Religião: há alguma religião revelada por Deus?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 011/1958)


«Pode-se admitir haja alguma religião revelada por Deus?
E, caso a haja, por que sinais poderia ser reconhecida? Os milagres merecem pouco crédito em nossos dias!»

Procedamos por etapas em nossa resposta.

Antes do mais, verificamos que as questões acima, pelo seu enunciado mesmo, pressupõem a existência de um Deus pessoal, distinto do mundo, tal como o pode provar o racio­cínio filosófico.

Antes de Cristo, já Platão e Aristóteles na Grécia nos forneceram essa prova, que se poderia resumir nos seguintes termos:

O mundo consta de seres essencialmente contingentes e mutáveis.

Ora o contingente e mutável, por definição, não possui o ser por si (o contingente e mutável que se explicasse por si, seria uma contradição), mas tem a razão de sua existência fora de si, num ente que deve ser Absoluto e Imutável.

Donde se segue que, se existe o contingente e mutável (ou temporal), deve existir o Absoluto, Imutável (ou Eterno). E tal é Deus, Deus, que, por conseguinte não se pode identificar com o mundo.

Esse Deus distinto do universo há de ser o Autor ou Criador do mundo, pois, em caso contrário, o mundo seria um Absoluto, e a unicidade de Deus estaria destruída. Ulteriormente, concluir-se-á que há de ser dotado de inteligência (sabedoria) e vontade (amor), pois estas são notas características de uma personalidade criadora.

Pergunta-se agora se esse Deus se revelou explicitamente aos homens, comunicando-lhes alguma forma de Religião. É esta mais ou menos a dúvida dos filósofos chamados «deístas» ou «enciclopedistas do séc. XVIII». Até tal época o fenô­meno religioso, dentro e fora do Cristianismo, foi geralmente associado a uma revelação divina primordial (cada grande sistema religioso da humanidade tem seus livros sagrados, depositários do que os respectivos fiéis julgam ser a Palavra de Deus).

Abaixo proporemos um esboço de resposta ao deísmo, es­tudando: 1) a necessidade moral de uma Revelação; 2) a maneira como esta se nos pode dar a conhecer.

Procurando por fim fazer uma aplicação concreta dos princípios enunciados, focalizaremos o tema do milagre, selo por excelência da Reve­lação Divina.

1. A necessidade de Revelação Divina

1. Um Deus que houvesse criado o homem, mas o tivesse abandonado, sem exercer providência (justiça e bondade) para com ele, seria um Deus carecente das qualidades mais óbvias de qualquer ser moral; seria um verdadeiro absurdo. Profes­sá-lo já equivale a negar a existência de Deus.

Infelizmente não poucas pessoas hoje em dia dizem acreditar em Deus, mas O julgam injusto, desapiedado ou ao menos estranho às aspirações do homem. Essa figura do «Deus amoral ou imoral» é uma contradição; quem a admite, já não crê em Deus.

2. Reconheça-se, por conseguinte, uma verdade profes­sada também fora do Cristianismo: Deus criou o homem para dar-lhe a felicidade ou a plenitude de bens a que este espon­taneamente aspira; e Deus providencia para que a criatura atinja esta meta. Portanto, há ordem e finalidade no curso dos acontecimentos; este mundo e sua história não dependem da cega ação do acaso, mas são governados pelo Criador.

3. Eis, porém, que dificilmente o homem conseguiria a sua meta, que é «aderir a Deus, seu Autor», se Este o deixasse entregue às luzes de sua razão natural apenas.

É o que se depreende de uma consideração retrospectiva da história: mesmo as verdades religiosas naturais, acessíveis por si à razão humana, têm sido erroneamente concebidas pelos povos. Verifica-se que a idéia de Deus, que significa a Perfeição subsistente, é pervertida pelo politeísmo, o fetichismo, a magia. . .; a consciência moral também é deturpada em ritos obscenos e cruéis que, sob aspecto de legalidade, servem às paixões dos seus adeptos.

