Castidade: masturbação

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 035/1960)

 

«Quisera uma palavra de esclarecimento sobre a masturbação.

Há médicos que a aprovam, ao passo que os moralistas a condenam».

O termo «masturbação», oriundo provavelmente de «manibus turbare», significa a provocação dos órgãos genitais por meio da mão ou de outro estímulo inadequado. Mais precisamente: masturbação é a polução voluntariamente provocada num ato solitário; e a satisfação sexual do indivíduo de si para si.

Abaixo procuraremos formular um juízo sobre esse fenômeno, tanto do ponto de vista fisico-psíquico como do ponto de vista moral. A seguir, enunciaremos algumas normas de conduta oportunas frente a tal afirmação da natureza.

Que dizer…?

a) do ponto de vista psicossomático

A tendência sexual de todo ser humano é naturalmente voltada para semelhante pertencente a outro sexo; esse semelhante há de ser capaz de complementar o físico e o psíquico de quem o procure. Normalmente é numa atmosfera de amor, ou seja, em função do amor, em função de um ato em que toda a personalidade se empenha com o que ela tem de mais nobre, que se realiza o encontro sexual entre os seres humanos. A luz destes princípios, verifica-se que a chamada «masturbação» ou o uso da função sexual por parte de um indivíduo que vise satisfazer-se a sós, constitui uma aberração contra a própria natureza humana; é a volta do indivíduo a si mesmo mediante um ato que de per si tenderia a levar a personalidade para fora de si.

A masturbação pode tomar-se um hábito, cujas causas são assaz variadas: às vezes decorre da curiosidade simplória com que a criança, nos seus primeiros anos de idade, começa a observar as atividades de seu corpo; suscita então inocentemente o funcionamento de seu órgão; contudo a partir dos seis ou sete anos, o hábito assim adquirido provoca sensações cada vez mais acentuadas podendo tomar-se fortemente arraigado e avassalador. Outras vozes, o vício deve-se aos exemplos ou as seduções provenientes de adultos ou de outros jovens. Em outros casos, o costume se deriva de disposições psicóticas do indivíduo, disposições que, mediante a pratica do ato solitário, causam um estado doentio cada vez mais marcante (um dos sintomas mais comuns desse estado mórbido são os sonhos de natureza perversa que as vozes precedem, provocam ou acompanham a masturbação).

Os fenômenos psicopáticos que possam estar na base do vício solitário, são entre outros: o narcisismo (tendência do indivíduo a se contemplar e admirar exageradamente), o homo-erotismo (amor ao mesmo sexo), o temor anormal para com o sexo oposto.

Feitas estas observações, já se percebe como julgar a masturbação.

Do ponto de vista fisiológico, a pratica do ato solitário, equivalendo a um desvio da natureza humana, nunca pode ser recomendável; nunca será aconselhável, nem mesmo em proporções pretensamente moderadas, como solução ou paliativo para uma situação anormal ou aflitiva em que alguém se encontre. Não raro se verifica que o hábito da masturbação toma índole de obsessão ou mania, prejudicando a saúde, principalmente o equilíbrio nervoso da vitima. Mesmo quando não atinge tais proporções, o vício solitário não pode deixar de afetar o caráter da pessoa que se lhe entrega voluntariamente: esta se toma mais e mais desatenta e distraída, sujeita as vacilações dos caprichos, mais ou menos indiferente aos grandes valores da vida. Em particular, o indivíduo, no qual o vício solitário se instala, e pessoa pouco adaptada ao genuíno amor conjugal, pois não estima devidamente o tu ou a personalidade alheia, tendendo a devaneios nos setores do irreal e do sonho.

Estas conseqüências comunicam uma marca especialmente humilhante ao vício da masturbação. Alias, não se poderia esperar outra coisa, pois ninguém contradiz impunemente as leis da natureza, que deu as funções sexuais ao ser humano em vista do casamento (como as funções digestivas foram dadas em vista da conservação do indivíduo, não propriamente para o deleite do sujeito). É vã a a1egação: «Não prejudico a alguém, quando cometo o ato solitário»; na verdade, o masturbador contradiz a orientação natural do seu amor, o qual tende espontaneamente a se voltar para outrem, de modo que quem viola essa tendência priva o próximo de um direito seu e de certo modo desfigura a si mesmo. Não poucas pessoas, aliás, dentre as que se dão ao mau hábito, dotadas de temperamento mais delicado e sensível, tem consciência da hediondez do vício: horrorizam-se por ver constantemente burlado o seu ideal de pureza, podendo chegar esse horror a provocar perturbações neuróticas por todo o resto da vida, caso não consigam em tempo libertar-se dos grilhões do vício.

b) … do ponto de vista moral.

