(Revista Pergunte e Responderemos PR 412/1996)
“Dom Antônio Afonso de Miranda, Bispo de Taubaté, SP, responde a uma acusação que, de quando em quando, se repete contra a Igreja no Brasil: por que é que, em vez de ficar pregando reforma agrária e apoiando invasão de terras, a Igreja não entrega suas próprias terras para assentamento dos pobres que não têm onde trabalhar nem morar?
A pressuposição é de que a Igreja tenha enormes propriedades agricultáveis e seja uma impudica latifundiária improdutiva.
Dom Miranda, em seu artigo, mostra que o que se pôde apurar é que a quantidade de terras da Igreja não ultrapassa, hoje, 300 mil hectares. Essas terras estão espalhadas pelo Brasil todo e incluem os espaços onde estão construídas as igrejas e capelas, que são mais de 8 mil, Brasil afora; ou onde se encontram seminários, conventos, colégios, asilos, outras obras sociais e prédios de pastorais, e, às vezes, pequenos sítios que se usam para sustento dos seminários ou obras sociais, como orfanatos etc.
A Igreja não apóia simplesmente qualquer invasão de terras; ela respeita, por seus melhores representantes, o direito de propriedade; apenas luta para que esse direito não perca de vista sua função social também. O desrespeito ao Estado de Direito não pode ter apoio da Igreja, pois não há outra forma de viver numa democracia senão aceitar, por difícil que isto seja, o Estado de Direito, isto é, o respeito à lei vigente. O que se pode fazer é provocar, por movimento de pressão, a mudança de leis que nos pareçam injustas. Mas esses movimentos, como as greves, não podem fazer-se fora da lei; não se admite fazer justiça pelas próprias mãos. Se se condena isto nos grupos de direita ou nos justiceiros, também se há de condenar nos sem-terra, que às vezes nem querem saber de terra”.
Após esta apresentação do Pe. Paschoal Rangel a nossa revista publica interessante artigo de D. Antônio Afonso de Miranda, Bispo de Taubaté (SP), matéria extraída do jornal O LUTADOR, de Belo Horizonte, edição de 12 a 18 de maio de 1996, pp. 1 e 2.
PODERIA A IGREJA ASSENTAR MAIS DE 20 MIL FAMÍLIAS?
“Folha de São Paulo” de 10 de março de 1996 (domingo), publicou matéria tendenciosa, como freqüentemente faz, no sentido de desacreditar a Igreja Católica. Dá a entender, a primeira vista, que a Igreja no Brasil é uma potência econômica, capitalista e latifundiária, contrariamente à “opção pelos pobres”, que ela diz ter feito.
Mas a matéria inserida às páginas 8 e 9 do caderno I, se bem analisada, faz-nos recordar o poeta Horácio dizendo que “Montes parturiunt, Nascetur ridiculus mus”: uma enorme montanha gemeu e se contorceu toda, em espasmos de parto, mas no fim, quando pariu, o que foi que nasceu? Um ratinho raquítico e vagabundo.
Tudo que as pesquisas de Xico Sá e Fernando Molica conseguem mostrar é simplesmente isto: a Igreja Católica possui terras, muitas terras, onde estão suas igrejas e capelas e obras sociais e pastorais que mantém. Terras ociosas da Igreja no Brasil, segundo o Pe. Verweijen, que administra a Prelazia de Tefé, AM, seriam 15 mil hectares, que ele começou a distribuir, mas suspendeu esta distribuição porque “descobriu que alguns colonos estavam vendendo seus lotes e, por esse motivo, deixou de fornecer os títulos de posse” – narra a “Folha”. Por outro lado, a Prelazia teve de “entregar 12 mil hectares em troca de uma dívida da Igreja com a cidade.”
E Dom Jaime Chemello, Vice-Presidente da CNBB, afirma, em entrevista à mesma “Folha”, que, “se, por exemplo, o governo descobrir entre essas terras (da Igreja) alguma que seja improdutiva, acho que a Igreja deveria abrir mão dela”. Mas esclarece que “não há terras contínuas, que permitam a atividade agrícola”. E mais: “300 mil hectares não é muito, já que são terras descontínuas”; “muitas vezes são terras de até 10 hectares, em que funcionam, por exemplo, chácaras mantidas pelos seminários.”
