(Revista Pergunte e Responderemos, PR 359/1992)
Em síntese: O artigo seguinte aponta as grandes razões pelas quais o Protestantismo se torna inaceitável ao cristão que reflita um pouco. O subjetivismo ou a falta de parâmetros objetivos, garantidos pelo próprio Espírito Santo (cf. Jo 14, 26: 16, 13s) é o principal ponto fraco ou o calcanhar de Aquiles do Protestantismo: disto se segue a divisão do mesmo em centenas e centenas de denominações diversas, cada qual com suas doutrinas e práticas, às vezes contraditórias ou mesmo hostis entre si. O Protestantismo assim se afasta cada vez mais da Bíblia e das suas raízes (paradoxo!), levado pelo fervor subjetivo de seus “profetas”, que apresentam um curandeirismo barato ou um profetísmo fantasioso ou ainda um retorno ao Antigo Testamento com menosprezo do Novo. – Essa diluição do Protestantismo e a perda dos valores típicos do Cristianismo estão na lógica do principal fundador – Lutero -, que apregoava o livre exame da Bíblia ou a leitura da Bíblia sob as luzes exclusivas da inspiração pessoal de cada crente: cada qual tira do Livro Sagrado o que bem lhe parece ou lhe apraz.
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Os protestantes vêm espalhando folhetos intitulados “Razões por que não sou católico romano”. Argüem os católicos de cometer erros quanto às imagens, o culto da Virgem Santíssima, a Eucaristia, o Papa… São panfletos de índole superficial, inspirados por preconceitos que desfiguram os fatos. Na verdade, porém, muitos fiéis católicos se deixam impressionar por tais escritos e pedem respostas para as objeções que lêem. A fim de atender a esta demanda, redigimos o livro “Diálogo Ecumênico” (Ed. Lumen Christi, C.p. 2666 – 20001 Rio, RJ) e o Curso de Diálogo Ecumênico por Correspondência (C.p. 1362, 20001 Rio, RJ). Contudo a experiência ensina que é oportuno multiplicar os meios de informação para os católicos. Daí a redação das páginas subseqüentes, que recolocam a questão das “razões por que…”. Tentaremos assim pôr em evidência alguns tópicos que poderão servir aos interessados no diálogo ecumênico.
1. Seis Razões…
1.1. Somente a Bíblia…
Os protestantes afirmam que seguem somente a Bíblia como norma de fé.
Acontece, porém, que a Bíblia utilizada pelos protestantes é uma só; em português, vem a ser a tradução de Ferreira de Almeida. Por que então não concordam entre si no tocante a pontos importantes (ver no 1.2 abaixo)? E por que não constituem uma só comunidade cristã, em vez de serem centenas e centenas de denominações separadas (e até hostis) entre si?
– A razão disto é que, além da Bíblia, seguem outra fonte de fé e disciplina… fonte esta que explica as divergências do Protestantismo.
Tal fonte, chamamo-la Tradição oral; é esta que dá vida e atualidade à letra do texto. A Tradição oral do Catolicismo começa com Cristo e os Apóstolos, ao passo que as tradições orais dos protestantes começam com Lutero (1517), Calvino (1541), Knox (1567), Wesley (1739), Joseph Smith (1830)…
Entre Cristo e os Apóstolos, de um lado, e os fundadores humanos das denominações protestantes, do outro lado, não há como hesitar: só se pode optar pelos ensinamentos de Cristo e dos Apóstolos, deixando de lado os “profetas” posteriores.
1.2. Contradições
O fato de que não seguem somente a Bíblia, explica as contradições do Protestantismo:
– algumas denominações batizam crianças; outras não as batizam;
– algumas observam o domingo; outras, o sábado;
– algumas têm “bispos”; outras não os têm;
– algumas têm hierarquia; outras entregam o governo da comunidade à própria congregação (congregacionalistas);
– algumas fazem cálculos precisos para definir a data do fim do mundo – o que para elas é essencial. Outras não se preocupam com isto.
Vê-se assim que a mensagem bíblica é relida e reinterpretada diversamente pelos diversos fundadores dos ramos protestantes, que desta maneira dão origem a tradições diferentes e decisivas.
Ademais todos os protestantes dizem que a Bíblia contém 39 livros do Antigo Testamento, e 27 do Novo Testamento, baseando-se não na Bíblia mesma (que não define o seu catálogo), mas unicamente na Tradição oral dos judeus de Jâmnia reunidos em Sínodo no ano 100 d. C.
– todos os protestantes afirmam que tais livros são inspirados por Deus, baseando-se não na Bíblia (que não o diz), mas unicamente na Tradição oral.
