(Revista Pergunte e Responderemos, PR 361/1992)
Em síntese: A construção da bela e grande basílica de Nossa Senhora da Paz em Yamoussoukro (Costa do Marfim, África) provocou criticas acerbadas da imprensa européia: julgaram-na uma afronta ao pobre povo daquele país. Todavia os próprios nativos da Costa do Marfim se encarregaram de defender a sua obra de arte, censurando os europeus por se imiscuírem em questões de ordem interna do seu país. Com efeito; quem doou o terreno de sua família e construiu a basílica com o seu dinheiro pessoal, foi o Presidente da República, Sr. Houphouët-Boigny; sabia que para Deus nada há de excessivamente belo e digno; o construtor da basílica encarregou-se outorgando de cercá-la de obras humanitárias, como é um conjunto escolar e hospitalar e uma emissora radiofônica. Interpretando os sentimentos do povo nativo, alguns Bispos da Costa do Marfim declararam o seu contentamento por poder contar com um recinto de adoração a Deus à altura da fé dos católicos daquele país.
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Aos 10/09/1990 o Papa João Paulo II consagrou suntuosa Basílica[1] em Yamoussoukro (Costa do Marfim, África) em presença de representantes de todos os Episcopados da África e dos imame[2] da Costa do Marfim.
Trata-se de igreja imensa, dedicada a Nossa Senhora da Paz, construída por vontade do Presidente da Costa do Marfim, o Sr. Houphout Boigny em sua região natal, que é precisamente a cidade de Yamoussoukro. O próprio Sr. Presidente doou o terreno, que pertencia à sua família, e pagou os custos da construção com os seus recursos pessoais.
A basílica é uma réplica de São Pedro em Roma; sobre a sua cúpula dourada acha-se uma Cruz, cujo ápice atinge 158 metros acima do nível do solo. As paredes do edifício são vitrais, cuja superfície é de 7.800 metros quadrados. Na Basílica cabem 7.000 pessoas sentadas e 11.000 em pé. O sistema de ar condicionado funciona em todo o templo. A construção da Basílica começou em 1986, quando na Costa do Marfim ainda não se previa a futura crise econômica, devida à brusca queda do preço do cacau e do café, principais produtos nacionais. As obras terminaram em meados de 1990.
As despesas de confecção de tal igreja foram vultosas. Há quem fale de 800 milhões de francos franceses. Em conseqüência, muitos foram os comentários críticos não só à construção do edifício, mas também ao fato de que João Paulo II o consagrou por ocasião da sua visita à Costa do Marfim. – Sejam aduzidos os prós e os contras.
1. COMENTÁRIOS
1.1. Não à Basílica!
Em síntese, os que condenaram a construção de tal igreja, alegaram o seguinte:
“O dinheiro aplicado à construção dessa basílica teria sido mais aproveitado em outros setores, principalmente em nossos tempos, quando a Costa do Marfim passa por dificuldades econômicas… É escandaloso! Uma injúria à miséria do povo! Isso desonra a Igreja inteira”.
Verdade é que o episcopado e, em geral, o clero da Costa do Marfim não foram consultados a respeito do projeto. Alguns dos seus membros não lhe eram favoráveis. Acontece, porém, que as críticas foram mais virulentas na Europa do que na África.
1. 2. Sim A Basílica!
Os que defenderam a realização do projeto, valeram-se de vários argumentos:
Perguntavam, por exemplo, por que os moralistas, principalmente os franceses, se imiscuíam em questões de ordem interna da Costa do Marfim. Não seria isto um tipo de neocolonialismo? Os africanos têm, como os europeus, o direito de construir seus monumentos grandiosos. Não haveria na campanha de recusa o desejo velado de criticar o Papa?
Na própria Costa do Marfim as vozes dos nativos se levantaram em defesa da Basílica. Assim, Mons. Agré, Bispo de Man, naquele país, interpretou o pensamento de seus compatriotas, observando que atualmente cinco grandes edifícios religiosos estavam então em construção no mundo:
“Quatro deles são mesquitas (no Marrocos, na Nigéria, na Arábia… e até em Roma); somente o quinto é cristão. E somos nós, os cristãos, que rejeitamos a única igreja de porte tal que se possa equiparar aos quatros outros monumentos, todos muçulmanos? Acho isto muito estranho!”:
E acrescentou:
“Utilizemos essa Basílica para a maior glória de Deus e a salvação dos homens!”.
Aliás, a igreja deverá ser cercada de um conjunto escolar e hospitalar, e das instalações de uma emissora de rádio, das quais João Paulo II benzeu a primeira pedra. Contudo “Deus servido em primeiro lugar”!
O Bispo de Bouaké afirmou, ao acolher o Papa em Yamoussoukro, na sua diocese, repetindo, aliás, as palavras do Santo Cura de Ars:
“Nada é belo demais quando se trata de o oferecer a Deus”.
Cardeal Tumi, Presidente do Simpósio das Conferências Episcopais de toda a África, declarou:
“A África regozija-se por ter um tal recinto para adorar a Deus. