Confissão: ainda a confissão sacramental(1)

(Revista Pergunte e responderemos, PR 175/1974)

Em síntese: A tão apregoada renovação do sacramento da Penitência foi recentemente levada a termo mediante a publicação do novo Ritual da Penitência

(“Ordo Paenitentiae”). Este foi dado a lume aos 7/11/1974, e será oportunamente publicado em tradução portuguesa.

Começa por propor algumas premissas teológicas e pastorais, que devem orientar a administração do sacramento. Este é apresentado enfati­camente como conversão a Deus e reconciliação do penitente com o Senhor e os seus irmãos na Igreja. O penitente não se deve importar apenas com o seu passado, mas há de se voltar também seriamente para o futuro, pro­curando em sua escala de valores colocar Deus em primeiro lugar. A di­mensão eclesiológica do sacramento é também fortemente realçada nessas premissas teológicas do novo Ritual: o pecado é ofensa à Igreja, de modo que a reconciliação é obtida na Igreja e pela Igreja. Nesta o sacerdote ou ministro do sacramento não é apenas juiz, mas exerce principalmente as funções de pastor e médico, em continuidade com as funções do Cristo Jesus.

O corpo do Ritual propõe as três maneiras de se administrar o sacra­mento:

1) Reconciliação em quadro individual; 2) Reconciliação comunitá­ria com confissão e absolvição Individuais; 3) Reconciliação comunitária com confissão e absolvição gerais, ficando a confissão para ocasião pos­terior.

Em apêndice, o Ritual oferece um roteiro para exame de consciência, o qual inclui questões que a vida moderna impõe ao cristão (principalmente deveres de justiça social), sem, porém, negligenciar as virtudes de autodo­mínio e castidade características de autêntica vida cristã.

Em suma, o novo Ritual é destinado a produzir copiosos frutos, caso seja bem compreendido e devidamente executado por sacerdotes e fiéis.

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Comentário: Mais uma vez, em fevereiro de 1974, os jor­nais nos transmitiram notícias sobre o sacramento da Confis­são. Sucintas como eram, deixaram o público, em grande parte, equivocado sobre o assunto; não poucas pessoas chegaram mesmo a conceber a idéia de que doravante bastaria ao fiel católico confessar-se diretamente a Deus.

Na verdade, o que houve foi a publicação, por parte da Santa Sé, do novo Ritual da Penitência sacramental, novo Ri­tual que, já havia muito, era esperado, pois corresponde aos anseios do Concilio do Vaticano II (cf. Const. «Sacrosanctum Concilium» n° 72). O documento traz a data de 2 de dezembro de 1973, mas só foi dado a lume aos 7 de fevereiro de 1974.

O novo texto (que consta de 119 pp., 170 x 240 mm) pro­põe primeiramente algumas linhas doutrinárias, que devem orientar a praxe da confissão sacramental, e, a seguir, regula­menta as três maneiras de administrar esse sacramento.

É, pois, o conteúdo e o espírito teológico do novo «Ordo Paenitentiae» (Ritual da Penitência)[1] que vamos resumida­mente transmitir aos leitores nas páginas que se seguem.

1. O novo “Ordo Paenitentiae”

O documento se abre com os chamados «Praenotanda» ou com premissas doutrinárias, distribuídas por 40 parágrafos. Usando de linguagem precisa, ao mesmo tempo que bíblica, essa Introdução procura mostrar que o sacramento fica sendo, em sua essência, o que sempre foi; visa mesmo evitar que o sacra­mento seja desvirtuado ou esvaziado no futuro.

1.1. Linhas teológico-pastorais

1. O título I (§ 1 e 2) das Premissas aborda o «Mistério da reconciliação na história da salvação». Recorrendo a nume­rosas passagens da S. Escritura, os dois parágrafos respectivos dão a ver que a reconciliação dos homens com Deus é de ini­ciativa do próprio Deus. O Pai quis, mediante Jesus Cristo, cha­mar todos os homens da servidão do pecado ao Reino de Deus. Para franquear o acesso a este, o Filho de Deus feito homem se ofereceu na cruz e confiou aos seus ministros a obra da reconciliação dos homens com Deus. Esta obra se exerce me­diante o Batismo, a Penitência sacramental e a Eucaristia.

