(Revista Pergunte e Responderemos, PR 076/1964)
«Praticar a Religião? Tenho minhas objeções:
a) Creio… Rezo em meu íntimo. Deus me vê. Basta!
b) Pratico a meu modo. Não é preciso que me ensinem!
c) Fé em dogmas rebaixa a dignidade humana!
d) Não tenho tempo para rezar!
Quem me garante que não tenho razão?»
Nas páginas que se seguem, procuraremos elucidar as quatro dificuldades acima com simplicidade, recorrendo, entre outras coisas, a certas analogias aptas para ilustrar o verdadeiro sentido da prática religiosa.
1) «Tenho minha Religião. Creio em Deus e rezo no meu íntimo. Deus me vê… Tudo mais é invenção dos homens!»
A esta declaração pode-se responder em nome da psicologia humana e em nome da experiência da vida. Vejamos sumariamente o que então se dirá.
a) Fala a psicologia… A psicologia ensina que o homem é um ser composto de espírito e matéria ou de alma e corpo. Por conseguinte, tudo que é humano, traz necessariamente o cunho do corpóreo. O homem que queira esquecer esta realidade, dando-se ao chamado «angelismo», desvirtua-se, em vez de se enobrecer.
Haja vista a ciência do homem. É um valor intelectual, espiritual; valor, porém, que a pessoa só adquire mediante sinais sensíveis (letras, números, livros, gráficos, etc.) e que só utiliza mediante tais recursos.
Outro valor humano seriam os bons costumes, a polidez e, em geral, as virtudes … Note-se, porém, que a criança só entra na posse desse patrimônio devagar, à custa de representações bem concretas, como são a perspectiva de um castigo sensível ou a de uma recompensa palpável.
Em suma: o invisível não atrai o ser humano nem lhe é acessível senão mediante o visível.
Uma vez adquiridos, esses valores no homem se nutrem constantemente de sinais sensíveis; ao mesmo tempo tendem espontaneamente a se exprimir por tais sinais.
Sim. Leve-se em conta o seguinte fenômeno:
A expressão latina «senior meus» quer dizer, ao pé da letra, «meu mais velho» ou também «meu ancião». Na linguagem brasileira cotidiana, pode ser traduzida por «meu velho» ou também por «meu senhor».
Ora estas duas maneiras de traduzir, embora manifestem a mesma idéia fundamental, suscitam, nos homens, afetos ou atitudes interiores diferentes pelo simples fato e empregarem palavras ou sons exteriores diferentes. Com efeito; quem diz «meu velho», exprime e alimenta uma atitude de familiaridade e intimidade; é este o tratamento de amigo a amigo ou de colega a colega. «Meu senhor», ao contrário, manifesta e nutre atitude de respeito e obséquio; é o tratamento de subalterno a chefe. Embora o conceito de base seja o mesmo em ambos os casos («meu ancião»), cada uma das suas formulações sensíveis acarreta uma disposição de espírito diferente. Quem interpelasse um ancião-chefe por «Meu velho», ofendê-lo-ia; doutro lado, quem desse a um ancião-colega o título de «Meu senhor», prejudicaria a amizade ou o «coleguismo» natural.
Mais ainda: Quem sente dor, tende naturalmente a gritar. Quem experimenta raiva ou furor, espontaneamente gesticula. Gritando ou gesticulando, o homem se «desabafa». Por sua vez, o clamor e os gestos repercutem na alma; ajudam-na a refletir sobre a sua atitude e, conseqüentemente, a disciplinar o seu comportamento.
Tais exemplos bem mostram como o corpóreo (sensível) e o espiritual (invisível) se condicionam mutuamente no homem.
Verifica-se mesmo que os valores interiores tendem a se «evaporar» ou extinguir, caso não sejam afirmados por sinais sensíveis; o indivíduo poderá chegar ao ponto de julgar que possui tal ou tal predicado, mas ilusoriamente…; já o terá perdido por falta de expressão concreta ou de atuação.
