Castidade: amor livre: expressão máxima da personalidade?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 137/1971)

Em síntese: O amor é uma das mais altas expressões da dignidade humana. Os animais inferiores não têm amor, mas apenas instinto e sexo. Enquanto o instinto dos animais é cego, o amor do homem escolhe. O ser humano que se dá a alguém no amor, sabe por que o faz: tende a construir um lar, educar a prole, dar dignos filhos a Deus e à sociedade.

Donde se vê que amor livre é aberração: é mera concessão à sensualidade, sem compromisso nem ideal; bestializa e degrada. Longe de ser expressão de mente evoluída, é renúncia ao que o homem tem de mais nobre e digno, ou seja, à vida segundo a razão e um ideal.

Amor livre não pode ser evolução para conflitos psicológicos, porque gera, em quem tenha um pouco de personalidade, os conflitos do “Quem sou eu? Como me defino? Como me apresento a mim mesmo e aos homens?”

Sabe-se também que a livre prática do amor facilmente acarreta doenças graves, moléstias venéreas, descalcificação, desregramento do metabolismo. Além disso, é fonte para profundos males sociais: uniões infelizes, filhos sem pai, depauperamento da raça, rebaixamento do nível social, dissolução do indivíduo e da família. O Evangelho é extremamente exigente no tocante à disciplina dos afetos (cf. Mt 5, 8, 27-30; 18, 6-10). Aponta mesmo para o ideal de uma vida uma, ou seja, da virgindade que, consagrada a Deus, se consagra indiretamente a todos os homens.

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Resposta: A expressão «amor livre» parece cada vez mais sedutora, suscitando na sociedade de hoje opiniões e atitudes de todo inéditas. Pergunta-se: não será realmente a manifestação mais pujante do espírito moderno, emancipado de tabus e preconceitos? Não é o homem o senhor de seus próprios afetos e instintos, de modo a dispensar normas extrínsecas inspiradas por filosofias que não lhe interessem?

Movidos por tais interrogações, são cada vez mais numerosos os adeptos do amor livre. É o que nos leva a dedicar ao assunto as reflexões seguintes.

1. Amor livre: que é?

Na expressão em foco, amor significa simplesmente o apetite sexual ou o instinto afetivo. O adjetivo livre designa o desejo de satisfazer a esse instinto sem reconhecimento de freio ou unicamente de acordo com o bel-prazer.

Podem-se conceber duas formas de amor livre: uma, ampla e absoluta; outra, que aceita algumas reservas. Examinaremos uma e outra sucessivamente.

1.1. Amor livre propriamente dito

Assim entendido, o amor livre implica cinco notas características, que podem ser recenseadas do seguinte modo:

1) Emancipação frente a qualquer lei de moral pessoal. Não se entende (dizem) que a pessoa imponha a si mesmas restrições em sua vida afetiva. O amor surge por ímpeto da natureza e se nos impõe, sem pedir o consentimento do sujeito ou de outra pessoa. O amor não conhece deveres senão em seu favor – o que quer dizer que ele só tem direitos.

Disto se segue que toda pessoa humana tem a liberdade de exercer o amor (entenda-se: o apetite sexual) como e quando isto lhe agrade.

2) Isenção frente a toda a lei social. Nenhuma autoridade – nem a civil, nem a familiar, nem a religiosa – tem o direito de se imiscuir no comportamento afetivo dos indivíduos, impondo-lhes restrições ou limite. O que cabe à autoridade, é, sim, garantir a cada cidadão o livre exercício do amor (=instinto sexual).

3) Rejeição emanada de qualquer norma emanada do senso de pudor, da conveniência ou de princípios sociais e religiosos. Tais normas não seriam dignas do amor; originaram-se do medo e dos preconceitos. Em vez de construir a personalidade, fomentam (por reação) e exacerbam as tendências eróticas; impedem o sereno equilíbrio da personalidade, equilíbrio necessário para que esta se forme e desenvolva. As concessões ao instinto sexual são comparáveis às da alimentação: como o nutrimento revigora o organismo, restituindo-lhe o equilíbrio desfeito pelas preocupações e as labutas cotidianas, assim o livre erotismo constrói a personalidade. A propósito pode-se lembrar o livro «Liberdade sem medo» de Alexandre Neill, da escola de Summerhill: o autor apregoa a plena liberdade para os jovens educandos, mesmo no setor sexual, como se a natureza humana fosse sempre e por si mesma pendente a proceder retamente. Esta filosofia naturalista inspirada por Jean-Jacques Rousseau não se coaduna nem com as concepções cristãs nem com a experiência da vida. Cf. PR 97/1968, pp.35-46.