A rigor, todos os homens seriam capazes, por suas fa­culdades próprias, de conceber a mesma e única noção genuína de Deus, a mesma moral autêntica, as mesmas normas gerais de culto. Na prática, porém, é com lentidão e dificuldade que chegam à clareza em tais assuntos.

Este estado de coisas se explica à luz de dois fatores:

1) As questões concernentes ao último Fim, à origem e ao significado da vida humana na terra não se resolvem pela experiência nem por simples dedução, mas pertencem ao domínio da metafísica.

Ora esta será sempre árdua para o comum dos mortais, pois requer que o pensador goze de certa despreocupação intelectual, de alguma perspicácia de espírito, e que ame a verdade, isento de preconceitos e paixões. Inegavelmente, porém, a maioria dos homens não dispõe de tais dotes ou não vive em circunstâncias tais. Ainda mesmo que uma classe de cidadãos favorecidos conseguisse penetrar devidamente as verdades religiosas, não se poderia esperar (como seria para desejar) que de seus estudos e conhecimentos se beneficiasse todo o gênero humano. É Platão quem observa: «Difícil é encontrar o Autor e Pai de universo: mas dá-lo a conhecer filosòficamente a todos é absolutamente impossível» (Timeu).

2) A Revelação cristã fornece a última explicação do fenômeno: o pecado de Adão, se não afetou diretamente a natureza humana com sua inteligência e sua vontade, ao menos colocou o homem em circunstâncias de vida tais que toda conversão ao Invisível e ao Transcendente se lhe torna árdua: paixões desregradas dentro do indivíduo, tentações múltiplas provenientes de fora, atrativos ilusórios do mundo sensível concorrem para obcecar a inteligência e debilitar a vontade na sua demanda de bens espirituais.

Se tal é a condição do homem no que diz respeito ao conhecimento das verdades naturais concernentes a Deus e à religião, ninguém terá dificuldade em admitir a grande con­veniência de que Deus mesmo ensinasse ao gênero humano noções tão importantes (trata-se do último Fim da criatura!); pode-se mesmo afirmar que a revelação sobrenatural era moralmente necessária (isto é, necessária não por exigência da natureza humana, o que seria necessidade física, mas por motivos derivados da conduta do homem na terra). E, se era moralmente necessária, pode-se também dizer de antemão que muito provavelmente Deus, em sua providência, a quis outor­gar, a fim de assegurar ao homem um reto curso de vida e a sua união definitiva com o Criador.

Uma ulterior observação ainda se concatena com as precedentes: pelo fato de ser provável que Deus se tenha revelado sobrenatural­mente ao homem, incumbe a qualquer indivíduo que tome consciência disto, a obrigação de se certificar da existência ou não de tal revelação. Furtar-se a este dever seria, de um lado, desprezar o bem do próprio sujeito, injuriando a natureza humana, e, de outro lado, ofender o Criador mesmo, Autor da Revelação reconhecida como provável.

Mas como então atender a esse dever de procurar a pos­sível Revelação sobrenatural? Que critérios deverão ser leva­dos em conta?

2. Os sinais da Revelação Divina

Dado que Deus tenha decretado revelar-se à criatura, po­de-se admitir sem dificuldade que haja munido essa revelação de sinais suficientemente claros, para que todos os homens a pudessem distinguir e abraçar com segurança. Esses sinais (também chamados «motivos de credibilidade») serão, em pri­meira linha, realizações extraordinárias verificadas no curso da natureza e só explicáveis pela intervenção da Onipotência Divina; tais realizações extraordinárias, porém, se deverão prender a determinada doutrina como selo de autenticidade aposto à mesma.

