Igreja, política: a fé, a igreja e a vida hoje

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 296/1987)

 

Em síntese: Aos 5/10/86, o S. Padre encontrou-se com dezenas de mi­lhares de jovens franceses em Lião (França) e respondeu às perguntas que lhe fizeram sobre Fé, Igreja e Compromisso no Mundo. Trata-se de propo­sições muito concretas e lúcidas, eco do Evangelho apregoado em toda a sua autenticidade.

***

O Papa João Paulo II encontrou-se no domingo 5 de outubro pp, 18 h, com jovens franceses no Estádio Gerland de Lião. Eram 50.000, de 15 a 25 anos, dentro do Estádio, ao passo que dezenas de milhares de outros jovens, em lugar anexo, acompanhavam o evento mediante um serviço de televisão. Tal encontro foi preparado durante seis meses por um milhão de jovens; quinze mil cartas foram entrementes dirigidas a S. Santidade, portadoras de perguntas da juventude francesa.

A cerimônia do encontro foi dividida em três partes, cada qual ilustra­da por uma representação cênica; correspondiam aos três temas abordados: a Fé, a Igreja, a Vida do Cristão hoje.

As questões seriam as dos jovens – e adultos – do próprio Brasil. O Santo Padre lhes deu respostas claras e corajosas, das quais nos parece opor­tuno transmitir as principais seções ao público leitor de PR.

1. A Fé

A propósito tais foram as afirmativas e as questões dirigidas ao Santo Padre:

1. Não é fácil dar testemunho.

2. Como partilhar a nossa fé com os outros?

3. Os companheiros zombam de nós se falamos de Deus.

4. Com as suas ciências e as suas técnicas o mundo não cessa de ques­tionar a

nossa fé.

5. Temos sempre sede de Deus; mas para que serve crer?

6. Há uma oportunidade de conhecer o Cristo.

7. Mas como viver Deus hoje?

8. Como encontrar o fervor primitivo?

9. Onde está, pois, este primeiro Amor?

10. Dizei-nos, Santo Padre, se os jovens dos outros países põem os ­

mesmos problemas que nós.

11. E Vós, Santo Padre, chegais a ter dúvidas?”

As respostas se foram sucedendo em tom tranqüilo e simples, como se poderá depreender dos segmentos transcritos a seguir:

1.1. Deus presente ao homem ausente

“5. Deus está presente, mas é também verdade que nós podemos estar ausentes. Não é Deus que deixa de vir ao encontro de nós, somos nós que corremos o perigo de não ir ao encontro d’Ele. Santo Agostinho, convertido em 386 – acabamos de festejar este aniversário -, confessava a Deus, depois de ter procurado a felicidade em muitas estradas falsas: “Tarde Vos amei, ó beleza tão antiga e tão nova!… Vós estáveis dentro de mim, mas eu estava fora, e fora de mim Vos procurava… Estáveis comigo, e eu não estava con­vosco”. Muitos dos nossos contemporâneos vivem, deste modo, na indiferen­ça religiosa, no esquecimento de Deus, organizando a própria vida sem Ele; experimentam todos os caminhos da felicidade, sem ousar crer que Cristo é a Verdade, o Caminho, a Vida. Oxalá eles se despertem, venha a despertar-se neles o dom de Deus, dêem atenção Àquele que bate à sua porta, ou, an­tes, que é íntimo deles mais do que eles são de si mesmos! Vós não estais in­diferentes. Reconheceis que no fundo de vós mesmos tendes sede de Deus, mas sofreis por causa da indiferença atual”.

