Castidade: antropologia do prazer

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 315/1988)por Hubert Lepargneur

Em síntese: O Pe. Lepargneur percorre algumas escolas que se manifes­taram sobre o sentido do prazer, desde a antigüidade até os nossos dias. De­tém-se longamente sobre o pensamento católico, que ele critica por ter sido, durante séculos, pessimista em relação ao prazer (conforme Lepargneur). Conclui insinuando que a doutrina da Igreja e a estima do prazer se vão aproximando mutuamente nos últimos tempos. Contudo o livro é, por ve­zes, obscuro; não apresenta uma tese claramente definida.

Na verdade, a Igreja distingue entre o prazer sensível (ou mesmo sen­sual) e o prazer espiritual. Este é parte integrante da formação de uma perso­nalidade e da vocação que o Criador deu a todo ser humano; este foi feito para a vida (cf. Sb 2,23s). – Quanto ao prazer sensível, não é mau, desde que subordinado a uma finalidade ulterior, – o prazer pelo prazer redunda em hedonismo total, que nunca satisfaz ao homem e, deixando-o insaciado, pode suscitar o uso de drogas (fuga da realidade) e a conseqüente criminalidade. O homem há de se reger não pelo “princípio do prazer”, mas pelo da auto-realização ou perfeição, que inclui necessariamente certas renúncias e privações, indispensáveis para que a pessoa cresça harmoniosamente e des­cubra cada vez mais a verdadeira alegria.

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Após escrever a “Antropologia do Sofrimento” (cf. PR 289/1986, pp. 252-261), o Pe. Hubert Lepargneur escreveu a “Antropologia do Prazer”,[1] livro que suscita problemas, deixando o leitor sujeito a interrogações. Na verdade, o assunto está muito em foco na filosofia contemporânea, especial­mente por causa da “revolução sexual”, que irrompeu nos últimos decênios. Eis a razão pela qual abordaremos o conteúdo do livro e lhe teceremos alguns comentários.

1. Linhas principais do livro

1.1. Que diz o autor?

O Pe. Lepargneur apresenta a posição de vários pensadores e escolas em relação ao prazer e ao desejo (desejo que se deve entender como “desejo sensível” ou “da sensibilidade” no contexto do livro): os estóicos, os antigos escritores da Igreja, a teologia medieval, Lutero e os reformadores do século XVI, a Psicanálise moderna, o Estruturalismo de Michel Foucault… são pas­sados em revista. É enfatizada, de modo especial, a severidade com que os mestres cristãos dos primeiros séculos consideraram o uso da genitalidade mesmo entre cônjuges. À p. 27 Lepargneur propõe evolução das idéias no campo católico:

“Simplificando muito, vamos distinguir três fases: uma primeira domi­nada pelo pessimismo e a grande figura de Santo Agostinho; uma segunda, que principia com a voz mais otimista de São Tomás de Aquino, mas que nunca se impôs completamente neste particular, na prática eclesial, e que vira mais nitidamente ao pessimismo entre o século XIV (Guilherme de Occam) e o II Concílio do Vaticano (década de 1960); a fase atual, a partir dos meados do século XX, caracteriza-se pela contestação, a indecisão, os conflitos de consciência e de costumes, as releituras, os cortes epistemológi­cos, isto é, nos motiva a rever de perto os problemas” (pp. 27s).

Para apoiar suas afirmações, H. Lepargneur se refere a livros de histó­ria ou a autores “de segunda mão”, nem sempre católicos, que ele cita com certa freqüência como pontos de apoio de seus dizeres: M.-O. Métral (p. 27), Georges Duby (pp. 27ss), J. Nooman (pp.34-36), L. Flandrin (p.37), Jacques Doyon (p. 33), J.-M. -Pohier (p. 115, autor cujas posições liberais foram censuradas pelo magistério da Igreja), G. W. Forell (p. 117, protestan­te). Melhor teria sido que Lepargneur recorresse menos aos julgamentos pro­feridos por tais autores, não raro unilaterais; poderia ter sido mais indepen­dente no seu modo de analisar o passado. Leva em conta muito mais os traços negativos do que os positivos de maneira um tanto preconcebida; nem parece interessado em entender os antigos dentro do seu respectivo contexto.

