Bíblia: a nova imagem da bíblia

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 136/1971)

de Luc. H. Grollenberg

Em síntese: O livro de Grollenberg acima citado apresenta o grande mérito de recolocar a Bíblia Sagrada no seu ambiente histórico e literário próprio; em certas passagens esmera-se por descrever a mentalidade e o estilo dos antigos orientais. Assim procedendo, segue uma orientação ge­nuína da exegese dos últimos tempos: Deus falou aos homens pelos homens.

Nota-se, porém, que Grollenberg se entrega facilmente a hipóteses e conjeturas, que ele lança sumariamente, sem as distinguir de posições cer­tas e seguras. Embora o autor exprima o seu espírito de fé através das páginas do livro, suas explicações exegéticas são por vezes meramente naturalistas ou racionalistas, pouco levando em conta o caráter sobrenatural e religioso da Bíblia Sagrada. Tais características tornam o livro pouco profícuo para o grande público, ao qual ele se destina. Lançar hipóteses em termos sumários geralmente redunda em trabalho ambíguo e insatisfatório.

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Comentário: Em fins de 1970 apareceu na bibliografia brasileira a tradução do livro holandês de Luc. H. Grollenberg, com o título «A nova imagem da Bíblia». É um volume «Herder», de 385 páginas, que tem chamado a atenção do público. Daí a oportunidade de algumas reflexões serenas sobre o mesmo. Abaixo procuraremos avaliar certas das prin­cipais facetas do livro.

1. Grandes linhas da nova imagem

Grollenberg parte do princípio, inegavelmente válido, de que a Bíblia é uma obra literária e, por conseguinte, deve ser interpretada à luz dos critérios da lingüística e da historio­grafia antigas. Esta posição exegética encontra pleno apoio na encíclica «Divino afflante Spiritu» do Papa Pio XII (1943) assim como nas diretrizes do Concílio do Vaticano II: não se pode depreender a mensagem religiosa e teológica dos Livros Sagrados se não se estuda primeiramente a veste humana e literária dos mesmos; Deus falou aos homens por meio dos homens, … e dos homens orientais dos séculos pré-cristãos até a geração dos Apóstolos de Cristo.

Estabelecido tal principio, Grollenberg procura reconsti­tuir a mentalidade religiosa dos antigos assírios, babilônios, fenícios, tírios e egípcios; apresenta interessantes páginas sobre a religiosidade dos povos nômades e a dos povos sedentários (pp. 41-49). Mostra como o povo de Abraão surgiu e viveu nesse ambiente, compondo aos poucos sua biblioteca sagrada.

Para explicar o significado destes livros de Israel, Grollen­berg expõe as peculiaridades do estilo semita: afirma que os autores israelitas não se preocupavam propriamente com a essência das coisas, mas, sim, com a realidade concreta e seu relacionamento com o homem (pp. 50-54); o que lhes inte­ressava, era o sentido religioso da história. Realça também o significado dos nomes na Bíblia; podiam designar indivíduos, nações ou regiões (p. 67); muitas vezes exprimiam a origem (natividade ou procedência étnica) ou a missão, o destino do respectivo portador.

Os semitas, em vez de propor suas idéias sob forma de teses logicamente construídas e provadas, preferiam expô-las sob forma de discursos colocados nos lábios de um ou mais interlocutores (cf. p. 93: neste sentido explicar-se-iam Jos 23; Jz 2,11-16; 1 Sam 12; 1 Rs 8; 2 Rs 17).

Para explicar um fenômeno ou uma situação histórica, eram capazes de narrar uma estória, a qual seria a justifica­tiva e a elucidação de tal fenômeno. Esse tipo de estória, em linguagem técnica, é chamado «narrativa etiológica» (aitios, em grego = causa; etiológico é o que exprime a causa).

A título de exemplo, o autor cita o episódio das filhas de Lote, que embriagaram seu pai com vinho e se uniram a ele, de modo a ter cada qual um filho: Amon (cujo nome quer dizer “filho de meu consangüíneo”) e Moab (=filho de papai); cf. Gen 19,30-38. Esta narrativa não correspon­deria a um fato real passado, mas seria uma tentativa de explicar a aversão que passou a existir entre o povo de Israel, de um lado, e, de outro lado, os povos de Amon e Moab, a partir do séc, XI. Os nomes destes dois povos, explicados de maneira tão escabrosa, de certo modo justificariam a inimizade entre Israel e os moabitas-amonitas.