Dois são os tipos de sinais que os homens, quer eruditos, quer simples, sempre consideraram como fortes comprovantes de uma intervenção da Divindade no mundo: o milagre e a profecia. A estes critérios se acrescentam, muito razoavel­mente, ainda outros — o que nos permite estabelecer o quadro seguinte:

Sinais da Revelação Divina ou motivos de credibilidade:

externos (objetivos)

o milagre e a profecia

a sublimidade da doutrina e os frutos de vida digna que ela suscita em quem a

professa

internos (subjetivos)

a satisfação das mais espontâneas aspirações religiosas do gênero humano

a paz profunda experimentada pelos discípulos da dita doutrina

Os critérios acima, considerados isoladamente, terão uns mais, outros menos valor apodíctico; principalmente os cri­térios subjetivos, que dependem de experiência pessoal, pode­rão deixar lugar a dúvidas. Acontece, porém, que a satisfação simultânea de todos os critérios da lista constitui prova inelutável. Com efeito, tem-se então o que se chama «o argumento por convergência de probabilidades»; se várias linhas que se poderiam dispersar em direções diversas, na realidade confluem para um só termo, é preciso assinalar uma razão suficiente ou adequada para essa confluência; ora tal razão suficiente não poderá ser senão a existência do termo mesmo para o qual as diversas linhas confluem. No nosso caso:. . . não poderá ser senão a veracidade da doutrina que cada um dos critérios da Revelação atesta do seu modo.

Pois bem; o Cristianismo, e o Cristianismo só, em sua forma tradicional, católica, se beneficia de tal confluência de critérios ou motivos de credibilidade. A existência do Cristianismo, como ele hoje se apresenta ao mundo através de vinte séculos, guardando de geração em geração o contato com Cristo e os Apóstolos, requer uma razão suficiente; e esta só pode ser a presença e a ação de Deus mesmo que se revela pela Igreja Católica.

A demonstração minuciosa desta tese foge ao âmbito da nossa questão; encontra-se sumariamente em «P. R.» 8/1957, qu. 1 e 7/1958, qu. 4. Contudo abaixo empreendê-la-emos de certo modo, considerando em particular o primeiro motivo de credibilidade, que é o milagre.

3. O Milagre

1. Por milagre propriamente dito» entende-se em Teo­logia um fenômeno que

a) ultrapassa o alcance de toda e qualquer força criada e, por conseguinte, é realizado por Deus,

b) realizado a fim de testemunhar a presença e a ação do Todo-Poderoso no mundo.

Ao lado do milagre assim estritamente definido, deve-se reconhecer a existência de fenômenos que, embora se apresen­tem como extraordinários, estão perfeitamente enquadrados dentro dos limites de forças naturais :

são efeitos de faculdades da alma humana ainda não de todo exploradas pela Psicologia: fenômenos paranormais ( = ao lado dos normais). Têm origem em choques psíquicos, estados patológicos, às vezes indiscerníveis ao comum dos es­pectadores, mas cada vez mais explanados pela nova ciência chamada «Parapsicologia»;

podem também ser efeitos de espíritos que, vivendo fora do corpo (anjos bons e maus, almas dos defuntos), possuem capacidade de ação mais ampla que a do homem; têm-se então os chamados «fenômenos preternaturais» (=postos além da natureza humana, não, porém, além de toda e qualquer natu­reza criada; não são fenômenos «sobrenaturais», isto é, pos­tos acima da natureza criada). Os fatos preternaturais nada têm que ver com o milagre propriamente dito ; este é sempre evidente obra de Deus.

A índole de sinal, repitamo-lo, é essencial ao conceito de milagre. Por conseguinte, não entram em consideração, para quem procura se de fato existe uma religião revelada, fenô­menos extraordinários que correspondam exclusivamente à curiosidade, à vaidade ou à fantasia dos homens, mas não levem para Deus e o genuíno culto de Deus no monoteísmo (o panteísmo e o politeísmo são aberrações).

