Espiritualismos: a astrologia considerada à luz da ciência

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 374/1993)

Em síntese: A Astrologia está sempre em voga, apesar de já ter sido desmentida freqüentemente pela experiência de seus próprios usuários, Isto se explica porque no íntimo do homem moderno mesmo fica muitas vezes, de modo inconsciente, um resquício de mentalidade mágica, animista, primitiva; esta se reveste, através dos tempos, de roupagem aparentemente científica e séria, mas não deixa de ser sempre uma herança do primitivismo de séculos muito recuados. É o que demonstra, nas páginas subseqüentes, o Prof. Dr. Fernando de Mello Gomide, até recente data docente do ITA de São José dos Campos (SP) e atualmente pesquisador do Instituto de Ciências Exatas e Naturais da Universidade Católica de Petrópolis (RJ).

O artigo traduz bem a índole científica e criteriosa do seu autor, que usa de linguagem veemente na tentativa de evidenciar como é paradoxal recorrer à Astrologia em nossa era de ciências e tecnologia avançadas. O leitor saberá aproveitar o muito que de sábio e profundo é dito neste artigo, sem se impressionar com certas expressões ditadas pelo calor da explanação.

Ao Prof. Dr. Fernando de Mello Gomide seja consignada a viva gratidão da Redação de PR por sua valiosa colaboração.

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1. ASTROLOGIA: FUNDAMENTAÇÃO NO MUNDO ANTIGO PRÉ-CIENTÍFICO

1.1. Que é a Astrologia?

Parece que a astrologia entra na história nos tempos das dinastias acadianas da Suméria,[1] a civilização mesopotâmia que precedeu à assírio-babilônica. Isso pode ser situado por volta do séc. XX ao XIX a.C. Masé no declínio da civilização babilônica, i. é, no séc. V a.C. que a astrologia ad­quire força e entra na Grécia com o sacerdote de Bel, Beroso, no séc. III a.C. Os filósofos gregos Platão e Aristoteles (séc. V- IV a .C.) teorizam sobre a influencia dos astros no mundo sublunar, e, como suas idéias exerceram uma poderosa pressão de prestígio ao longo dos séculos, não é de admirar que filósofos do mais alto gabarito, na civilização islâmica e na cristandade medieval, tenham aderido, em grande parte, às elucubrações astrológicas.

Mas que é a astrologia? É, como vemos, uma pseudo-ciência, ou, para usar termo do físico teórico americano John Archibald Wheeler, uma ciên­cia patológica.[2] A dita pseudociência professa uma doutrina ambiciosa so­bre uma generalizada e totalitária influência do mundo planetário e estelar sobre nosso planeta, de modo que todos os fenômenos físicos, biológicos, psicológicos e sociais se encontram na dependência dos movimentos dos planetas, do Sol, da Lua, da abóbada estelar, assim como da posição das constelações do zodíaco, dos planetas e também de conjunções planetá­rias. Não só defendem os astrólogos essa universal causalidade astronômica sobre a Terra, mas também pretendem possuir uma chave para a previsão de acontecimentos futuros.

1.2. Quatro axiomas básicos

Analisando as especulações e as sistematizações filosóficas da astro­logia no pensamento platônico e aristotélico, podemos descobrir quatro axiomas fundamentais dessa pseudociência:

1) A matéria celeste é incorruptível e imutável, essencialmente dife­rente da matéria terrestre (sublunar), que é corruptível e mutável.

2) Princípio de hierarquia: tudo no mundo sublunar depende da ma­téria celeste. Todos os processos e movimentos na Terra são causados pe­los corpos celestes.

3) Princípio da causalidade motora de Aristóteles: todo corpo só se move localmente se atuado por outro corpo (o motor) e o movimento só existe enquanto dura a ação do motor.[3]

4) Todo o universo astronômico obedece a uma rigorosa periodicida­de. Este é o axioma do tempo cíclico do paganismo, tão bem formulado por Platão[4].

