da Igreja Universal e de denomi­nações congêneres é o serviço ao homem. Assim faz-se da Religião um sistema mágico de solução dos mais diversos problemas do indivíduo; cria-se um novo tipo de “Pronto Socorro” – o religioso. Este pode reali­zar aparentes prodígios mediante a sugestão movida por temas religio­sos (sempre muito penetrantes).

O culto a Deus em adoração e louvor torna-se secundário; quando ocorre, é função de pretensas curas e façanhas “portentosas”.

Ora Religião é, antes do mais, ligação do homem com Deus; tem por objetivo primeiro adorar e glorificar a Deus porque Ele é santo e infi­nitamente sábio e bom, independentemente deste ou daquele feito extraordinário. É o que o Pai Nosso ensina, propondo em suas três pri­meiras petições um olhar para Deus Pai, cuja glorificação é um anseio do orante; depois é que vêm as petições relativas ao homem, enquanto é fi­lho de Deus, tendente à Casa do Pai através das estradas desta vida.

É para desejar que se guarde entre os cristãos a autêntica concep­ção de Religião teocêntrica, e não antropocêntrica.

5.2. Milagres

O milagre não é simplesmente uma demonstração (show) da Oni­potência Divina. É um fato inexplicável pela ciência e realizado por Deus como sinal ou como resposta a uma situação perplexa e a uma prece humilde. É preciso distingui-lo bem de fenômenos para-psicológicos, que também impressionam os sentidos, mas que têm explicação meramente natural, pois, em grande parte, resultam da sugestão. A Religião é um fator de grande influência sobre as faculdades do homem ou de grande poder sugestionador. Daí realizarem-se feitos extraordinários nas sessões da IURD; não podem ser tidos, sem mais, como milagres; para poder avaliá-los corretamente, seria preciso submeter a criterioso exame médi­co as pessoas beneficiadas, a fim de se terem os indícios de cura real, ra­dical e duradoura.

A população brasileira, carente de recursos econômicos que lhe possibilitem consulta médica, é propensa a procurar. o curandeirismo, que pode trazer alívio mediante a sugestão, mas por certo não cura (ao contrário, enquanto a pessoa enferma suspende seu tratamento, a doen­ça continua a minar-lhe o organismo). É, em grande parte, este fator que explica o sucesso e a propagação da IURD. Além disto, a falta de senso crítico e a pouca instrução religiosa de muita gente concorrem para au­mentar a clientela de Edir Macedo.

Para contrabalançar estes males, impõe-se uma elevação do nível cultural e da formação religiosa de nossa população; uma pessoa instruí­da e consciente das verdades da fé não se deixa arrastar facilmente pela teatralidade e o caráter emocional das sessões da IURD.

5.3. Dinheiro

O dinheiro é necessário para a construção de qualquer obra – reli­giosa ou profana – no mundo de hoje. Todavia não se deve fazer dos do­nativos em dinheiro uma espécie de preço de milagres e favores de Deus. A oferta de dinheiro no culto divino tem valor simbólico; ela deve signifi­car a fé e o amor com que o doador se entrega a Deus. Mas não se deve jogar com dinheiro na igreja como num super-mercado, onde há o pe­gue-pague.

O incentivo a dar mais e mais dinheiro para receber maiores e maiores benefícios de Deus deturpa o sentido da doação. A fé e a entrega a Deus podem existir no coração do fiel, mesmo que este não dê dinheiro; é para esses sentimentos interiores que Deus olha; eles têm pleno valor quando são sinceros, independentemente de sua exteriorização.

O dízimo é costume vigente no Antigo Testamento. – Caiu em de­suso, por se tornar freqüentemente inexeqüível. 0 que se requer, é que cada cristão tome consciência de sua responsabilidade pessoal frente ao culto e ao sustento da vida da Igreja e se desempenhe na proporção de suas possibilidades. Em nossos dias, o dízimo mitigado vem sendo res­taurado em várias paróquias do Brasil e do mundo

5.4. Demônios e orixás

1. Afé católica professa a existência dos demônios ou anjos que caíram no pecado de soberba. O Senhor lhes concede agir neste mundo para acrisolar a virtude dos homens, provocando-lhes a tentação; não são antideuses, mas criaturas do único Deus, que só atuam na medida em que o Senhor lhes permite agir. O que os demônios procuram, é a ruína espiritual dos homens ou o pecado.

O Evangelho atesta a possessão diabólica ou estados em que o Ma­ligno toma posse das faculdades do indivíduo e o leva a blasfemar e de­safiar a Deus. Tais casos hão de ser cuidadosamente diagnosticados para não serem confundidos com situações mórbidas ou psicopatológicas; há, sim, doenças nervosas que deixam o paciente em estado convulsivo e deprimente; sejam tratadas pela medicina e não por exorcismo. O exor­cismo supõe a averiguação dos sintomas de possessão – o que ocorre raramente. Não se deve aplicar o exorcismo a pessoas que sofrem, sim­plesmente porque estão sofrendo as desgraças da vida; a infelicidade no casamento, na economia, na profissão, na saúde, no estudo… ocorre sem a intervenção do Maligno e deve ser contrabalançada por vias racionais e pela oração; quem aplica o exorcismo, afirma indiretamente algo que não existe, e agrava a situação da pessoa que sofre, pois a apavora e intimida, dando-lhe a crer que “realmente” está possessa do demônio (o que ge­ralmente é falso).

2. É de notar ainda que os demônios reconhecidos pela fé católica não equivalem aos orixás ou às entidades maléficas das religiões afro-bra­sileiras. Estas entidades são tidas como semideuses ou como espíritos desencarnados, ao passo que os anjos maus são meras criaturas… cria­turas que nunca viveram em corpo humano. Não é rara, entre católicos, a confusão entre demônio e pomba-gira ou entidade semelhante.

Edir Macedo e outros pastores da IURD são propensos a tal confu­são porque passaram pelas religiões afro-brasileiras, onde lidaram com as supostas “entidades”; passando para o protestantismo, identificam erroneamente esses Seres “Superiores” com os anjos maus da Bíblia.

6. Conclusão

O fenômeno da Igreja Universal do Reino de Deus põe em relevo alguns pontos importantes:

1) A urgente necessidade de formação doutrinária para os fiéis católicos, a fim de que saibam discernir o certo e o errado em matéria de fé. A pouca instrução religiosa é um fator de anemia espiritual do povo de Deus;

2) o poder da manipulação religiosa. O senso místico está profundamente arraigado em todo homem e, quando provocado, é capaz de realizar façanhas extraordinárias;

3) o abuso dos valores cristãos que está sendo feito por “pre­gadores” do Evangelho, que multiplicam suas “Igrejas” (as quais não são a Igreja de Cristo mencionada em Mt 16,18). Aí pontificam, ganhando muito dinheiro e granjeando cargos eletivos às custas dos votos dos seus seguidores. O Cristianismo tem suas raízesem Jesus Cristo, que fundou uma só Igreja (“a minha Igreja”, Mt 16,18), à qual Ele prometeu assistên­cia indefectível até o fim dos séculos (cf. Mt 28,19s); fora dessa Igreja fun­dada por Cristo, há associações humanas, apoiadas no subjetivismo dos seus fundadores, aptas a iludir a boa fé da gente simples.

Que a história contemporânea se torne alerta e lição para os fiéis católicos, chamados à Evangelização 2.000!