Afinal, tudo examinado, é inviável que terras da Igreja no Brasil se prestem a assentamento de “mais de 20 mil famílias”, como espalhafatosamente enunciou a manchete da folha em sua primeira página. A matéria publicada por Xico Sá, Fernando Molica e outros é uma montanha que se esforça e geme para gerar um grande escândalo, mas o que sai dela é apenas um “ratinho”. Podem comê-lo os gatos que correram atrás dele.
Para avaliação mais correta da matéria propalada de “riquezas da Igreja”, é bom refletir com sensatez. Que é a Igreja? Quais suas atividades específicas? A Igreja é uma instituição que, especificamente, evangeliza, educa, forma comunidades, preserva culturas, cria imensos benefícios sociais; inclusive muitos dentre estes que procuram denegri-la, devem o que possuem de sua formação intelectual à obra educativa de colégios católicos, quando não de um seminário em que estudaram gratuitamente.
A Igreja é uma instituição, que precisa manter-se, ter fontes de renda, ter patrimônios, casas, templos, seminários, centros de formação etc.. Estes bens não pertencem a Bispos, a Padres, a freiras, pessoalmente. Estes bens são comuns, beneficiam a todos os evangelizados e assistidos em Dioceses, Paróquias, Prelazias, colégios e seminários.
A Igreja não é uma empresa “capitalista” “comercial”, como é, por exemplo, a FOLHA DE SÃO PAULO. Se formos calcular quantos bens a “Folha” tem amealhados em prédios, terrenos e tudo o mais, quantas mil famílias ela não poderia assentar com apenas 10% de seu lucro líquido? Mas ninguém cobra isto como um dever da FOLHA DE SÃO PAULO. Todo o mundo compreende que ela, como a GENERAL MOTORS, a VOLKSWAGEN, o BANCO DO BRASIL, e todas as empresas, têm seus bens para fins de lucro e para realização de suas específicas funções.
A Igreja Católica no Brasil, como em todo o mundo, recebeu doações e ofertas, e às vezes foi forçada a adquirir terrenos e prédios para o fim específico que lhe é próprio: evangelizar, promover o culto, realizar obras sociais e caritativas, abrir colégios e seminários. A própria FOLHA levantou, em números, que a Igreja no Brasil tem 7.786 regiões com igrejas subordinadas a um padre, tem 256 dioceses e que nestas regiões e dioceses atuam 3.623 irmãos de ordens masculinas, não padres, 36.813 irmãs (i. é, freiras) e 15.126 padres, 370 bispos; que existem entre nós 287 Congregações masculinas, 600 Congregações femininas, e que estas Congregações possuem 3.061 casas masculinas com seus seminários e colégios, e 6.185 casas femininas. Cf. f. 9 do caderno 1 da edição que comentamos. E todo este exército de gente, com seus seminários, colégios, noviciados e obras devem, segundo os conceitos altamente “socializantes” da FOLHA, ceder suas terras, seus prédios, suas obras para assentar famílias sem terra. Burrice, ou malícia?
Dois pontos ainda: 1) a FOLHA estampa um clichê do altar da igreja de S. Francisco, de Salvador, todo decorado a ouro, certamente para dizer que este ouro não está bem na igreja, talvez deva reverter em assentamento de famílias; mas gente inteligente e não maliciosa sabe que não se desmancha uma obra de arte veneranda, que a Igreja tem conservado em séculos de história; 2) põe, num título, na f. 9-1 esta denúncia: “Prédio da igreja no Rio abriga cinema pornô”, dando a entender que a Igreja explora este tipo de comércio. Aí é malícia mesmo. Porque já tinha sido explicado aos jornalistas que se trata de aluguel antiqüíssimo (de tempos em que nem existiam cinemas, certamente) e que a Mitra Arquidiocesana acionou o locador para reaver o prédio, e não teve ganho de causa em juízo.
É importante que se reflita sobre quanto dissemos acima, para não engolir a imagem denegrida da Igreja Católica que a FOLHA deseja impingir-nos. E também para que se saiba quanto ranço, quanta ojeriza gratuita permeia as páginas de alguns jornais, quando se lembram de enfocar a Igreja Católica.