A distinção entre as duas matérias (a celeste e a terrestre) tem sua ori­gem nas religiões pagãs, marcadas por um essencial imanentismo do divino na ordem material. Pois, ou os corpos celestes eram encarados como deu­ses, ou o mundo astronômico era considerado como habitáculo de deus e semi-deuses. Conseqüentemente a matéria celeste deveria ter uma consis­tência especial, i.é, não poderia ser mutável ou corruptível, à semelhança da matéria sublunar. Aristóteles chega a dizer que a matéria celeste é divina na e sua substância consiste num quinto elemento, a quinta essência, o éter imutável.[5] O mundo terrestre é palco da corrupção e da morte, ao passo que o mundo dos deuses é perene, incorruptível, sujeito a um tempo cíclico sem começo e sem fim[6]. Vê-se muito bem estabelecida essa distinção no séc. VI a.C. na escola pitagórica; sua justificação está em que o universo astronômico é considerado como o Olimpo do Panteon grego. Em larga medida, podemos dizer que as religiões pagãs são siderais. Dessa superioridade divina do mundo astronômico decorre a inexorável dependência dos acontecimentos terrestres em relação aos acontecimentos astrais: o mundo dos deuses, mundo dos imortais, domina os acontecimentos da humanidade mortal. Toda a astrologia depende do primeiro axioma. Negar essa distinção é derrubar todo o edifício astrológico. No séc. XVII, Sir Isaac Newton, com sua teoria da gravitação, fez implodir este erro secular, erro ontológico. A Física e a Astronomia newtonianas fizeram da matéria celeste e da matéria terrestre uma coisa só. A pretensão, dos astrólogos, de que a astrologia é uma ciência, foi derrubada de um só golpe com o nascimento da Física e da Astronomia newtonianas no século XVII. A ciência moderna é radicalmente infensa às especulações astrológicas. A incompatibilidade entre a Astronomia e a Física, de um lado, e a astrologia, de outro, é simplesmente total. Quem hoje acredita em horóscopos e elucubrações astrológicas, é um ignorante vivendo antes do séc. XVII, ou charlatão que vive às custas desse tipo de indivíduo ignorante, crédulo e retrógrado.

1.3. Uso da Matemática?

Quais são as leis da astrologia? Os astrólogos reivindicam o status de ciência para esse corpo de idéias. Mas que é ciência? Nós sabemos que a ciência é um corpo de idéias dedutivo com base em princípios necessários; sua estrutura dedutiva permite a inferência lógica de leis verificáveis experimentalmente. Os princípios básicos de uma teoria científica, antes da confirmação experimental, são as hipóteses criadas pela (por assim dizer), adivinhação do pesquisador. E na adivinhação de hipóteses, a qual não obedece a algum método pré-estabelecido, que reside a operação mais importante da pesquisa científica. Nessa operação é que se revela a inteligência do cientista. Uma disciplina científica deve ter axiomas ou princípios básicos e leis experimentalmente verificáveis, deduzidas a partir daqueles princípios. Isto acontece com a astrologia?

Vimos os quatro axiomas básicos da astrologia. Suponhamos que sejam válidos e esqueçamos a ambição, dos astrólogos, de poder prever acontecimentos psicológicos e sociais. Como temos a ver com causalidade de realidades materiais, a matematização se faz necessária para haver previsi­bilidade, via dedução causal, a partir dos axiomas. Como o nexo causal entre astros e Terra tem um caráter totalitário, pois toda a Física e Quí­mica da Terra estaria determinada pelo universo astronômico, a matema­tização teria de ser muito mais vasta e complexa do que a de qualquer teo­ria físico-matemática moderna.

Quais são as teorias físico-matemáticas da astrologia? Os astrólogos nada nos ensinam sobre isso; dão sempre testemunho de nada saberem de matemática e não pertencerem a algum Departamento de Matemática ou de Física de Universidade. Eles constituem uma classe alheia à comunida­de científica. Portanto inexiste ciência astrológica.

2. SAGRADA ESCRITURA E TRADIÇÃO

2.1. A Escritura Sagrada

O primeiro axioma da astrologia, o da diferença essencial entre a ma­téria celeste imutável e a matéria terrestre perecível, é ignorado na Bíblia e negado num dos salmos. O salmo 101, vs. 26-28 diz:

“Outrora fundastes a Terra, e os céus são obra de vossas mãos. Não obstante, vão desaparecendo e vós permaneceis; desgastam-se todos eles co­mo uma veste, como roupa os mudais e mudados ficam; mas vós sois sem­pre o mesmo e vossos anos não terão fim”.

