Religião: fator de prosperidade material?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 438/1998)


Em síntese
: Os dois artigos seguintes analisam a tendência de algumas correntes contemporâneas a apresentar a religião como fator de enriquecimento e solução de problemas temporais. Os respectivos auto­res são protestantes, que, por isto mesmo, gozam de autoridade especi­al, visto que alguns grupos protestantes atraem os crentes com promes­sas gratuitas de milagres e prosperidade.

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A revista protestante ULTIMATO, em seu número de julho 1998, pp. 3 e 4, publicou dois artigos relativos à alegação de que religião traz prosperidade material e solução de problemas temporais. As pondera­ções apresentadas são muito sábias e pertinentes; revestem-se de parti­cular autoridade pelo fato de que, principalmente em ambientes protes­tantes, se apregoa tal concepção de religião. Vão, a seguir, reproduzidas as duas páginas, cujos autores ficaram no anonimato.

O CASAMENTO DA RELIGIÃO COM O CIFRÃO

Cresce cada vez mais o casamento da religião com a prosperida­de. O ter continua atraindo mais que o ser. O fim principal do homem não é glorificar a Deus nem gozá-lo para sempre, como queriam os teólogos da Assembléia de Westminster na metade do século XVII. O fim principal do homem é a segurança financeira, são os bens de consumo, é o con­forto proporcionado pela máquina, é a beleza do corpo, a beleza da rou­pa, a beleza das jóias, a beleza da casa, a beleza do carro. O que se valoriza, é a criatura e não o Criador, a saúde do corpo e não a saúde da alma, o tempo presente e não a eternidade.

A religião está em alta. A explicação dada pela escritora Walnice Nogueira Galvão, professora aposentada de Teoria Literária da USP, é que “o mundo está ficando tão insatisfeito que as pessoas estão se vol­tando para a religião”. Não importa qual a religião. Pode ser o cristianis­mo, pode ser o esoterismo, pode ser a mistura do cristianismo com o esoterismo (aí está Paulo Coelho). Não há pureza doutrinária. Não há necessariamente mudança de caráter, mudança de vida. Em muitos ca­sos a religião não tem provocado renúncia, não tem provocado despren­dimento, não tem provocado humildade.

Parece que algumas mulheres convertidas ao rebanho evangélico continuam sexy, como a cantora Gretchen e a modelo Monique Evans. É o que diz a Folha de São Paulo (12/4/98). Parece que algumas mulheres convertidas à Renovação Carismática Católica continuam fúteis, como a socialite Gisella Amaral, que tem mais de cinqüenta tercinhos para com­binar com a roupa. É o que ela mesma diz. A elite carismática usa colar de pérola e ouro de 1.344 reais, terço de pérola e ouro de 672 reais, medalha de 600 reais e anéis de ouro de 345 reais. Todas as jóias têm a imagem de Nossa Senhora Milagrosa (Veja, 8/4/98).

Boa parte do movimento neopentecostal, tanto protestante como católico, está comprometido com a chamada Teologia da Prosperidade, o oposto da Teologia da Libertação. O casamento da religião com a pros­peridade é sólido, mais consolidado que muitos matrimônios entre ho­mem e mulher. Não há sinais de ruptura à vista. A fé religiosa é conside­rada um trampolim para a obtenção e manutenção da qualidade de vida. Zilda Couto, esposa do dono da construtora Emig, testemunha: ‘Há um ano, muitos dos meus imóveis estavam desalugados. Orei para que a situação melhorasse e foi incrível: dois meses depois, eles estavam to­dos ocupados’. As bênçãos recebidas por meio da oração são quase sempre ligadas à prosperidade. Como, por exemplo, no caso de Cristina Simonsen e Cristina Cabrera, ambas vítimas de ladrões milagrosamente salvas, a primeira de perder um relógio avaliado em 30.000 dólares, e a segunda de perder suas jóias.

O Jesus atual parece proteger a riqueza dos ricos e o Jesus dos velhos tempos mandava ajuntar tesouros no céu, ‘onde os ladrões não arrombam nem furtam’ (Mt 6,19). O Jesus de hoje parece encorajar a riqueza e o Jesus de ontem explicava que ‘mais bem-aventurado é dar do que receber’ (At 20,35). O Jesus deste final de século parece não esvaziar os bens de ninguém e o Jesus do Evangelho encorajava o esva­ziamento das riquezas, em benefício da própria pessoa, em benefício alheio e em benefício do reino de Deus (Lc 18,18-30; 19,1.10).

No casamento da religião com o cifrão há coisas muito esquisitas. Hoje, o perigo é Jesus nos causar um desapontamento, como se pode ver nestas palavras de Ângela Guerra, esposa do ex-ministro Alceni Guer­ra: ‘Não peço as coisas a Jesus para amanhã. É para hoje. Oro e peço que Ele não me desaponte’. Ontem, o perigo era nós desapontarmos a Jesus.

O lado mau desse novo despertar religioso é que os novos crentes não conseguem enxergar o valor das riquezas acumuladas no céu. São como aquele homem muito rico que procurou Jesus e depois desistiu dele (Lc 18,18-23).

RIQUEZA E SABEDORIA

Qual das duas é mais necessária? Qual é a nossa maior necessi­dade? O que pedimos a Deus com mais freqüência?