É o que se dá, por exemplo, com a arte de tocar piano: se não é exercitada regularmente, definha e acaba perecendo. É o que se dá também com o conhecimento de uma língua estrangeira: se não é aplicado em leituras ou colóquios, esvanece-se.
Ora o mesmo se verifica com o senso religioso. O homem não o pode reduzir a uma atitude meramente abstrata, nem pode cultivar a Religião como cultiva a metafísica. Uma religião meramente abstrata se tornaria puro palavreado elegante, de que o indivíduo usaria para servir a seus caprichos sob o pretexto de servir a Deus. Seria algo de muito cômodo, pois permitiria que o indivíduo fosse o seu próprio legislador religioso, isento de dar contas a qualquer autoridade objetiva. Isto, aliás, não pode deixar de seduzir o orgulho humano. Daí a moda…
b) Fala a experiência… Ninguém ata verdadeira amizade com outra pessoa em virtude de um silogismo ou de um raciocínio meramente especulativo. Da mesma forma, ninguém escolhe a sua esposa ou opta pela sua carreira na vida por causa de uma «demonstração peremptória». Há certos valores que o homem tem de abraçar por outra via que não a da pura especulação, mas em virtude de afinidade ou conhecimento experimental. Entre esses valores, está Deus: Deus é um Ser vivo, é o primeiro Amigo, é o Pai, não uma fórmula retórica ou uma definição filosófica. Disto se segue que, para conhecer deveras esse Ser, é preciso fazer uma experiência de vida ou praticar a Religião. O exercício da Religião aguça o olho da fé, caso este se ache embotado; corrobora a crença.
Na verdade, Deus ultrapassa todo o entendimento humano, de modo que não é somente pelo estudo que o homem O vai conhecendo, mas é principalmente pelo devotamento total ao Senhor na prática da Religião.
Dizia muito bem Pascal: «Podes crer. Quando fizeres os gestos que a Religião pede de ti, encontrarás a Fé».
O pensador francês distinguia nesta frase entre «crer» e «encontrar a Fé». «Crer» seria aceitar fielmente as verdades do credo; «encontrar a Fé» seria experimentar o sabor, o deleite que o convívio com o mais rico dos seres não pode deixar de proporcionar a todo fiel.
Por conseguinte, quem afirma que tem Religião, mas não a pratica, corre o perigo de se iludir; cedo ou tarde talvez verifique que não tem Religião. Será sempre assaz alheio ou estranho perante Deus. É preciso «assumir o risco» de praticar, para «ficar sabendo» o que há na Religião; requer-se, pois, um pouco de coragem ou um arranco semelhante ao de um salto no escuro, para que a pessoa comece a entender realmente a grandeza da Religião.
Tenha-se em vista mais a seguinte analogia: Um nadador deseja aprender a arte de mergulhar. Sobe, portanto, ao trampolim da piscina… Lá, porém, põe-se a considerar as circunstâncias, os riscos e perigos do salto… e acaba não pulando; falta-lhe a coragem. Acontece-lhe isto todas as vezes que tenta pular. Um belo dia, sobrevém por trás um amigo, que o empurra para dentro da água. Que aventura! Talvez o primeiro contato do nadador inexperiente com as profundezas da piscina tenha sido desagradável. A experiência, porem, torna-se salutar; dissipa o medo. O jovem empurrado em breve passa a disputar torneios de mergulho com os companheiros, e empurra outros para dentro da água…
Fenômeno paralelo se verifica em Religião. Enquanto alguém não a pratica, mal sabe o que ela é, ilude-se a seu respeito. Tenha um dia a coragem de se lançar, ou de se deixar lançar na prática da Religião; e verá que não terá dado passo em falso! Ao contrário…: a experiência lhe desvendará horizontes que essa pessoa nunca teria suspeitado.
Contudo talvez replique um interlocutor:
2) «Pratico a Religião. Mas pratico-a a meu modo. Não vejo a necessidade de pertencer a um grupo religioso determinado, obedecendo a normas… »
Em resposta, observe-se o seguinte:
O homem é um ser eminentemente social, como já notava Aristóteles. Nasce, forma-se e consuma-se no convívio com os demais homens.