1.2. As zombarias dos incrédulos

“6. E vós sofreis mais ainda por causa das objeções, da oposição, das zombarias dos outros quando falais de Deus. Os Profetas provaram este mes­mo sofrimento: “Quem acreditou no nosso anúncio?” (Is. 53, 1). Jesus nos advertiu: “Bem-aventurados sereis quando vos insultarem… por minha cau­sa!” (Mt. 5,11). Todos nós somos chamados à coragem de testemunhá-Lo sem nos envergonharmos. São Paulo viveu estas mesmas tribulações. Porven­tura não escutastes na Missa de hoje como ele advertia o seu discípulo Timó­teo: “Pois Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, amor e sabedoria. Não te envergonhes, portanto, do testemunho de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro; participa comigo nos trabalhos do Evangelho, fortificado pelo poder de Deus” (2 Tim. 1,7-9)? Os vossos mártires sofreram as piores sevicias para serem fiéis. E esta história continua, em toda a parte, ainda hoje. Aqui, à vossa geração, não é dada a ocasião de resistir até ao san­gue (cf. Heb. 12,4). Mas vós sofreis por não poderdes partilhar a vossa fé. Deus é o único juiz da consciência dos nossos irmãos que crêem de outro modo ou que não acreditam; a Ele pertence fazer frutificar a sua verdade nas mentes e nos corações, que O acolhem livremente, sem constrangimento. Devemos agir sempre com respeito, paciência e amor. Mas desejamos com todas as nossas forças que todos conheçam a Deus na sua plenitude; pedimos que este dom de Deus encontre a disponibilidade deles; e devemos trabalhar neste sentido, dar um testemunho claro da fé que recebemos, num diálogo atento às missões particulares, preocupados com o modo de falar que sensi­biliza e confiantes no Espírito Santo que neles atua. Jesus diz também a vós: “Sereis as Minhas testemunhas”. Se não fordes testemunhas no próprio am­biente – na vossa família, na escola, nos vossos grupos de lazer, nas vossas equipes de trabalho -, quem o será em vosso lugar?”

1.3. Estar seguro da própria fé

“7. Mas, para dar testemunho, é preciso estar seguro da própria fé. E acontece que duvidais. As descobertas da ciência, as possibilidades da técni­ca vos surpreendem, a respeito da eficácia misteriosa da fé. Deveis enfrentar estes problemas. Oxalá descubrais que Deus é de uma outra ordem, diferen­te do visível e do comensurável das ciências, que Ele não é nem sequer o incognoscível que numerosos filósofos agnósticos têm à parte: Ele está na fon­te do ser, e é da ordem do amor, como dizia Pascal! Vós sois convidados a aprofundar constantemente as vossas razões de crer, e sobretudo a ter conhecimento de Deus tal como Ele se revelou em Jesus Cristo. Este é o objeto das vossas catequeses, das vossas reuniões, das vossas revisões de vida, das vossas leituras, dos vossos retiros, da vossa oração. A prova da dúvida pode levar-vos a uma fé purificada. Então estareis prontos, como dizia o Apóstolo Pedro, “a responder a todo aquele que vos perguntar a razão da vossa espe­rança” (1 Ped. 3,15)”.

1.4. Para que serve crer?

“8. “Para que serve crer?”

Eis a última pergunta pungente, que retêm muitos dos vossos amigos. Perguntar-vos-ei antes de mais: de que utilidade falais? Se procurais instru­mentalizar diretamente Deus e a religião como um complemento para reali­zardes a vossa felicidade sensível, para servirdes os vossos interesses ou a efi­cácia de empreendimentos que dependem da natureza, da inteligência e do coração que Deus vos deu a fim de dominar o mundo, e até para aperfeiçoar­des a vossa estatura moral, vós correis o perigo de ser enganados. Deus não é da ordem dos meios para suprir as nossas carências. Ele é Alguém. Existe por Si mesmo, acima de tudo. Ele merece ser conhecido, adorado, servido, ama­do gratuitamente, por Si mesmo. E é também verdade que Ele quer a nossa total realização.

