Conversões: uma jovem budista descobre Jesus e a igreja

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 415/1996)

 

Em sínteseA jovem Yavy budista, do Cambodja (SE asiático), descobriu o Cristo e a Igreja a partir da caridade dos discípulos de Cristo. Foi esta que, em diversas situações de sua vida, lhe chamou a atenção: desconhecida e estrangeira como era em Paris, ela foi acolhi­da e ajudada de maneira decisiva. O fato merece ser sublinhado. Com efeito; as três virtudes teologais são a fé, a esperança e a caridade; tal é a ordem lógica segundo a qual são estudadas nos tratados de Teolo­gia. Todavia a ordem lógica muitas vezes não é a ordem psicológica; muitas pessoas incrédulas não começam sua conversão estudando as verdades da fé, mas se dispõem a procurar Deus considerando a vi­vência daqueles que dizem crer em Deus; a vivência na caridade é a fé mais eloqüentemente apregoada, é a tradução mais concreta e signifi­cativa dos artigos da fé.

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A revista Missions Étrangères de Paris (Missões Estrangeiras de Paris), em junho de 1995, publicou o relato de conversão da jovem Yavy, khmer, do Budismo ao Catolicismo. A narração é interessante porque mostra como os caminhos de Deus são variados; essa jovem se deixou atirar principalmente pela caridade dos fiéis católicos; assim provocada, procurou conhecer a mensagem do Catolicismo apta a sus­citar tal testemunho de amor fraterno.

À guisa de introdução, faz-se mister notar que o povo khmer se estabeleceu no atual Cambodja no século VI d.C., fundando o podero­so império Khmer, que tinha por capital a cidade de Angkor: esta cida­de e o templo de Angkor Wat eram consideradas obras-primas de ar­quitetura. O império caiu sob o domínio Thai em 1434. Os khmers, após muitas peripécias ocorridas ainda nos últimos decênios, recon­quistaram o poder, de modo que o Cambodja tem o nome oficial de República Khmer. Situa-se no SE asiático, a Leste do Vietnam, confi­nando com a Tailândia a NO e o golfo da Tailândia ao Sul.

Eis os dizeres de Yavy:

“I. ENCONTREI O SENHOR…

Meu caminho em direção do Batismo foi muito longo. Nascida numa família budista, eu era muito apegada a esta religião. Eis por que, ao che­gar na França, fiquei muito surpresa por verificar o desinteresse das pes­soas pelo Budismo. Então a questão se me colocou em sentido contrário por que não me interessaria eu pela religião dos franceses? Mais: a atitu­de dos meus amigos cristãos praticantes me questionava. Eu perguntava a mim mesma por que me ajudavam, embora nunca me tivessem visto antes; precisamente com o auxílio deles eu havia conseguido deixar os campos de refugiados e chegar a Paris.

Um amigo me auxiliou de modo especial. A primeira pergunta que lhe fiz, foi a seguinte: ‘Que é o essencial na religião?’. Ele me respondeu: ‘Amor. É preciso que nos amemos uns aos outros como amamos a nós mesmos’. De novo fiquei surpresa, pois perguntava a mim mesma como podemos amar os outros, quando não amamos a nós mesmos.

Mais tarde, em 1984, atravessei uma fase difícil no meu emprego. A minha patroa procurava um pretexto para me despedir. Ela ficava a me vigiar o tempo todo – coisa esta que me perturbava. Eu tinha a impressão de estar carregando um peso enorme sobre a cabeça, tanto que um dia julguei que a cabeça estava pesada como se fosse estourar. Ao meio-dia na hora da refeição, senti algo que me levou até a igreja situada a 100m do meu lugar de trabalho. Chegada diante do altar, fiquei fixa ali a falar sozi­nha, sem me dar conta do que acontecia em torno de mim: ‘Senhor, ajuda-­me a não mais trabalhar em tais condições; já não vejo as coisas tão cla­ramente como outrora’.