Esta tese sofreu forte contradição por parte do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau
(† 1778), para quem a sociedade é fator de perversão da personalidade humana. – Embora as idéias de Rousseau estejam superadas como tais, contribuíram fortemente para suscitar a mentalidade individualista do homem moderno.
Tenha-se em vista quanto um indivíduo é dependente de outros para a aquisição da ciência e da cultura. Entregue a si mesmo, o indivíduo definharia em todos os setores da sua personalidade.
Esta verdade, que já os antigos filósofos inculcavam, é comprovada por interessante fenômeno da vida moderna. O indivíduo contemporâneo tende mais e mais a afirmar sua Liberdade: liberdade de cultura, de filosofia de religião, de viajar, de amar…. de contrair matrimônio, de se divorciar; os filhos se emancipam, quanto antes dos pais; nem a família nem a sociedade religiosa retém o homem moderno nessa sua sede de autonomia. Contudo acontece quase por ironia, que em nenhuma época como em nossos dias o cidadão sofreu tão constrangedora ação por parte da sociedade civil. Sim; em lugar da família e da Igreja, é o Estado que absorve o homem moderno: sem mencionar o que se dá nas nações totalitárias, lembraremos que o Estado de fato polariza mediante o serviço militar, os impostos, o fisco, os inquéritos policiais ao atravessar uma rua, o indivíduo não pode pisar onde queira, mas tem que entrar na faixa sob pena de censura policial; existe «mão» e «contra-mão», é preciso conservar a direita… E pode-se dizer, usando de linguagem figurada: há mão e contra-mão (artifícios que avassalam) em todos os setores da vida social. Estas medidas são apresentadas como exigências do bem comum. Ninguém negará o que elas tem de sábio e oportuno. Contudo interessa registrar o fato, pois ele evidencia como por mais que o homem queira seguir seu individualismo ele se vê envolvido numa rede de deveres e obrigações para com os seus semelhantes na sociedade.
Ora a solidariedade dos homens entre si estende-se também ao setor religioso. A Religião é valor não menos precioso do que os demais valores. Por conseguinte, tem que ser vivida ou praticada em sociedade. É a esta conclusão que se chega pela consideração da natureza humana como tal.
A história só faz comprovar tal sentença. Houve e há numerosas sociedades religiosas (ou numerosas «religiões»). Cada qual exprime do seu modo o senso religioso inato da natureza humana. Não concordam, porém entre si na maneira de conceber o Senhor Deus e o caminho que para Ele leva.
Desses diversos credos religiosos está claro que apenas um pode ser verídico, pois a verdade é uma, e não contraditória. Disto se segue, para todo homem, a obrigação de indagar na medida do possível, qual a Religião verdadeira. Não lhe será licito deixar suspensa esta questão. pois possui importância capital; é a luz do seu encontro com Deus ou da Religião que o homem deve orientar sua passagem pela terra, dando o justo valor aos bens que o cercam.
Há pessoas simples que, em absoluto, não duvidam da veracidade da Religião em que foram educadas; é claro que, neste caso, não tem obrigação de indagar…; salvam-se desde que sejam fiéis à sua consciência, consciência que, em última análise, é a voz de Deus no homem.
Quem, porém, concebe dúvidas ou percebe o problema religioso é obrigado a averiguar…, e obrigado não somente em nome de Deus, mas também em nome da sua própria dignidade de criatura intelectual (ficar voluntariamente na incerteza perante assunto de tão graves conseqüências equivale a menosprezar a vida neste mundo).
Desde que chegue a alguma conclusão sobre a verdadeira Religião, toca naturalmente ao homem o dever de lhe prestar adesão interior e exterior. Agregar-se-á a essa sociedade religiosa e daí por diante seguirá as normas que regem a vida de tal família espiritual, isto é, procurará praticar a Religião comunitariamente.