Ireneu, sucessor de Potino e segundo Bispo de Lião, dizia: “A glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus.” Alguns de vós pediram-me que falasse da vida eterna. Caros amigos, desejais verdadeira­mente ver Deus? Face a face noutro mundo, depois de O terdes encontrado neste mundo na fé? Desejais participar desde agora da vida divina, ser salvos daquilo que vos afasta d’Ele, ser perdoados dos vossos pecados? Tais graças não estão em vosso poder. Só Deus pode concede-las a vós. E, a partir daí, muitas outras coisas Ele fará ainda, além disso. Mais que mudar as coisas que Lhe pedis, Ele vos mudará a vós mesmos. A medida que olhardes para Deus, que acreditardes n’Ele, que O invocardes, que vos nutrirdes d’Ele, que fizer­des a verdade com Ele, e sobretudo à medida que responderdes ao manda­mento do amor, vós não sereis mais os mesmos. Sim, neste sentido, a fé é muito eficaz. Eis os caminhos para viver Deus, como dizeis. Deus é maior do que o nosso coração.”

2. A Igreja

Foi este o questionário apresentado:

“1. Não reclamo uma Igreja ‘toda pronta’ ou uma Igreja que domina o

mundo inteiro como um arranha-céus. Desejaria uma Igreja a construirmos

juntos.

2. A Igreja interessa-nos. Para nós, é uma opção, um empenho pessoal.

3. Mas por que tantos jovens, na França, se afastaram dela?

4. Por que tão freqüentemente não compreendemos tantas coisas que Ela diz?

5. Tenho tanta necessidade de que um sacerdote me escute; por que

são eles tão poucos?

6. A Igreja precisa de nós; não é o que parece.

7. Santo Padre, falai-nos da Igreja, mas não da igreja que está nos li­vros

ou nas grandes idéias. Falai-nos de uma Igreja que nos ajude a viver

na nossa vida de cada dia”

Eis alguns traços mais marcantes das respostas:

2.1. A Igreja Santa e o pecado

“11… Sabeis que seria ilusório pretender conservar a fé em Cristo sem a Igreja.

12. Isto não vos impede de sofrer pelas imperfeições que vos parece afligirem-na, sobretudo quando vedes outros jovens afastarem-se dela apre­sentando esta razão. Vós quererieis que ela fosse sempre acolhedora, cheia de juventude, transparente ao Evangelho. Eu também a quereria assim, e tra­balho incessantemente para isso, com a graça de Deus. São Paulo dizia: Mari­dos, amai as vossas mulheres, como também Cristo amou a Igreja, e por ela Se entregou para a santificar. . . para a apresentar a Si mesmo como Igreja gloriosa sem mancha nem ruga, nem qualquer coisa semelhante, mas santa e imaculada (Ef. 5,25-27).

E de fato a Igreja é assim, no projeto de Deus e na sua realidade atual, invisível. O Concílio Vaticano II descreve o mistério da Igreja antes de falar das suas estruturas e diz: O Espírito Santo habita a Igreja. . . rejuvenesce-a continuamente e leva-a à união perfeita com o seu Esposo (cf. Lumen gen­tium, 4). Neste sentido, poder-se-ia falar de um Pentecostes perpétuo.

“13. Sem mancha nem ruga… Mas a Igreja tem rugas. Aliás, pode tê­las. Hoje já não é uma adolescente, é uma Mãe que, há dois mil anos, está su­jeita às agitações da história e às tentações do mundo. No decurso dos sé­culos, ela conheceu perseguições, que despertaram um novo fervor. Mas al­guns dos seus membros também conheceram as seduções do espírito do mal, o bem-estar na riqueza, a rotina, ou simplesmente a tentação dos compro­missos no necessário diálogo da salvação com o mundo. Jesus tinha implo­rado ao Seu Pai: Não peço que os tireis do mundo, mas que os tireis do mal (Jo. 17,15). A Igreja não é um clube de membros que se possam dizer perfei­tos, mas um conjunto de pecadores reconciliados, em caminho para Cristo, com as suas fraquezas humanas.

Uma das grandes desgraças da Igreja foi a divisão dos seus filhos, e é urgente procurar a unidade com todos os nossos irmãos separados, como para isso trabalhava tão bem São Francisco de Sales, com os meios do Evange­lho: o amor e a busca da verdade. Porque a infidelidade à verdade seria outra desgraça.