Onde está, pois, a coerência dos protestantes? Pelo seu modo de proceder, afirmam o que negam com os lábios; reconhecem que a Bíblia não basta como fonte de fé. É a Tradição oral que entrega e credencia a Bíblia.
1.3. Afinal a Bíblia…: sim ou não?
Há passagens da Bíblia que os fundadores do Protestantismo no século XVI não aceitaram como tais; por isto são desviadas do seu sentido original muito evidente:
a) a Eucaristia… Jesus disse claramente: “Isto é o meu corpo” (Mt 26, 26) e “Isto é o meu sangue” (Mt 26, 28). Em Jo 6,51 Jesus também afirma:
“O pão que eu darei, é a minha carne para a vida do mundo”.
Aos judeus que zombavam, o Senhor tornou a afirmar:
“Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue é verdadeiramente uma bebida.”
Se assim é, por que é que “os seguidores da Bíblia” não aceitam a real presença de Cristo no pão e no vinho consagrados?
b) Jesus disse ao Apóstolo Pedro: “Tu és Pedro (Kepha) e sobre esta Pedra (Kepha) edificarei a minha Igreja” (Mt 16,18).
Disse mais a Pedro: “Simão, Simão,… eu roguei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça. E tu, voltando-te, confirma teus irmãos” (Lc 22,31 s).
Ainda a Pedro: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,17).
Apesar de tão explícitas palavras de Jesus, os protestantes não reconhecem o primado de Pedro! Por que será?
c) Jesus entregou aos Apóstolos a faculdade de perdoar ou não perdoar os pecados – o que supõe a confissão dos mesmos para que o ministro possa discernir e agir em nome de Jesus:
“Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem não os perdoardes, não serão perdoados”.
Apesar disto, os protestantes não aceitam o sacramento do perdão e da reconciliação!
d) Jesus disse que edificaria a sua Igreja (“a minha Igreja”, Mt 16,18) sobre Pedro. – As denominações protestantes são construídas sobre Lutero, Calvino, Knox, Wesley… Antes desses fundadores, que são dos séculos XVI e seguintes, não existia o Luteranismo, o Calvinismo (presbiterianismo), o Metodismo, o Mormonismo, o Adventismo… Entre Cristo e estas denominações há um hiato… Somente a Igreja Católica remonta até Cristo.
e) O Apóstolo São Paulo, referindo-se ao seu elevado entendimento da mensagem cristã, recomenda a vida una ou indivisa para homens e mulheres:
“Dou um conselho como homem que, pela misericórdia do Senhor, é digno de confiança… O tempo se fez curto. Resta, pois, que aqueles que têm esposa, sejam como se não a tivessem; aqueles que choram, como se não chorassem; aqueles que se regozijam, como se não se regozijassem; aqueles que compram, como se não possuíssem; aqueles que usam deste mundo, como se não usassem plenamente. Pois passa a figura deste mundo.
Eu quisera que estivésseis isentos de preocupações. Quem não tem esposa, cuida das coisas do Senhor e do modo de agradar ao Senhor. Quem tem esposa, cuida das coisas do mundo e do modo de agradar à esposa, e fica dividido. Da mesma forma a mulher não casada e a virgem cuidam das coisas do Senhor, a fim de serem santas de corpo e de espírito. Mas a mulher casada cuida das coisas do mundo; procura como agradar ao marido”.
Ora os protestantes nunca citam tal texto quando se referem ao celibato e à virgindade consagrada a Deus. É estranho, dado que eles querem em tudo seguir a Bíblia.
1.4. Esfacelamento
Jesus prometeu à sua Igreja que estaria com ela até o fim dos tempos (Mt 28,20); prometeu também aos Apóstolos o dom do Espírito Santo para que aprofundassem a mensagem do Evangelho (cf. Jo 14, 26; 16,13s). – Não obstante, os protestantes se afastam da Igreja assim assistida por Cristo e pelo Espírito Santo para fundar novas “Igrejas”. São instituições meramente humanas, que se vão dividindo, subdividindo e esfacelando cada vez mais; empobrecem e pulverizam sempre mais a mensagem do Evangelho, reduzindo-a:
– ora a sistema de curas (curandeirismo), milagres… serviço ao homem (Casa da Bênção, Igreja Socorrista, Ciência Cristã…);
– ora a um retorno ao Antigo Testamento, com empalidecimento do Novo; assim os ramos adventistas…;
– ora a um prelúdio de nova “revelação”, que já não é cristã. Tal é o caso dos Mórmons, que sobrepõem à Bíblia o Livro de Mórmon; tal é o caso das Testemunhas de Jeová, que negam a Divindade de Cristo, a SS. Trindade e toda a concepção cristã da história.
