(Revista Pergunte e Responderemos, PR 230/1979)
Em síntese: As relações sexuais pré-matrimoniais se tornam cada vez mais freqüentes e “normais” em nossos dias.
Ora é de se lembrar que a união sexual vem a ser a expressão máxima da doação mútua de duas pessoas que se vão aproximando uma da outra mediante o namoro e o noivado. A união de corpos supõe o compromisso definitivo do amor e a estabilidade do lar, pois ela é por si fecunda, ou seja, tende a se exprimir num fruto ou num terceiro, que é a prole; esta firma o amor do homem o da mulher, obrigando-os a superar quaisquer resquícios de egoísmo.
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Verdade é que em nossos dias se propõem argumentos para justificar as relações pré-matrimoniais:
1) “O amor leva à plena comunhão”. Sim. Todavia é de notar que o ser humano chega à maturidade biológica antes do possuir maturidade psicológica e personalidade plena, capaz do sustentar o peso das relações do amor heterossexual.
2) “É preciso testar o amor”. – Quando se realizam relações sexuais para “provar” o (a) companheiro (a), falta a condição básica do amor que é entrega irrevogável e absoluta.
3) “A longa espera do casamento!…” – Não se corrija o “mal” da espera com outro mal, que seriam as relações pré-matrimoniais. De resto, a espera tem seus aspectos positivos, pois oferece aos jovens a ocasião de aprimorar sua formação humana ou cristã.
4) “O uso dos anticoncepcionais facilita…”. Os anticoncepcionais cindem amor e fecundidade; esterilizam um valor que por si é fecundo. Em conseqüência, marcam nocivamente o físico e o psíquico da mulher, que vem a ser facilmente instrumentalizada pelo egoísmo alheio, julgando “não correr riscos”.
5) “O contrato é mera formalidade…” – o contrato matrimonial significa a inserção do nós conjugal dentro do nós da grande sociedade. O amor é eminentemente social.
Eis por que importa mostrar aos jovens que as relações pré-matrimoniais, em vez de levar a mais felicidade e grandeza, muitas vezes não fazem senão alimentar o egoísmo dos interessados.
Comentário:
É fato notório que as relações sexuais anteriores ao casamento vão sendo cada vez mais julgadas como algo de normal. Os jovens parecem praticá-las tranqüilamente, máxime após a difusão da pílula anticoncepcional. Pergunta-se, pois: não se poderia dizer que realmente tal praxe nada tem de ilícito, desde que cultivada por amor?… ou desde que haja previsão de casamento entre as duas partes interessadas?
Responderemos a estas perguntas, após haver exposto o problema; abordaremos então 1) o conceito de amor; 2) a argumentação favorável às relações pré-matrimoniais.
O assunto, aliás, já foi abordado com certa amplidão em PR 167/1973, pp.467-484; por isto remetemos o leitor a tal artigo. Não deixamos, porém, de voltar á temática no presente número, vista a crescente atualidade da questão.
1. O problema
Os inquéritos realizados nos Estados Unidos e na Europa manifestam que a grande maioria dos jovens não vê dificuldade em aceitar re1ações pré-matrimoniais. Apenas pequena porcentagem de moças se casa em estado de virgindade; os próprios rapazes, que antigamente muito se importavam com a virgindade de suas futuras esposas, parecem não mais dar valor a tal exigência.
As razões explicativas desta situação parecem óbvias:
A sociedade contemporânea e acentuadamente permissiva; procura cada vez mais remover o que ela chama «os tabus do sexo». Os meios de comunicação social (televisão, cinema, teatro, impressos, periódicos…) muito contribuem para isto; direta ou indiretamente fixam a atenção do público sobre temas erotizantes; o «sexo» se torna quase obrigatório, para não se dizer:… obsessivo… Em conseqüência, as crianças e os adolescentes concebem curiosidade e interesses sexuais em idade precoce ou a grande distância do casamento.