Como vemos, a Sagrada Escritura encontra eco nas disciplinas moder­nas da cosmologia, astrofísica e astronomia, que falam eloqüentemente da mutabilidade no domínio das galáxias, das estrelas, dos planetas, das nebu­losas, enfim, de todo o universo. A astrologia, com seu postulado da dife­rença entre matéria celeste imutável e matéria terrestre, está inteiramente fora de contexto da Sagrada Escritura. Nesta, ambas as matérias são cor­ruptíveis.

Há uma passagem no Gênesis, que, não negando explicitamente qual­quer influência dos corpos celestes na vida humana, contudo relaciona o Sol, a Lua, os corpos celestes com a ordem humana, apenas na linha de se­rem sinais para a cronologia e para a iluminação:

“Haja luzeiros na abóbada do céu para distinguir o dia da noite, e sir­vam eles para sinais e marquem as estações, os dias e os anos; e brilhem na abóbada do céu para projetar luz sobre a Terra”. “Portanto Deus fez os grandes luzeiros: o luzeiro maior para dominar o dia e o luzeiro menor pa­ra a noite e as estrelas; e colocou-os na abóbada dos céus para que luzis­sem sobre a Terra, e para que presidissem ao dia e à noite, e separassem a luz das trevas” (Gn 1, 14-18).

Contra a pretensão dos astrólogos de conhecerem as influências planetárias e estelares sobre a Terra, diz o livro de Jó:

“Conheces as leis dos céus e darás razão da sua influência sobre a Terra?” (38, 33).

Com respeito a fenômenos astronômicos como passagens de cometas, conjunções planetárias, etc., diz o profeta Jeremias:

“Não imiteis o procedimento dos pagãos; nem receeis os sinais celestes como os temem os pagãos. Pois as leis desses povos são apenas coisas vãs” (10, 2).

Parece claro que presságios astrológicos são rejeitados pela Bíblia, e as leis que envolvem tais sondagens, são obra da gentilidade, obra de vacuidade. E que nos diz o profeta Isaías? Eis suas palavras irônicas para o rei da Babilônia:

“Esbanjaste teus esforços entre tantos conselheiros. Que eles então se levantem e te salvem, aqueles que preparam o mapa do céu e observam os astros, que comunicam cada mês como irão as coisas” (47,13).

2.2. A Patrística*

Os Padres da Igreja, do séc. II ao séc. VIII, na sua confutação do pensamento gentílico, são unânimes em rejeitar a astrologia; esta é visualizada segundo o espírito da Sagrada Escritura:

1) Taciano (séc. II) – Relaciona a astrologia com a religião sideral. Considerando-se que os ídolos dos gentios, conforme a Sagrada Escritura são demônios, Taciano afirma que os demônios estão ligados aos corpos celestes e que exercem uma conduta irracional sobre a Terra. Os pecadores estão sujeitos à ação desses demônios; daí seus Horóscopos[7].

2) Tertuliano (+ após 220) – Diz que a astrologia tende à idolatria, sendo invenção dos demônios[8].

3) S. Gregório Nazianzeno (+390) – Diz que a astrologia é perigosa para muitos e condena os horóscopos[9].

4) S. Cirilo de Jerusalém (+ 386): “Nós não vivemos segundo os ho­róscopos e a conjunção dos astros, como os astrólogos delirantemente acreditam”Não dar crédito aos astrólogos, pois deles disse a Sagrada Escritura… Is 47,13[10].

5) S. Gregório de Nissa (+394) – Defende o livre arbítrio contra o fa­talismo astrológico. Reduz ao absurdo a idéia de que a posição das estrelas no nascimento determina o destino dos homem[11] .

6) S. João Crisóstomo (+ 407) – As profecias dos astrólogos são pro­duto do demônio. Argumenta contra aqueles que acham as previsões astro­lógicas bem sucedidas nos seguintes termos: quem abandona a fé e se en­trega aos astrólogos, leva os demônios a dispor dos fatos a fim de que aconteçam para o agrado dessas pessoas. Diz ainda que a astrologia é uma doutrina Perversa[12].

7) Sto. Agostinho (+430) – Diz que se libertou dos grilhões da astro­logia após sua conversão. Propõe argumentos contra os horóscopos tirados das experiências de amigos e cita o caso dos gêmeos Esaú e Jacó (Gn 25, 19-28), que nasceram sob mesmas condições planetárias e tiveram histórias radicalmente diferentes[13].