Quem acaba de ler o livro em foco, não percebe claramente o que o autor quer dizer ou qual a tese final da sua obra: certamente mostra não seguir a orientação de S. Gregário de Nissa (+394), S. Agostinho (+430), S. Cesário de Arles (+542), S. Gregório Magno (+604). Mas também não mani­festa a sua posição diante da questão: o prazer, como prazer, é lícito ao cris­tão?… ao ser humano digno e honesto? – O leitor se vê interpelado por grande número de sentenças de filósofos, teólogos, psicólogos (nem sempre expostas com clareza; ver pp. 38,40); encontra também críticas á doutrina católica e a outras escolas…, mas em vão procuraria saber para onde caminha o pensamento do autor. Eis os parágrafos finais do livro:

‘Por enquanto, seguimos o conselho que deu, há mais de um decênio, o psicanalista Jean Bergeret, já que concordamos sobre a relevância atual de suas observações: ‘Seria desejável que a psiquiatria, a filosofia e a teologia in­terrogassem ainda mais a psicanálise com vistas a esclarecer, no quadro de cada individualidade, uma melhor elaboração estruturante do prazer, sem impor, através de interditos ou idéias tão rígidos quanto infundados, regras ou códigos éticos demais rígidos e irrealistas. Sendo essencialmente variá­veis os graus de maturação…, os modelos éticos só podem se conceber como tão especificamente personalizados quanto os modelos hedônicos’. E ainda esta assertiva final do mesmo artigo de J. Bergeret: ‘Que caminho sobra para os teólogos percorrerem, não apenas nas relações de troca de informa­ções com os outros pesquisadores, mas sobretudo no interior deles mesmos, para tentar ir ainda mais longe?’

Prazer, fim ou combustível do desejo? Esta e outras perguntas, nunca totalmente respondidas, não significam para nós qualquer indevida relativi­zação da moral. Duas imagens, para finalizar. ‘Gosto muito de Yacatan, o país dos Mayas: aí vivi três dias de felicidade, nas choças dos camponeses, os únicos três dias de felicidade de minha vida.’ Quem fez esta recente decla­ração? O maior romancista contemporâneo da Itália. Sic transit gloria mundi.‘Sobre a tela de Molenaer de Haarlem (começo do século XVIII), vê-se uma jovem senhora sendo penteada por uma velha servidora diante dum garoto que brinca: o pé da senhora repousa sobre uma caveira, o garoto faz borbu­lhas de sabão’.[2] ‘E ninguém vos tirará a vossa alegria’ (Jo 16,22)” (pp. 184s).

1.2. A Igreja no livro

No tocante à Igreja Católica, o autor nem sempre é fiel e reverente porta-voz: julga que, “como a URSS, a Igreja romana é uma gerontocracia inevitavelmente conservadora” (p. 42). Estes dizeres comparam indevida­mente Igreja (Corpo de Cristo Místico) e URSS (Estado ateu e materialista); além do quê, pecam por insinuar que a fidelidade ao passado é própria dos velhos, ao passo que a juventude seria tipicamente inovadora. Ora a Igreja, ao professar o seu Credo, não se pode reger por critérios meramente huma­nos ou pela evolução de culturas e mentalidades; ela tem que ser o eco vivo da Palavra de Deus, que por vezes “é loucura e escândalo” (1 Cor 1,23).

À p. 42 ainda, o autor escreve: “De 1909 a 1940 o Tribunal da Rota anulou 40 casamentos por exclusão do bem da prole”. – Ora um erudito pensador como H. Lepargneur bem sabe que a Igreja não anula (não torna nulo o casamento válido), mas declara nulos os casamentos que sempre fo­ram nulos, mas pareciam válidos no foro externo.

À p. 75, Lepargneur apresenta uma versão da doutrina do pecado original que é caricatura, apoiando-se para tanto nos escritos de J.-M. Pohier. – É de crer que Lepargneur, como antigo professor de Teologia, te­nha consciência de que a versão assim apresentada e criticada não correspon­de ao que a Igreja ensina.[3]

Além do mais, o autor se refere freqüentemente à “Igreja romana”, teminologia esta pouco usual na bibliografia católica e costumeira em livros de não-católicos; cf. pp. 112.115.117.179… A única Igreja fundada por Cristo (cf. Mt 16,16-19; Jo 21,15-17) é católica (= universal), apóstolica (= fundada sobre e por Cristo, mediante os Apóstolos) e romana, porque Pe­dro, o chefe dos Apóstolos e seus sucessores tiveram e têm sede em Roma.

O livro de Lepargneur, assim sumariamente apresentado, sugere

2. Reflexões

A guisa de comentários da obra, proporemos quatro pontos:

2.1. Prazer sensível e prazer espiritual

Para dissertar com clareza sobre o tema “prazer”, é indispensável dis­tinguir “prazer sensível” e “prazer espiritual”.

Prazer sensível é o que toca à sensibilidade, aos sentidos externos e in­ternos do ser humano, podendo tornar-se sensual (erótico, lúbrico, lascivo). Prazer espiritual é o que tem sede no plano espiritual; é motivado por valo­res espirituais ou transcendentais (Deus, a união com Deus, a perspectiva da bem-aventurança definitiva, etc.).

