(Revista Pergunte e responderemos PR 002/1958)
“Porque é que a Igreja no seu culto usa de metais preciosos e vestes solenes? Será que ela precisa disto para impressionar o povo?”
O mobiliário e o vestiário do culto sagrado não visam honrar os homens (nem os ministros do culto nem os fiéis) nem impressionar a massa, mas dirigem-se primariamente a Deus.
O homem, rei da criação, foi incumbido pelo Criador de estabelecer ordem no mundo (cf. Gên 1,28); toca-lhe, portanto, o dever de fazer que as criaturas inferiores, inanimadas, concorram do seu modo para proclamar a grandeza de Deus; é esta a sua função quando utilizadas na arquitetura, na pintura das igrejas ou na confecção de objetos atinentes à Liturgia sagrada.
Se os templos católicos fossem apenas lugares de reunião do povo fiel ou meras salas de oração e pregação, compreende-se que estivessem destituídos de todo ornamento. Na concepção católica, porém, a igreja é, antes do mais, a Casa de Deus, onde o Senhor se torna de modo especial presente na Santa Missa e costuma permanecer dia e noite no sacramento da Eucaristia. E’ a consciência disto que sempre moveu e ainda move os fiéis a consagrarem ao decoro da Casa de Deus o que possuem de melhor, tanto do ponto de vista material como do ponto de vista estético ou artístico.
De resto, o próprio Deus no Antigo Testamento se dignou legislar minuciosa e carinhosamente sobre a arquitetura, o mobiliário e os utensílios da liturgia israelita. Se não fosse a concepção de que a natureza inteira deve testemunhar a grandeza do Criador, não se entenderia uma passagem como a seguinte:
“Moisés disse a toda a assembléia dos filhos de Israel: “Eis o que prescreveu o Senhor: oferecei dos vossos bens uma parte para o Senhor. Que todos os varões generosos levem essa contribuição voluntária ao Senhor: ouro, prata, bronze, púrpura violeta e escarlate, carmesim, linho fino e pele de cabra, peles de carneiro tingidas de vermelho, couro fino e madeira de acácia; óleo para a lamparina, perfumes para o crisma e incenso fino aromático, pedras de coralina e pedrarias para incrustar no efode e no peitoral. Todos os mais hábeis artesãos dentre vós venham executar tudo que Javé prescreveu: a Morada, sua tenda e sua cobertura, suas argolas e seus quadros, suas travessas, suas colunas, seus pedestais… as vestes de aparato para oficiar no santuário, as vestes sagradas destinadas ao sacerdote Aarão e as que seus filhos revestirão no exercício do sacerdócio” (Êx 35, 4-] 1.19).
Veja-se ainda o que se segue a esta passagem, em Êx 36-40. Muito mais rico de pedra e metais preciosos era o Templo construído em Jerusalém por Salomão, sob a inspiração do mesmo Senhor; cf. 3 Rs 5,11-8,66.
Tenha-se em vista outrossim Êx 31, 1-5 :
“O Senhor falou a Moisés, dizendo: ‘Eis que chamei pelo nome a Beselel… Enchi-o do Espírito de Deus, de sabedoria, de inteligência e de ciência para toda qualidade de obras, para inventar o que se pode fazer com ouro, prata, cobre, mármore, para talhar madeira e executar toda espécie de obras'”.
No Novo Testamento, lê-se que Cristo não recusou a libra de perfume muito precioso com que O ungiu Maria, irmã de Lázaro e Marta. A Judas, que se escandalizava pelo acontecimento, lembrando que o ungüento podia ter sido vendido em benefício dos pobres, o Senhor respondeu que a mulher fizera ótima obra, pois honrara a sua Divina Pessoa enquanto isto lhe era facultado (cf. Jo 12,1-8; Mt 26,6-13). De resto, o Evangelista nota que Judas, aparentemente tão zeloso dos pobres e da caridade, era, na verdade, movido pela avareza e a cupidez quando protestava contra o “desperdício” de perfume (cf. Jo 12,6). A história, por sua vez, atesta que não poucos daqueles que despojaram os templos e o culto sagrados em nome da filantropia, só o fizeram para servir a seus interesses pessoais; através dos séculos foram muitas vezes os grandes, e não os pequeninos, que se enriqueceram com os bens seqüestrados à Igreja. Ora não merece atenção o fato de que o primeiro a protestar contra “o esbanjamento de valores preciosos” no culto do Senhor foi um avarento e traidor?
Não seria lícito, porém, ao cristão esquecer os pobres sob o pretexto de atender à dignidade da sagrada Liturgia. O erário eclesiástico é, na verdade, distribuído de modo a servir a Deus tanto no culto como na pessoa dos indigentes; a Igreja, ao lado de seus templos, tem suas obras de assistência social, assim como seus Religiosos e Religiosas que se dedicam ao serviço dos doentes, órfãos, anciãos, etc. Em tempos de calamidades públicas, os bispos não têm hesitado em vender utensílios do culto a fim de aliviar os males da sociedade.
Tal venda, porém, só é indicada em casos extraordinários, pois nas circunstâncias habituais da vida pública o despojamento das igrejas não seria compensado por real alívio da miséria comum: se se fundisse o metal precioso e se vendesse a pedraria dos utensílios de culto, para distribuir dinheiro aos pobres, não há dúvida de que exígua seria a porcentagem dos beneficiados; os milhões de almas de um povo quase não experimentariam benefício material, mas por certo sentiriam a imensa lacuna espiritual acarretada por um culto destituído de suas belas expressões sensíveis. Note-se, aliás, que o que dá valor aos utensílios sagrados muitas vezes não é a quantidade de material precioso que entra em sua composição, mas, sim, a finura estética e o gosto artístico de suas linhas.
Talvez se diga por fim: Jesus apregoou o culto “em espírito e verdade” (cf. Jo 4, 23), parecendo com isto excluir todo o aparato sensível da Liturgia.
A esta observação responder-se-á que Jesus com aquelas palavras entende suscitar nos seus fiéis um culto vivido e celebrado primariamente no íntimo da alma de cada um; sendo o homem composto de espírito e matéria, é no seu espírito, na sua parte mais nobre, que ele tem, antes do mais, de glorificar a Deus (não necessariamente em Jerusalém, nem no monte Garizim, como pensavam respectivamente os judeus e os samaritanos mencionados no contexto de Jo 4); se não provém da inteligência e do amor da alma sinceramente unida ao seu Senhor, vã é qualquer demonstração externa de culto. Uma vez, porém, que o cristão no seu íntimo reverencia a Deus, não lhe seria lícito furtar-se à exigência de o manifestar por atos sensíveis; é a sua constituição natural, psicossomática que lho impõe, fazendo que ele seja naturalmente levado às realidades invisíveis mediante as visíveis. Entende-se bem que, do seu lado, Deus, tendo-nos constituído em alma e corpo, queira que também esta sua criatura, o corpo humano, O glorifique na medida do possível, ou seja, como expressão de um espírito cheio de fé e amor.