Não há dúvida, para tomar esta atitude, requer-se fé e humildade. Será preciso que o fiel veja na comunidade religiosa à qual pertence, algo de sobrenatural ou uma entidade em que Deus está presente, agindo e falando pelos homens. Sem esta consideração sobrenatural, será mais ou menos inútil aderir a uma Igreja ou a uma Religião determinada; o indivíduo cedo ou tarde se emancipará da comunidade e virá a ser, em última análise, o seu próprio legislador religioso ou o autor da «sua» religião; caminhará sozinho à procura de Deus, sujeitando-se às aberrações da fantasia…
Eis, porém, que estas conclusões mesmas sugerem uma terceira dificuldade:
3) «Religião exige fé; tem seus dogmas, que não é lícito discutir. Isto parece ser injúria feita à razão e à dignidade do homem».
Já em «P. R.» 8/1958, qu. 2 consideramos o «porque» dos dogmas e mistérios professados em nome da Religião. Aqui contentar-nos-emos com um resumo da explanação proposta.
A existência de dogmas, longe de ser um desafio à inteligência, vem a ser uma conclusão a que chega o homem mediante raciocínio sereno. Sim; usando devidamente da sua
inteligência, o estudioso não pode deixar de reconhecer que ele (homem) não explica tudo[1]; há realidades que dependem de uma inteligência mais perfeita do que a do homem ou de uma inteligência infinitamente perfeita (capaz de explicar todo e qualquer ser). A essa inteligência dá-se o nome de Deus.
Donde, se vê que a Religião, pelo fato mesmo de procurar estabelecer o contato do homem com Deus, não pode deixar de apresentar verdades que ultrapassam (mas não contradizem) os limites da razão humana e que, por conseguinte, tem de ser aceitas na fé; são verdades que Deus vê com toda a lucidez, mas que o homem não consegue ver em si mesmas ou como tais por causa dos limites de sua capacidade intelectual.
Refletindo melhor, o estudioso chega mesmo a verificar Justamente a existência de dogmas deve constituir uma das características da autêntica Religião. A Religião cujas proposições fossem todas evidentes ao homem, não mereceria aceitação, pois sempre se poderia recear: «Foram as criaturas que a inventaram!» Os dogmas, pois, são necessários na Religião.
Mas então, perguntará o leitor, à inteligência não toca função alguma no setor da fé?
-Como não? Toca-lhe investigar se os dogmas propostos se derivam de fonte limpa. Caso possa comprovar a autenticidade das fontes (e ela o pode realmente), a única atitude inteligente que lhe resta, é a de dizer: «Sim! Creio!»
Deve-se acrescentar: são os invisíveis mistérios da fé que tornam visível ou compreensível a realidade deste mundo.
Sim. Imaginemos o caso de alguém que contempla uma paisagem em dia sombrio. Ele a contempla, sem dúvida, por causa do sol que a ilumina, embora esteja encoberto. Acontece que naquele dia o observador não pode fitar o sol; nem por isto, porém, deixará de afirmar a existência do astro-rei. Não fora o sol, o observador não veria coisa alguma.
Mais ainda: em linguagem infantil, digamos que, em meio a uma floresta úmida, entrecortada de córregos de água, cresce frondosa árvore. Considerando a massa de águas do oceano longínquo, essa árvore poderia indagar: «Para que serve tão vasta concentração de líquido em lugar onde não cresce vegetação?» Julgaria inútil a massa de águas do oceano. – Tal atitude, na verdade, só revelaria tolice; a árvore ignoraria então que sem o oceano não haveria chuvas, e sem chuvas não haveria córregos, esses córregos que lhe umedecem as raízes! … Por conseguinte, sem o oceano distante não haveria árvore na densa floresta.
Paralelamente diremos: sem as verdades transcendentes ou misteriosas de Deus, que a Religião professa, nem se compreenderiam as verdades ou as realidades deste mundo.