Eis como Harvey Cox descreve a influência dos meios de comunicação social no caso:
“Os jovens são constantemente bombardeados pelo modo de vestir, pelas diversões, pe1os anúncios, etc., meios estes que talvez constituam a força mais habilmente preparada em matéria de estimulantes eróticos que jamais se tenha conseguido concentrar. Seus temores a fantasias sexuais são estudados por peritos em motivações e impiedosamente explorados pelos açambadores dos mass media” (La ciudad secular, Barcelona 1968, 2ª ed., p.277).
Acontece também muitas vezes que o casamento é diferido por motivos econômicos e profissionais, pois os jovens são obrigados a estudar mais a fim de poder conseguir certa estabilidade profissional e econômica… Ora a dilação do casamento, provocando impaciência, suscita numerosas e constantes ocasiões a tentação de anteciparem as re1ações conjugais.
Uma vez esboçado o problema, importa-nos traçar as respectivas pistas de solução.
2. Que é amor? Que é sexo?
1. Em nossos dias, não raro se confundem os conceitos de amor e sexo.
Na verdade, amor, no sentido próprio da palavra, é querer bem ao ser amado,… querer bem que muitas vezes não redunda em prazer ou compensação para quem ama, mas exige doação e entrega para que o bem do ser amado possa ser atingido. É claro que o amor nem sempre tem faceta tão austera[1]; em muitas de suas fases, o amor acarreta também alegria e prazer sensíveis, pois encontra doação recíproca da parte da pessoa amada.
Quando o amor ocorre entre dois jovens solteiros que se dispõem ao casamento, compreende-se que vá tornando novas e novas expressões de si mesmo… expressões que indicam o crescimento da doação íntima e mútua das duas pessoas em pauta. A união sexual, por ser a mais plena manifestação da recíproca entrega, não tem sentido no início do namoro nem durante o desdobramento do mesmo que ocorre no noivado, mas supõe a máxima e definitiva doação interior que só o matrimônio realiza. Com outras palavras: a união sexual supõe o compromisso estáve1 e responsável que é o casamento. Com efeito, tal união é naturalmente fecunda; ela leva a prole; ora a prole não se entende se não existe lar ou se não existe compromisso estável entre genitor e genitora, dispostos a educar os filhos que eles concebam.
2. Ademais note-se: o fato de alguém sentir atrativo por pessoa do sexo oposto não quer dizer que esteja em condições físicas e psíquicas de ter relações sexuais com a mesma. É preciso que haja amadurecimento paulatino, sem queima de etapas, a fim de que a união sexual possa significar ponto de chegada e autentica realização humana.
“O casamento é o clímax desse processo de crescimento”.
Ao se casarem, os noivos já devem ter superado, totalmente, o estado infantil do amor.
“A entrega dos seus corpos um só outro deve ser a manifestação total desse amor adulto que vai além do simples prazer físico, para atingir uma dimensão mais profunda de plena integração mental e psíquica” (HAROLDO GALVÃO, O problema é sexo. Ed. Paulinas, Sb Paulo 1914, pp.89a).
3. Tais princípios valem igualmente para o sexo masculino e para o feminino, embora se julgue que o rapaz (ou o homem) tem direito ao livre uso do sexo e se conteste o mesmo à mulher. Verdade e que a mulher vem a ser mais profundamente afetada por relações sexuais pré-matrimoniais do que o rapaz; tanto em seu físico como em seu psíquico ela se ressente seriamente das conseqüências de tal praxe. Isto, porém, não quer dizer que a natureza lhe tenha proibido algo que facultou ao sexo oposto. Na verdade, qualquer criatura humana está sujeita ao mesmo processo de amadurecimento pessoal; somente a união estável e definitiva, selada pelas núpcias, constitui o ambiente naturalmente propício à vida sexual, que por si é fecunda e tende à prole.
Eis, porém, que se propõem argumentos em favor das relações pré-matrimoniais. Vamos, pois, examinar de maneira objetiva a sua consistência.
3. Em prol das relações pré-nupciais…
Estudaremos cinco das principais razões comumente apresentadas:
3.1. «O amor leva à plena comunhão»
Na verdade, muitos namorados ou noivos procuram justificar a prática das relações pré-nupciais, apelando para a realidade de intenso amor recíproco; Segundo eles, tal amor exige, em termos inadiáveis, plena comunhão, ou seja, a consumação da união física. Dizem outrossim que é preferível ter relações pré-matrimoniais com amor a tê-las sem amor, isto é, com pessoas desconhecidas.