2.1.1. Prazer espiritual

O prazer ou gozo espiritual paira no horizonte dos fiéis como grande dom de Deus, Pode-se dizer que todo homem foi feito e chamado para usu­fruir de tal prazer. Assim diz o Senhor no Evangelho ao servo fiel: “Entra na alegria do teu Senhor” (Mt 25,12-23). O Apocalipse, em seus dois últimos capítulos (21 e 22), apresenta as núpcias do Cordeiro com a Igreja como ponto final de toda a história da salvação. Esta implica a fruição “daquilo que o olho não viu, o ouvido não ouviu, o coração do homem jamais perce­beu” (1Cor 2,9).

Na vida presente a alegria espiritual resulta da união com o Senhor ou da fidelidade à vontade de Deus; vem a ser tanto mais significativa quanto mais generoso for o cristão em sua resposta a Deus. É o antegozo da bem-aventurança celeste, que muitos amigos de Deus experimentaram no decorrer da sua peregrinação terrestre. Situado no plano espiritual, este prazer é com­patível com a tribulação no plano corporal, como atesta São Paulo: prisio­neiro em Roma, o Apóstolo escreveu a carta aos Filipenses, que é um convi­te à alegria (cf. 2,2; 4,4.10). Aos coríntios declara o Apóstolo: “Estou cheio de consolo; transbordo de alegria em toda a minha tribulação” (7,4). Aos Romanos: “Nós nos gloriamos nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a perseverança, a perseverança uma virtude comprovada” (5,3s).

Por isto o cristão exercita a alegria como virtude e como dom do Espí­rito Santo (cf. Gl 5,22), a ponto de se dizer que “um santo triste é um triste santo”. Uma das expressões de tal alegria, entre outras, é o cultivo do teatro religioso, dos autos paralitúrgicos, dos jogos, das festas de família nos âm­bitos católicos desde a Idade Média até os nossos dias (coisa que Lepargneur reconhece à p. 64). – Donde se vê que o prazer espiritual não “destrona Deus nem faz de Deus um meio para fins humanos”, como afirma Lepagneur, citando o autor protestante G.W. Forell (pp. 125s). De resto, são insepará­veis um do outro o amor de Deus e o gozo pessoal do cristão que ama; dan­do glória a Deus, o cristão não se aniquila, mas, ao contrário, se auto-realiza.

2.1.2. Prazer sensível

O prazer sensível ou decorrente da vida sensitiva não é mau em si. O Cristianismo não é dualista, ou seja, não ensina que só o espírito é bom e a carne é má; ele sabe, ao contrário, que carne e espírito no plano ontológico são criaturas do único Deus, que as fez para se completarem mutuamente. – Acontece, porém, que no plano ético as tendências da carne não raro se antecipam ao ditame da razão e o sobrepujam. Já São Paulo reconhecia: “O querer o bem está ao meu alcance, não, porém, o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que eu quero, mas cometo o mal que não quero” (Em 7,18s). E aos Gálatas: “A carne tem aspirações contrárias ao espírito, e o espírito con­trárias à carne” (GI 5,171).

Disto se segue que a indiscriminada satisfação dos desejos sensíveis do homem alimenta paixões que ameaçam sufocar os anseios do espírito; estes afetos podem tornar-se veementes a ponto mesmo de desfigurar a personali­dade humana (cf. 1Cor 6,9-11).

Os antigos tinham viva consciência do ardor dos impulsos da carne. Daí a severidade com que consideravam todas as concessões feitas à natureza sensível. Muito estimavam a ascese sistemática, à qual exorta o próprio Apóstolo:

“Não sabeis que aqueles que correm no estádio, correm todos, mas um só ganha o prêmio? Correi, portanto, de maneira a consegui-lo. Os atletas se abstêm de tudo; eles, para ganhar uma coroa perecível; nós, porém, para ganhar uma coroa imperecível. Quanto a mim, é assim que corro, não ao in­certo; é assim que pratico o pugilato, mas não como quem fere o ar. Trato duramente o meu corpo e reduzo-o à servidão, a fim de que não aconteça que, tendo proclamado a mensagem aos outros, venha eu mesmo a ser repro­vado” (1 Cor 9,24-27).

Visto que na cópula sexual os impulsos naturais são excitados ao máximo para se obter a finalidade do respectivo ato, vários mestres cristãos antigos e medievais recomendavam aos cônjuges extrema cautela a fim de não caírem em atitudes meramente sensuais ou contrárias a dignidade racional do ser humano. São estas recomendações que muitos historiadores citam e criticam, escarnecendo a mentalidade dos antigos. A propósito observamos:

A excessiva prudência da parte de escritores antigos não significa que condenassem o matrimônio. Já São Paulo se insurgia contra aqueles que proibiam o casamento (lTm 4,3) e recomendava as núpcias a quem tivesse vocação matrimonial (cf. L Tm 5,14; 1Cor 7,9); descreveu mesmo o matri­mônio como “o grande sacramento relacionado com a união de Cristo com a sua Igreja” (Ef 5,32). – Ocorre, porém, que certas prescrições legais do Antigo Testamento sugeriam aos cristãos reservas no tocante ao uso do ma­trimônio (cf. Lv 15,1-33).