8) S. João Damasceno (+749) – Ao abordar a passagem do Gênesis que trata dos astros como sinais, nega que esses sinais possam ser conside­rados como causas dos acontecimentos sublunares. Nega, portanto, o princípio de causalidade astrológico.

3. O FIM E A PARADOXAL PERSISTÊNCIA DA ASTROLOGIA

3.1. O Fim da Astrologia

No início deste trabalho, indaguei sobre as leis da astrologia. Contes­tei a pretensão daqueles que querem ver na astrologia uma ciência, por­que lhe faltam as condições que determinam a especificidade de uma ciên­cia. Essas condições são sobretudo as leis deduzidas dos. axiomas funda­mentais e que podem ser verificadas experimentalmente. Mas essas leis devem abranger os nexos causais, e, como temos a ver com a ordem mate­rial, esses nexos causais devem ser formalizados matematicamente. Ora isto os astrólogos não o exibem. E por quê? Porque não o podem. E não o podem, pois não sabem o porquê da natureza desses nexos causais imagi­nados entre os astros e os acontecimentos sublunares, ignorando assim sua formalização matemática. Vejamos.

Qual a relação matemática entre uma conjunção de planetas, vg., Jú­piter-Saturno e o nascimento de Joãozinho no dia 5 de outubro? Os anti­gos pagãos pensavam que era no nascimento que começava a evolução de um ente humano. Mas hoje sabemos que a morfogênese do indivíduo é determinada no momento da concepção, quando se constitui seu genético inserido em cadeias moleculares, o célebre DNA. Nessas cadeias moleculares estão contidas todas as informações biológicas que levarão ao indivíduo a ser, digamos, louro com tendências a introspectivo ou não, etc. No momento da sua concepção, Johan Christian Bach recebeu os fatores hereditários de seu pai Johan Sebastian, que o levariam a ser um grande compositor. Foi na concepção que Johan Christian recebeu o poder para ser músico e não no nascimento. Por conseguinte, se existe ação astral, ela deve ser efetiva no instante da concepção, e não no do nascimento. Os astrólogos continuam a operar como se estivessem na Babilônia. Todavia para se atualizarem, consideram a ação dos astros como sendo do tipo gravitacional ou magnético. Bem; como disse antes, se existe ação deve-se verificar no instante da concepção. Ora, os processos moleculares que constituem o código genético, obedecem aos princípios da teoria quântica. Se a ação astral é do tipo gravitacional, devemos dizer que os astrólogos são totalmente ineptos para tirar conclusões aí. Pois se sabe na comunidade científica que ainda não existe uma teoria física que associe a teoria quântica com a teoria da gravitação. Suponhamos agora que a ação seja magnética. O fator “distância” deve ser considerado, pois o campo magnético produzido, digamos por Júpiter, devido à distância, é muito inferior ao campo magnético da Terra. Isto quer dizer: se é o campo magnético que influencia a concepção de Joãozinho, então esse campo tem de ser o do nosso planeta e não o de Júpiter, que aqui tem um valor muito inferior ao do campo magnético terrestre.

Falei no fator “distância”. Isto se aplica também ao campo gravitacional. A influência das estrelas que estão a anos-luz distantes do sistema solar, é insignificante, se comparada à influência do campo gravitacional produzida pela massa do pai de Joãozinho, próxima do óvulo fecundado, mesmo alguns metros distante. Com respeito aos planetas com distância de minutos-luz ou horas-luz da Terra, os cálculos mostram que os campos gravitacionais planetários mais significantes são os de Júpiter (por causa da sua massa 320 vezes a massa da Terra) e Vênus (por ser o planeta mais próximo). Fazendo-se os cálculos numéricos para a maior aproximação desses planetas em relação ao nosso, se chega à conclusão de que seus campos gravitacionais aqui na Terra seriam da ordem de grandeza do campo gravitacional produzido pelo pai de Joãozinho a centímetros do zigoto do futuro herdeiro. Os campos gravitacionais dos outros planetas seriam bem mais fracos que o do pai de Joãozinho. E o das estrelas a anos-luz distantes seria totalmente insignificante. Conseqüentemente os astrólogos deveriam fazer horóscopos substituindo os planetas e estrelas pelos corpos do pai, da cama, da mesinha de cabeceira, da massa de concreto da laje do quarto, etc, os campos gravitacionais desses objetos, de si com valor numérico muito baixos, são muitíssimo superiores aos campos gravitacionais locais produzidos pelos muito distantes planetas e incrivelmente distantes estre­las. Como vemos, os astrólogos, ao insistirem na influência dos astros, estão vivendo antes do século XVII, quando não havia o mínimo conhecimento das distâncias planetárias estelares. Os astrólogos, se quisessem ser um pou­co mais científicos, teriam de conhecer o instante da concepção de Bel­droegas, o quarto em que seu óvulo foi fecundado, a distribuição de mas­sas perto do óvulo, tais como a massa das pessoas, dos objetos caseiros, das paredes, da laje, das vigas, etc. Os horóscopos deixariam de ser celestes para ser terrestres. Como terrestres, e muito terrestres, seriam as explica­ções para o futuro enriquecimento do Dr. Beldroegas em sua “carreira” política. Assim, pois, não pode haver leis da astrologia, ou seja: não existe ciência astrológica. Esta não passa de fabulosa impostura de homens alheios à comunidade científica, obra de mestres em fraude e mistificação.

