(Revista Pergunte e Responderemos, PR 463/2000)
Em síntese: Por lei sancionada pelo Governador do Estado, o ensino religioso pluriconfessional tornou-se obrigatório nas escolas oficiais do Estado do Rio. Assim põe-se termo final ao ensino aconfessional ou interconfessional, que equivalia, de certo modo, à Educação Moral e Cívica. A lei visa a atender à dimensão religiosa congênita em todo ser humano, deixando liberdade a cada família para aceitar a proposta ou não e, em caso positivo, escolher o Credo em que hão de ser educados seus filhos. Não ministrar ensino religioso equivale a dizer à criança que ela pode entender a si e à vida sem relação com Deus.
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A partir de 14/9/2000 o ensino religioso pluriconfessional é obrigatoriamente ministrado nas escolas oficiais de ensino fundamental do Estado do Rio, ficando a matrícula deixada à livre opção dos genitores ou dos responsáveis da criança até os dezesseis anos de idade.
A nova lei é muito importante a mais de um título. Eis por que, a seguir, vai proposto o texto da lei, ao qual se acrescentarão algumas reflexões.
1. O teor da lei
«LEI Nº 3.459 DE 14 DE SETEMBRO DE 2000
DISPÕE SOBRE ENSINO RELIGIOSO CONFESSIONAL NAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA DE ENSINO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
O Governador do Estado do Rio de Janeiro
Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei.
Art. 1º – O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, e constitui disciplina obrigatória dos horários normais das escolas públicas, na Educação Básica, sendo disponível na forma confessional de acordo com as preferências manifestadas pelos responsáveis ou pelos próprios alunos a partir de 16 anos, inclusive, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa do Rio de Janeiro, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
Parágrafo Único – No ato da matrícula, os pais ou responsáveis pelos alunos deverão expressar, se desejarem, que seus filhos ou tutelados freqüentem as aulas de ensino religioso.
Art. 2º – Só poderão ministrar aulas de Ensino Religioso nas escolas oficiais professores que atendam às seguintes condições:
I – que tenham registro no MEC, e de preferência que pertençam aos quadros do Magistério Público Estadual;
II – que tenham sido credenciados pela autoridade religiosa competente, que deverá exigir do professor formação religiosa obtida em instituição por ela mantida ou reconhecida.
Art. 3º – Fica estabelecido que o conteúdo do ensino religioso é atribuição específica das diversas autoridades religiosas, cabendo ao Estado o dever de apoiá-lo integralmente.
Art. 4º – A carga horária mínima da disciplina de Ensino Religioso será estabelecida pelo Conselho Estadual de Educação, dentro das 800 (oitocentas) horas-aulas anuais.
Art. 5º – Fica autorizado o Poder Executivo a abrir concurso público específico para a disciplina de Ensino Religioso, para suprir a carência de professores de Ensino Religioso para a regência de turmas na educação básica, especial, profissional e na reeducação, nas unidades escolares da Secretaria de Estado de Educação, de Ciência e Tecnologia e de Justiça, e demais órgãos a critério do Poder Executivo Estadual.
Parágrafo Único – A remuneração dos professores concursados obedecerá aos mesmos padrões remuneratórios de pessoal do quadro permanente do Magistério Público Estadual.
Art. 6º – Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 14 de setembro de 2000.
ANTHONY GAROTINHO»
2. Comentando…
Cinco tópicos se propõem à reflexão.
2.1. Opinião pública
Ao lado de pareceres desfavoráveis à nova lei, a imprensa noticiou opiniões muito positivas, como se vê a seguir:
«Pesquisa por amostragem divulgada em maio pelo Núcleo de Pesquisas Sociais Aplicadas, Informação e Políticas Públicas (DataUff), encomendada pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), apontou que 85% dos entrevistados no estado do Rio acham que deve haver ensino religioso nas escolas públicas».
«O rabino Eliezer Stauber, da Sinagoga de Copacabana, considera a lei positiva. ‘Vida sem religião traz uma vida sem conteúdo. Muitos problemas que estamos passando aqui no Brasil são porque estamos nos afastando da religião, seja ela qual for, afirmou. Para o rabino, não faltarão professores. ‘Não falta gente para ensinar; falta para aprender’, disse Stauber».
(Notícias extraídas do JORNAL DO BRASIL, edição de 15/9/00, p. 20).
2.2. O valor da Religião
A Religião re-liga o ser humano ao Transcendental. Todo homem tem em si o senso religioso congênito, pois todos foram feitos para algo mais do que as coisas visíveis. Esse algo mais pode tomar nomes diversos, mas, em última análise, é o Absoluto, o Infinito, o Eterno. Bem dizia S. Agostinho: “Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e inquieto é o nosso coração enquanto não repousa em Ti” (Confissões I, 1). Educar uma criança sem religião implica dizer-lhe que a Religião é secundária ou um hobby, ao passo que Geografia, História, Matemática… são essenciais para formar a personalidade – o que significa desfigurar o ser humano; este nunca encontrará a resposta plena para as suas aspirações congênitas nem nas ciências humanas nem nas ciências ditas “exatas”.
A propósito vem a carta de um leitor publicada no JORNAL DO BRASIL de 20/9/00 p. 8:
«Sabe-se hoje que a diversidade de religiões é quase tão grande quanto o próprio número de alunos. Assim, por mais democrático que pretenda ser o estado, o ministério dessa nova disciplina jamais terá a abrangência necessária. Por que, então, não deixar de lado ritos e razões de fé e simplesmente transmitir aos alunos princípios éticos, de justiça e de respeito ao próximo? Enfim, humanizar os homens de amanhã, já que sabidamente hoje está em curso um processo de animalização bem-sucedido. É evidente que a causa da violência não é o esquecimento de Deus, e sim o afastamento dos reais valores humanos. Finalmente, formarmos homens tementes a Deus que atribuam seus destinos a entidades sobrenaturais é irrelevante. Precisamos, sim, de homens conscientes de que o mundo poderá ser um bom lugar para se viver, dependendo do que eles fizerem ou deixarem de fazer. Antonio José Ferreira Freire – Rio de Janeiro».