Grollenberg comenta: “Para os primeiros leitores, a narração era muito mais interessante e menos escandalosa do que para nós. Envergonha, radical e irrevogavelmente, os dois povos que os Israelitas detestavam (Dt 23,4). As Invectivas tinham por base seus nomes, o mais íntimo do seu ser. Esse tipo de narração não pode ser reproduzido fielmente em nenhuma tradução. O trocadilho (embora para os israelitas haja muito mais que um simples jogo de palavras) tem que ser explicado laboriosamente aos outros leitores” (p. 63s).

De maneira global, considerando a historiografia do An­tigo Testamento, assevera Grollenberg: «Os peritos não podem assegurar quase nada quanto à maneira como as tribos isra­elitas se estabeleceram em Canaã nem quanto aos primeiros anos da antiga história ali. Isso vale também para a insti­tuição e o desenvolvimento da realeza, como para os reinados de Davi e Salomão» (p. 103s).

Quanto aos livros do Novo Testamento, o exegeta desen­volve a teoria da história das formas, mostrando como o texto dos Evangelhos foi sendo redigido aos poucos pelas comuni­dades cristãs primitivas que ouviam, assimilavam e transmi­tiam as palavras de Cristo e dos Apóstolos. Procura colocar a vida e o ministério do Senhor Jesus dentro do quadro geo­gráfico e histórico da Palestina e do mundo antigo; tenta assim penetrar ao máximo dentro do sentido da mensagem evangélica.

Em suma, a leitura de «A nova imagem da Bíblia» leva o leitor a refletir, pois nele desperta uma série de interroga­ções importantes e delicadas.

Passemos, pois, a considerações sobre o livro.

2. Ponderando serenamente …

Distinguiremos pontos positivos e outros menos válidos no livro de Grollenberg.

2.1. Em favor

a) O autor é benemérito por levar em consideração a face lingüística e literária do texto sagrado, servindo-se dos recursos mais esmerados que os estudos de cultura oriental nos fornecem. Ele procura entender o Livro «por dentro», ou seja, como os respectivos escritores (com suas categorias de pensar e exprimir-se) o entendiam. Tal tarefa é não somente opor­tuna, mas necessária, como lembra o Concilio do Vaticano II na sua Constituição sobre a Palavra de Deus:

“Visto que Deus na Sagrada Escritura falou por meio dos homens e à maneira humana, o intérprete da Sagrada Escritura, para saber o que Ele quis comunicar-nos, deve investigar com atenção o que os hagiógrafos real­mente quiseram significar e que aprouve a Deus manifestar por meio das suas palavras.

Para descobrir a intenção dos hagiógrafos, devem ser tidos também em conta, entre outras coisas, os gêneros literários. Com efeito, a verdade é proposta e expressa ora de um modo ora de outro, segundo se trate de gêneros históricos, proféticos, poéticos ou outros. Importa, por isso, que o intérprete busque o sentido que o hagiógrafo em determinadas circunstâncias, segundo as condições do seu tempo e da sua cultura, pretendeu exprimir e de fato exprimiu com a ajuda dos gêneros literários então usados. Com efeito, para entender retamente o que o autor sagrado quis afirmar, deve atender-se convenientemente, quer aos modos nativos de sentir, dizer ou narrar em uso nos tempos do hagiógrafo, quer àqueles que costumavam empregar-se nas relações entre os homens de então” (“Dei Verbum” n° 12).

b) Ao confrontar a mensagem do Livro Sagrado com a de povos vizinhos a Israel, Grollenberg põe em relevo um ou outro traço bem característico das crenças de Israel. Assim, o monoteísmo estrito, alheio a toda idolatria:

“Israel era o único povo cujo Deus não tinha ao lado uma deusa. Isso ligava-se ao fato de que Ele (o Deus de Israel) estava acima de todos os processos naturais. A palavra ‘deusa’ nem sequer existia no vocabulário hebraico. Numa relação íntima com sua vivência de Deus havia um fato inconcebível e incompreensível para o mundo oriental: adoravam uma divindade sem representação, sem imagem. Vimos que os antigos mal dis­tinguiam o símbolo e a realidade, e pensavam que uma pessoa podia ser atingida na sua imagem. O culto de Javé através de uma imagem teria sido prejudicial à fé na transcendência divina” (p. 44).