2. O título II (§ 3-7) considera a «Reconciliação dos Penitentes na vida da Igreja». Lembra que os membros da Igreja, sempre sujeitos à tentação e à queda, incessantemente necessitam do ministério da reconciliação. Essa reconciliação se faz mediante a virtude e o sacramento da Penitência. É si­multaneamente reconciliação com Deus e com a Igreja ou com os irmãos, pois o pecado é sempre uma injúria cometida contra os irmãos; a própria comunidade fraterna deve, de algum modo, ajudar o pecador a se reconciliar com Deus e com a Igreja.

O elemento essencial da Penitência sacramental é a con­versão, O desejo de conversão leva o homem a procurar a re­conciliação sacramental, a qual consta de quatro partes:

a contrição, isto é, a dor e a detestação do pecado, acompanhadas do vivo propósito de vida nova. O cristão peni­tente procurará não somente evitar as futuras ocasiões de pe­cado, mas também tenderá a conformar o seu modo de pensar, julgar e viver ao modelo que Cristo Jesus nos propôs;

a confissão. Procede do reconhecimento que o cristão tem de suas faltas, e do desejo de as manifestar sinceramente ao ministro de Deus, a fim de receber pelo ministério da Igreja o perdão do Senhor. Ao acusar-se, o cristão jamais se esque­cerá de que Deus é Pai, e Pai misericordioso;

a satisfação. A autêntica conversão inclui emenda de vida e restauração da ordem violada pelo pecado, também dita satisfação. Esta, que em tempos passados, foi, por força de circunstâncias várias, reduzida à recitação de breves preces («Pai Nosso» e «Ave Maria», por exemplo), deverá ter cunho medicinal, de modo a ajudar o penitente a libertar-se de suas faltas, renovar a sua vida e reparar a ordem burlada;

a absolvição. Ao penitente que se confessou contrita­mente, Deus concede o perdão mediante a absolvição proferida pelo ministro. Esta dá acesso a fervorosa participação da mesa do Senhor ou da Eucaristia.

A seguir, o mesmo titulo II considera a necessidade e a utilidade do sacramento da Penitência. Este é necessário à re­conciliação de todo cristão que haja perdido a comunhão de amor com Deus. A confissão sacramental fica sendo o único modo ordinário de reconciliação com Deus e com a Igreja (a menos que obstáculos graves físicos ou morais o impossibili­tem). O penitente deve confessar todos os pecados graves de que se lembre após exame de consciência,… exame feito a sós ou com o auxilio do sacerdote confessor. – O mesmo sa­cramento é útil e frutuoso também aos fiéis que só tenham pecados leves ou veniais a acusar; é útil, não propriamente por ser uma conscientização psicológica, mas porque dá mais intima participação na morte e na ressurreição do Senhor Jesus.

Como se compreende, essa participação sacramental exige que a vida cotidiana dos fiéis mais e mais se configure a Cristo num generoso serviço a Deus e aos irmãos e numa atenção cada vez mais dócil às inspirações do Espírito Santo. [2]

3. O título III (§ § 8-11) trata dos «Deveres e ministérios ocorrentes na reconciliação dos penitentes». Afirma primeira­mente que a Igreja inteira toma parte na reconciliação dos penitentes, exercendo então funções diversas, como sejam a pregação da conversão, a exortação à penitência, a intercessão pelos pecadores e, de modo especial, o ministério confiado por Cristo aos Apóstolos e aos seus sucessores.