Passemos a uma última dificuldade:
4) «Praticar a Religião? Não tenho tempo. É coisa boa para quem tem vida folgada».
Para responder a esta objeção, não é preciso que nos detenhamos em considerações abstratas.
A experiência ensina que a motivação «Não tenho tempo!» é, em muitos casos, mero pretexto, servindo para dar rótulo de honestidade a omissões covardes e culposas. Muitas vezes se verifica que quem «não tem tempo» costuma arranjar tempo para fazer o que lhe agrada, ao passo que jamais o encontra para fazer outras coisas. Acontece mesmo com freqüência que as pessoas mais atarefadas são as mais disponíveis e prestativas.
Estas observações podem ser comprovadas por significativas estatísticas.
Na França, há anos atrás, realizou-se um inquérito sobre o modo como o cidadão francês de nível médio emprega o seu tempo no decorrer de um ano. Os resultados, embora suponham diretamente a realidade francesa, parecem não destoar muito do que se dá no Brasil. Eis os dados obtidos:
Em doze meses, o cidadão vive aproximadamente 8.700 horas.
Destas,
2.900 horas, ele as passa dormindo;
930 horas, comendo;
620 horas, vestindo-se ou cuidando de seu asseio;
310 horas, conversando ou discutindo;
260 horas, no gozo de algum divertimento ou em passeio;
3.650 horas, no trabalho;
25 horas apenas, ele as dedica à Religião!
(Estes dados foram colhidos no opúsculo «A Religião… para que serve isso?»
do P. Thivollier. Lisboa 1956, pág. 90).
À vista de tais números (cujo significado, naturalmente, não se deve exagerar), talvez aflore espontaneamente ao espírito do leitor a observação: «Não será ridículo dizer-se que não há tempo para praticar a Religião?»
Verdade é que o ritmo da vida moderna absorve imperiosamente o tempo do cidadão; condições materiais, dificuldades de transporte, debilidade de saúde podem, para muitas pessoas, constituir estorvos à prática da Religião.
Contudo não seria lícito esquecer que a civilização do séc. XX, assim como é dita «a civilização do trabalho», tem sido também chamada «a civilização dos lazeres». Não sem fundamento, pois o número de horas de trabalho semanal é limitado por lei; o repouso hebdomadário e as férias anuais remuneradas são garantidos por estatutos. Os progressos do automatismo permitem prever ainda maior economia do trabalho humano (a máquina faz e fará o que o braço fazia outrora); prognosticam-se, por conseguinte, ainda mais amplos lazeres para o trabalhador, a ponto de perguntarem alguns estudiosos: «Como utilizará o homem as suas novas horas vagas? Não seria preciso educar o trabalhador contemporâneo para que usufrua, com sabedoria e vantagem, dos seus lazeres, em vez de se deixar cair em desgraça e ruína por ocasião dos mesmos? O homem de ontem era escravo do trabalho; o homem de amanhã será escravo dos lazeres?»
Não há dúvida, numerosos trabalhadores utilizam seu ócio oficial para atender a um segundo ou terceiro «ganha-pão»; labutam até mesmo nas horas de repouso legal. Mas também há muitas e muitas pessoas que reservam os seus lazeres (todos ou em parte) para si. Seria necessário lembrar-lhes que a primeira tarefa que então lhes cabe, é a de cultivar explicitamente as suas relações com Deus, praticando devidamente a Religião. A alegada falta de tempo é, em muitos casos, assaz relativa; tornou-se quase «slogan» ou «tabu» na vida cotidiana. Em verdade, há tempo…; há tempo para praticar a Religião desde que a pessoa esteja convicta de que Deus é «um valor».
De modo especial, os católicos se lembrarão de como a Igreja lhes vem ao encontro, facilitando a celebração da S. Missa em horário vespertino e mitigando as leis referentes à freqüentação dos sacramentos. Também não esqueçam que o dia de repouso semanal foi instituído pelo próprio Deus (cf. Ex 20,10s); é o tempo que o Senhor quis marcar especialmente com a sua presença, tempo portanto que deve «render» para Deus, de acordo com as possibilidades de cada um dos fiéis.