“14. Vede, caros amigos, a Igreja permanece santa, porque ela foi san­tificada por Cristo. Mas a santidade efetiva dos seus membros nunca é com­pleta, como uma casa da qual se têm as “chaves na mão”. Está sempre para se construir, para reconstruir, para purificar. E como se hão-de julgar os defei­tos dos nossos antepassados, se o pecado nos atinge a nós próprios? Diante do Senhor todos somos pobres e pecadores. E no entanto a Igreja conduz-­nos para as fontes da santidade desde o nosso batismo. Ela é nossa Mãe. Uma Mãe que alimenta e que reconcilia. Uma Mãe não pode ser criticada co­mo um estranho, porque amamos aquela que nos deu a vida!

Os santos, esses, são as testemunhas visíveis da santidade misteriosa da Igreja. Eles continuaram a ser os homens mais humanos, mas a luz de Cristo penetrou toda a sua humanidade. O impulso que os animou não envelhece de modo algum. Há os santos que a Igreja beatifica e canoniza, mas também todos os santos ocultos, anônimos: eles salvam a Igreja da mediocridade, re­formam-na a partir de dentro, diria por contágio, e conduzem-na para aquilo que ela deve ser. Os Papas vêm inclinar-se diante destes servos de Deus, co­mo o Cura d’Ars ou o Padre Chevrier. Caros amigos, mediante os santos, Deus faz-nos sinal. Todos sois chamados, também vós, à santidade:”

2.2. Vocações

“15. Vós, jovens, batizados e confirmados, com todos os leigos cris­tãos, sois as células de base, sem as quais não haveria o corpo. Um organismo diferenciado, segundo as situações: criança, jovem, solteiro, casado, homem e mulher, segundo as vossas profissões, segundo as capacidades que pondes ao serviço dos outros, segundo as tarefas de apostolado ou mesmo os minis­térios não ordenados que recebeis para a animação das vossas comunidades. Não existe aqui nenhuma diferença essencial entre homens e mulheres. Se, no plano hierárquico, os homens são os únicos sucessores dos Apóstolos, no plano carismático as mulheres animam a Igreja tanto quanto os homens (cf. Discurso aos jovens, no “Parc des Princes”, Paris 1980, n. 18). Sim, a Igreja conta verdadeiramente com cada um de vós: antes de tudo, para que desen­volvais em vós esta vida divina que vos foi dada e para que tomeis a vossa parte do serviço da Igreja e da vossa missão de testemunhas junto dos vossos companheiros.

“16. No Corpo de Cristo, outros membros sentem-se chamados a deixar tudo para seguir Cristo à letra, na vida religiosa ou nos institutos de vida consagrada, conservando-se castos, pobres, disponíveis, para manifestar me­lhor o Reino de Deus que há de vir. É uma vocação maravilhosa, também ela essencial à Igreja. Não se explica senão com um acréscimo de amor por Cris­to, como o da esposa pelo esposo. Bem-aventurados aqueles que ouvem este apelo, e não o abafam! Alguns confessaram-me: Temos medo de ser chama­dos para uma vida consagrada. Não credes que Cristo é capaz de vos cumular com a sua alegria e a sua força?­

2.3. Os sacerdotes

“17. No Corpo de Cristo, um lugar particular compete aos sacerdotes. Ninguém pode aceder ao sacerdócio sem para ele ser chamado pela Igreja e ordenado. Porque o sacerdote desempenha uma função distinta da dos ou­tros batizados: no nome de Cristo, Cabeça do Corpo, ele reúne os seus ir­mãos como o Pastor, vela por que a sua Palavra autêntica lhes seja acessível, perdoa os pecados, torna presente o corpo e o sangue de Cristo para alimen­tar com eles os seus irmãos, e fica à sua disposição para os amparar e aconse­lhar.