Este ministério é exercido pelos bispos e presbíteros. Cada presbítero deve receber do respectivo bispo a faculdade de absolver sacramentalmente, conforme manda o Código de Di­reito Canônico. Todavia qualquer sacerdote, ainda que não tenha jurisdição alguma, pode absolver válida e licitamente qualquer penitente que se ache em perigo de morte. – Para exercer devidamente as suas funções, o confessor deve possuir sabedoria e prudência; procure atualizar-se assiduamente de acordo com a doutrina da S. Igreja. Lembre-se de que, em primeiro lugar, é pai e pastor, que continua a missão do Bom Pastor. Esteja disposto a atender aos fiéis em confissão sempre que estes o pedirem razoavelmente. Incumbe-lhe severamente o dever de guardar o sigilo sacramental.

Quanto ao penitente, terá consciência de que não se deve comportar de maneira meramente passiva, pois, por sua pre­paração e suas disposições, concorre para a recepção frutuosa do sacramento.

4. O título IV (§ 12-35) propõe as normas para a «Cele­bração do sacramento da Penitência».

O lugar da administração do sacramento é «aquele que o Direito estabelece» (n° 12). No n° 38, b, o mesmo documento declara: «Compete às Conferências Episcopais… baixar nor­mas precisas a respeito do lugar apto à celebração ordinária do sacramento da Penitência». Embora a imprensa tenha noti­ciado que o confessionário foi abolido, ve-se que não é isto que está contido no novo «Orlo» (Ritual). É verdade que este, pre­vendo uma leitura bíblica e a imposição das mãos do confessor sobre o penitente, deve supor acomodações que permitam a execução destes ritos; todavia, segundo o S. Padre Paulo VI e os comentadores, não é intenção da Igreja negar as vantagens que o confessionário possa oferecer tanto ao sacerdote como ao penitente. [3]

O sacramento da reconciliação pode ser administrado a qualquer momento do dia e da noite. Todavia convém que os fiéis tenham conhecimento do horário em que os sacerdotes estejam disponíveis para este ministério. Não ocorra isto du­rante a celebração da Eucaristia, ao contrário do que se dava em tempos passados.

As vestes litúrgicas do ministro do sacramento serão esti­puladas por cada bispo em sua diocese.

A seguir, o Ritual expõe as três maneiras de se adminis­trar o sacramento da Penitência que referiremos adiante com particular atenção.

5. O título V ( § 36-37) leva em conta as «Celebrações penitenciais». Trata de paraliturgias, em que há leituras bí­blicas, cantos, preces, homilia e exortação à conversão… ; não incluem, porém, a confissão específica dos pecados. Por conse­guinte, não se devem confundir com a celebração do sacra­mento da Penitência. Como quer que seja, são úteis para exci­tar a contrição e o espírito de penitência, como também para preparar a confissão sacramental.

6. O título VI ( § 38-40) diz respeito às eventuais «Adap­tações do rito às várias regiões e às diversas circunstâncias».

Algumas destas competem às Conferências Episcopais: tais são a designação de sacerdotes e a reservação de pecados, a determinação do lugar de celebração do sacramento, a tradução dos textos oficiais e a confecção de fórmulas complementares.

Ao bispo diocesano toca regulamentar a disciplina da re­conciliação em sua diocese, de acordo com as normas estabe­lecidas pela respectiva Conferência Episcopal. Em consonân­cia com outros bispos da mesma Conferência, deverá também estipular os dias em que, na sua diocese, será lícito dar a absol­vição sacramental comunitária prevista para casos excepcionais (veja-se a terceira maneira de se administrar o sacramento da Penitência).

Aos presbíteros, principalmente se são párocos, compete adaptar leituras, orações e circunstâncias da administração da Penitência, observando, porém, a estrutura essencial e a inte­gridade da fórmula de absolvição, assim como as normas pro­mulgadas pela Conferência Nacional dos Bispos. Toca também aos presbíteros instituir algumas vezes por ano celebrações pe­nitenciais. Em caso de grave necessidade não previsto pelo bispo local, poderá dar a absolvição comunitária sem recorrer ao bispo diocesano, desde que o recurso não seja possível; fi­cará, porém, obrigado a comunicar quanto antes ao respectivo bispo o fato ocorrido.

Passemos agora à análise dos diversos modos de se admi­nistrar o sacramento da reconciliação.