4) O amor livre oferece o desafogo ou a expansão necessária a numerosas pessoas que, por um motivo ou por outro, não se podem casar. Assim escreve a Doutora Adam Lehmann:

“Sem vida sexual, o ser humano é incompleto ou mutilado. Felizmente isto já é do conhecimento das mulheres. Vai crescendo constantemente o número de mulheres cultas, honestas e trabalhadoras, que não se casaram nem se podem casar por um motivo qualquer, e, não obstante, têm relações sexuais. São mulheres corajosas, conscientes do seu valor próprio, as quais preparam tempos melhores para as suas Irmãs” (texto citado por F. V. Förster, “Ética e pedagogia della vita sessuale”. Torino 1911).

Desenvolvendo tais idéias, E. B. Russell, um dos autores mais sistemáticos neste campo, escreve:

“Do ponto de vista da moral pura, o amor livre significa imenso progresso em comparação com o antigo sistema. Os moralistas tradicionais o deploram, porque nele vêem uma falência que eles não podem dissimular. Todavia esta nova liberdade do amor nos jovens deve ser fonte de alegria para nós, porque há de criar uma nova geração de homens e mulheres, livres de todo retardamento sofístico” (“Le mariage et la morale”, trad. francesa, Paris 1930 6, p 144).

5) Por último, o amor livre é uma preparação indispensável à felicidade matrimonial, a qual já não estará sujeita a desilusões. Não somente os rapazes, mas também as moças serão assim beneficiados. Com efeito, a experiência adquirida através de várias aventuras, de um lado, amainará os primeiros e mais ousados impulsos e, de outro lado, favorecerá no momento oportuno a escolha feliz do companheiro ou da companheira do resto da vida. Inspira-se de tais idéias o adágio: «preciso que a juventude se divirta»; tais dizeres justificariam irrestritamente as «aventuras» da juventude.

Acontece, porém, que nem todos os arautos de liberdade em matéria sexual professam integralmente as conseqüências da tese atrás exposta. Propõem antes, o que se pode chamar

1.2. União livre

Segundo esta, os cônjuges têm o direito de separar-se a seu arbítrio a fim de contrair outras uniões,… e isto repetidas vezes. Caso julguem que o seu matrimônio não lhes satisfaz plenamente, cabe-lhes procurar fora do matrimônio aquilo que não encontram no lar. – Na verdade, é o amor que livremente cria a união conjugal, livremente a sustenta, e livremente a dissolve desde que se defronte com objeto mais desejável do que o que tem. É, de resto, o escritor e teatrólogo francês Molière († 1673) quem comenta:

“Seria muito tolo querermos gloriar-nos da falsa honra de sermos fiéis, sepultarmo-nos para sempre numa paixão, estarmos desde a juventude mortos para todas as belezas que nos possam impressionar a vista” (“Don Juan”, ato I, cena 2ª.).

Diante da múltipla argumentação proposta em favor do amor livre, pergunta-se:

2. Vale ou não vale?

Enfocaremos a questão sucessivamente a partir de dois pontos de vista: o natural ou filosófico e o ponto de vista teológico cristão.

2.1. Com a palavra a razão

1. O amor ou a capacidade de amar é um dos maiores tesouros que o homem possui. É mesmo uma das características do ser humano, pois se sabe que os animais inferiores não têm amor, mas apenas instinto. O instinto dos animais é cego, ao passo que o amor dos homens escolhe ; tende a realizar o ideal que a inteligência concebe. O ser humano que se dá a alguém no amor, sabe por que o faz; tem em vista uma meta digna da natureza racional: construir um lar, educar a prole, dar dignos filhos à sociedade. Quem «ama» sem saber por que, faz algo de meramente instintivo como fazem os animais inferiores.

