Velhice: um fantasma chamado velhice

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(Revista Pergunte e Responderemos, PR 463/2000)

Em síntese: A velhice pode ser penosa. Daí a necessidade de que os anciãos sejam ajudados a vivenciá-la com serenidade e mesmo com certa alegria: a alegria da maturidade, da sabedoria experimentada, da tarefa cumprida… O livro “Envelhecer com Dignidade”, da Irmã Gema Destéfani, vem a ser um repertório muito útil de conselhos e sugestões para que alguém se sinta tranqüilo na terceira idade tanto no plano físico quanto no espiritual. O artigo seguinte apresenta algumas das mais significativas páginas dessa obra.

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A Redação de PR recebeu uma carta que bem merece resposta pública. Eis como começa:

“Um fantasma chamado Velhice está à espreita e já começo a sentir os seus efeitos. O pior deles é a depressão que, sem pedir licença, foi se instalando sem a menor cerimônia e me angustia com perguntas do tipo: ‘Para que fazer isto? Para que fazer aquilo? Você vai morrer mesmo, para que se importar com casa, roupas e outras bobagens?’ Se ela parasse por aí, tudo bem. Mas o pior mesmo é que me tira também a vontade de rezar. E sem oração não me sinto gente, não tenho forças nem ânimo nem coisa alguma. Já é tão triste olhar no espelho e ver aquela devastação triste do tempo implacável. Não me posso conformar com isto! Se essa devastação fosse só na superfície do ser humano, vá lá! Mas penetra-lhe a alma; meu Deus, como isto me apavora!”

O questionamento assim formulado é freqüente; muitas pessoas se angustiam diante da perspectiva do envelhecer. Ora, para responder a tal situação, acaba de ser publicado o livro “Envelhecer com Dignidade”, da autoria da Irmã Gema Destéfani[1], portador de oportunas reflexões sobre a terceira idade; mostra como esta pode ser vivenciada com serenidade e mesmo alegria; procura assim dissipar o complexo de inferioridade que pode acometer muitos anciãos.

De tal obra vão, a seguir, reproduzidas algumas das mais interessantes páginas.

«4. O DESAFIO DO ENVELHECIMENTO

Fazer do tempo da velhice uma fase rica e serena é um desafio para o idoso, para o acompanhante de idosos e para todos.

Quanto mais se vive, mais se envelhece. Envelhecer é nosso destino. Envelhecendo, temos perdas e dores, mas, em contrapartida, aumentam a sabedoria e a vitalidade interior.

O corpo que envelhece nos torna conscientes de que fomos feitos para a eternidade e devemos aceitar nossas imperfeições como parte do desafio existencial.

O ancião nos convida a valorizar aquilo que temos, não como um direito, mas como um dom que nos foi dado; nos lembra que a verdadeira segurança não está no sucesso, mas na confiança em Deus. Ele nos ensina também que a identidade pessoal não se baseia no ‘fazer’, nem no ‘ter’, mas no ‘ser’.

A velhice, se bem vivida, pode representar o período mais profundo e rico da existência. Tem-se mais tempo para cultivar amizades, cultivar a própria espiritualidade, dialogar com outros, escutar as pessoas, ser profeta de serenidade.

A qualidade dos anos futuros depende da qualidade dos anos que vivemos em qualquer etapa anterior.

Algumas dicas que poderão ajudar a envelhecer sabiamente:

1. Na velhice permanecem nossas características. Se somos alegres, generosos e criativos, geralmente continuaremos assim. Se somos exigentes, descontentes, egoístas, com o passar do tempo o seremos sempre mais. Cabe a nós, hoje, fazer a escolha e desenvolver as atitudes que preparam o nosso amanhã.

2. Prevenir a solidão, aumentando, hoje, nosso círculo de amizades.

3. Fundamentar a vida com valores que prevalecem. Se baseamos a dignidade no “fazer”, no trabalho, o que será de nós quando vier a aposentadoria ou a incapacidade física?

4. Despertar interesses diversos como esporte, arte, serviço de voluntariado, envolvimento em atividades culturais, sociais e espirituais; a terceira idade será um período ideal para essas realizações.

