Revista Pergunte e Responderemos, PR 002/1957)
“Como responder à objeção tão divulgada: Todas as religiões são boas?”
Para responder à questão, devemos observar a seguinte distinção:
1) Qualquer religião é boa, se aquele que a segue está plenamente convicto de que é a verdadeira religião e cumpre os seus preceitos com toda a fidelidade, de acordo com a sua consciência. Assim quem de inteira boa fé e de maneira coerente adere ao islamismo, ao budismo ou ao protestantismo, sem jamais conceber dúvida sobre a veracidade de sua crença, pode salvar-se e obter o céu. Contudo, para que isto se dê, repitamo-lo, é necessária uma absoluta boa fé por parte do indivíduo. Esta boa fé poderá ser um fato em regiões onde a educação e a mentalidade do povo estejam unanimemente imbuídas de certa religião (budismo, protestantismo…) sem que haja controvérsia a respeito. A boa fé, em geral, se pode pressupor mais facilmente em gente simples, pouco instruída, do que em pessoas de certa cultura e erudição, conhecedoras da história.
2) Desde, porém, que não haja no adepto de “tal” religião plena certeza de que está de posse da verdade; desde que, por meio de conversas, leituras ou coisa semelhante, lhe sobrevenham dúvidas sobre a autenticidade do credo que professa, é obrigado a indagar a verdade. Se, após as suas pesquisas, chegar à conclusão de que outra é a religião verdadeira, estará obrigado a aderir a esta outra. Se, porém, não obtiver resultado claro, deverá seguir o que a consciência lhe disser no momento (Deus, contudo, não se costuma subtrair a quem o procura sinceramente).
A obrigação de não permanecer em dúvida religiosa é-nos imposta não somente por Deus, mas também pela dignidade humana. Com efeito, todo homem possui uma faculdade — a inteligência — ordenada a apreender a verdade; essa faculdade só se dá por satisfeita quando alcança a verdade. Não há quem não sinta a repulsa natural ao erro, à dúvida; se, não obstante, alguém permanece voluntariamente nestes, violenta ou mutila a sua razão, sua dignidade característica. A natureza humana vem a ser, portanto, a primeira a acusar o indivíduo que, por descuido consciente, pactue com a incerteza, a dúvida, arriscando-se a errar o seu caminho na vida e perder o seu Fim último.
Embora todas as religiões em geral inculquem a prática da caridade e certos preceitos de Moral natural (desdobramentos do imperativo “Faze o bem, evita o mal”), cada uma delas se norteia por certo Credo. Ora, para que a Religião seja perfeita, é preciso que ela aponte não só a Moral boa, mas; também o Credo verídico. Deve-se mesmo dizer que a Verdade tem o primado sobre o Amor, a Moral e o Bem; ilumina-o, dirige-o. A Verdade, porém, é uma só (dois e dois só podem dar a soma “quatro”); por conseguinte, só pode haver uma Moral autêntica e só uma religião verdadeira. E a esta é que todos têm de procurar, desde que não possuam a certeza de a professar.
Em outros termos: o ideal do homem é agir não somente de boa fé (aderindo sinceramente a uma ideologia qualquer), mas também segundo a verdadeira fé (aderindo sinceramente a uma ideologia verídica ou à Verdade). Contentar-se com menos do que isto equivale a injuriar a nobreza humana e insultar o Autor dessa nobreza, o Criador.
Veja-se a respeito, E. Bettencourt, “A vida que começa com a morte” Rio de Janeiro 1958, c. 8