Na verdade, o monoteísmo de Israel, em meio a povos politeístas, é, com razão, considerado pelos críticos, mais inde­pendentes como um fenômeno, humanamente falando, inexpli­cável. Somente a intervenção ou manifestação do próprio Deus a Abraão e seus descendentes o justifica. – Disto, aliás, se pode depreender a veracidade da mensagem religiosa profes­sada por Israel e por seus livros sagrados.

c) Referindo-se à historiografia bíblica, o autor poderia ter sido mais claro: à p. 103, ele quer dizer que era imbuída de interesses religiosos (e assim sugere que não tenha grande valor objetivo), mas em outras passagens o mesmo autor põe em relevo a grande importância das páginas historiográficas da Bíblia:, Israel consignou fatos históricos, à diferença dos outros povos antigos, que foram displicentes ou nulos em ma­téria de historiografia. E por que Israel estimou a história, de modo tão singular?

Eis a genuína explicação:

“Como fruto do seu conceito religioso, registramos em Israel o impor­tante fenômeno da historiografia, que não é constatado nos outros povos da mesma época, tidos em geral por mais civilizados. Esses povos não distinguiam uma linha nos acontecimentos, tinham uma idéia cíclica do tempo, o curso dos anos repetia-se indefinidamente. Os acontecimentos, além disso, deviam ser explicados pela intervenção arbitrária dos inúmeros deuses.

Israel, porém, sabia que aquele poder divino lhe falava por meio dos acontecimentos históricos, e atribula sua própria origem àquele gesto histórico, feito por ele. As vicissitudes, que se sucederam durante sua longa história, eram consideradas parte integrante do diálogo que Javé tinha iniciado com seu povo por ocasião da saída do Egito. Desta maneira Israel descobriu uma linha nos acontecimentos, e passou a considerar a história como um processo dinâmico que, por sua natureza, terminaria com o fim da história” (p. 45).

À p. 105, depois de haver dito que os interesses dos his­toriadores de Israel eram principalmente religiosos, afirma Grollenberg:

“Esse pouco (de informações históricas) que temos através dos livros de Samuel e dos Heis, transforma-se em muitíssimo, quando comparamos tal soma de informações com o que temos dos povos circunvizinhos. Destes não há quase nada. O fato torna-se eloqüente para quem considerar que os povos, como Amon, Moab e Edom, à primeira vista, não se diferenciavam muito de Israel e Judá. Falavam e escreviam a mesma língua. A organização tribal, em seu meio, também evoluiu para a monarquia, sofreram invasões por parte das grandes potências: Assíria e Babilônia. Todos foram varridos do palco da história sem deixar vestígio. Os que pretendem descrever a história de Moab, vêem-se diante desta dura realidade. Em documentos assírios conservaram-se alguns nomes de reis moabitas, documentos que ficaram por muito tempo esquecidos e somente há pouco foram desenter­rados. Há ainda a lápide do rei Mesha encontrada ocasionalmente, de fácil leitura para quem entende o hebraico. E como monumentos culturais temos um punhado de cacos de cerâmica e alicerces de muros. É tudo! O resto da história de Moab que conhecemos, está na Bíblia. Esta fonte de história deve-se às recordações do único povo daquelas regiões que não sucumbiu na voragem das invasões. Nos capítulos seguintes constataremos que Israel deveu sua subsistência à sua fé em Javé, à qual se agarrou como a uma tábua de salvação… Os zelosos deuteronomistas, graças à sua obra histo­riográfica, contribuíam de modo inestimável, para que se conservasse aquela fé e com ela as recordações históricas que, nos outros povos, se perderam para sempre junto com sua existência nacional” (p. 105s).