Aos olhos da consciência moral, a masturbação, sendo violação da natureza, constitui um pecado ou uma violação da Lei de Deus. Vista a importância da matéria respectiva, tal pecado e em si grave. Subjetivamente, porém, a culpa pode ser muito atenuada, dado que o masturbador não proceda com pleno conhecimento de causa ou com vontade deliberada. Ao se tratar de um pecador que já tenha concebido o firme propósito de se emendar e que empregue seriamente os meios para o conseguir, pode-se crer que as suas eventuais reincidências não constituem sempre pecado grave, pois ainda ocorrem por força do hábito anteriormente adquirido, ou seja, dentro de um clima de certo automatismo, no qual a liberdade de arbítrio não tem plena conivência. Será muito importante lembrar isto aos penitentes sinceramente dispostos, pois tal advertência os preservara. de cair no desânimo ao empreenderem a luta contra o vício.

Também se faz mister frisar que as poluções noturnas (as quais nos meninos se verificam desde os 12/14 anos), assim como as poluções diurnas meramente nervosas e involuntárias, não tem que ver, do ponto de vista moral. com a masturbação pecaminosa, a qual supõe sempre conhecimento de causa e vontade deliberada. Há, porém, casos em que a polução, embora não tenha sido diretamente provocada. ocorre em conseqüência de remota e imprudente excitação da sensibilidade; tal derramamento participa então do grau de culpa que toca a imprudência anteriormente cometida. Não é em vão, aliás, que os moralistas recomendam as almas fiéis o controle geral dos sentidos, mesmo independentemente do alguma tentação ao pecado; o afrouxamento dessa disciplina pode ser culpado e ocasionar culpas remotas.

Note-se bem que a própria natureza, mediante poluções espontâneas, prove devidamente as suas funções, de sorte que não é necessário ao indivíduo provocar pela masturbação o uso dos órgãos sexuais; tal provocação, longe de ser consentânea com a natureza, só se registraria em circunstâncias que contrariam as leis naturais do ato sexual (este – repita-se – foi concebido pelo Criador como função do amor,… e do amor conjugal,… amor cuja finalidade primária e a procriação da espécie). E não só faça objeção por parte da saúde: esta é muito mais assegurada pela observância das normas ou da ordem da natureza do que por qualquer violação da mesma.

2. Como remediar

Após o que dissemos, vê-se que não merece audiência a sentença dos que pretendem remediar a estados do desequilíbrio nervoso mediante a prática sistemática e controlada da masturbação. Tal método só concorre para agravar o mal psíquico, do mais a mais que freqüentemente os masturbadores desejam ardentemente libertar-se do seu hábito indigno.

Também não se alegará que o costume da masturbação é incurável, de sorte que baldado se tome todo esforço contrário. É verdade que não há uma via única de cura, aplicável a toda e qualquer situação; Os meios de combate deverão, antes, ser concebidos de acordo com as circunstâncias de cada caso. Como quer que seja, o tratamento oportuno será sempre um tratamento de base, visando o íntimo da personalidade da vítima, em conformidade com os seguintes princípios:

1) A vontade do paciente há de ser corroborada e sujeitada a uma disciplina. O uso e abuso da liberdade de conduta em nossos dias provocam naturalmente uma excessiva tensão sexual. Entre outros fatores de disciplina, enuncia-se o trabalho ou a entrega do paciente a uma tarefa séria que lhe desperte e prenda o interesse. Certas restrições na comida e na bebida concorrerão para amortecer o instinto sexual e fortalecer a vontade. Semelhante efeito será obtido pelo domínio da imaginação e o controle dos olhares.

2) Visto que a masturbação habitual suscita muitas vezes na vitima uma tendência (consciente ou inconsciente) a desprezar a si mesma, será preciso que o diretor e os amigos do paciente nele restaurem o senso de sua dignidade moral assim como uma confiança equilibrada em si mesmo nos casos de recaídas freqüentes, faz-se mister reavivar sempre a coragem do interessado, a sua vontade de combater, assim como a esperança de vit6ria; inculque-se-lhe continuamente que ele pode e deve recuperar-se.

3) Trate-se a vítima com bondade sincera e compreensiva. O fato de ser o masturbador um indivíduo fechado sobre si mesmo se explica não raro por jamais ter ele experimentadoa força do autêntico amor. Esta norma vale de modo particular para os pais e mestres de uma criança viciada ou tendente ao vício da masturbação; procurem os genitores e educadores em geral fazer do lar e da escola um ambiente simpático, no qual haja ritmo de vida equilibrado: repouso suficiente, exercício físico, amizades sadias tanto com rapazes como com moças.

4) Quanto ao paciente mesmo, após alguma queda ou recaída, não se deixe ficar numa situação de perplexidade indecisa, mas sem demora arrependa-se e renove seu bom propósito; se possível, empreenda mesmo um ato adequado de penitência (renúncia a tal ou tal divertimento, privação de alguma guloseima, prática de caridade para com o próximo…).

5) Para quem possui a graça da fé, o recurso aos meios sobrenaturais é não somente imprescindível, mas até soberano. Unicamente pelo auxílio de Deus recebido através da oração e dos sacramentos (confissão e comunhão) pode haver genuína esperança de vitória sobre a natureza. A fé ajuda o paciente a restaurar sobre novas bases a sua personalidade, mostrando-lhe que a grandeza de todo indivíduo está justamente em sair de si, esquecer e desprezar a si; ao passo que o egocentrismo depaupera a personalidade, a abertura em demanda de Deus e do próximo a dilata e enriquece. – Muito valioso é também o recurso a um bom diretor espiritual.