Tal modo de ver era condicionado por fatores contingentes, e não pe­las premissas doutrinárias do próprio Cristianismo; com o tempo, cedeu a concepções menos pessimistas.

Os mestres contemporâneos preferem ser mais sóbrios no concernente às cautelas necessárias para evitar os desmandos dos afetos; cada cristão faça seu programa de vida harmoniosa e bela, na qual a carne deve corresponder ao ideal de vida concebido pela razão e pela fé. Continua válida a meta: não permitir que os afetos sensuais sobrepujem as aspirações da mente, mas os meios recomendados são mais freqüentemente deixados a critério de cada qual dos interessados.

Com outras palavras: pode-se reconhecer o valor do prazer sensível, contanto que seja subordinado ao espírito. Aliás, tudo o que o homem, como homem reto e digno, faz, traz o cunho do espírito ou da espiritualida­de; o ser humano é, em todas as suas expressões, psicossomático, de modo que até as funções que lhe são comuns com os animais inferiores, trazem sua marca própria, derivada da espiritualidade da alma humana.

Verdade é que o Papa Inocêncio XI em 1679 condenou a proposição seguinte: “Não é pecado comer, beber ou fazer uso do matrimônio unica­mente por prazer sensual” (Ver Denzinger-Schönmetzer, Enquirídio dos Símbolos e Definições n.º 2108s [1158]). Tal condenação não significa que ao cristão não seja lícito desejar o prazer sensual, mas quer dizer que o pra­zer sensual lícito (o de um bom prato para quem precisa de alimento, o da relação conjugal entre esposo e esposa…) deve ser regido e dimensionado pela razão; esta tem que saber colocar esses prazeres dentro da ordem har­moniosa da vida de alguém que mais e mais procura chegar a Deus; o prazer tem que estar em sintonia com a oração e o trabalho, não pode ser uma ilha ou um bloco independente, quase subtraído a Deus, mas há de ser a expres­são de alguém que pertence ao Senhor tanto por sua alma como por sua constituição corpórea. – Deus quis anexar o prazer a certos atos destinados à conservação do indivíduo (a alimentação) e à conservação da espécie (o ato sexual), a fim de estimular a pessoa à prática desses atos. Isto significa que tal prazer é lícito (pois Deus o propicia); é lícito, porém, não como fi­nalidade em si, mas como meio associado a determinado fim; na medida em que o prazer serve a conservação do indivíduo ou à conservação da espécie, é válido e pode ser procurado. Notemos que a cópula conjugal é lícita tam­bém nos dias estéreis da mulher, pois é a própria natureza quem proporcio­na esses períodos de pausa. Em conseqüência, o homem não fere a natureza ou a lei de Deus quando realiza o ato sexual em tais condições.

Os prazeres de uma recreação, de um passeio, de um concerto, do cul­tivo da arte… são justificados desde que isto implique – como geralmente acontece – distensão, restauração do físico e do psíquico desgastados… Ao contrário, o prazer sensível pelo prazer apenas, sem finalidade ulterior ou su­perior, pode escravizar o homem e desfigurá-lo, jogando-o abaixo de sua dig­nidade; é o que ocorre quando se procura a comida pelo bom gosto da comi­da apenas, o sexo tão somente por causa do deleite do sexo, a bebida apenas pela euforia que ela provoca…

2.2. Amor e prazer

2.2.1. O “princípio do prazer”

É freqüente associar entre si amor e prazer, como se todo amor deves­se acarretar uma compensação ou um deleite sensível para quem ama. Prin­cipalmente na idade juvenil amor e prazer podem parecer inseparáveis um do outro.

De modo geral, é lícito dizer que a sociedade moderna tem por normal o gozo e o prazer, ao passo que foge indistintamente do sofrimento, do sacrifício, da renúncia…, como se fossem formas de castração, incompreen­síveis num programa de auto-realização. Principalmente Sigmund Freud, o pai da Psicanálise materialista, disseminou a concepção de que a felicidade consiste no prazer. Eis o que tal mestre diz, após perguntar qual o objetivo da vida:

“A resposta dificilmente pode errar; os homens tendem à felicidade, querem tornar-se felizes e permanecer assim. Esta tendência tem dois aspectos: um positivo e outro negativo. De um lado, quer-se a ausência de dor e desprazer; do outro, a experiência de fortes sensações de prazer. No sentido mais estrito, a felicidade só se refere à última.. Como se vê, é simplesmente o programa do princípio do prazer que estabelece o alvo da vida” (Das un­behagen in der Kultur, pp. 433s).