Às pp. 104s, Grollenberg cita documentos do Egito e do Oriente antigo que ilustram e confirmam os dados historiográ­ficos da Bíblia. Assim:

“No muro de um templo de Karnak no Egito superior, foi encontrada uma lista com os nomes das cidades da Palestina e da Síria que teriam sido conquistadas por Sesac I (ca. 945-924 a.C.)…

De acordo com os documentos assírios e outros documentos extra­bíblicos, completados com informações provindas de escavações levadas a efeito em Tersa e Samaria, Amri foi um dos maiores reis de Israel…

Pelos anais assírios sabemos que Acab participou, juntamente com onze outros reis, da batalha de Karkar contra o rei dos assírios Salmanas­sar III, empregando no combate 10.000 homens e 2.000 carros de assalto…

Na medida em que avançamos na história dos reis, temos à nossa disposição um número sempre crescente de dados históricos provenientes de documentos extrabíblicos” (p. 104s).

Aliás, a propósito podem-se lembrar os livros de Werner Keller: «E a Bíblia tinha razão!» (Ed. Melhoramentos 1958) e de Sir Charles Marston: «A Bíblia disse a verdade» (Ed. Ita­tiaia 1959). Tais obras, cada uma do seu modo, contribuem para valorizar em alto grau a historiografia bíblica. Também as escavações arqueológicas feitas na Palestina, no Egito e no Oriente em geral corroboram os dados bíblicos. Grollenberg podia ter sido muito mais explícito e profuso ao citar estes resultados das ciências modernas; a historiografia bíblica, em­bora fosse inspirada por interesses religiosos, tem suscitado a admiração até mesmo de críticos racionalistas. A propósito escreve o estudioso liberal E. Meyer, em «Geschichte des Altertums» I 1. 1921, ‘227

“Dentre todos os povos asiático-europeus, somente Israel e a Grécia possuem autêntica historiografia. Em Israel, que ocupa lugar privilegiado entre todos os povos civilizados do Oriente, a historiografia se originou em época tão remota que causa surpresa, e produziu logo de início obras de importância… Na Grécia surgiu mais tarde”.

Quanto às narrativas etiológicas (explicativas de fenôme­nos que intrigavam os homens de determinada época), sabe-se que não eram estranhas ao pensamento antigo. No tocante à prevaricação das filhas de Lot, das quais nasceram Amon e Moab, os próprios exegetas católicos mais abalizados admitem que seja uma estória forjada à guisa de sátira. Eis como a comenta o Pe. Lagrange em «La méthode historique» p. 207:

“O autor certamente não acreditava na historicidade do episódio,… quando narrava a origem incestuosa de Moab e Amon. A ironia é tão acerba, os trocadilhos tão artificiosos e cruéis que a tradição sabia muito bem como os devia entender; S. Jerônimo dizia dos rabinos do seu tempo, sem contra eles protestar: ‘Assinalam o trecho com pontinhos, para indicar que não merece fé’. Abstração feita da finalidade do pontilhado, o sentido exegético é muito exato: uma sátira não é história”.

Grollenberg, portanto, não inova quando propõe sua expli­cação do famoso episódio de Gen 19, 30-38.

2.2. Mas…

1. Se o enfoque literário segundo o qual Grollenberg encara a Bíblia Sagrada é válido, deve-se, não obstante, la­mentar que tenha cedido com demasiada facilidade a hipóteses e conjeturas. As explicações que apresenta para certos episó­dios bíblicos são discutíveis, quando não levianas.

Isto se torna mais lamentável desde que se considere que o autor lança tais hipóteses não para um círculo de especia­listas (capazes de julgar os passos do exegeta), mas para amplo público. As hipóteses não são apresentadas como hipó­teses, nem são acompanhadas dos argumentos para os quais poderiam apelar os eruditos. São simplesmente lançadas ao papel, de maneira sucinta e um tanto ambígua; o autor não desce sempre aos pormenores desejáveis, estabelecendo distin­ções precisas e necessárias, mas fica em afirmações demasiado genéricas e suscetíveis de mais de uma interpretação. Aliás, empreende-se que um percurso de todos os livros bíblicos, desde o Gênesis até o Evangelho de S. João inclusive, em 385 páginas apenas deva dispensar-se de explicações muito minu­ciosas – o que torna o trabalho delicado e pouco claro. Tenham-se em vista, a título de ilustração, os «sete exemplos» das pp. 99-102: os ciclos de Sansão, Elias, Eliseu e outros epi­sódios (1 Sam 16-31; 2 Sam 9-20…) são tratados de maneira insuficiente, de modo que o leitor pouco proveito daí pode tirar.