Respondemos que, na verdade, o amor implica comunicação e busca de intercomunhão pessoal. Todavia nesse «dar e receber mútuos» podem ocorrer muitas contrafações. Principalmente quando se trata de intercomunhão sexual plena, requer-se o exame da autenticidade do amor. Sim; quando se trata de entrega total física, é necessário afastar todo egoísmo (que não raro é confundido com amor); é necessário não hipertrofiar o caráter biológico do amor.
Quando um(a) jovem pergunta a(ao) namorada(o) ou noiva(o): Será que você não tem amor suficiente para dormir comigo?, está usando de artimanha. A(o) moça(o) há de lhe responder: «Certamente amo-o(a) tanto que me quero casar com você. Mas o matrimônio não consiste precisamente em dormirem os dois juntos: casamento significa permanecermos unidos para o bem, viver, crescer, tomar refeições conjuntamente e termos os nossos filhos como frutos dessa comunhão de vida. Enquanto não pudermos realizar tudo isso, não posso decepciona-lo(la), contentando-o(a) apenas com uma parte; não pertenço a tal tipo de pessoas. Mesmo que você não consiga entender isto, será que me ama suficientemente para esperar?
Diz muito a propósito John Robinson:
“A porta do amor é estreita e rigorosa, e as suas exigências muito mais profundas e penetrantes. Ao jovem que a propósito de suas relações com uma moça, nos pergunta: ‘Por que eu não o devo fazer?’ É relativamente fácil responder: ‘Porque não fica bem’ ou ‘Porque é pecado’… Muito mais exigente seria responder-lhe com a pergunta: ‘Você a ama?’ ou ‘Até que ponto a ama?’ e ajudá-lo então a decidir por si mesmo que, se não a ama ou não a ama profundamente, seu ato é imoral, ou que, se ama, tem de respeitá-la a tal ponto que já não lhe é possível abusar dela ou tomar com ela a menor liberdade” (Um Deus diferente. Ed. Herder, São Paulo 1967, p. 152s).
Ainda a propósito de autenticidade do amor, devem-se citar as palavras do Pe. Haring:
É preciso insistir no problema da palavra e da sinceridade, o amor é um encontro de todo o ser com a pessoa, para fazer uma só carne no sentido bíblico, que é total e definitivo. Esta sinceridade pode realizar-se de forma gradual. Na prostituição, por exemplo, não existe do modo algum porque só há instrumentalização da mulher que, inclusive, é anônima. No amor livre há sinceridade maior, porque já se trata de pessoa que tem nome, mas ainda não se operou realmente esta integração das pessoas de forma total a definitiva. Nas relações entre noivos, aproximamo-nos mais da sinceridade, embora esta ainda não seja total porque, mesmo que eles digam que é como se estivessem casados, na verdade continuam sentindo-se livres para voltar atrás……. Os jovens que hoje são tão sinceros, também têm que ser sinceros quanto a este problema das relações pré-matrimoniais’ (Mesa redonda sobre amor y sexualidad1 In Moral y hombre nuevo. Madrid 1964, p. 264).
Estas reflexões evidenciam que a necessidade de comunicação e comunhão entre namorados e noivos não exige relações sexuais. Estas são muitas vezes solicitadas por motivos que não são amor, mas, sim, egoísmo; há não raro muito mais amor na capacidade de abster-se até o momento oportuno do que no avanço descomprometido ou não plenamente comprometido com o parceiro.
3.2. «Testar o amor»
Não poucas pessoas tencionam justificar as relações sexuais pré-matrimoniais, baseando-se na necessidade de (experimentar) ou (testar o amor) a fim de se prepararem melhor para o matrimônio. Dizem que as relações sexuais constituem uma arte que precisa ser aprendida, a fim de se evitarem os fracassos de muitos casais. Além disto, o teste pré-matrimonial ajuda a descobrir qualquer incompatibilidade que depois dificilmente seria sanada.