O juízo que acaba de ser proposto a respeito da masturbação talvez pareça severo demais e pouco adaptado à mentalidade moderna. – Não há dúvida, o homem contemporâneo tende a ceder à onda, abrindo mão dos mais tradicionais e preciosos valores da consciência moral; muitos pretendem confeccionar uma «ética de situação, existencialista», isto é, uma ética norteada apenas pelos elementos que parecem convenientes ao sujeito na situação em que «aqui e agora» se acha.

A essa tendência deve-se fazer a seguinte observação: é certamente necessário que a Moral leve em conta as circunstâncias precisas nas quais um indivíduo se encontra; a consciência bem formada compete justamente a tarefa de aplicar os preceitos da lei a cada caso concreto. Não compete, porém, ao indivíduo, nem à modas e aos tempos, retocar as normas da lei natural; esta é perene e imutável como a natureza humana. Ora é a natureza humana que assinala a função sexual a sua finalidade própria, independentemente da qual o uso de tal função vem a ser desvirtuado ou abusivo.

Embora em meio à onda laxista de nossos dias estas verdades pareçam árduas, o cristão sabe que a Senhor Deus não impõe preceitos impraticáveis, mas, junto com a obrigação, confere sempre a graça para que a criatura cumpra integralmente o seu dever. E a consciência disto que dá ânimo e otimismo ao discípulo de Cristo, impedindo que se deixe arrastar por modas dissolutórias contemporâneas.

– Naturalmente, na medida em que a masturbação tenha um fundo doentio e involuntário, sua culpabilidade e atenuada; pode ser mesmo nula, portanto isenta de julgamento e punição da parte de Deus.

6) Nos casos em que o vício solitário pareça provir de um fundo psíquico anormal, consu1te-se um psiquiatra, o qual procurará descobrir a raiz do mal e indicara a terapêutica adequada, terapêutica, porém, que nunca dispensará a colaboração consciente do indivíduo na medida em que ele a puder prestar.

7) Põe-se agora uma questão derradeira: o casamento será remédio para o vício da masturbação?

Em resposta, dever-se distinguir:

a) Caso a mau hábito careça de fundo patológico, sendo mero produto de debilidade moral, pode ser extinto ou, pelo menos, nota­velmente mitigado, pelo matrimônio, pois este oferece ao paciente a ocasião legítima de satisfazer a sua necessidade de vida sexual. Mesmo assim, porém, a casamento não a dispensará o indivíduo da aplicação da sua forca de vontade.

b) Dado que o vício provenha de um estado neurótico ou doentio, a casamento não solucionará o mal, podendo mesmo agravá-lo. Sim; a vida conjugal geralmente não cura o desequilíbrio nervoso e a narcisismo, de sorte que o enfermo continua a se satisfazer a sós, mesmo depois do matrimônio, acarretando então infelicidade para a sua própria comparte.

Eis alguns casos que ilustram tal afirmação:

A Sra. N. certa vez se apresentou a um psiquiatra, por sofrer de terríveis crises de depressão nervosa, experimentando sentimentos de ódio generalizado para com os homens, inclusive seu marido, e para com Deus mesmo. Casara-se havia dezessete anos com um homem muito bom, que lhe dispensava todas os cuidados, mas limitara suas relações conjugais à noite das núpcias e a uma única ocasião depois disto. – Pois bem; ficou averiguado que tal marido praticava a masturbação antes de se casar; esperava curar-se do vício mediante o matrimônio, mas infelizmente no decurso da vida conjugal verificara que mais se comprazia em seu antigo hábito solitário do que em relações conjugais. Dai a aflição e a desgraça da esposa…

Também se relata a caso da Sra. N. N., que foi procurar um psiquiatra por sofrer de obsessão nervosa. Seu mal tinha história assaz longa: costumava, sim, praticar o vício solitário antes do matrimônio. Uma vez casada, nunca conseguiu experimentar plena satisfação em suas relações conjugais; queixava-se de que o marido era pouco compreensivo e nenhuma experiência de vida sexual possuía. Seus antigos hábitos continuavam a deleitá-la de modo tais que resolveu dar-lhes de novo livre expansão, vindo a sofrer naturalmente do conflito decorrente da nova situação.

Estes dois episódios (consignados na obra de J. H. Vanderveldt P. Odenwald, Psychiatrie et Catholicisme. Paris 1954, pág. 532s) bem demonstram que o casamento, longe de resolver sempre a situação desequilibrada devida ao vício da masturbação, pode contribuir para agravar. Consciente disto, o sacerdote será especialmente cauteloso ao julgar as conveniências de matrimônio de pessoas dadas ao vício solitário. Em casos de dúvida, poderá com vantagem mandar consultar ou consultar um psiquiatra experimentado.