1. Por isto não se pode justificar o chamado «amor livre». Amor livre é amor sem finalidade; e mera concessão, de momento, à sensualidade, sem compromisso nem ideal. Mais propriamente deveria ser dito «sexo» ou «uso do sexo», e não «amor». Ora o sexo devidamente entendido, no homem, é elevado ao plano superior da inteligência; participa da intelectualidade e deve servir para que o homem se realize cada vez mais corno ser humano ou inteligente O sexo desabrido ou livremente usado concorre para rebaixar e desfigurar a criatura humana (pode bestializá-la), tornando-a joguete de instintos eróticos.

2. Com outras palavras: é verdade que o amor, mesmo compreendido como apetite sexual, pode favorecer o pleno desenvolvimento da personalidade. Por isto, Os homens têm o direito de procurar no amor humano a sua felicidade; o que quer dizer: têm o direito de casar-se e de escolher a pessoa do cônjuge respectivo. Também se sabe que, sem satisfação do instinto sexual, a humanidade não se propagaria; por isto atender ao apetite sexual não é, por si mesmo, algo de mau. – Mas o que importa neste particular, é frisar bem que a criatura humana não é totalmente e apenas instinto erótico; nela existem outros sentimentos, outras aspirações, pois ela e, antes do mais, um ser racional e social; o ser humano, portanto, só se realiza plenamente caso se entregue a um ideal racional e faça que seus instintos cegos sirvam a esse ideal, construindo uma personalidade harmoniosa e uma sociedade forte ou corajosa. O sexo no homem não é qualidade nem imperativo incoercível, mas é meio de realização e parte integrante de um conjunto ou de uma personalidade Quem isolasse o erotismo no homem e o considerasse como valor autônomo, se degradaria ou bestializaria.

É necessário que se diga isto com clareza e coragem em nossos dias. Os meios de comunicação social sugestionam o público, fazendo-lhe crer que, na criatura humana, tudo é instinto sexual e que o sexo é um imperativo ao qual não se pode nem se deve resistir. Este sugestionamento provoca a necessidade do sexo; daí a obsessão que afeta tantos jovens e tantos adultos em nossos dias; o afã de atender ou servir ao sexo é suscitado, alimentado e intensificado pelo clima ou o ambiente em que vive a sociedade. Se os «massmedia» e os mentores da opinião pública dissessem o contrário, isto é, se proclamassem que o sexo é apenas uma função subordinada do homem, haveria sugestionamento no bom sentido e a preocupação sexual não dominaria tanta gente.

3. Os grandes mentores do marxismo (Engels, Guesde, Bebel…) apregoaram o amor livre.

Eis palavras de Engels:

“A emancipação da mulher tem corno primeira condição a entrada do todo o sexo feminino na indústria Pública. Essa condição exige a supressão da família individual como unidade econômica da sociedade” (“A origem da família”, p.79).

Engels julgava que a família monogâmica era instituição da economia burguesa e, por isto, devia ser combatida em favor do amor livre. – Todavia Lenine se opôs às teses do amor livre «nas circunstâncias da sociedade atual», porque dizia que era preciso criar primeiramente nos homens a disciplina do costumes, libertando-os do egoísmo; uma vez obtida esta meta, poder-se-ia introduzir o amor livre. O fato, porém, e que até hoje nem na Rússia o amor livre foi oficializado.

Aliás, a experiência bem mostra quão funestas são as conseqüências do amor livre: uniões infelizes, filhos sem pai, desequilíbrio psíquico, assassínios e suicídios provocados por paixões desencadeadas, depauperamento da raça, descida de nível da autêntica civilização. Não é por tais vias que se constrói uma nação próspera. Dando-se o nome de amor a qualquer ato instintivo do homem, em vez de se suscitar liberdade, induz-se escravidão, ou seja, a escravidão ao homem ao pior e mais degradante de todos os senhores que e a animalidade cega.

4. Quanto aos casos de pessoas que não se podem casar ou não se julgam felizes no matrimônio, também e certo que não se realizarão em concessões sexuais desregradas: estas por si só podem contribuir para despertar ou avivar um conflito ainda mais sério, concretizado nas questões: «Quem sou eu? Qual a minha definição? Como me apresento a mim mesmo e a sociedade?»