Como é belo ouvir dizer a um de vós: Preciso tanto de um sacerdote que me escute!. Sim, o sacerdote está próximo de vós, embora permanecen­do em íntima união com Cristo, consagrado totalmente ao Evangelho, dis­ponível para todos os homens: o seu compromisso ao celibato é-lhe necessá­rio. Amanhã, em Ars, falarei disto a todos os seminaristas da França, tendo sob os olhos o mistério formidável do Cura d’Ars. O sacerdote, por outro la­do, faz mais do que escutar-vos: ele pode oferecer uma resposta às vossas dú­vidas, e sobretudo pode dar a resposta de Deus às vossas fraquezas confessa­das: é o perdão de Deus, no sacramento da reconciliação. Ides procurar este perdão junto do sacerdote?

Por que é que há tão poucos sacerdotes, quando eles são indispensá­veis para a vida do Corpo? Pergunto-o a vós, caros amigos. Como é possível que do grupo de jovens crentes que vós sois, generosos e ansiosos de cons­truir a Igreja, não germinem vocações sacerdotais e religiosas? Estou certo de que muitos sentem este apelo. O que é que vos desencoraja? Compete a vós, caros amigos, refletir nisto. Eu tenho confiança. E vejo que o recrutamento de sacerdotes conhece um renovamento em muitos países do mundo.”

2.4. A Igreja tem futuro?

“20. A Igreja tem futuro? – pergunta um de vós. Tem-no, porque ela está fundada em Cristo vivo. Tem um futuro risonho em tal ou tal região? Is­to depende também dos cristãos.

A Igreja evoluirá? Ela não pode mudar os fundamentos da fé, da mo­ral, dos sacramentos, da estrutura do Corpo de Cristo; não se inventa uma Igreja de Cristo no ano 2000! Mas ela pode, deve renovar-se, em face dos no­vos problemas, das novas descrenças. Tem capacidade para isso, com o Espí­rito Santo. A descristianização não é fatal, é uma doença de percurso, um desafio a aceitar.

Igreja da França, deixa-te interpelar pelas jovens Igrejas, as que os teus missionários foram implantar. Talvez elas tenham um novo impulso a dar­te! A França era a filha mais velha da Igreja, entre as novas nações, depois da invasão dos bárbaros; a Igreja tem outras filhas que cresceram! Mas nós contamos sempre muito convosco, jovens da França, que recebestes tantas graças no decurso da vossa história.

Com os vossos bispos, no nome de Cristo que deu esse mandato aos Apóstolos, envio-vos em missão!”

3. O Compromisso no Mundo

Entre outras, foram formuladas as seguintes perguntas:

“5. Um mundo com o seu Terceiro Mundo e o seu Quarto Mundo, lan­çados

como uma culpa sobre os nossos ombros.. .

6. O desemprego é culpa nossa?.. .

11. Santo Padre, que faríeis em nosso lugar?

12. Por favor, Santo Padre, não nos deis sentenças de proibição,

mas razões para viver”

Das respostas salientamos os trechos seguintes:

3.1. Responsabilidade e conversão

“24. Vós estais lúcidos. Não vivais por isso na angústia. A superabun­dante difusão de notícias trágicas, de problemas insolúveis, pode pôr sobre os vossos ombros um fardo muito pesado a transportar. A vossa angústia não levaria nada aos pobres. É porventura necessário que vos sintais culpados, que experimenteis em vós a culpa de todos estes males? Não, vós não sois, no sentido estrito, responsáveis destas grandes misérias, mas pouco a pouco vós tereis uma responsabilidade no contributo a dar para remediá-las. Não levanteis com tanta pressa o vosso dedo acusador sobre os ‘grandes’ deste mundo, sobre outras categorias de pessoas, sobre outros países. A responsa­bilidade humana existe para muitos destes males, é verdade. Todavia, ela é complexa, muitos têm parte nisto de maneira solidária. Deus criou o mundo solidário, e o mundo faz uso disto, para o melhor e para o pior. Mas esta so­lidariedade é uma oportunidade; ela permite-nos reagir juntos.