Logo que pronunciei estas palavras, minha cabeça tornou-se normal e recomecei a ver as coisas como antes. Disse a mim mesma que havia alguém que escutava e me ajudava. Em conseqüência, resolvi procurar esse alguém…, mas como? Falei disso ao meu amigo; este mandou-me aprender o Evangelho com uma Religiosa. Mas, pouco tempo depois, tive que mudar de residência. Assim não pude prosseguir; mas guardei em meu coração a intenção de ir mais longe para conhecer essa religião.

Decorreram oito anos durante os quais desisti da minha procura. Le­vei uma vida igual à de toda gente. Havia altos e baixos; creio, porém, que mais experimentei o baixo do que o alto.

De novo, em 1992, passei pelo mesmo problema que em 1984. Que­riam despedir-me do emprego. A angústia me estonteava; as pessoas que me acompanhavam, viam-me deprimida. Eu não podia viver assim por mais tempo. Embora o emprego não me agradasse muito, eu julgava que enlouqueceria ao pensar em perdê-lo; que faria eu? Encontrar traba­lho não era fácil na minha idade.

Foi então que meu amigo se aproximou, mais uma vez, de mim. Devo dizer que, todas as vezes que tenho problemas, ele se aproxima, sem que eu lhe faça algum sinal. Isto me parece inacreditável, mas ele afirma que o faz sem saber da minha necessidade. Ele mora no interior, e eu em Paris. Depois de lhe ter explicado o meu problema, algo levou-me a dizer-­lhe: ‘Não sei por quê, mas, cada vez que a minha situação parece um pouco estável e quero aprofundar a minha fé, levantam-se graves proble­mas, que me impedem de ir adiante’.

Eu julgava que precisava de ter a cabeça livre para aprender o Evan­gelho. Mas, para o meu amigo, dava-se o inverso. Ele me propôs começar a viver a fé, logo e de imediato, sem esperar estar numa boa situação; eu veria como as coisas haveriam de se desenrolar. Com grande emoção respondi Sim e pronto, e prometi fazer a experiência.

No dia seguinte, contatei a igreja do meu bairro para encontrar al­guém que me pudesse ajudar. Uma ou duas semanas depois, todos em torno de mim me interrogavam surpresos: ‘Encontraste alguém? Todos te vêem tão radiante’.

-‘Sim, encontrei o Senhor, e Ele me dá muita coragem, paz, alegria e esperança. Ele está comigo, e de nada tenho medo. Eu sei que Ele me ama, e finalmente me recebe em seus braços’.

A procura de Deus fez-me descobrir a Igreja. Após dois mil anos os testemunhos de São Paulo, São Francisco de Assis, Santa Teresa levam-­me a crer ainda mais fortemente. Podemos comparar-nos a juízes que, no tribunal, não viveram os acontecimentos a ser julgados, mas devem pesar os prós e contras aduzidos pelas testemunhas. Pessoalmente, na base das testemunhas e da minha própria experiência, creio que, a partir de Jesus, podemos conhecer o rosto de Deus e o seu Amor eterno. Em lugar nenhum podemos encontrar algo como o seu Amor. É um Amor eterno.

Minha vida mudou. Não vejo mais sombras negras no caminho da minha existência, embora eu esteja sempre na mesma situação profissio­nal, a respeito da qual eu disse que ela não me satisfaz plenamente. Vejo agora que essa posição me confere muitas vantagens. Sempre desejo ir mais longe, mas penso nisso agora com mais clareza e sem nervosismo, pois descobri o sentido da minha vida: sei para onde vou, para quem vou e, principalmente, sei que sou amada e que posso amar os outros. É isto que faz a felicidade de viver neste mundo. Peço ao Senhor que todos tenham a alegria de O conhecer como eu. Por certo, ninguém O conhece bastante, mas, de tanto O procurar, as pessoas O acabam encontrando.