Notemos que, para Freud, o prazer tem sempre um cunho sexual; é satisfação orgânica ou física, à qual serve o Eros ou a Libido. Ora Freud re­conheceu que o prazer assim entendido não tem continuidade ou é passagei­ro. Por isto também julga que o homem jamais pode ser feliz; na melhor das hipóteses, poderia gozar “moderadamente”…

O “princípio do prazer”, atrás exposto, só pode levar à amargura da desilusão ou da resignação “moderada” de Freud. Muitos daqueles que iden­tificam prazer e felicidade, caem no hedonismo desenfreado; procuram acumular prazeres, fazendo de todo momento a ocasião de novo prazer… Dai resultam facilmente a depravação moral e a decadência social.

Aliás, no livro mesmo de H. Lepargneur, é citado o pensamento de Alexander Lowen, partidário da libertação do prazer sensorial; o homem teria que reencontrar as sensações perdidas ou as de Adão no Eden. Todavia o próprio Lowen confessou:

“Nem o antigo código moral nem o novo código amoral, a ética do di­vertimento, traz uma resposta significativa ao problema do comportamento sexual no mundo atual Obviamente não há resposta… Embora eu tenha en­fatizado o prazer, não posso admitir que a sua busca exclusiva seja o objeti­vo da vida. Por sua própria natureza, quanto mais o procuramos, mais se es­quiva… Há uma antítese entre prazer e realização, oriunda do fato da reali­zação exigir autodisciplina. O compromisso com o objetivo ou uma tarefa envolve necessariamente o sacrifício de alguns prazeres imediatos. Se a pessoa é incapaz de adiar a gratificação imediata de seus desejos, será como uma criança cujas realizações nada são e cujos prazeres só têm sentido para si, como criança” (A. Lowen, Prazer. Uma abordagem criativa da vida, São Paulo 1984, citado às pp. Sis de Lepargneur, obra em foco).

O fracasso do princípio do prazer ou do hedonismo total leva-nos a procurar outro caminho para a descoberta da felicidade. Tal será

2.2.2. O “princípio da auto-realização”

O ser humano foi feito por Deus para a vida e a vida plena. Tal é o oti­mismo cristão.

Esta plena auto-realização só pode ser obtida mediante a subordinação dos impulsos instintivos ao ideal concebido pela razão (que a fé, no cristão, ilumina). – Ora tal subordinação implica renúncia, indispensável na evolução normal da criança e do adulto.

Para ilustrá-lo, transcrevemos aqui uma passagem do livro “Prazer ou Amor?” de D. Valfredo Tepe, bispo de Ilhéus, livro que é a autêntica respos­ta cristã ao problema levantado por H. Lepargneur;

“Já no plano natural vemos como a mortificação está a serviço da vi­da, da realização. Os seres vivos unicelulares são potencialmente imortais, com a condição da renúncia. À medida que crescem, perde-se o equilíbrio entre superfície e volume. Ou acabam morrendo, esclerosados, ou renun­ciam à sua existência anterior, dividindo-se em dois, para retomar o processo de crescimento. A divisão é um truque da natureza que lhes permite a continuação da vida. Partindo desta idéia, um cientista conseguiu, num expe­rimento de laboratório, manter amebas em vida durante cento e trinta dias, sem divisão, praticando apenas nelas uma amputação cada dia. Deste modo os protozoários podiam continuar o processo de assimilação e crescimento. Normalmente, as amebas se dividem em duas de dois em dois dias. As ame­bas que sofreram amputação tornaram-se, pois, 65 vezes mais velhas que suas irmãs. A amputação transformou-se em meio poderoso de rejuvenesci­mento.

Na vida humana observamos algo semelhante. A dieta tem cunho de mortificação, mas serve à vida; alivia o coração sobrecarregado pela tarefa de impelir o sangue por um organismo inchado pela gordura. No plano espiri­tual torna-se fatal a inchação do homem que segue desenfreadamente o princípio do prazer. Ele se enche de bens, de satisfações, de conhecimentos e de glórias; julga-se engrandecido e não percebe que está ficando imobiliza­do e asfixiado. O rejuvenescimento está na mortificação; amputando o que é excessivo, renunciando ao crescimento demasiado de suas tendências instin­tivas, o homem ganha nova vida” (pp. 126s).

A esta altura dirá alguém a não satisfação de um desejo é frustração e gera neurose… – Deve se responder distinguindo entre frustração e privação nenhuma autêntica renuncia é frustração. É privação, sim, não raro dolorosa e difícil; “A renúncia dói, é certo – mas com bisturi esterilizado a ferida logo cicatriza, sem inflamação nem supuração Uma privação só se torna frustração supurante, quando nela não há nem conformidade nem compensação. Renúncia é aceitação ativa e consciente de uma privação por motivo superior como, por exemplo, o amor a um grande ideal ou o amor a Deus” (Valfredo Tepe, ob. cit., p. 127).