Os artigos de «P. R.» 2/1957, qu. 2 e 6/1958, qu. 1 pro­curam mostrar como, apesar dos progressos da ciência con­temporânea e não obstante a multiplicação dos fenômenos parapsicológicos, ainda se pode em nossos dias dar pleno cré­dito a milagres. A fim de não repetir quanto aí foi dito em estilo especulativo, esforçar-nos-emos abaixo por evidenciar o mesmo resultado, seguindo outra via: à luz de um caso con­creto, verificaremos como certos fatos são tidos, com o con­curso da razão humana, quais autênticos testemunhos de Deus ou quais genuínos milagres.

2. Desde fins do século passado, existe em Lourdes (França) um «Bureau Médical das Constatations», repartição destinada a examinar com a mais moderna aparelhagem técnica curas que os peregrinos dizem obter naquela cidade. A repartição, seus laboratórios e suas pesquisas são franquea­dos a médicos de toda e qualquer ideologia, aos quais se re­conhece o direito de examinar os arquivos, controlar os exames de seus colegas e tomar parte nas discussões que cada caso provoca. Em 1948, por exemplo, foram fazer estágio de con­trole em Lourdes cerca de mil médicos de fora, dos quais trinta e sete eram professores de Faculdades, mais de cem clínicos ou cirurgiões de hospitais e numerosos especialistas.

E como funciona o «Bureau Medical des Constatations»?

Logo que um doente se apresente como curado na cidade, os médicos encarregados do respectivo inquérito ouvem os depoimentos do «miraculado» e de seus acompanhantes e conhecidos, depoimentos que ficam arquivados juntamente com as observações dos médicos examinadores. Convida-se, a se­guir, o paciente a voltar a Lourdes dentro de um ano, levando atestados médicos diversos; deverá então ser submetido a novo exame. Esta segunda instância é suficiente para eliminar vários casos: ou a pessoa não volta ou, caso volte, verifica-se que a cura foi efêmera ou que não há provas suficientes de que o doente, ao chegar a Lourdes, sofria realmente da mo­léstia alegada.

Dado que o segundo exame do «Bureau» nada descubra contra a pretensa cura, o paciente é deferido a outra Comissão de Médicos, internacional, a qual recorre a novos e mais rigo­rosos testes, rejeitando geralmente boa parte dos casos alegados.

Suposto que as duas equipes de médicos não encontrem razão para eliminar tal ou tal caso, não declaram tratar-se de milagre, mas apenas de fenômeno inexplicável pelos atuais conhecimentos da medicina.

A título de ilustração, eis aqui as cinco condições estipuladas pelos examinadores para que possam fazer tal declaração:

1) tenha havido moléstia grave, acompanhada de alterações anatômicas (modificações de tecidos, perda ou superprodução destes), moléstia diagnosticada e comprovada segundo os mais recentes métodos de pesquisas, com previsão de evolução sinistra ao menos no órgão ou nos tecidos afetados (não se levam em conta, por conse­guinte, doenças meramente nervosas);

2) ineficácia de todo método terapêutico ou ao menos de todos os recursos medicinais aplicados ao paciente;

3) haja extinção de toda lesão orgânica em prazo tão curto que se possa falar de cura instantânea (instantânea em sentido absoluto ou, ao menos, em sentido relativo);

4) não se verifique a demora natural necessária para a recupe­ração gradativa das funções orgânicas perdidas (o paciente deverá imediatamente poder andar, comer e digerir com toda a normali­dade …). nem a demora exigida para a absorção de edemas, derra­mamentos de pleura, para a destruição de massas de tumores, etc. Esta condição, porém, não exclui que o estado geral de saúde do enfermo faça rápidos progressos mediante aumento de peso, de forças, etc;

5) seja a cura duradoura, isto é, definitiva, capaz de ser com­provada por exames sucessivos feitos a notáveis intervalos de tempo.