3.2. Paradoxal Persistência

Apesar de todas as demonstrações científicas em contrário, verifica-­se que a sociedade contemporânea continua a procurar assiduamente os arautos da astrologia. Por quê? Quero aqui emitir uma reflexão:

“O número de néscios é infinito”, diz o Eclesiastes (1,15-Vg). Isto significa que as pessoas de bom senso serão sempre minoritárias. Portanto, não nos surpreendemos se em nossos dias, apesar dos progressos da ciência e da tecnologia, o povo em sua maioria é propenso a acreditar em charla­tães. O físico americano Wheeler se lamentava de existir nos Estados Uni­dos apenas dois mil astrônomos contra vinte mil astrólogos.

Na última e deprimente campanha eleitoral para a presidência desta República, vimos como vários dos muitos candidatos andaram consultan­do gurus e videntes. Há pouco tempo, a imprensa noticiou declarações de pessoa da área governamental, no sentido de ter feito oferendas a ídolo de seita africana. Não só em “república de opereta” a crendice entre políticos aparece. Há alguns anos, a imprensa noticiou que na Casa Branca serviços de astrólogos eram solicitados. Na “Nomenklatura” soviética os poderosos do Kremlin também apelavam para gurus e sensitivos da adivinhação.**

4. CONCLUSAO

Nesta análise histórico-crítica procurei evidenciar a origem dos postulados fundamentais da astrologia situados nas religiões gentílicas e no pensamento filosófico de homens como Platão e Aristóteles. O imanentismo do divino no mundo astronômico e as falsas Física e Astronomia de Platão, máxime de Aristóteles, infestaram o pensamento das ciências naturais ao longo dos séculos. Mostrei que, com base nesses postulados, não pode existir uma ciência da astrologia, o que significa a impossibilidade de verdadeiras previsões astrológicas. O fato histórico da contestação da Física aristotélica e as críticas lúcidas de Nicolau de Oresme, no século XIV, enfraqueceram no meio universitário o prestígio dos astrólogos, sendo que a Revolução Científica do séc. XVII desferiu um golpe mortal na astrologia; deu-se a queda definitiva do primeiro postulado, o da distinção entre matéria terrestre e matéria celeste, graças à teoria da gravitação e à Física de Newton. Mostrei como a Astronomia, a Física e a Biologia tornam impossíveis e absurdos os horóscopos.

A astrologia subsiste até hoje por razões morais e psicológicas. Os argumentos científicos e de bom senso contra a astrologia são abundantes, e, não obstante, a astrologia tem exercido um fascínio inacreditável sobre poderosos e multidões. Quero aqui apresentar fatos recentes contestadores das reivindicações dos astrólogos.

Andrew Fraknoi, da “Astronomical Society of the Pacific”,[14] nos re­lata investigações estatísticas realizadas nestes últimos anos, que negam a existência de nexos causais entre os astros e os fatos humanos. Vejamos algumas:

Os astrólogos afirmam, com base nos signos astrológicos, que podem prever a compatibilidade ou a incompatibilidade entre pessoas. O psicólo­go Bernard Silverman, da Universidade do Estado de Michigan, analisou as datas de nascimento de 2.978 casais em vias de casamento e outros 478 a caminho do divórcio. Ele comparou as predições astrológicas com os dados reais e não achou confirmação.