“O cristão, cujo lema de vida é o princípio da realização, a procura da perfeição, soluciona o conflito entre o Eu e o Id pela renúncia consciente às exigências descabidas dos instintos. Contra a tríplice concupiscência que reina no mundo, isto é, dentro de cada um, a cobiça dos olhos, a cobiça da carne e a soberba da vida, arma-se o cristão pela esmola, pelo jejum e pela oração. “Boa é a oração acompanhada de jejum; e dar esmola vale mais do que juntar tesouros de ouro” (Tb 12,8). No termo técnico “esmola” resume a Ascética todo o esforço para debelar a exagerada tendência à posse de bens materiais. A palavra ‘jejum’ designa os meios estratégicos para fazer frente aos desejos da carne, tanto no terreno da volúpia como no da gula. A “oração”, enfim, é a melhor arma para manter o homem ‘no seu lugar’: criatura de Deus que não tem motivo de vangloriar-se como se não houvesse recebi­do tudo de Outrem (cf. 1Cor 4,7).

Com outras palavras: a finalidade do ser humano não é a satisfação, mas a perfeição. Quando o homem se aposenta na satisfação – e aí está o perigo da apregoada ‘vida boa’ -, ele não se realiza, fica descontente, doen­te. O enfado, o tédio pode até paralisar a vontade de viver e levar ao suicí­dio. Jogar fora todas as riquezas, como o fez S. Francisco, pode assumir o aspecto de verdadeira libertação e renascimento. A alma, desimpedida, começa a correr o seu caminho como um gigante: o caminho da perfeição, a plena realização, impelida pela esperança, essa energia dinâmica que jamais permite ao homem acomodar-se em acampamentos provisórios” (Valfredo Tepe, ob. cit., pp. 130s).

Continua o autor desta obra:

“Um médico observou: ‘Não raro experimentamos o seguinte: vem a nós pacientes, homens e mulheres, falando-nos do tempo difícil que tiveram de atravessar, dos esforços penosos que tiveram de fazer para alcançar deter­minado alvo, e, depois que alcançaram esta meta e julgavam poder gozar sua vida sossegadamente, nesse momento adoeceram. Mais: existem até observa­ções de indivíduos que passaram por provações gravíssimas, e, quando tal fase terminou e eles voltaram a viver em abastança e sossego, pensando to­dos que então poderiam realmente gozar a vida e ser felizes, nesse momento cometeram suicídio.. – Opulência, portanto, causa realmente doenças, e isso porque seduz o homem a tomar o caminho da comodidade, a permanecer preferentemente na passividade ou a deixar atrofiadas muitas das suas capacidades e possibilidades, por causa de sua atividade unilateral. É um erro substancial infelizmente muito disseminado, pensar que nada seria mais fa­vorável para a saúde do que o não fazer nada e a preguiça. O contrário é que é verdade. O indivíduo a quem se fazem exigências, o homem que se subor­dina a um fim maior e mais elevado, o homem que experimenta possuir uma vida plena de sentido, este homem é são” (p. 117).

Ainda a respeito da cobiça não mortificada pode-se citar uma página de Jorge Amado, que observa como os crimes têm pavimentado as estradas que levam às minas do ouro metálico; vícios e sangue derramado têm adu­bado as terras do ‘cacau dourado’:

“Os trabalhadores na roça tinham o visgo do cacau mole preso aos pés, virava uma casca grossa que nenhuma água lavava jamais. E eles todos, tra­balhadores, jagunços, coronéis, advogados, médicos, comerciantes e exportadores, tinham o visgo do cacau preso na alma, lá dentro no mais profundo do coração. Não havia educação, cultura e sentimento que o lavassem. Cacau era dinheiro, era poder, era a vida toda, estava lá dentro deles, não apenas plantado sobre a terra negra e poderosa de seiva. Nascia dentro de cada um, lançava sobre cada um uma sombra má, apagava os bons sentimentos” (Ter­ras do Sem Fim, 1957, p- 245).

2.3. Amor e Sofrimento

Vimos quanto é ilusório crer que amor é apenas prazer ou que alguém possa chegar à auto-realização evitando o sofrimento. Acrescentemos que, muito paradoxalmente, o sofrimento está ligado à grandeza ou à perfeição do ser humano.

Com efeito. Observe-se que os seres inanimados (minerais), quando percutidos ou lesados, não reagem; nada sentem; são os mais imperfeitos dos seres, pois não têm vida. Passando para o nível dos seres vivos vegetativos, verificamos que, quando um vegetal ou uma planta é maltratada ou mutila­da, ela tende a se restaurar reagindo contra a lesão infligida; dir-se-ia que não é impassível como os minerais. Subindo ao degrau dos animais irracionais, percebemos que reagem muito sensivelmente aos golpes dolorosos; gemem, rugem, fogem, contra-atacam. – – Elevando-nos ainda na escala dos seres, che­gamos ao homem, que certamente sofre mais do que os restantes seres visí­veis, porque, além de sofrer fisicamente, ele sabe que sofre (tem consciência psicológica); o homem reflete sobre o seu sofrimento, comparando-o com o seu ideal e verificando que este é, não raro, truncado ou prejudicado pelas adversidades da caminhada: um pai ou uma mãe de família atingidos em sua saúde física quando têm filhos pequenos, sentem, além do incômodo físico, a dor de não poderem desempenhar devidamente a sua tarefa de educado­res, – – Diremos mesmo; quanto mais um ser humano é nobre e profundo (no plano moral), tanto mais sofre; quanto menos alguém tem ideal ou vive como criatura inteligente, tanto menos sofre; diz-se que a mãe desnaturada é aquela que não se sensibiliza pela dor dos filhos.