2. Quem lê a obra de Grollenberg colhe a impressão de que a história de Israel é a história de hordas humanas que viveram suas peripécias e depois lhes quiseram dar uma
inter­pretação, como se o seu Deus («o Deus nômade», como diz Grollenberg, referindo-se às crenças dos patriarcas hebreus) tivesse orientado e guiado as tribos de Israel. Esta insinuação de Grollenberg pode ser verídica até certo ponto, mas é de importância capital realçar que Deus, o verdadeiro e único Deus, estava realmente presente ao povo de Israel; tendo-se revelado a Abraão, Ele foi-se manifestando mais e mais aos descendentes do Patriarca, de modo que através de Israel e seus escritos sagrados se preparou (por autêntica obra do Todo-Poderoso) a vinda do Messias, o Senhor Jesus. Grol­lenberg não nega isto; em certos pontos, ele dá provas de sua autêntica fé católica; mas é demasiado reticente, por vezes; permanece excessivamente no plano natural, na linha dos fatores humanos em choque, sem realçar devidamente o desígnio de Deus na história da salvação. Ora não se pode apresentar a história de Israel em sentido completo se não se põe em evidência também o seu aspecto sobrenatural ou genuinamente sagrado. A Bíblia é a Palavra de Deus a nos falar de um plano salvífico que começa com os primeiros pais e se consuma na Jerusalém celeste.

3. A Constituição «Dei Verbum» do Vaticano II lança luz sobre o recurso a hipóteses na exegese bíblica. Reconhece o seu valor legítimo (pois ciência é pesquisa constante), mas refere a necessidade de não se considerar a Bíblia apenas como livro humano, e, sim, como a Palavra de Deus que há de ser lida e interpretada em consonância com toda a Reve­lação Divina:

“Dado que a Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada segundo o mesmo Espírito por quem foi escrita, não menos atenção se deve dar, na investigação do reto sentido dos textos sagrados, ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura, tendo em conta a Tradição viva de toda a Igreja e a analogia da fé. Cabe aos exegetas, de harmonia com estas regras, trabalhar

por entender e expor mais profundamente o sentido da Escritura, para que, mercê deste estudo preparatório, se facilite o juízo da Igreja. Com efeito, tudo quanto diz respeito à interpretação da Escritura, está sujeito ao juízo último da Igreja, que goza do divino mandato e do ministério de guardar e interpretar a palavra de Deus” (n° 12).

Eis o que nos ocorre dizer a respeito de «A nova imagem da Bíblia» de Luc. H. Grollenberg: livro erudito, tendente à vulgarização da moderna exegese, mas, muitas vezes, ambíguo, dado a hipóteses não suficientemente fundamentadas e, sim, sumariamente lançadas. O afã de tudo explicar de maneira natural, racional ou literária desfigura «a nova imagem da Bíblia». Seria interessante ao leitor consultar outro livro de orientação bem diversa: «A Escritura na Tradição» de Henri de Lubac (ed. Paulinas): esta obra mostra a reverência com que as gerações cristãs sempre trataram o Livro Sagrado, procurando encontrar nele a revelação do grande plano sal­vífico de Deus e um alimento para a vida espiritual e a ora­ção. Verdade é que os antigos pouco conheciam da lingüística e da arqueologia bíblicas; cediam facilmente à alegoria, de sorte que suas interpretações «científicas» não podem ser acei­tas na íntegra; mas o enfoque que nos sugeriram, tem valor perene. – O ideal há de ser a fusão da erudição com o espí­rito de fé e de reverência perante a Palavra de Deus.