Em resposta, convém notar que não há sólida formação ética sem embasamento em Deus ou no Absoluto. Todo sistema de Ética fundamentado apenas nas leis dos homens é relativo e volúvel; recai-se na Ética da Situação, que é a Ética ditada pelas circunstâncias transitórias do momento; então “cada qual na sua”, diria a linguagem popular. A própria lei natural, que o Sr. Antônio José proporia como fundamento da formação dos adolescentes (“não matar, não roubar, não adulterar…”) é a lei de Deus gravada nos corações. O valor absoluto dessa lei só se explica pelo fato de que ela vem do Criador, que imprimiu seu sinete absoluto no íntimo de cada criatura; o “Fabricante” aí colocou a marca da “fábrica”.
2.3. Religião pluriconfessional
Várias escolas têm ministrado um ensino religioso aconfessional, isto é, isento de qualquer confissão religiosa ou de qualquer Credo; as aulas de Religião não dividiriam a turma em parte católica, parte protestante, parte judaica…, mas dar-se-ia a todos o mesmo conteúdo capaz de satisfazer à crença de cada um. Disto tem resultado que a disciplina “Religião” se tem tornado uma sucedânea de Educação Moral e Cívica; pode-se assim criar uma nova Religião pálida e diluída – o que não interessa a ninguém. Já que existem diversas confissões religiosas em nossa população, é mais oportuno que se leve em conta a identidade de cada Credo e se ofereçam aos alunos os artigos do Credo que eles professam num ensino pluriconfessional. O que importa, é não abrir polêmica nem praticar proselitismo; haja respeito mútuo, exigido pelas normas da boa educação.
Dirá alguém: são tantas as confissões religiosas que será impossível atender a cada qual em particular. – Eis a resposta:
2.4. Cadastramento dos Credos religiosos
Para que determinada confissão religiosa tenha o direito de ministrar aulas nas escolas públicas, é necessário que esteja cadastrada na Secretaria de Educação. Este cadastramento dependerá do conceito de Religião: afinal que é que se entende por “Religião”? Será qualquer sistema de “Mística”? Será uma oficina de curas portentosas?… um “Pronto Socorro” diferente?
Na verdade, pode-se dizer que o conceito de Religião implica três elementos essenciais: um Credo, um culto que exprima a dependência do homem frente a Deus, uma conduta moral correspondente.
Um Credo… A Religião, sendo a ligação do homem com Deus, oferece uma cosmo visão ou uma visão global de Deus, do mundo e do homem. A Religião é abrangente; ela projeta um olhar sobre Deus e tudo o que existe, avaliando cada realidade à luz da Divindade.
Um culto sagrado… A dependência do homem frente a Deus se exprime pela oração. Esta é uma atitude espontânea de todo ser humano, que, cedo ou tarde, reconhece a sua fragilidade física e moral. A oração é sempre pessoal e íntima, mas, já que o ser humano é social, ela assume expressões coletivas, que são o culto sagrado; este consta de sinais sensíveis, como são palavras, gestos, cantos, atitudes corporais, vestes, uso de objetos, que tomam o nome de “Rito”; o rito requer um âmbito adequado ou um templo, um santuário…; em muitos casos é dirigido por um ministro do culto.
O culto divino compreende quatro momentos importantes:
1) adoração ou reconhecimento da soberania da Divindade, que por definição é o Ser Absoluto;
2) agradecimento pelos benefícios recebidos, entre os quais os dons naturais ou os frutos da terra;
3) expiação ou pedido de perdão por faltas cometidas;
4) súplica ou impetração decorrente de experiência de fragilidade e carência do ser humano.
Distingue-se a súplica da magia, que é precisamente o contrário; vem a ser a tentativa de manipular a Divindade; depende não do favor de Deus, mas do poder de um homem tido como possuidor de segredos maravilhosos. A magia visa a obter benefícios ou mesmo malefícios (em detrimento do próximo) recorrendo a sons, “oferendas”, “despachos”…
Ética… O contato com a Divindade deve manifestar-se no comportamento do homem religioso frente a Deus, aos homens e a si mesmo. Por conseguinte a Religião que não repercuta no comportamento do homem, dignificando-o e aperfeiçoando-o, é morta ou até hipócrita. Se a Divindade é o Sumo Bem, o autêntico cultor da Divindade não pode viver uma vida alheia ao Bem, mas, ao contrário, deve tender a praticar o bem. A Religião suscita a Ética.
Tais são os elementos constitutivos de qualquer autêntica corrente religiosa.
2.5. Notas complementares
a) As escolas públicas do ensino fundamental estão obrigadas a oferecer aulas de religião. Fica, porém, aos pais ou seus representantes ou aos alunos após dezesseis anos de idade a liberdade para aceitar ou não o ensino da Religião e, caso positivo, optar pelo Credo de sua escolha.
b) As exigências impostas aos professores da rede oficial não atingem os da rede particular. Toca à autoridade religiosa credenciar os professores de seu Credo para lecionarem nos colégios particulares.
A iniciativa do Governo do Estado do Rio merece consideração da parte de outras autoridades civis, pois implica um real serviço à população brasileira.