(Revista Pergunte e Responderemos, PR 441/1999)
Em síntese: Nos últimos anos têm-se registrado movimentos diversos que tendem a fazer da Igreja Católica uma democracia. Foi particularmente candente o caso dos católicos austríacos, que publicaram a respeito o Manifesto “Nós somos Igreja”. O Santo Padre João Paulo II tem considerado as suas reivindicações com zelo pastoral e clareza de princípios. O pronunciamento mais significativo de S. Santidade ocorreu aos 20/11/98 no final da visita “ad limina” dos Bispos austríacos à Santa Sé; o discurso do Papa explana o sentido de “povo de Deus” tal como essa expressão é entendida no Novo Testamento.
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A população austríaca compreende oito milhões de habitantes, dos quais 77% se declaram católicos. O país conta doze dioceses, 2862 sacerdotes diocesanos, 1955 sacerdotes religiosos e 361 diáconos permanentes. As Religiosas e os leigos muito trabalham na animação das paróquias e na catequese.
Nos três últimos anos o Movimento “Nós somos Igreja” lançou um Manifesto que reivindica mudanças na disciplina da Igreja, tais como a abolição do celibato sacerdotal, a ordenação de mulheres… O Papa esteve em visita apostólica naquele país de 19 a 21/06/98, ocasião em que alguns fiéis exaltados lançaram ao ar balões pretos e pediram a demissão do Sr. Bispo Mons. Kurt Krenn, de Sankt Pölten, tido como conservador. O Papa tem sustentado os Bispos austríacos no seu empenho de manter a unidade dos fiéis.
Aos 20/11/98 o episcopado da Áustria encerrou sua visita oficial à Santa Sé, tendo o Santo Padre aproveitado o momento para proferir um discurso assaz veemente a propósito das tendências democratizantes dos fiéis europeus e norte-americanos. Eis o que se lê em mensagem proveniente via internet, da Cidade do Vaticano com a data de 20/11 pp.:
“Dura resposta do Papa ao pedido de maior participação democrática que foi crescendo em vários países europeus com o abaixo-assinado promovido pelo grupo ‘Nós Somos Igreja’, que na Áustria conseguiu milhares de adesões.
Falando hoje aos bispos austríacos, recebidos coletivamente no final da visita “ad limina”, João Paulo II repetiu especialmente que a Igreja não pode ser considerada como uma democracia igual às outras e as bases nada podem decidir num contexto majoritário ou de pesquisa de opinião, porque a verdade revelada, confiada à Igreja, é um dom do Alto confiado à hierarquia. Também aproveitou a oportunidade para sublinhar alguns pontos desta verdade a ser garantida, “mesmo se a maior parte da sociedade decidisse diferentemente”, isto é, “a dignidade de cada ser humano continua inviolável desde o início da vida no seio materno até seu fim natural, desejado por Deus”. E ainda: apesar das contínuas manifestações, como se se tratasse de uma questão disciplinar, “a Igreja não recebeu do Senhor a autoridade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres”. “A expressão bíblica «povo de Deus» (laós tou Theou) – afirmou o Pontífice – foi entendida no sentido de um povo estruturado politicamente (démos) de acordo com as normas válidas para todas as sociedades. E, como a forma de regime mais próxima da sensibilidade atual é a democracia, difundiu-se entre um certo número de fiéis a exigência de uma democratização da Igreja. Vozes neste sentido se multiplicaram também em seu país, como além de suas fronteiras”. Existe aqui um mal-entendido pluralismo “pelo qual se pensou poder individuar a verdade revelada através das sondagens de opinião e democracia”. Mas trata-se de “conceitos errados” que criam pena e tristeza. “Em relação à verdade revelada, nenhuma base popular – insistiu com força o Pontífice – pode decidir. A verdade não é uma criação humana, mas um dom do céu”. É preciso – conclui o Papa – redescobrir o sentido conciliar da “Igreja como mistério”, saindo das torres do Catolicismo austríaco para se abrir à comunhão com a Igreja universal.”
Neste discurso o Papa lembra que há dois vocábulos gregos para designar “povo”: laós e démos. Todavia os escritos do Novo Testamento usam exclusivamente o termo laós quando descrevem o povo santo de Deus. De laós deriva-se o adjetivo laíkós, leigo, membro do povo santo de Deus, povo santo que corresponde à qahal do Antigo Testamento. Esse povo santo tem sua organização hierárquica instituída pelo próprio Deus, diferente da constituição democrática do démos ou do povo civil.
Na verdade, a Igreja não é nem república nem monarquia; é um sacramento, ou seja, uma realidade divino-humana, que tem seu princípio de autoridade em Jesus Cristo. Este se faz representar por ministros que Ele escolhe, tendo à frente o sucessor de Pedro ou o Papa. Todavia o Papa governa a Igreja com o colegiado dos Bispos, que são os sucessores dos demais Apóstolos; procuram colaborar Papa e Bispos, como Pedro e os demais Apóstolos deviam colaborar.
O ministério dos Bispos não exclui, mas antes requer, a participação dos fiéis leigos na procura de caminhos novos para a evangelização dos povos; cf. Lumen Gentium n.º 32. Contudo não se pode deixar de lembrar que o governo da Igreja difere dos governos civis, pois deriva de Jesus Cristo e é por Este orientado; uma visão de fé inspira Bispos e fiéis para que não procedam como num regime republicano, com todas as campanhas e contestações que o caracterizam, mas saibam que a colegialidade intencionada por Cristo transcende as categorias e os esquemas meramente humanos e mundanos.
Estêvão Bettencourt, O.S.B.