Igreja: qual é a igreja de Cristo?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 178/1974)

 

Em síntese: Para reconhecer a única Igreja de Cristo, o critério é indicado pelo próprio Cristo no Evangelho. Ao despedir-se de seus discí­pulos, enviou-os a pregar ao mundo inteiro e disse-lhes: “Eis que estarei convosco todos os dias até a consumação dos tempos” (Mt 28,20). Com estas palavras, Jesus prometeu sua assistência infalível aos Apóstolos e aos sucessores destes até o fim da história. Donde se vê que a Igreja de Cristo é caracterizada pela sucessão apostólica. Uma comunidade cristã que tenha começado após Cristo, por iniciativa de um reformador, já não tem a sucessão apostólica e a garantia da assistência infalível de Cristo. Verdade é que os sucessores dos Apóstolos, com toda a Igreja de Cristo, têm que dar o testemunho do amor e da santidade que Cristo quis caracteri­zassem seus discípulos (cf. Jo 13, 34s). Contudo, ainda que os membros da Igreja não dêem sempre esse testemunho, Cristo não deixa de agir através da Igreja dos Apóstolos e de seus sucessores; o cristão não anda primeiramente em busca da santidade dos homens, mas, sim, à procura da santidade de Cristo, que Ele quer comunicar mediante os homens.

Dentre os Apóstolos, o Senhor escolheu Pedro para ser primaz, sinal e penhor da fé verdadeira e da unidade da Igreja; cf. Lc 22,32; Mt 16,18s; Jo 21,15-17. A Igreja de Cristo assim é a Igreja de Pedro ou de Roma. Em conseqüência, sucessores de Apóstolos que estejam separados de Pedro já não gozam da garantia de infalibilidade que Cristo quis conceder à sua verdadeira Igreja.

O artigo que se segue, é sintético e incisivo. Não tenciona negar os valores que realmente se encontram fora da Igreja Católica Romana; ape­nas afirma que tais carecem do valor que assegura a sua conservação autêntica: Pedro e a sucessão apostólica.

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Comentário: Não é raro hoje em dia encontrar pessoas que se entusiasmam por Cristo, reconhecido e amado através dos Evangelhos, mas se interrogam a respeito da Igreja de Cristo. A série de Congregações Cristãs que trazem o nome de «Igreja» é enorme: pentecostais, batistas, presbiterianos. metodistas, luteranos, anglicanos, adventistas… constituem «Igrejas» ao lado da Igreja Católica? Qual dessas escolherá o discípulo de Cristo que deseje viver comunitariamente a fé cristã? A qual se filiará? [1]

A estas questões dedicaremos as páginas que se seguem, tencionando abrir pistas diante de dúvidas que a esse respeito se põem cada vez mais freqüentemente em nossos dias. – O estilo do artigo será intencionalmente sintético, tendo em vista apenas atender ao questionamento proposto.

1. Poderíamos procurar assim…

Obviamente falando, dir-se-ia que a resposta às questões atrás formuladas é a seguinte: a Igreja de Cristo é a mais santa, a mais fervorosa e missionária das comunidades cristãs. Por conseguinte, procure o amigo de Cristo qual das diversas Igrejas existentes em sua cidade é a que mais parece praticar o amor ensinado por Cristo e mais entusiasma os seus mem­bros. .. Será a Igreja Batista? Caso julgue que sim, o can­didato far-se-á batista. Se julgar que é a Igreja pentecostal que mais satisfaz aos preceitos do Evangelho, o amigo de Cristo tornar-se-á pentecostal. Dado, porém, que a Igreja escolhida não corresponda às expectativas do fervoroso candidato, este poderá tranqüilamente mudar de Igreja, aderindo a outra ou mesmo ficará sem Igreja caso em nenhuma encontre a realização do ideal cristão concebido por ele. Apenas um elemento parecerá essencial a tal cristão: a Bíblia, pois nesta ele julgará encontrar o mais importante, ou seja, a doutrina de Cristo que, recebida pela fé, salvará o leitor da Bíblia. Esse cristão poderá ficar fora da Igreja ou sem Igreja, nunca, porém, sem a Bíblia…

A história que acaba de ser esboçada, é realmente a de não poucos cristãos – católicos e protestantes -, que se dão por insatisfeitos com as falhas humanas da Igreja em que começaram a viver o Cristianismo. Vêm a ser angustiados e instáveis, pois nunca encontram a vivencia ideal ou a santidade perfeita entre os homens seus irmãos.