– A este argumento duas observações sejam feitas:
a) Não há dúvida, o amor sexual é uma arte, no sentido de que exige delicadeza e compreensão mútuas; possivelmente o esposo e a esposa durante anos se vêem obrigados a fazer progressos nessa arte. Pergunta-se, porém: pode-se submeter o amor a «prova»? Não seria esse desejo de testar ou de submeter a prova a própria contradição ou deturpação do amor? Quando se realizam relações sexuais para «provar» o parceiro, falta a condição básica do amor, que e entrega irrevogável e absoluta.
b) Segundo a observação de bons pensadores, o teste pré-matrimonial pouco ou nada prova. A vida sexual, como dito, não se reduz a relações sexuais, mas e convivência diária é perseverante na alegria e na dor, na saúde e na doença,… Em conseqüência, pode acontecer que uma experiência pré-nupcial seja bem sucedida, mas em absoluto não garanta, nos interessados, a capacidade de conviverem e de compartilharem as responsabilidades e os fardos da vida cotidiana. Pode também um teste pré-matrimonial redundar em frustração, mas nem por isto significar fracasso na futura vida conjugal. Em síntese, não se pode estabelecer correlação entre aprendizagem sexual pré-matrimonial e felicidade matrimonial posterior. Na verdade, e preciso que se desfaça constantemente a suposição (às vezes, inconsciente) de que amor é, simplesmente, sexo ou vida conjugal ou é, sem mais ou principalmente, vida sexual.
3.3. A longa espera do casamento
Hoje em dia os jovens não se podem casar senão depois de haver adquirido certa estabilidade financeira, a qual supõe determinada profissão, ao menos por parte do noivo. Os estudos são protraídos, de modo que o casamento é diferido. Ora essa dilação do matrimônio gera certa impaciência na juventude, que, em conseqüência, apela para o uso do sexo anterior às núpcias. Esta seria uma fórmula compensatória, bem compreensível se se leva em conta que a sociedade na qual vivem os jovens solteiros é erotizante e suscita contínuos atrativos á vida sexual.
– Em resposta, reconheceremos que realmente as seduções são numerosas; criam um clima no qual a castidade pré-nupcial vem a ser difícil, se não mesmo heróica. Todavia observamos que um mal não se cura com outro mal; o adiamento do matrimônio, na medida em que possa ser um mal, não é remediado pela permissividade pré-matrimonial, que também é um mal. Com outras palavras: compreendemos o problema e a tentação que daí decorre para a juventude, mas lembramos que compreender não significa «aprovar», «coonestar».
Ademais notemos que a dilação do enlace matrimonial também pode ter seus aspectos positivos: oferece a juventude a ocasião de aprimorar a sua formação humana e moral. Se os jovens antes do casamento não adquirem o hábito de dizer não a si mesmos segundo as oportunidades que o possam exigir, dificilmente saberão contrariar a seus instintos depois do matrimônio.
3.4. O uso dos anticoncepcionais
Antigamente a abstinência sexual poderia ser fundamentada sobre os riscos que o uso do sexo acarretava: a possibilidade de engravidamento incutia receio ou mesmo espanto em muitas moças, que, diante de tal perspectiva, preferiam abster-se de relações sexuais. Atualmente, porém, está dissipado este risco pelo fato de que as pílulas anticoncepcionais são aptas a evitar o engravidamento. Por que então não recorrer ao uso do sexo antes mesmo do matrimônio?
– Notaremos, antes do mais, que o amor humano não é somente unitivo, mas por si também é fecundo. Isto quer dizer: o amor tende naturalmente a se abrir a um terceiro, que o fruto de tal amor; o filho simboliza concretamente o amor do homem e da mulher e o consolida, fazendo que ambos mais e mais convirjam em direção do terceiro, superando os resquícios do egoísmo. Em outros termos: o diálogo entre o homem e a mulher nunca poderá ser concebido como pura relação intersubjetiva, mas ele necessita de se tornar objetivo, ou de criar a sua própria objetividade.
Quem tenta subtrair ao amor a abertura para um terceiro, frustra a própria realidade do amor; mutila ou esteriliza um valor que é essencialmente fecundo e que se vai consolidando mediante a sua fecundidade.