Eis, em resumo, como se deu o meu encontro com Deus. Fiz a expe­riência de muitos outros acontecimentos semelhantes a estes. Agora pen­so que toda gente já encontrou a Deus, mas, para estarem conscientes disto, é preciso que estejam muito atentos”.

II. REFLETINDO…

O texto nos sugere algumas considerações:

1) A jovem Yavy descobriu o Cristo e a Igreja a partir da caridade dos discípulos de Cristo. Foi esta que, em diversas situações de sua vida, lhe chamou a atenção: desconhecida e estrangeira como era em Paris, ela foi acolhida e ajudada de maneira decisiva. Vale a pena sublinhar este fato.

Com efeito; as três virtudes teologais são a fé, a esperança e a cari­dade (cf. l Cor 13,12s); a Teologia as estuda sucessivamente na ordem proposta pelo Apóstolo; é a ordem lógica; faz-se mister conhecer a Deus (pela fé) para amá-lo (pela caridade). Todavia a ordem lógica, muitas ve­zes, não é a ordem psicológica; muitas pessoas incrédulas não começam a sua conversão estudando as verdades da fé (embora muitos também assim comecem), mas se dispõem a procurar Deus considerando a vivên­cia dos que professam a fé e dizem crer em Deus e em Jesus Cristo; a vivência é a fé mais eloqüentemente apregoada; é a tradução mais con­creta e significativa dos artigos da fé.

Com outras palavras: quem vê alguém que tenha a coragem de amar o próximo com amor de benevolência (agape) sem procurar seus interes­ses pessoais, surpreende-se, pois tal atitude é cada vez mais rara no mundo de hoje, calculista e pragmático. Quem vê isto, concebe a pergunta: qual o mistério dessa pessoa? Qual a força íntima que a move a tanto?

O fato de pressentir algo de maior ou transcendental no irmão que ama, pode levar o incrédulo a uma aurora de esperança: deve haver algo de melhor que suscita expectativa de dias mais alegres e sorridentes.

Quem é ou que é esse algo melhor que fundamenta a esperança? – O Evangelho começa então a falar emitindo sua mensagem. A pessoa que procura sinceramente, descobre, aos poucos, o segredo íntimo dos irmãos que amam, e verifica que esse segredo íntimo é o próprio Cristo, que pregou o Evangelho e vive na Igreja. Surge então o ato de fé como ponto de chegada de longa caminhada. É fé firme, que pede vivência cor­respondente.

2) Yavy compara a situação de quem se aproxima da Igreja à posição de um juiz que deve julgar acontecimentos passados que ele mesmo não presenciou. Consequentemente só pode julgar na base dos depoimentos favoráveis e desfavoráveis das testemunhas que depõem no tribunal. Ora Yavy julga que o Cristianismo se baseia em fatos distantes, que as pesso­as de hoje não presenciaram; por conseguinte, só podem aferir o valor desses fatos mediante o testemunho daqueles que fizeram a experiência próxima ou remota de tais fatos – os Santos. Ela cita São Paulo (século I), S. Francisco de Assis (século XIII), Santa Teresa de Ávila (século XVI)…

Nisto vai um apelo aos fiéis católicos de nossos dias. Hão de ser os atuais “Paulo, Francisco, Teresa…”, que atestam a grandeza e a beleza do Evangelho pelo seu teor de vida manifestada ao mundo. Diz o Senhor Jesus: “Brilhe a vossa luz diante dos homens para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,16). O Se­nhor quer fazer repousar as sortes do Evangelho neste mundo sobre os ombros daqueles que lhe aderiram. Enorme responsabilidade, não solici­tada nem procurada por algum cristão, mas confiada generosamente pelo Senhor Deus a cada um! Donde também enorme dignidade e nobreza que toca a cada um e a todos os fiéis católicos! Tenham consciência disto e procurem não trair a missão recebida e a confiança neles depositada pelo Senhor, é o que, em última análise, a história de Yavy diz ao povo de Deus.