Vê-se, porém, que tal método de procura da Igreja é falho; baseia-se em critérios humanos (santidade, virtude, bom com­portamento dos homens …) , que podem decepcionar duramente quem se queira apoiar neles.

Por isso passamos a encarar outro tipo de procura da ver­dadeira Igreja de Cristo.

2. Outra via de procura

1. Disse Jesus Cristo aos Apóstolos antes de lhes subtrair a sua presença visível: «Ide, ensinai todas as nações. E eu estarei sempre convosco até a consumação dos séculos» (Mt 28,19s).

Estas palavras projetam luz decisiva sobre o problema: Jesus promete sua assistência – penhor de fidelidade ao Evan­gelho – aos Apóstolos e aos seus sucessores até o fim dos tempos. Isto quer dizer que há um critério objetivo para carac­terizar e discernir a verdadeira Igreja ou a Igreja fundada por Cristo: esse critério é a continuidade da sucessão apostólica desde os tempos de Cristo até hoje ou mesmo até o fim dos séculos. Esse critério não oscila com a santidade dos homens e permite que a Igreja de Cristo seja reconhecida com relativa facilidade. Para tanto, basta examinar a história de cada uma das denominações cristãs que se apresentam ao observador hoje em dia: a luterana começa com Lutero (1483-1546), a calvi­nista ou presbiteriana com Calvino (1509-1564) e J. Knox (1514-1572), a metodista com J. Wesley (1703-1791), a adven­tista com W. Miller (1782-1849) e Ellen Gould White, a pente­costal com pastores norte-americanos no início do século XX.

2. No Ocidente, apenas a Igreja Católica pode recuar desde os nossos tempos até a época dos Apóstolos ou até Cristo sem hiato ou interrupção e recomeço. Verdade é que na histó­ria da Igreja Católica houve Papas, bispos e clérigos pouco dignos, que viveram em contradição com o Evangelho… Não se devem negar as incoerências morais que houve realmente ; mas deve-se reconhecer que Jesus não quis garantir sua assis­tência infalível aos mais santos ou mais zelosos dos seus discí­pulos, mas, sim, aos que continuassem legitimamente a suces­são apostólica. A santidade ou, em contra-parte, a miséria dos homens não condicionam decisivamente a obra de santificação que Cristo quer realizar na sua Igreja através dos homens (santos ou não) que Ele chama para exercerem o minis­tério apostólico. Também não é à procura da santidade dos homens (valor relativo e instável) que os cristãos devem andar, mas, sim, à procura de Cristo, que age pelos homens.

Não há dúvida, é para desejar que os sucessores dos Após­tolos se esforcem decididamente por ser santos e exercer digna­mente as suas funções. Quanto mais responsabilidade Cristo confia a alguém, mais dele exigirá fidelidade e virtude. Cristo disse mesmo que o amor mútuo seria a grande característica de seus discípulos (cf. Jo 13, 34s). Mas, conhecendo a fra­queza dos homens, o Senhor não quis condicionar o ministério da sua graça à virtude das criaturas.

3. Dirá, porém, alguém: a Igreja Oriental, chamada «ortodoxa» [2], separada da Igreja Católica Romana, conserva ininterruptamente a sucessão apostólica; não foi reformada ou recomeçada como as denominações protestantes do Ocidente. Por que então não dizer que Cristo lhe presta a assistência infalível prometida em Mt 28,18-20, como a presta à Igreja Romana ?

– Deve-se reconhecer a sucessão apostólica nas comuni­dades orientais separadas de Roma. Acontece, porém, que, dentre os doze Apóstolos, quis Cristo escolher um – Pedro – para que fosse o sinal e o fator da unidade do colégio apos­tólico. Com efeito, disse Jesus a Pedro

Mt 16,18s: «Tu és Pedro e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja. Dar-te-ei as chaves do Reino dos céus, e tudo quanto ligares na terra ficará ligado nos céus, e tudo quanto desligares na terra, será desligado nos céus».