2. Os três modos de administrar a Penitência

O corpo, propriamente dito, do novo Ritual consta de qua­tro capítulos, dos quais os três primeiros propõem respectiva­mente os três modos de se celebrar a reconciliação e o quarto apresenta textos bíblicos e fórmulas várias que podem ser uti­lizadas nesses diversos modos.

Vejamos de que consta cada uma dessas maneiras de admi­nistrar o sacramento da Confissão.

2.1. A reconciliação em quadro individual

O sacerdote e o penitente são exortados a se preparar, pela oração, para celebrar o sacramento da Penitência. A seguir, o sacerdote acolhe o penitente saudando-o fraternalmente e esti­mulando-o à confiança em Deus; caso não conheça o penitente, pergunte-lhe o confessor desde quando não se confessa e quais as principais dificuldades que experimenta em sua vida cristã.

É conveniente então que ou o sacerdote ou o penitente leia alguma passagem bíblica que disponha à conversão. Após isto, o penitente faz a sua confissão, sendo para tanto ajudado pelo sacerdote (caso haja necessidade). O confessor acrescentará reflexões e exortações oportunas a firmar o propósito do peni­tente em demanda de uma vida nova. – O Ritual observa que em tais circunstâncias as palavras do sacerdote e o seu con­teúdo deverão ser claros e acessíveis à compreensão do peni­tente.

Segue-se a imposição da satisfação sacramental, que, na medida do possível, deverá corresponder ao número e à gravi­dade dos pecados acusados. Terá valor medicinal, servindo à renovação de vida do penitente: orações, renúncia a si mesmo, serviço ao próximo e obras de misericórdia (que realçam o caráter social do pecado e do perdão)… são os exemplos dados pelo Ritual.

O penitente exprime então, mais uma vez, a sua contrição e o seu propósito mediante oração adequada (“ato de contri­ção”, como se costuma dizer). Feito isto, o sacerdote, com as duas mãos (ou ao menos com a direita) estendidas sobre a cabeça do penitente, profere a fórmula de absolvição, que cons­ta das seguintes palavras:

“Deus, Pai de Misericórdia, que pela morte e a ressurreição de seu Filho, reconciliou consigo o mundo e derramou o Espírito Santo para a re­missão dos pecados, conceda-te indulgência e paz pelo ministério da igreja.

E eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai, do filho e do Espírito Santo”.

Ao que o penitente responde: “Amém”

O rito se termina com uma palavra de ação de graças a Deus e de despedida do penitente.

Visto que este rito é um pouco longo e supõe disponibili­dade de tempo por parte das pessoas interessadas, o Ritual prevê possa ser abreviado em suas partes acidentais.

2.2. A reconciliação comunitária com confissão a absol­vição individuais

Este tipo de celebração põe em realce a índole eclesial da penitência cristã, pois se faz em assembléia, da qual constam numerosos fiéis e, se possível, mais de um sacerdote. Eis o es­quema proposto para tal liturgia:

ritos iniciais (canto, oração silenciosa e em voz alta);

leitura de um ou mais textos bíblicos, à qual se segue uma homilia do sacerdote que preside à assembléia;

exame de consciência em silêncio ou, se for oportuno, sugerido e orientado por um presbítero ou por um diácono;

rito de reconciliação. Todos se ajoelham ou inclinam e proferem a fórmula de confissão geral («Confesso a Deus todo ­poderoso … »). Recitam orações litânicas (em forma de ladai­nhas) ou cantam algo que exprima a contrição dos penitentes e a sua confiança na misericórdia de Deus. Segue-se o «Pai Nosso», que nunca há de ser omitido.

Os sacerdotes então se dirigem para lugares um tanto afastados no recinto, onde ouvirão a confissão auricular dos fiéis que desejarem receber a absolvição sacramental. Cada um destes escolherá o confessor que preferir. Este, após a confis­são, imporá a satisfação respectiva e pronunciará a absolvição nos termos atrás enunciados.