Levem-se em conta outrossim os graves riscos – físicos e psíquicos – que incorre a mulher em conseqüência do uso do anticoncepcionais ou do fatores esterilizantes. O amor, na mulher, é intimamente marcado pelo senso da maternidade; dai os sérios inconvenientes que, em diversos níveis do sexo feminino, decorrem do recurso aos anticoncepcionais.
É, não raro, o egoísmo e especialmente o egoísmo do homem dissimulado sob a capa de «amor» – que sugestiona a mulher para que aceite tornar-se provisoriamente estéril, ou… para que aceite tornar-se instrumento inócuo do deleite do homem. Enquanto este se julga descomprometido e livre após as relações sexuais, a mulher se vê em situação diferente, pois ela é profundamente marcada – em seu físico e em seu psíquico – pelo relacionamento sexual. Toca-lhe muitas vezes carregar a sós as tristes conseqüências do um ato cujo parceiro se retira como se retiraria após haver usado um instrumento mecânico qualquer.
Ao fazer tais observações, não podemos deixar de registrar também que a própria natureza é por si estéril em certa fase do ciclo feminino. Tal esterilidade é necessária e sadia, pois concorre para restaurar e repousar o organismo feminino e assegurar o bem-estar do mesmo. O recurso às relações sexuais nos períodos de esterilidade natural nada tem de condenável, pois não contraria a natureza; esta não é artificialmente tornada estéril, mas é respeitada em seu ritmo próprio. – Afirmamos, porém, que mesmo nos períodos estéreis da mulher as relações sexuais são licitas tão somente dentro do matrimônio; elas supõem, sim, a doação máxima e total que só pode existir se existem um lar e um compromisso entre o homem e a mulher.
3.0. «O contrato é mera formalidade»
Vivemos numa época fortemente caracterizada pelo personalismo, que às vezes degenera em subjetivismo[1]. É por isto que não poucos jovens entendem o amor como relacionamento meramente intersubjetivo, esquecendo a dimensão social do amor. Em conseqüência, não vêem dificuldade em recorrer ao sexo fora ou antes de qualquer contrato matrimonial.
– Ora dizemos que o amor entre o homem e a mulher, além da sua dimensão pessoal, tem outrossim o seu aspecto social. Segundo Emmanuel Mounier (1905-1950), o fundador do personalismo, a pessoa só encontra a sua perfeição na comunidade e mediante a comunidade. Por extensão, a todo nós. corresponde um vós; aquilo que se realiza no binômio nós, deve dirigir-se a um plural vós que justamente corresponde à dimensão social do amor. Esta dimensão e especialmente importante quando se trata do amor sexual pleno; sem inserção corajosa e oficial dentro da sociedade, o amor sexual corre o risco de ser mero egoísmo e manipulação do parceiro.
Com outras palavras: a sexualidade não diz respeito somente a um indivíduo nem mesmo a duas pessoas apenas. Ela constitui um nós – o nós do casal – que se abre para o vós da sociedade. Não se pode viver um relacionamento sexual plenamente humano em um ambiente puramente privado e individualista. É no nós da sociedade que o casal se realiza plenamente e que o amor se consuma. Sim; o nós. da sociedade acolhe o casal; dá-lhe o apoio com que ele pode e deve contar para se consolidar em seus diversos aspectos. Por isto também a sociedade está interessada na regulamentação ética e jurídica do comportamento sexual; se este não se orienta segundo certas normas de respeito mútuo e de autodomínio, o bem comum da sociedade vem a sofrer graves danos. Em conseqüência, é indispensável a institucionalização da vida conjugal, sem a qual o uso do sexo se pode tornar um fator de desintegração da comunidade e de destruição dos membros desta.
Está claro que essa inserção na sociedade não deve ser entendida apenas como medida jurídica ou formal. O papel que os nubentes assinam no foro eclesiástico ou no foro civil, não é o principal elemento do matrimônio; todavia é um símbolo,… símbolo de uma realidade interior ou do amor que os nubentes tem a coragem de professar em público, porque estão dispostos a tomá-lo a sério. Não raro aqueles que menosprezam o caráter jurídico do matrimônio, fazem- porque não estão seguros do seu amor ou não estão dispostos a levá-lo até as últimas conseqüências; querem guardar a liberdade de recuar quando lhes aprouver, sem que se lhes possa lançar em rosto o documento previamente assinado.