1.5 Deterioração da Bíblia
O fato de só quererem seguir a Bíblia (que na realidade é inseparável da Tradição oral, que a berçou e a acompanha), tem como conseqüência o subjetivismo dos intérpretes protestantes. Alguns entram pelos caminhos do racionalismo e vêm a ser os mais ousados dilapidadores ou roedores das Escrituras (tal é o caso de Bultmann, Marxsen, Harnack, Reimarus, Baur…). Outros preferem adotar cegamente o sentido literal, sem o discernimento dos expressionismos próprios dos antigos semitas – o que distorce, de outro modo, a genuína mensagem bíblica.
Isto acontece, porque faltam ao Protestantismo os critérios da Tradição (“o que sempre, em toda a parte e por todos os fiéis foi professado”), critérios estes que o magistério da Igreja, assistido pelo Espírito Santo, propõe aos fiéis e estudiosos, a fim de que não se desviem do reto entendimento do texto sagrado.
1. 6. Mal-entendidos
Quem lê um folheto protestante dirigido contra as práticas da Igreja Católica (veneração, não adoração, das imagens, da Virgem Santíssima, celibato…), lamenta o baixo nível das argumentações: são imprecisas, vagas, ou mesmo tendenciosas; afirmam gratuitamente sem provar as suas acusações; não raro baseiam-se em premissas falsas, datas fictícias, anacronismos; cf. PR 357/1992, pp. 60-74.
As dificuldades assim levantadas pelos protestantes dissipam-se desde que se estudem com mais precisão a Bíblia e as antigas tradições do Cristianismo. Vê-se então que as expressões da fé e do culto da Igreja Católica não são senão o desabrochamento homogêneo das virtualidades do Evangelho; sob a ação do Espírito Santo, o grão de mostarda trazido por Cristo à terra tornou-se grande árvore, sem perder a sua identidade (cf. Mt 13,31s); vida é desdobramento de potencialidades homogêneo. Seria falso querer fazer disso um argumento contra a autenticidade do Catolicismo. Está claro que houve e pode haver aberrações; estas, porém, não são padrão para se julgar a índole própria do Catolicismo.
2. Conclusão
A grande razão pela qual o Protestantismo se torna inaceitável ao cristão que reflete, é o subjetivismo que o impregna visceralmente. A falta de referenciais objetivos e seguros, garantidos pelo próprio Espírito Santo (cf. Jo 14, 26; 16, 13s), é o principal ponto fraco ou o calcanhar de Aquiles do Protestantismo. Disto se segue a divisão do mesmo em centenas e centenas de denominações diversas, cada qual com suas doutrinas e práticas, às vezes contraditórias ou mesmo hostis entre si.
O Protestantismo assim se afasta cada vez mais da Bíblia e das raízes do Cristianismo (paradoxo!), levado pelo fervor subjetivo dos seus “profetas”, que apresentam um curandeirismo barato (por vezes, caro!) ou um profetismo fantasioso ou ainda um retorno ao Antigo Testamento com menosprezo do Novo.
Esta diluição do Protestantismo e a perda dos valores típicos do Cristianismo estão na lógica do principal fundador – Martinho Lutero -, que apregoava o livre exame da Bíblia ou a leitura da Bíblia sob as luzes exclusivas da inspiração subjetiva de cada crente; cada qual tira das Escrituras “o que bem lhe parece ou lhe apraz”!(Este procedimento exegético chega a tal ponto que há, entre os dissidentes protestantes, aqueles que não querem mais celebrar o seu aniversário natalício. Por quê? – Porque Salomão afirma: “Mais vale visitar a casa em luto do que a casa em festa. Mais vale o dia da morte do que o dia do nascimento” (Ecl 7, ss). Além disto, a Bíblia refere que os dois homens que na história sagrada celebram o seu aniversário são o Faraó do Egito e o rei Herodes Antipas; ambos, porém, cometeram um assassínio no dia da festa: o Faraó mandou enforcar o seu padeiro-mor (cf. Gn 40, 20-22) e o rei Herodes Antipas mandou degolar João Batista (cf. Mc 6,17-29). Será que tais textos devem realmente induzir a rejeitar a celebração do aniversário natalício? Celebrá-lo acarreta homicídio? É proibido pela Bíblia?).
O texto deste artigo foi publicado sob forma de opúsculo (“Por que não sou protestante?”) pela Escola “Mater Ecclesiae”. Pedidos à Caixa Postal 1362, 20001 Rio (RJ).
A mesma Escola publicou também os opúsculos “Por que não sou espírita?” e “Por que não sou ateu?”. Pedidos ao mesmo endereço.