Tendo todos regressado aos seus lugares, cantam ou reci­tam uma prece de ação de graças ao Senhor ;

despedida. O sacerdote abençoa os fiéis e ele mesmo (ou o diácono que esteja presente) os despede.

Resta ver

2.3. A reconciliação comunitária com confissão e absol­vição gerais

1) Frisa o Ritual (n° 31-33) que esta terceira modalidade de administrar a reconciliação é excepcional. Ocorre quando não há sacerdotes suficientes para atender pessoalmente a grande número de fiéis que peçam a penitência sacramental dentro de prazo limitado, de tal modo que essas pessoas, caso não fossem atendidas, ficariam por muito tempo – e sem culpa sua – privadas da graça sacramental e da S. Comunhão. Isto pode acontecer em territórios de missão como também em re­giões católicas onde haja penúria de sacerdotes para o minis­tério pastoral em dias festivos ou solenes. – Dado, porém, que se possa obter suficiente número de sacerdotes para ouvir pessoalmente o grande número de confissões solicitadas, não é lícito recorrer à absolvição comunitária.

Como dito, compete ao bispo diocesano estipular os dias em que na sua diocese se costumam verificar as condições para a reconciliação comunitária.

Quanto aos fiéis que se queiram beneficiar dessa absolvi­ção, requer-se estejam sinceramente contritos e tenham o pro­pósito de suprir, no máximo dentro de um ano, a confissão dos pecados que no momento não lhes é possível fazer. Não pode­rão receber nova absolvição comunitária se não tiverem ante­riormente realizado a mencionada confissão sacramental (a não ser que justo motivo os impeça de procurar a confissão). Acres­centa o Ritual (n° 33): «A respeito dessas disposições e condi­ções, exigidas para o valor do sacramento, os sacerdotes admoestarão diligentemente os fiéis».

2) Feitas estas advertências, o Ritual descreve a maneira de proceder à absolvição comunitária:

O rito é semelhante ao que foi descrito na segunda moda­lidade do sacramento. Apenas se requer que na homilia o sa­cerdote excite os fiéis à contrição e ao propósito e exponha os requisitos atrás enunciados. Indique também a satisfação sa­cramental que os penitentes hão de executar.

A seguir, o celebrante ou outro ministro peça aos fiéis desejosos de absolvição que manifestem este seu desejo me­diante algum sinal visível. Recitarão então todos a fórmula de confissão geral (“Confesso … ”), ao que se seguirão uma prece penitencial e um «Pai Nosso».

Finalmente, o sacerdote dá a absolvição sacramental, incita os fiéis à ação de graças e despede-os com a bênção sacerdotal.

Como se vê, o novo Ritual não deixa margem a hesitações sobre a oportunidade e a maneira de administrar a confissão sacramental. Os diversos casos ocorrentes na vida de hoje estão assim previstos.

Aos quatro capítulos que constituem o corpo desse Ritual seguem-se alguns apêndices

que bem merecem nossa atenção, ainda que ligeiramente.

3. Em Apêndice: fórmula para exame de consciência

Três são os Apêndices do novo Ritual: o primeiro indica como dar a absolvição de alguma censura ou a dispensa de alguma irregularidade canônica. O segundo oferece esquemas diversos para celebrações penitenciais paralitúrgicas, levando em conta as grandes fases do ano cristão (Quaresma, Advento) e os diversos tipos de assembléias ocorrentes (meninos, jovens, enfermos). O terceiro Apêndice apresenta um esquema de exame de consciência, que a imprensa comentou especialmente e que, por isto, vai aqui mais minuciosamente mencionado.

Antes do mais, o esquema propõe três questões introdu­tórias:

1) Freqüento o sacramento da Penitência por sincero de­sejo de purificação, conversão e maior intimidade com Deus, ou considero o sacramento como um fardo a ser aceito em raras circunstâncias?

2) Esqueci ou voluntariamente silenciei algum pecado grave em confissões passadas?

3) Prestei a satisfação imposta? Reparei as injúrias que devia reparar? Procurei cumprir os meus propósitos de emenda de vida?