A declaração das comissões médicas levada ao conheci­mento das autoridades eclesiásticas não basta para que estas apregoem «milagre». À autoridade da Igreja é necessário examinar ainda a segunda nota característica do milagre, isto é, se o fenômeno tem índole autenticamente religiosa, índole pela qual o milagre propriamente dito se distingue de qualquer manifestação diabólica ou simplesmente parapsicológica. Por isto, em ulterior instância, o paciente munido dos atestados médicos é entregue a uma comissão de teólogos e juristas eclesiásticos, que indagam, segundo os critérios estabelecidos pelo Papa Bento XIV (1740-58),

1) se a cura foi perfeita e definitiva,

2) se, nas circunstâncias e nos efeitos do fenômeno ve­rificado, nada se depreende de frívolo, ridículo, desonesto, torpe, violento, ímpio, soberbo, fraudulento ou impugnável a qualquer título moral que seja,

3) se, ao contrário, tudo no fenômeno é decente, sério. convidativo à piedade, à religião e à santidade (requer-se ex­plicitamente que o fenômeno se haja verificado em resposta a atos de fé e de virtudes, como sejam a oração, uma peregri­nação, a aplicação não-supersticiosa de uma relíquia, etc).

Caso a estas três questões se possa dar resposta afirma­tiva, então a comissão de eclesiásticos declara que, com cer­teza moral (isto é, com o grau de certeza que a prudência humana pode obter), o fenômeno previamente tido pelos médicos como estranho a qualquer explicação científica pode ser considerado como milagre estritamente dito (note-se que uma sentença dessas nunca é imposta qual matéria de fé; fica a todo católico a liberdade de aceitá-la ou não).

Ainda que os casos hoje considerados milagrosos possam um dia vir a ser explicados por agentes naturais, o simples fato de que se produzam em nossos dias de maneira inexplicável e como resposta a atos de fé, leva a concluir o seguinte: tal fenômeno, que talvez pudesse ter sido causado por agentes naturais, foi realmente suscitado por Deus a fim de atestar a existência do Criador ou alguma verdade revelada por Este; em suma, a fim de ser sinal de Deus.

Entende-se que a maioria dos casos estudados não resista aos sucessivos exames das três comissões, não por serem frau­dulentos, mas por serem suscetíveis de elucidação meramente natural. Assim é que dos milhares de «curas» anunciadas em Lourdes desde o começo das aparições (1858) somente 54 são hoje reconhecidas tanto pelas autoridades médicas como pelas eclesiásticas (talvez se pudessem registrar mais casos genuínos nesse período, se as averiguações e estatísticas tivessem sido mais regulares e se a comissão canônica não tivesse funcio­nado apenas durante vinte e dois anos).

Em 1946, por exemplo, foram registrados 14 casos de «curas»; destes, 7 apenas se submeteram a novo exame após um ano e finalmente 3 foram considerados como autênticos. Em 1947, dos 35 casos registrados, 14 foram reexaminados um ano mais tarde e 6 apenas obtiveram pleno reconhecimento médico.

Estas notícias dão-nos a ver, entre outras coisas, como a Igreja está pronta a levar em conta qualquer objeção que por parte da ciência se possa fazer contra o milagre. Longe de pretender nutrir uma mentalidade fanática ou falsamente mís­tica, ela só apela para este, quando não há outra explicação para determinado fato. «O uso da razão precede a fé», decla­rou oportunamente Pio IX, em 1855 (cf. Denzinger, Enchiridion 1651).

À guisa de complemento, visando facilitar ao leitor um juízo objetivo sobre o assunto, apresentamos aqui um dos portentos mais recentes e famosos obtidos fora do Catolicismo, portento este que a opinião pública na Inglaterra e no estrangeiro chegou a qualificar de «milagre» do «Messias» indonésio Mohammed Pak Subuh (relato encontrado na revista «Paris Match» n° 453, 14/XTI/1957. págs. 18-27).