5. Cultivar a alegria. As pessoas que gozam mais da terceira idade são aquelas que espalham um sentimento de alegria. Quem sabe captar o lado alegre e cômico da vida não envelhece.

6. Trabalhar sempre a integração do exterior com o interior, o passado com o futuro. Quem vive só de exterioridade torna-se superficial e vazio. Quem valoriza só o passado torna-se triste e amargo. Quem se preocupa só com o futuro torna-se ansioso e angustiado.

Todos devemos nos responsabilizar pelo futuro, conscientes de que as atitudes e ações de hoje são o fundamento do amanhã.

(Texto baseado no livro Criatividade a serviço dos doentes – de Arnaldo Pancrazzi, pp. 17s)».

«5. A VELHICE, COMO VIVÊ-LA BEM

Vivemos numa sociedade do trabalho. Essa sociedade tem seus contra valores, entre eles, o preconceito da idade.

Atualmente, o jovem é mais valorizado do que o idoso, porque tem a capacidade de produzir. Os idosos não produzem mais. Assim, as pessoas são divididas em produtivas e improdutivas, ativas e inativas. A juventude é valorizada, e apenas se suporta a velhice.

Precisamos conscientizar-nos de que cada idade tem seu valor.

Paulo VI dizia a um grupo de pessoas idosas: “Neste mundo técnico, no qual se julgam os homens em função do que eles produzem, vós deveis testemunhar que há aspectos da vida que não se medem com dinheiro: são os valores humanos e culturais, morais e sociais”.

São os valores que fazem do ser humano um Homem ou uma Mulher, e não uma máquina. Mas, para que os anciãos sejam tais, é preciso que façam de sua velhice uma fase de vida realmente rica e bela, que de fato confirme o elogio das Escrituras: “Quão belo é para a velhice o saber julgar e para os anciãos o saber aconselhar. Quão bela é a sabedoria das pessoas de idade avançada… A experiência consumada é a coroa dos anciãos; o temor de Deus é a sua glória” (Eclo. 25, 5-6).

Na busca desse verdadeiro sentido da velhice, Afonso Deeken, em sua obra “Saber envelhecer”, apresenta quatro perigos a ser evitados e treze atitudes a ser tomadas.

Perigos:

a) Negação da velhice: pessoas que negam estar envelhecendo e procuram obstinadamente permanecer jovens.

b) Rancor e ciúmes: em relação aos mais jovens a ponto de se alegrar com a derrota deles.

c) Fugas da velhice: “quando eu era moço, não era assim… naquele tempo havia amigos”.

d) Egoísmo na velhice: há pessoas idosas que vivem chorando miséria, mas, quando morrem, deixam até uma pequena fortuna. Há idosos agressivos que não suportam crianças que brincam no pátio ou vizinhos com hábitos diferentes.

Atitudes a ser tomadas:

1. Aceitação da velhice: a aceitação se traduz em tranqüilidade e autoconfiança.

2. Aprender o desapego e a sabedoria: que permite conhecer o verdadeiro sentido das coisas. Nesse momento, os mais velhos terão trocado o trono do poder pela sabedoria.

3. Saber enfrentar a solidão: tornar-se disponíveis aos outros: correspondências, telefones etc.; o vazio da solidão pode abrir o coração do homem e torná-lo mais consciente da presença de Deus que fala no silêncio. O Senhor está conosco. Ele não nos abandona. Ele experimentou a solidão no Jardim das Oliveiras e na Cruz. Ele sabe o quanto é difícil estar só.

4. Procurar realizar alguma coisa: muitos homens realizaram obras espetaculares na velhice. Sófocles tinha por volta de 80 anos quando escreveu Édipo Rei. Goethe tinha mais de 80 anos quando terminou Fausto. Michelangelo tinha 70 anos quando terminou a cúpula de São Pedro. Verdi, Haydn, Handel compuseram peças imortais com mais de 70 anos.