Eis em que termos o sofrimento é essencial ao homem e característi­co da sua transcendência: ele decorre da dignidade mesma da natureza hu­mana, que aspira legitimamente a realizações prejudicadas pelos golpes da vida. Ele decorre, com outras palavras, da nobreza intelectual (e espiritual) do ser humano, que não só conhece, mas sabe que conhece ou reflete sobre si mesmo (coisa que os animais inferiores não realizam).

Compreendem-se então as palavras do S. Padre João Paulo II:

“Ainda que os sofrimentos do mundo dos animais sejam bem conhe­cidos e estejam próximos ao homem, aquilo que nós exprimimos com a pa­lavra ‘sofrimento’ parece ser algo particularmente essencial à natureza huma­na… O sofrimento parece pertencer à transcendência do homem” (Carta Salvitici Doloris n.º 2).

Está claro, porém, que uma pessoa de fé sabe superar a dor natural que a afeta, olhando para o modelo do Cristo Jesus; Este, diante da perspec­tiva da sua Paixão e Morte, orava: “Pai, se possível, que este cálice passe sem que eu o beba; faça-se. porém, a tua vontade e não a minha” (Mt 26,39). Acima de tudo, importa ao cristão identificar-se com o desígnio do Pai, que certamente é mais sábio que os planos dos homens.

2.4. As “raízes pagãs” da Moral católica

1. À p. 72, H. Lepargneur, criticando a Moral católica, sugere que “ela tem raízes no pensamento pagão”; cita, em apoio seu, os nomes de Michel Foucault (“filósofo e pesquisador da história, mas não cristão)’) e J.-M. Pohier, professor de Moral censurado pelo magistério da Igreja.

Antes do mais, notemos: é estranho que Lepargneur, em seu livro, pro­cure fundamentar-se em autores que ou não são cristãos ou são dissidentes da reta doutrina católica.

Pergunta-se agora; como a Moral cristã tem raízes no pensamento pagão?

– É certo que a cosmovisão cristã, monoteísta como é, difere radi­calmente da cosmovisão pagã, que era politeísta (mitológica) ou panteísta (estóica) ou dualista (pitagorismo, orfismo…). É certo também que o Evan­gelho dignificou enormemente a pessoa humana (a mulher, as crianças, os enfermos e carentes…); enobreceu a família… E o que se depreende da leitu­ra dos documentos antigos, entre os quais sobressai a Epístola a Diogneto, jóia da literatura dos séculos II/III.

Se há pontos de contato entre a Moral cristã e a Moral grega pré-cristã, são pontos acidentais (é certo que o ideal da Pátria dos estóicos muito signi­ficou para os cristãos) ou, ainda, pontos que a lei natural, incutida a todo homem pelo Criador, recomendava tanto a pagãos como a cristãos; neste rol estão os que M. Foucault menciona; “a monogamia procriadora, a condena­ção das relações homossexuais, a exaltação da continência”. Assim há, por vezes, semelhanças entre Cristianismo e correntes não cristãs, semelhanças que não são devidas a algum empréstimo, mas simplesmente decorrem do fato de que a natureza humana é a mesma em todos os indivíduos, com suas aspirações éticas e religiosas congênitas.

2. À p. 117 Lepargneur, ao falar de Maria SS., afirma que “a figura da Virgem-Mãe não é própria do Cristianismo, bem assentada na mitologia”.

– Não nos deteremos na refutação desta sentença, visto que o tema já foi longamente abordado em PR 294/1986, pp. 510-521.

3. De modo especial, a vida una (celibato ou virgindade) é menospre­zada por muitos pensadores contemporâneos; Lepargneur alude ao celibato sacerdotal ”institucionalizado por volta do século XI” (p. 117).

Na verdade, o celibato sacerdotal tem sua origem na mais pura concep­ção de vida cristã, apresentada por S. Paulo em 1Cor 7,25-35: O Apóstolo aí observa que os valores definitivos entraram neste mundo desde a vinda de Cristo; por conseguinte, “o tempo se fez breve” (1 Cor 7,29); o cristão tem interesse em concentrar todo o seu tempo, suas ocupações e preocupações no serviço ou no desenvolvimento do Reino de Deus lá iniciado; daí a esti­ma da vocação à vida una ou indivisa; esta permite dedicação mais livre e in­tegral à causa do Reino: “Quem tem esposa, cuida das coisas do mundo e do modo de agradar à esposa, e fica dividido” (1Cor 7,33). Aqui está a raiz do celibato abraçado por amor a Cristo. Parece que desde os tempos de São Paulo lá era cultivado na Igreja, como a resposta mais espontânea e autêntica que o cristão podia (e pode) dar ao anúncio do Reino; o celibato sacerdotal, inspirado por tal convicção, foi-se tornando prática sempre mais usual, que os Concílios regionais foram sancionando desde o de Elvira (Espanha) em 306 (?).