Jo 21,16s: «Apascenta as minhas ovelhas».

Lc 22,31s: «Simão, Simão, Satanás vos reclamou para vos joeirar como o trigo. Mas eu roguei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça. E tu, uma, vez convertido, confirma os teus irmãos».

Donde se vê que Pedro recebeu, como nenhum outro Após­tolo, a missão de conduzir o rebanho de Cristo. De modo es­pecial, verifica-se que a fé de Pedro é critério para se distin­guirem as autênticas proposições de fé.

Se, conforme as palavras evangélicas acima, Pedro rece­beu de Cristo o primado entre os Apóstolos, compreende-se que o Apóstolo ou sucessor de Apóstolo que não tenha comu­nhão com Pedro já não goza da assistência que Cristo quis pro­meter a Pedro e ao colegiado unido a Pedro.

Mais: Pedro morreu como bispo de Roma; os seus su­cessores em Roma são, pois, herdeiros do carisma ou da graça do primado que Jesus outorgou a Pedro. É por isto que a Igreja de Cristo se chama “romana”… Romana, no caso, quer dizer «petrina», ou seja, a Igreja que Cristo quis estabelecer sobre o fundamento visível que se chama «Pedro». Em conse­qüência, também se entende que as comunidades ortodoxas orientais, tendo-se separado de Pedro, já não se beneficiam daquela promessa de autenticidade integral que Cristo quis fazer à Igreja chefiada por Pedro.

As comunidades orientais separadas, como também as de­nominações protestantes, conservam numerosos valores do pa­trimônio entregue por Cristo aos Apóstolos. Todavia falta-lhes o valor que garante a incorrupção dos demais: a união com Pedro, pelo qual Cristo quer reger a sua Igreja.

É na Igreja fundada e regida por Cristo que o cristão en­contra a Bíblia, … e não somente a Bíblia, mas também a autêntica interpretação desta, pois na Igreja continua a ressoar a palavra de Deus oral, que é anterior à escrita. Cristo não é simplesmente um mestre – como Sócrates ou Aristóteles – que morreu e nos deixou uma mensagem consignada em livro por seus discípulos. Mas Cristo continua vivo não apenas na recordação e no afeto dos seus discípulos e, sim, e antes do mais, na realidade da Igreja que dele se deriva diretamente. É, portanto, na Igreja que o cristão encontra o Cristo e a Palavra de Cristo tanto oral como escrita (Bíblia).

São estas algumas idéias aptas a ajudar o estudioso sincero que deseje, no panorama do Cristianismo contemporâneo, en­contrar Cristo e a Igreja de Cristo – dois valores que não se distinguem adequadamente e são inseparáveis um do outro.

A respeito veja

PR 13/1959, pp. 10-20 (primado de Pedro).

PR 14/1959, pp. 61-66 (infalibilidade de Pedro).

PR 14/1959, pp. 57-60 (Igreja é necessária?)

PR 47/1961, pp. 469-478 (o axioma “Fora da Igreja não há salvação”).

PR 84/1964, pp. 513-523 (colegiado dos bispos e Papado).

Fr. Dattier, “Pedro em Roma”, em REB 34 (1974) pp. 358s.

F. Bouchard, “Juventude da Igreja ou a grande tentação moderna”. São Paulo 1970.

J. Leclercq, “Aonde vai a Igreja de hoje”. São Paulo 1970.

P. Michalon, “A unidade dos cristãos”. São Paulo 1969.

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NOTAS:

[1] A pertença à Igreja, embora seja contestada e menosprezada por muitos cristãos, é inerente ao título mesmo de Cristão. Deus não quis san­tificar os homens de maneira meramente individual, mas, tendo feito o homem social, quer também atraí-lo a Si em sociedade ou na Igreja.

[2] “Ortodoxa”, porque até o século VII (Concílio de Constantinopla III, 681) defendeu sempre a reta fé (ortodoxia, em grego) em oposição às here­sias do arianismo, do nestorianismo, do monofisismo e do monotelitismo. Tendo conservado a reta fé (sem heresia), os cristãos orientais se separaram de Roma em 1054 por iniciativa do Patriarca Miguel Cerulário de Constanti­nopla.