Seguem-se interrogações concernentes a três pontos cons­titutivos de um modelo tradicional de exame: deveres para com Deus, deveres para com o próximo. deveres para com o próprio penitente.

Os jornais puseram em relevo o fato de que, entre os de­veres para com o próximo, o formulário do exame propõe numerosas questões decorrentes de situações típicas da vida moderna: justiça social, solicitude pelos indigentes, atenção aos anciãos, aos estrangeiros, cumprimento dos deveres civis, paga­mento de impostos, respeito às autoridades legitimas, pagamento do justo salário, fidelidade aos contratos, principalmente aos de trabalho, observância das leis do tráfego…

A atenção voltada a estas questões, com a finalidade de excitar os católicos a dar em tudo um coerente testemunho de sua adesão a Cristo, não impede que haja também no formu­lário uma revisão de assuntos estritamente pessoais. Com efeito, o penitente é convidado a se examinar igualmente no tocante ao domínio que ele exerça sobre as suas tendências inatas, con­cupiscências, paixões,… no tocante à castidade em todas as suas facetas, no tocante ao respeito devido ao próprio corpo, “templo do Espírito Santo, chamado à glória da ressurrei­ção”,… no tocante às suas leituras e conversas, aos espetácu­los e às diversões que freqüente.. .

Na verdade, a Igreja não valoriza menos as virtudes pes­soais e o autodomínio pelo fato de chamar a atenção para os novos deveres que para o cristão decorrem das situações da vida social de nossos dias.

De resto, cada Conferência Episcopal tomará o cuidado de completar e adaptar o formulário de exame de consciência proposto no novo Ritual, a fim de que a vida cristã, vivida em todas as partes do globo, se possa beneficiar de sua pureza e coerência. – Tal é o grande objetivo do sacramento da Peni­tência e do quadro de instruções e ritos que o cercam.

O exame sucinto de cada uma das partes do novo Ritual da Penitência sacramental sugere agora algumas reflexões com­plementares, que nos permitam avaliar o significado desse importante documento.

4. Reflexões finais

O novo Ritual da confissão sacramental foi recebido pelo público interessado com reações diversas, se não contraditórias: enquanto alguns o achavam perigosamente avançado, outros o tiveram na conta de rigidamente conservador; por sua vez, um terceiro grupo de comentadores, deslocando o enfoque, o julgou difícil de ser posto em prática.

Na verdade, o novo Ritual paira acima e longe das cate­gorias de “progressistas” e “conservador. Justamente nas suas premissas teológicas e pastorais, redigidas em termos claros e cautelosos, os responsáveis pelo texto se empenham por mos­trar que a essência do sacramento permaneceu, e deverá per­manecer, intata. Quanto à execução do rito, foi concebida em termos suficientemente flexíveis para poder ser adaptada a casos especiais e a emergências ocorrentes.

Não obstante, alguns traços característicos do novo Ritual merecem a nossa atenção por constituírem não propriamente uma alteração essencial, mas por sugerirem uma maneira muito bíblica e fecunda de considerar o sacramento da Penitência.

Quais seriam esses traços?

4.1. Reconciliação

Quem percorre o histórico do sacramento da Penitência, verifica que ele foi diversamente focalizado no decorrer dos séculos:

Os antigos cristãos e os Padres da Igreja consideravam nesse sacramento principalmente o aspecto de satisfação, ou seja, de expiação dos pecados mediante o exercício de obras boas. Por isto, os antigos impunham longas e penosas obras de satisfação (uma quarentena de jejuns, por exemplo) aos peni­tentes depois de os ouvir em confissão e antes de lhes dar a absolvição sacramental (na quinta-feira santa).

Da Idade Média até os últimos tempos, deu-se muita ên­fase aos aspectos de acusação dos pecados e absolvição sacer­dotal do sacramento da Penitência: sacerdotes e penitentes se ocupavam religiosamente com a acusação de todas as faltas graves segundo espécie e número.