Em junho de 1957 a artista de cinema Eva Bartok jazia num leito de clínica em Hollywood, aguardando ser operada de tumor canceroso dentro de poucas horas. Repentinamente, porém, à meia-noite acordou sobressaltada com uma voz que lhe mandava seguir viagem imediatamente para Çoombs Spring (Inglaterra), onde vivia uma colônia de ascetas budistas, recrutados na alta sociedade inglesa, sob a orientação de Mohammed Pak Subuh e John Bennett. Este último era um inglês que em viagem pelo Oriente fora iniciado no ocultismo e no misticismo da Arábia e da Índia e que Eva Bartok já conhecia havia muitos anos. Em Coombs Spring, dizia a voz, Eva recuperaria a saúde.

Em desespero de causa, a artista rendeu-se a esta intimação. Tomou logo o avião e em breve viu-se no antigo palácio de Coombs Spring, onde John Bennett muito amigavelmente a recebeu; fê-la repousar e introduziu nos seus aposentos o famoso «Saddhu» (= santo) indo­nésio, que só em casos raros saia de sua cela e de seu isolamento meditativo. Pak Subuh curaria Eva, assegurava Bennett.

Refere então a reportagem que no primeiro encontro o indonésio, de olhos negros cheios de calor e ternura, de tez sombria, estatura pequena, seca e impressionante, se aproximou do divã vermelho onde jazia a artista. Estava acompanhado por uma mulher revestida de seda, denominada Itu (=a Mãe), esposa e discípula do Mestre. Os dois visitantes diante da doente juntaram as mãos ante a face à maneira indu, e assim permaneceram imóveis durante horas. Eva, que já não dormia havia meses, acabou por cair no sono e só despertou após a saída dos dois orientais, maravilhosamente repou­sada…

Durante meses a fio o casal voltou diariamente à presença da enferma, retomando sempre aspecto e atitude impressionantes. Não lhe diziam palavra, pois só sabiam o idioma indonésio; apenas se comunicavam pelo olhar, o que contribuía para maior imponência da cena. Pouco a pouco Eva «sentia que lhe infundiam a sua força». Conseguiu levantar-se; foi recuperando o vigor corporal, até que finalmente se deu por completamente curada: «Tenho a impressão de que tudo que vivi até a minha cura não era senão um mau sonho. Despertei-me e minha vida começa», pôde ela dizer, como que reproduzindo as palavras de Buda após a sua «iluminação»: «Nasci para a vida verdadeira! Minha vida começa!». Eva, em conseqüência, anexou-se à comunidade de Coombs Spring, levando a vida severa dos demais ascetas da casa.

O episódio é impressionante, pois parece comprovar as práticas e a doutrina do budismo ou do induísmo em geral. Como apreciá-lo?

Num exame sereno, destituído de tese preconcebida, verificam-se em toda a história dessa cura evidentes sintomas de telepatia, trans­missão de pensamento, hipnotismo, sugestão, isto é, de elementos que não ultrapassam as faculdades psicológicas e parapsicológicas da natureza humana e que nos dispensam de apelar para extraor­dinária intervenção de Deus. Tenha-se em vista, por exemplo, a morosidade com que a cura foi sendo obtida; houve visitas sucessivas decorridas em silêncio impressionante, sendo que os visitantes tomavam fisionomia e posições características, ao passo que a visitada logo no primeiro encontro caiu em profundo e benéfico sono. Esta trama se assemelha demais à dos fenômenos parapsicológicos, perdendo assim o direito de ser interpretada diferentemente destes. Se, por conseguinte, a fenomenologia acima descrita é suscetível de explica­ção natural, já não seria científico tomar o caso de Eva Bartok como autêntico milagre ou como sinal diretamente produzido por Deus para atestar a santidade de alguma doutrina ou de alguma pessoa.

Contudo não se nega possa haver verdadeiros milagres fora da Igreja Católica; quando, porém, se verificam, concorrem para levar ao único Deus. Cf. «P. R.» 6/1958, qu. 1.