Em tais casos, a coerência, a lisura e a integridade de vida são as únicas fontes de felicidade autêntica e duradoura, ao passo que o desbussolamento e a libertação dos instintos vêm cedo ou tarde a ser motivo de nova e profunda insegurança. Ter uma auto-definição, eis um dos anseios mais naturais e nobres de toda pessoa humana.

5. E a preparação para o matrimônio não se beneficiaria com experiências livremente empreendidas pelos futuros cônjuges?

É de crer que uma vida sexual desregrada ou livre desde as suas primeiras afirmações dificilmente encontrará mais tarde o seu caminho; quem se habitua a conceder descontroladamente aos instintos, sem experimentar o que seja dizer NÃO a si mesmo em vista de um ideal superior (brio, coerência, dignidade…) deverá aceitar as tristes conseqüências dos seus hábitos; muito provavelmente seguirá de maneira servil os instintos até que estes se amorteçam pela própria situação do «prazer».

Não há melhor garantia de um matrimônio feliz do que a procura do autodomínio e dos valores propriamente humanos desde os primeiros dias de namoro; e aprendendo a dizer NÃO sempre que a sã razão o julgue oportuno, que conquistamos a felicidade: a felicidade de sabermos o que somos e de nos apresentarmos aos nossos semelhantes com uma definição clara e honrada e de nós mesmos.

As experiências pré-matrimoniais não são física nem psiquicamente benéficas (ao contrário do que apregoam certos especialistas) : tornam-se focos de doenças venéreas e depauperamento do organismo. Cf. PR 117/1969, pp.393-405.

Deve-se, porém, notar que hoje em dia são julgadas com menos severidade do que outrora certas demonstrações de carinho e afeto entre jovens que se preparam para o casamento. Este abrandamento é razoável desde que não equivalha a aceitação do pecado e da libertinagem.

2.2. E em termos de Evangelho?

A Moral do Evangelho só tem a corroborar o repúdio do amor livre. O Senhor Jesus mostrou-se exigente no tocante à pureza do coração e à disciplina dos costumes de seus fiéis. Tenha-se em vista, por exemplo, a passagem de Mt 5,8.27-30:

“Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus… Ouvistes o que foi dito: Não cometeras adultério. Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para urna mulher, cobiçando-a, já cometeu adultério com ela, em seu coração.

Se teu olho direito é causa de caíres em pecado, arranca-o e lança para longe do ti; é preferível perderes um de teus membros a seres lançado de corpo inteiro na geena.

Se tua mão direita é o motivo de tuas faltas, corta-a e atira-a para longo do ti; é preferível perderes um de teus membros a ires de corpo inteiro para a geena”.

Para o Evangelho, a renúncia ao prazer sensível em vista de bens espirituais e eternos é elemento normal é necessário num programa de vida cristã. Liberta-o dos instintos e seqüela de Cristo são incompatíveis entre si. Não há dúvida, o Senhor Jesus sabe que a natureza humana é fraca, debilitada pelo pecado inicial; todavia o Redentor oferece aos cristãos os meios de superação de si mesmos; não há preceito nem missão da parte de Deus que não venha acompanhado da graça respectiva.

O Cristianismo aponta mesmo para o ideal da vida una ou indivisa: a virgindade consagrada a Deus é uma das primeiras flores da mensagem cristã na história dos homens (cf. 1 Cor 7, carta escrita no ano de 56!). Dar-se diretamente a Deus para se dar em Deus e por Deus a todos os homens, eis um dos dons mais belos e ricos do Senhor aos seus fiéis.

Bibliografia:

Dentre os numerosos livros que se têm publicado sobre amor e sexo, limitamo-nos a recomendar aqui:

Vittorlo Costa, “Sexo o maturidade. Psicopedagogia da sexualidade”. Petrópolis 1969.

Charbonneau e Me. Cristina Maria, “Amor, sexo e segurança”. Porto Alegre 1967.

Waldomiro Otávlo, “Problemas da juventude”. Petrópolis 1968.

Estevão Bettencourt O. S. B.