Parece que está havendo um erro de orientação muito grave, que tem causado não pequeno malefício à Igreja e, ao mesmo tempo, uma afluência enorme de novos crentes. Esse erro de orientação agrada à massa e atrai discípulos. Ele se propaga rapidamente pelo púlpito, pela televisão e pelos livros.

Nunca se orou tanto como hoje em dia. No mundo inteiro. Em to­das as religiões. Tanto nas igrejas históricas como nas igrejas pentecostais e carismáticas, talvez mais nestas que naquelas. Além do seu aspecto devocional, de comunhão com Deus, a oração tem sido anunciada e usa­da como instrumento válido e certo de adquirir, preservar e aumentar tesouros na terra. (Veja O casamento da religião com o cifrão nas pági­nas anteriores).

Por que não oramos também por outros valores, por outras graças, por outras bênçãos, certamente muito mais necessárias e valiosas que as riquezas? Em nossas orações não temos o costume de suplicar a Deus coisas como amor, compaixão, desprendimento, humildade, paci­ência, coragem, entusiasmo, alegria, pureza sexual, direção, poder para testemunhar e assim por diante. Será que esses dons valem menos que as riquezas? Qual desses dois grupos de oração contribui mais para a implantação e expansão do reino de Deus na terra?

A oração é o instrumento adequado para se adquirir sabedoria, uma das nossas maiores carências. É Tiago quem explica: “Se algum de vocês tem falta de sabedoria, peça a Deus, que a todos dá livremente, de boa vontade; e lhe será concedida” (Tg 1,5 NVI). Foi exatamente isso que Salomão rogou a Deus, quando era jovem e tinha acabado de subir ao trono de Israel, em lugar de seu pai Davi (1 Rs 3,3-15). Ele fez o me­lhor uso possível da oração e Deus se agradou muito de sua súplica. Salomão era um homem encantado com a sabedoria e a ela se refere quase uma centena de vezes nos livros de Provérbios e Eclesiastes.

Outro escritor bíblico apaixonado por esse tipo de sabedoria que promana de Deus, é Jó. E é exatamente Jó que faz comparação entre a sabedoria e riqueza. Para ele a sabedoria é muito mais cara que o ouro fino, o ouro de Ofir, muito mais preciosa que o ônix, a safira, o coral, o cristal, as pérolas e o topázio da Etiópia (Jó 28,12-28).

A sabedoria a que se refere a Bíblia não é a sabedoria dos sábios deste mundo. É uma sabedoria sóbria, centralizada em Deus, que ensi­na a viver e a morrer, que tem fortes conotações éticas, que sabe distin­guir com acerto a luz das trevas, que promove um bom relacionamento do ser humano com Deus. O ponto de partida dessa sabedoria dinâmica é o temor do Senhor. Daí o testemunho de Salomão: “Para ser sábio é preciso primeiro temer ao Deus Eterno. Se você conhece o Deus Santo, então tem compreensão das coisas” (Pv 9,10 BLH). Esse mesmo concei­to de sabedoria aparece em Jó (28,28) e nos Salmos (111, 10)”

A fim de ilustrar os dizeres de tão sábios artigos, seguem-se uma poesia e uma estória cheias de significação moral, que também é cristã.

SEJA!

Se você não puder ser um pinheiro no topo de uma colina,

Seja uma arbusto no vale.

Mas seja o melhor arbusto à margem do regato.

Seja um ramo, se não puder ser uma árvore.

Se não puder ser ramo, seja um pouco de relva

e dê alegria a algum caminho.

Se você não puder ser almíscar, seja então apenas uma tília,

mas a tília mais viva do lago!

Não podemos ser todos capitães; temos de ser tripulação.

Há alguma coisa para todos nós aqui.

Há grandes obras e outras menores a realizar,

E é a próxima tarefa que devemos empreender.

Se você não puder ser uma estrada, seja uma senda.

Se não puder ser o sol, seja uma estrela.

Não é pelo tamanho que terá êxito ou fracasso,

Mas seja o melhor do que quer que você seja!

Sem comentários…

Segue-se uma estória.

PENSE NISTO

Logo após a Primeira Guerra Mundial, um jovem piloto inglês ex­perimentava o seu frágil avião monomotor numa arrojada aventura ao redor do mundo.

Pouco depois de levantar vôo de um dos pequenos e improvisados aeródromos na Índia, ouviu um estranho ruído que vinha de trás do seu assento. Percebeu logo que havia um rato a bordo e que poderia, roendo a cobertura da lona, destruir o seu frágil avião. Poderia voltar ao aeropor­to para se livrar de seu incômodo, perigoso e inesperado companheiro de viagem. Lembrou-se, contudo, de que ratos não resistem a grandes alturas. Voando cada vez mais alto, percebeu, pouco a pouco, cessarem os ruídos que quase punham em perigo

sua viagem.

Assim é a vida…

Quando “ratos” ameaçam destruí-lo por inveja… calúnia… ou male­dicências…

Se o agridem… voe mais alto…

Se o ofendem… voe mais alto…

Se o acusam… voe mais alto…

Se o criticam… voe mais alto…

Se lhe fazem injustiças… voe mais alto…

Lembre-se … os “ratos” não resistem às alturas…