O físico John McGervey, da “Case Western Reserve University”, analisou aniversários e biografias de 6.000 políticos e 17.000 cientistas, a fim de ver se estas profissões se agrupavam em torno de certos signos, conforme as predições dos astrólogos. McGervey verificou que ambos os grupos se distribuíam em torno dos signos, de modo completamente
aleatório.

O estatístico francês Michel Gauquelin enviou o horóscopo de um dos piores assassinos da França a 150 pessoas, perguntando como elas se encaixavam no dito horóscopo, não revelando obviamente a origem do mesmo. Resultado: 94% das pessoas se reconheciam aí descritas.

Os astrônomos Roger Culver e Philip lanna analisaram 3.000 predi­ções astrológicas publicadas por conhecidos astrólogos e organizações astrológicas durante cinco anos. Essas predições se referiam a persona­gens famosos, como artistas de cinema e políticos. Os astrônomos verifi­caram que apenas 10% das previsões podiam ser aceitas. Tal resultado po­dia ser obtido por mero palpite de bom senso. Se 90% das predições astro­lógicas não se realizam, isto é sinal evidente de que tais predições não obe­decem a alguma lei de causa-efeito.

Os fatos estatísticos analisados nestes últimos anos confirmam a aná­lise teórica que apresentei: não existem leis da astrologia; não existe uma teoria lógico-causal que possa fazer da astrologia uma ciência e, por isso, suas previsões são pura mistificação.

REFERÊNCIAS

1. Renê Labat. La Mésopotamie, in Histoire Générale des Sciences. Pres­ses Universitaires de France. Vol, l. 1956.

2. J.A. Wheeler. O laboratório contra a fraude e a mistificação. O Estado de São Paulo, 29-7-1979.

3. Aristóte/es. Física. L VII, 1, 241b; 2, 243a.

4. Platão. As Leis, VII, 822; Timeu, 37.

5. Aristóte/es. Tratado do Céu, I, 9;1, 10;11, 1,-//, 7.

6. Aristóte/es. Metafísica, Livro Teta.

7. Taciano. Discurso contra os Gregos.

8. Tertuliano. Da Idolatria, IX.

9. S. Gregório Nazianzeno. Em Louvor do Irmão Cesário.

10. S. Cirilo de Jerusalém. Sobre a Penitência.

11. Johannes Quasten. Ibid.

12. S. João Crisóstomo. Homilia 75 sobre o Evangelho de São Mateus

13 Sto. Agostinho. Confissões, L. VII

14. Andrew Franknoi. Your Astrology Defense Kit. Sky and Telescope, 78, 146 (1989).

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NOTAS:

*Patrística é a doutrina dos Padres da Igreja, autores que nos oito ros séculos contribuíram brilhantemente para a correta formo’ grandes verdades da fé. Gozam de especial autoridade na Teolog. do Editor).

** A respeito do contraste de nossa época, em que a astrologia e soluções mágicas pululam num contexto de cientificismo dito “ateu”, escreve o Pe. Pau/-Eugène Charbonneau:

“0 homem, pretendendo ser totalmente autônomo e, por essa razão, negando qualquer vínculo com o Absoluto, acaba por se precipitar em cul­tos substitutivos que o mais desenfreado dos espíritos supersticiosos encoraja, provoca, promove e defende. Quando Garaudy afirma que não é o ateísmo que caracteriza nossa época, mas antes a superstição, tem toda a razão. A prova disso está no pulular infra-racional dos ocultismos, das parapsicologias, das astrologias, dos espiritismos, dos cultos mistagógicos, etc. Tantas panacéias que pretendem salvar o homem do absurdo. Este é tão virulento, ameaça tão profundamente o ser humano que contra ele todos os recursos parecem ser bons” (O Homem à Procura de Deus, Ed. Loyola 1984, pp. 248s).

A nota 109 da mesma página observa: “Um duplo fenômeno marca a nossa civilização, sobretudo nestes últimos anos: o renascimento do místicismo religioso e o renascimento das ciências ocultas. Existe indubitavelmente o que Edgar Morin, após muitos outros, assinala como uma persistência e ressurgência, por exemplo, da astrologia”.

Estas observações põem em foco o problema: o homem que perdeu a fé em Deus, cria inconscientemente seus deuses, nos quais deposita sua fé. (Nota do Editor).

 

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