5. Não se preocupar, apenas ocupar-se: Cristo disse: “Não vos inquieteis. Vinde a mim…” (Mt 6).

6. Saber enfrentar o inesperado: lembrar que Abraão tinha 75 anos quando teve de recomeçar sua vida (Gn 12, 1-5).

7. Assumir o sofrimento: quando aceito e suportado por Cristo, tem o poder redentor para salvar outras pessoas (2Cor 1, 6; Cl 1, 24).

8. Descobrir a alegria de envelhecer: procurar alegrar-se nas paróquias, em cursos etc. Viver o conselho do apóstolo: “Alegrai-vos sempre” (Fl 4, 4).

9. Redimir a vida pela contrição: mediante um arrependimento sincero sentir que, apesar de nossas falhas, a Providência Divina não nos abandona.

10. Buscar a plenitude: acordar dentro de si forças interiores que permitam o desenvolvimento das novas dimensões da vida.

11. Aprofundar a fé: dar testemunho da sabedoria, da bondade e do amor (Lc 5, 20).

12. Perceber o sentido das coisas: grande problema é não sentir-se necessário, é o temor de ser inútil, de servir apenas para incomodar os outros… É preciso ver um sentido nas coisas e principalmente na vida. “Aquele que sabe o porquê da vida pode suportar-lhe o como” (Nietzsche).

13. Aceitar o fato inevitável da morte com alegria: assumi-la com alegria, pois é a volta para a casa do Pai (Jo 14,1-3).

A vida nasce, progride até a maturidade, depois decresce até o ponto que se chama morte, mas não cessa de subir, até o florescimento final, que é a Ressurreição. A nossa preocupação não deve ser dar anos à nossa vida, mas vida aos nossos anos. Fazendo assim, teremos vivido bem a nossa velhice» (pp. 19-21).

«8. AS PERDAS NA TERCEIRA IDADE

É importante lembrar que as pessoas idosas sofrem perdas e que seus sentimentos ficam mais aguçados com o avançar da idade. Vejamos algumas perdas mais comuns na terceira idade:

1. Perda gradual das pessoas queridas: pais, irmãos, amigos de infância e juventude, contemporâneos com quem partilhou a vida vão se distanciando ou mesmo desaparecendo, pelas mais diversas causas: doenças, limitações, morte e tantas outras situações. É então muito fácil surgir um vazio e a solidão que faz sofrer muito.

2. Perda dos papéis sociais: é muito difícil, especialmente para aqueles cuja imagem está ligada ao trabalho. Quando, pela aposentadoria ou outra situação, deixa o trabalho, com ele perde amizades, cargos, status, colaboradores etc., e isso traz a sensação de inutilidade, abandono, perda do sentido de viver.

3. Perda da saúde: a própria idade vai causando a diminuição da vitalidade e as limitações aparecem. Pela falta de resistência, podem surgir doenças com mais facilidade, fazendo-os confrontar-se com sua fragilidade e mortalidade, o que ameaça sua necessidade de segurança e controle.

4. Perda da habitação: devido à situação sempre mais precária e preocupante, muitas vezes a pessoa idosa é obrigada à opção dolorosa de deixar a casa onde viveu muitos anos e a missão em que doou sua vida. Esta ruptura pode ser muito traumatizante, levando a pessoa a um grande sofrimento e mesmo a fechar-se em si mesma e renunciar a viver.

O importante é a pessoa preparar-se para aceitar a vida e integrar-se nela, tentando dar um sentido a este sofrimento e lembrando que o essencial, nem a idade, nem a doença e ninguém poderá tirar.

Mas é preciso que os cuidadores de idosos que com eles convivem saibam o que essas perdas podem gerar especialmente em nível psicológico:

– insegurança, medo da solidão

– sentimento de inutilidade;

– retrocesso gradual de inteligência;

– alteração da auto-imagem;

– desprestígio e desvalorização pessoal;

– redução do mundo social;

– sentimentos de inveja e ciúmes;

– egoísmo, ambição do poder;

– tédio, irritação, apatia;

– ansiedade, revolta, tristeza;

– sentimento de culpa;

– redução da capacidade de trabalho;

– apego exagerado às coisas que lhe pertencem;

– carência afetiva, com todas as suas manifestações;

– depressão, comportamento regressivo etc.