Ora o novo Ritual da Penitência, sem desdizer em absoluto aos aspectos de acusação, satisfação e absolvição essenciais ao sacramento, põe grandemente em relevo o aspecto de recon­ciliação. Esta significa reencontro do homem com a misericór­dia de Deus mediante o ministério da Igreja. Significa também conversão,… conversão do penitente ao Senhor Deus.

É por isto que as premissas doutrinárias recordam, logo de início, a pregação dos Profetas, que incutiam a conversão total do coração ao Deus da aliança; recordam também as exortações do Batista e, por fim, as do próprio Cristo, que ini­ciou a sua vida pública, chamando os homens a mudar de mente e crer no Evangelho (cf. Mc 1,4.15).

O tema “conversão” não quer dizer apenas “repúdio e detestação do pecado”, em vista do perdão. Inclui também uma revisão da escala de valores que tenham orientado a conduta do pecador; Deus será doravante reconhecido, teórica e pratica­mente, como Senhor e Pai ou, ainda, como Supremo Valor.

A idéia de conversão foi obscurecida pelo jansenismo, que ensinava ser a verdadeira conversão uma experiência difícil e rara, quase impossível ao comum dos cristãos. Por isto muitos fiéis nos dois últimos séculos se confessavam dando talvez gran­de atenção à acusação de seus pecados, mas pensando menos em converter ou, ainda, em colocar Deus no ápice absoluto de sua escala de valores.

É, por isto, muito oportuno que o novo Ritual, longe de cair no pessimismo jansenista, insista em que o cristão, com a graça divina, pode e deve reconciliar-se com Deus, conver­tendo-se, ou seja, orientando toda a sua conduta de vida ao cumprimento da vontade do Pai.

Essa conversão não é algo de momentâneo, mas um pro­cesso contínuo e uma nota constante da vida cristã. Ela implica a vontade de se abster até mesmo do pecado tido como leve e de perseverar tenazmente na prática do bem. É assim que o cristão de dia para dia se configura mais e mais à imagem do Filho de Deus. – Consciente disto, o cristão não se surpreende, se não experimenta reação psicológica ou mudança sensível no momento em que recebe a absolvição; esta não é destinada a produzir, como que mágica e instantaneamente, alguma trans­formação psicológica no penitente.

Outra nota característica do novo Ritual seja aqui consi­gnada

4.2. Conversão na Igreja e mediante a Igreja

Os teólogos nos últimos tempos têm posto em relevo a di­mensão eclesiológica própria da Penitência cristã. Os antigos mestres da Igreja consideravam a Penitência como uma insti­tuição litúrgico-pastoral e jurídica mediante a qual a Igreja readmitia o pecador à comunhão com Ela (comunhão perdida pelo pecado), de tal modo que na comunhão da Igreja o peni­tente reencontrava o seu relacionamento filial com Deus. Ora o Concilio do Vaticano II contribuiu fortemente para restaurar tal modo de ver ; cf. Const. “Lumen Gentium” n° 11 e 14. O novo Ritual levou fielmente em conta tal perspectiva teológica. Assim

– incutiu o aspecto social do pecado. O pecado “divide e desagrega”, ao passo que na reconciliação com Deus “a cari­dade reconduz à unidade” (n° 99);

– apresentou a justiça (no sentido bíblico de santidade) cristã, à qual tende a penitência continua do cristão, como união com Deus que implica a reconciliação com o próximo (n° 5), solidariedade dos homens de boa vontade em vista da paz e da justiça no mundo (n° 5) e inserção do penitente na unidade da Igreja (n° 3).

Aliás, a Igreja, no contexto das premissas teológicas do Ritual, não é concebida como uma comunidade de cristãos per­feitos que já atingiram a sua meta, mas, sim, como comunidade de fiéis postos a caminho da Casa do Pai e da perfeição (n° 5). Assim o penitente que volta a Deus Pai, na Igreja e pela Igreja, deve sentir-se como um viandante incitado a incessante dina­mismo; parar ou dar-se por satisfeito na estrada da perfeição equivale a recuar.