À guisa de ilustração, segue-se ainda uma estatística. Representa os diversos modos como os cidadãos franceses contemporâneos utilizam os seus lazeres:
Cinema: 400.000.000 de espectadores por ano;
64% dos franceses vão ao cinema ao menos 25 vezes por ano;
cada francês vai ao cinema ao menos 10 vezes por ano.
Rádio: 10.000.000 de aparelhos receptores.
Esporte: 8.000.000 de jovens entre os 15 e 20 anos de idade praticam o esporte (no Brasil,
crê-se que a proporção ainda seria mais avultada).
Fotografia: 6.000.000 de aparelhos fotográficos na França (um de dois em dois lares). Em
três anos, venderam-se mais de um milhão de máquinas fotográficas.
Pesca: 4.000.000 de pescadores (amadores) a anzol.
Caça: 1.700.000 de caçadores.
Televisão: 1.326.000 de aparelhos receptores.
Férias no estrangeiro: 1.250.000 de franceses vão fora do país;
dentre eles, 9% são operários.
Discos: mais de 1.000.000 de toca-discos foram vendidos na França em três anos.
Teatro: mais de 10.000 equipes de artistas amadores.
Jardinagem: 50% do tempo total de lazer são aplicados ao semi-lazer de cuidar do jardim, da horta, do pomar…
Como não haveria lugar para ocupar-se com Religião fora das horas de trabalho, quando tantas outras atividades são então exercidas ?
Conclusão
Eis algumas considerações que se poderiam fazer em torno das habituais objeções hoje em dia formuladas contra a prática da Religião.
Concluindo, não deixaremos de notar que as reflexões e os debates certamente muito podem contribuir para dissipar os obstáculos à fé; contudo há um elemento ainda mais importante para gerar luz na mente de quem duvida: é a oração.
Orem os que tem fé, pelos que não tem fé!
Mas também orem os incrédulos e os hesitantes!
– E como poderão estes orar?
– Orem condicionalmente: «Se Deus existe, de-me luz, faça-me compreender o que Ele e!» – O incrédulo pode exclamar isto sem contradizer à sua posição.
«Fala a Deus todos os dias, ainda que seja apenas para Lhe dizer que não estás certo de crer n’Ele ou que Ele é molesto e oneroso para ti» (Sertillanges, Catéchisme des incroyants II. Paris 1930, 272).
Quem pratica essa forma de oração, certamente não será frustrado. Segundo Pascal, Cristo assim fala ao homem que O procura sinceramente:
«C’est mon affaire que ta conversion; ne crains point, et prie avec confiante.
A tua conversão é interesse meu. Não receies, mas ora com confiança».
Dado que alguém chegue a crer em Deus e veja a necessidade de praticar a Religião, talvez conceba nova dúvida: será que a crença em Deus implica também crença em Cristo e na Igreja Católica ?
A esta ulterior questão já dedicamos a nossa atenção em «P. R.» 7/1958, qu. 4; 14/1959, qu. 2; 39/1961, qu. 2.
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NOTA:
[1] Observava o famoso cientista francês Pierre Loti:
«A verdadeira ciência já não tem a pretensão de explicar que ela tinha ontem. Cada vez que um pobre cérebro humano da vanguarda descobre o porquê de alguma coisa, é como se conseguira forçar uma nova porta de ferro, mas para abrir um corredor mais sombrio que leva a outra porta mais selada e mais terrível. A medida que avançamos, adensam-se o mistério e as trevas, e o horror aumenta».
Picard acrescentaria: «A ciência, à medida que se desenvolve, tende a tornar-se … mais dependente dos fatos observados do que das deduções, dos nossos conceitos. Dai o erro de quantos crêem que a ciência resolverá um dia os enigmas do universo; ela não fará senão aumentar-lhes o número».
Citações colhidas em D. Aubry, La foi sous la coupole. Paris 1930, pág. 18.