Como ajudar nas perdas:

1. Permitir desabafos: deve-se dar espaço para que a pessoa possa expressar seus sentimentos e emoções relacionados às perdas. Escutar com atenção, sem se preocupar em desculpar, dar conselhos ou muitas explicações, simplesmente escutar com amor e respeito.

2. Valorizar a presença: estar junto, sendo presença de esperança, misericórdia e ternura por meio de pequenas atenções, gestos de apoio, um abraço, uma oração etc.

3. Motivar escolhas: diante da perda, muitos sentem-se vítimas. Ajudar a fazer escolhas é permitir que a vida continue. Afinal cada um pode escolher como viver após uma perda: superá-la na fé e esperança ou acabar com o sentido da vida; sozinha, às vezes, a pessoa não consegue.

4. Respeitar as reações: cada um reage de uma maneira. A nós compete acolher e respeitar as reações do outro, não julgar se é certo ou errado, mas apoiar o que ajuda a pessoa.

5. Cultivar recordações: quanto mais a pessoa falar sobre as perdas, mais se libertará. Colaborar escutando com atenção e amor.

6. Evitar frases prontas: certas frases prontas podem ser muito perigosas, dependendo da pessoa, da realidade em que se encontra, de sua formação etc. Evitar frases como: procure esquecer. .., foi melhor assim…, seja forte…, foi Deus que quis…, com o tempo tudo passa… etc. Geralmente são frases injustas, desumanas e ferem a pessoa.

O que a pessoa pode fazer para superar as perdas?

1. Comunicar o que sente: dizer a alguém que escute em profundidade todos os sentimentos, angústias, medos etc. é a melhor maneira para curar-se.

2. Tomar decisões: decidir-se a viver o momento presente sem dramatizar o futuro ou prender-se ao passado. Tomar pequenas decisões que permitam construir o novo após a perda.

3. Aprender a separar-se: tudo o que é humano um dia acaba. Viver intensamente sem prender-se a nada é uma sabedoria de vida para superar as perdas. Nada é eterno. Isto não quer dizer não amar, ou esquecer, mas criar um espaço entre a pessoa e a perda.

4. Ser paciente consigo mesmo: há momentos, após uma perda, em que parece que superamos; logo a seguir, caímos no desânimo, na tristeza. Momentos de fé e momentos de descrença. Somos frágeis. O importante é não permanecer no desânimo.

5. Cultivar a fé: há momentos e situações na vida que só são superados pela fé. Mas ela não vem de repente. Devemos cultivá-la e pedi-la a Deus, pois é um dom.

6. Aprender a perdoar: após uma perda, geralmente encontramos pessoas que não nos compreenderam e nos fizeram sofrer; às vezes, nós mesmos nos sentimos culpados. É importante perdoar os outros e a nós mesmos por aquilo de que não gostamos e pelo qual sofremos. Sem perdão, é impossível progredir na vida.

7. Acreditar em si: experiências dolorosas podem nos tornar mais humanos, compreensivos, ternos, despertar a criatividade e revelar novas capacidades. O sofrimento pode mudar a pessoa. Acreditar que eu posso.

8. Estabelecer novos relacionamentos: após a perda a vida continua e novos relacionamentos ajudam a dar sentido a ela e nos devolvem a felicidade, que é feita de pequenos gestos concretos.

9. Tornar a sorrir: lembrar o que nos faz sorrir, relacionado com a perda, faz muito bem. O bom humor ajuda a adoçar o amargo da vida.

10. Começar a doar-se: o modo mais eficaz de vencer a dor, a perda, é envolver-se com os sofrimentos dos outros. À medida que me preocupo com o outro, escutando, servindo, ajudando, orientando, vou esquecendo a própria dor e dando sentido à vida.

É importante lembrar que a cada perda se segue um luto, que se manifesta com sinais visíveis no comportamento» (pp. 26-29).

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NOTA:

[1] Ed. Loyola, São Paulo, 2000, 140 x 210mm, 146 pp.

 

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