4.3. Estilo bíblico

O sacramento da Penitência tem seu inegável aspecto ju­rídico, baseado nas próprias palavras de Cristo, que quis con­ferir aos apóstolos e seus sucessores o poder de perdoar ou não perdoar (devendo eles, para tanto, julgar as situações ocor­rentes). Sem negar tal aspecto do sacramento, o novo Ritual realça fortemente o significado pastoral e vital da reconciliação sacramental. As fórmulas que propõe, são inspiradas, em gran­de parte, na linguagem da Bíblia e dos antigos Padres da Igreja, retomando imagens usuais no Evangelho. O novo Ritual admite também certa flexibilidade, ou seja, escolha de textos de acordo com as situações em que o sacramento seja administrado; em­prega várias vezes a palavra “convenit” (convém) em suas rubricas, justamente para permitir ao sacerdote avalie as cir­cunstâncias em que se ache e ajude o penitente a uma conver­são tão profunda quanto possível.

Conseqüentemente, o confessor é apresentado não apenas como juiz, mas também (e com certa ênfase) como médico, que deve procurar diagnosticar as enfermidades das almas e indi­car-lhes os remédios oportunos. Somente se o sacerdote se iden­tificar com Cristo Médico e Bom Pastor, poderá ele exercer frutuosamente o seu ministério.

Passemos agora a uma

5. Conclusão

O novo Ritual do sacramento da Penitência veio pôr termo à renovação litúrgica da confissão sacramental tão desejada pelo Concilio do Vaticano II. A reforma do rito foi sabiamente concebida, guardando todas as linhas teológicas que a fé ins­pira e, ao mesmo tempo, prevendo as adaptações necessárias à mais viva participação dos fiéis nos frutos desse sacramento.

O novo Ritual só entrará plenamente em uso depois que tiver sido traduzido para as diversas línguas vernáculas e as traduções houverem sido aprovadas pelas autoridades compe­tentes. Todavia, para que produza os almejados efeitos, o Ritual deverá ser considerado e compreendido com carinho pelos sa­cerdotes e fiéis; é necessário que as perspectivas, aí propostas, de pecado, conversão, Igreja, santificação, dinamismo da vida cristã sejam profundamente assimiladas pelos sacerdotes e pelo povo de Deus em geral. Tais perspectivas ajudarão os fiéis (presbíteros e leigos) a sair de uma possível praxe rotineira para tomarem consciência do valor do sacramento da reconci­liação. Esse esforço suscitado pela fé e pelo amor não poderá deixar de produzir copiosos frutos. Como se compreende, a efi­cácia do novo Ritual e a obtenção das metas assinaladas de­penderão, em grande parte, do empenho dos bispos e ministros, aos quais está confiado o valioso ministério da reconciliação.

A propósito, seja citado o artigo de Zoltan Alszeghy S. J., “La riforma della penitenza ecciesiale”, em “La Cività Cattolica” 2970, 161111/74, pp.

544-554. – Neste mesmo número da revista, encontra-se a crônica de Gio­vanni Caprile : “li nuovo Ordo Paenitentiae”, „pp. 586-589.

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NOTAS:

[1] “Ordo Paenitentiae”. Editio typica. Typis polyglottis Vaticanis MCMLXXIV, 8° 124.

[2] Aliás, a Igreja tem incutido nos últimos anos não somente a confis­são sacramental como tal, mas também a chamada “confissão de devoção”, ou seja, aquela em que só há pecados leves a acusar. Esta tem sentido e valor para a santificação dos fiéis, de modo que não deveria ser menospre­zada. Cf. as “Normas…” publicadas pela S. Congregação dos Religiosos aos 26/03/71, assim como as “Normas pastorais concernentes à absolvição sacramental comunitária”, promulgadas pela S. Congregação para a Doutrina da Fé aos 16/04/72.

[3] Vejam-se as palavras de Paulo VI proferidas na audiência pública de 3/04/74 (“L’Osservatore Romano”, ed. portuguesa de 7/04/74, p. 3).