4. Conclusão
Estas considerações projetam luz sobre o que as relações sexuais fora ou antes do matrimônio tem de abusivo e de prejudicial tanto para os indivíduos quanto para a sociedade, de interesse comum à instituição que se chama casamento. Mesmo relações sexuais pré-matrimoniais empreendidas de maneira esporádica, e não habitual, não encontram justificativa, ainda que pareçam ser manifestação de autêntico amor entre dois seres humanos. Com efeito, diz a «Informação ao Conselho Britânico das Igrejas»:
“Julgamos que relações esporádicas criariam provavelmente problemas mais numerosos do que aqueles que elas deveriam resolver, pois as relações sexuais não são algo que se possa separar adequadamente do contexto de um relacionamento permanentes” (Sexo e Moralidade, p.103).
Com outras palavras: as relações sexuais vinculam as pessoas ou estabelecem entre elas liames que não podem ser esquecidos ou cancelados segundo o arbítrio dos interessados.
A palavra «institucionalização» não é sempre agradável nem aceita pelo homem de hoje, que muito apregoa liberdade e criatividade. Não se poderiam, porem, ignorar os benefícios que toda justa legislação traz a sociedade; sem estipulação de direitos e deveres entre os membros de uma comunidade, esta se esfacela. A lei tem por finalidade não a sufocação da vida e dos seus valores, mas, ao contrário, visa a preservar e garantir o autêntico desabrochar dos mesmos. Isto se aplica também ao valor que se chama amor, existente entre o homem e a mulher e tendente a se exprimir em relacionamento sexual.
Compreende-se, porem, que, para não se sentirem sufocados pela institucionalização do matrimônio, se requer que os interessados se certifiquem previamente de que nutrem autêntico amor, que seja doação generosa, e não cobiça egoísta. Esta certeza só poderá ser adquirida paulatinamente, ou seja, se o amor que desperta nos jovens (com índole um tanto instintiva e cega) for submetido à delicada e prolongada educação, em vez de ser prematuramente exercitado em relações sexuais, o amor e a arte de amar são algo que se aprende mediante esforço e magnanimidade – esforço que é, ao mesmo tempo, maravilhosa descoberta.
Enquanto o amor não se torna suficientemente adulto e amadurecido para ser institucionalizado, a conduta do jovem a da continência pré-matrimonial. Esta não se deriva de mentalidade antiquada, marcada por tabus morais e desumanos, mas, sim pela própria índole do amor autenticamente concebido.
A propósito recomendamos o livro de MARCIANO VIDAL: Moral do amor e da sexualidade. Ed. Paulinas, São Paulo 1978.
Apraz citar outrossim o artigo Como vai a revolução sexual nos Estados Unidos, in Seleções, novembro de 1978, pp. 35-37.
Estêvão Bettencourt O.S.B.
[1] Dizemos austera, levando em conta a plano sensível, pois inegavelmente o amor implica sempre profunda alegria espiritual. O amor é algo de nobre, que enobrece, enriquece e, por isso, regozija intimamente a quem a o cultiva.
[2] “Personalismo” é a doutrina que respeita a pessoa humana e o seu mistério indevassável. Opõe-se no coletivismo ou no totalitarismo, que apaga as pessoa com suas notas típicas, merecedoras de toda a reverência. Em ultima analise, a pessoa humana traz em si a imagem a semelhança de Deus. “Individualismo” é o exagero da ênfase dada a pessoa. Significa hipertrofia das notas típicas de cada um ou do próprio sujeito com detrimento do aspecto social que marca a pessoa humana. Foi o filósofo francês católico Emmanuel Mounier quem, em 1932/3, lançou o termo “Personalismo”. Segundo Mounier, a pessoa é o indivíduo em suas relações comunitárias, de modo que o personalismo implica um certo comunitarismo. O personalismo opõe-se a individualismo a também a coletivismo.