Sobre a penitência cristã, que alguns querem assemelhar a práticas en­cratistas ou dualistas não autenticamente cristãs, veja-se o artigo respectivo às pp. 353-360 deste fascículo.

Poder-se-iam fazer ainda algumas observações sobre a forma literária do livro, no qual muitos galicismos se encontram.

3. Conclusão

O prazer integra o desenvolvimento e a plena realização da pessoa hu­mana. Ninguém pode renunciar a todo prazer sem correr o risco da deformação psicológico. Esta verdade não é nova no Catolicismo, pois já foi vivenciada pelo Apóstolo São Paulo e os primeiros cristãos. Todavia o ponto nevrál­gico da questão consiste em definir o que é o prazer integrante da grandeza humana; será o prazer no sentido freudiano (erotizante, sexual) ou o prazer em acepção mais elevada? – O que diferencia o cristão do hedonismo moderno, é a opção por este segundo sentido de prazer.- é subordinado à ple­na realização e a perfeição do homem, a qual não pode deixar de incluir pri­vação e renúncia assumidas em vista de uma finalidade superior.

Não há, pois, dilema entre Deus e o prazer. Ao contrário, a glorificação do Criador implica inevitavelmente o engrandecimento e a felicidade da criatura, ainda que esta não se preocupe com sua bem-aventurança.

Infelizmente os princípios da filosofia de Sigmund Freud têm influ­enciado autores cristãos que, por sua vez, induzem sutilmente os fiéis a ce­der ao princípio do prazer; donde resulta freqüentemente o hedonismo ja­mais satisfeito, e propenso às drogas e ao crime.

Para dissipar idéias tão errôneas, muito se recomenda o livro de D. Val­fredo Tepe: “Prazer ou Amor?”, Ed. Mensageiro da Fé, Salvador. O autor, com grande sabedoria psicológica e teológica, evidencia que o amor, perfei­ção de todo homem, longe de excluir certas renúncias, as exige e aceita com alegria, pois são condição de serviço a Deus e grandeza da criatura.

Muito úteis também são:

VIKTOR FRANKL, Psicoterapia e Sentido da Vida. Ed. Quadrante, Rua Iperoig, 604 – VALFREDO TEPE, 05O16 São Paulo (SP).

VALFREDO TEPE, O Sentido da Vida, Ed. Vozes, Petrópolis (RJ)

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NOTAS:

[1] Ed. Papirus, Campinas 1985, 135 x 210 mm, 185 pp.

[2] Em nota o autor observa que a citação é de André Chastel em Le Monde, 21/11/1984, e acrescenta: “Trata-se evidentemente da Senhora Mundo, ale­goria da Vaidade Universal. O prazer-vaidade nem dura tanto quanto esta tela holandesa, o tempo duma borbulha de sabão.”

[3] Eis o que se lê às pp. 75s do livro em foco:

“Na opinião do Pe. Pohier… acreditar que o homem é imortal por na­tureza, que ele se tornou mortal em decorrência duma culpa que lhe teria merecido a retração do privilégio da imortalidade, por parte daquele que lhe teria outorgado… Acreditar que o homem pode recuperar este privilégio com a condição de morrer para si mesmo e aniquilar-se na obediência…, eis que se parece… com os votos mais típicos da fase crítica do complexo de Édipo” (os grifos são nossos).

Este texto merece reparos:

1) Natureza… privilégio… Se o homem era imortal por natureza, ele não o era por privilégio. Na terminologia usada pelo autor, há, portanto, uma contradição: privilégio é o que vem acrescentado à natureza. .

2) Na verdade, o homem tem uma alma imortal por sua própria natu­reza (pois é espiritual). Mas o homem não é só alma; é também corpo unido à alma; este composto tende a se decompor pelo desgaste dos órgãos cor­póreos. Ora no estado original Deus concedeu ao homem (como composto de corpo e alma) o privilégio de não se decompor ou não morrer (cf. Gn 2,17; 3,19). Este privilégio foi perdido pelo pecado dos primeiros pais (cf. Rm 5,12-17). Pois bem: Cristo não nos redimiu da mortalidade do homem ou do composto (mortalidade do homem que não impede a imortalidade da alma), mas prometeu-nos a ressurreição após a morte, à semelhança do que aconteceu com o próprio Jesus. – Nisto não há resquício do complexo de Édipo.