“25. É preciso que as coisas mudem. Em primeiro lugar é preciso que o coração do homem mude. Do coração depende o olhar atento e benévolo, do coração depende o gesto de ajuda recíproca das mãos.”

3.2. Preparar-se e comprometer-se

“27. E vós, caros jovens, desde agora, na vossa idade, onde quer que estejais, tomai a vossa parte no reerguimento do mundo. Em primeiro lugar, preparai-vos para assumir nele uma tarefa, uma função de serviço, por meio de todas as competências humanas, científicas, técnicas que estais a adquirir na escola, na Universidade ou no vosso aprendizado. E, sobretudo, fortificai em vós os valores morais de retidão do coração, de lealdade, de pureza, de respeito aos outros, de espírito de serviço, de dom de si, de resistência no esforço, sem os quais a transformação material e técnica do mundo não re­sultaria num progresso. Vê-se isto nalguns países que creram progredir ao mudarem de regime político ou econômico, sem elevar o valor moral das pessoas.

Mas, além desta importante preparação, vós deveis desde hoje empe­nhar-vos, não só no apoio verbal e maciço das grandes causas mediante a so­lidariedade com os esforços dos homens por um mundo melhor, mas tam­bém nos milhares de gestos concretos que inventais e realizais, pessoalmente ou em grupo, para melhorar a sorte daqueles que vos circundam e também dos que estão longe, para ajudar as mentalidades a transformarem-se. De­monstrais então que sais de vós mesmos para vos preocupardes dos outros. Não desprezeis estas pequenas coisas que valem muito diante de Deus, e que nunca se perdem, porque realizadas na caridade de Cristo. Jesus atribuía importância e uma recompensa no céu àquele que oferecia um simples ‘co­po de água fresca’ a um dos seus discípulos (cf. Mt. 11,42), àquele que ga­nhava com esforço alguns talentos (cf. Mt. 25,23). Por quê? Porque Cristo toma em suas mãos o pão e o peixe do jovem. Ele multiplica-os como Lhe apraz. Vós esboçastes um gesto de amor, de justiça, de perdão. Cristo acolhe a vossa oferta como sua. Ele chegou, através da Paixão, à sua Ressurreição. Ela inaugurou o mundo novo. Sim, o mundo novo é gerado hoje, através dos vossos gestos de amor e graças ao sopro do Espírito Santo!”

3.3. “Levanta-te e anda!”

“29. Eis, caros amigos, as razões de viver. Se elas comportam algumas proibições, é porque o mal moral permanece sempre proibido, não em pri­meiro lugar pelo Papa, mas pela consciência de cada um que se une à vonta­de de Deus. É o mal, qualquer que seja, que fere a dignidade do homem, a sua felicidade, a sua humanidade. Mas Cristo não nos abandona nunca no mal. Ao pecador, ao homem débil que n’Ele deposita a sua confiança, Ele diz: ‘Levanta-te e anda!’ ”

Como se vê, o S. Padre encarou com muita coragem as interrogações dos jovens. E respondeu-lhes sem minimizar as exigências da fé e da vida cristã; partiu das premissas, por vezes “escandalosas”, do Evangelho, sem atenuar o seu significado pungente. Sua Santidade sabe que, para atrair os jovens (e também os adultos), é preciso propor-lhes ideais nobres e puros, apresentados em sua autêntica grandeza, sem os truncamentos que parecem facilitar a adesão dos homens, mas que, na verdade, são formas de traição de Cristo e motivos de afastamento dos corações generosos.

Possam a palavra e o testemunho do S. Padre calar fundo nas mentes dos homens de hoje e fortalecer os pregadores da Boa-Nova na transmissão incólume das verdades da fé!

Textos extraídos de L’OSSERVATORE ROMANO, ed. portuguesa se­manal de 12/10/86, pp. 10-14.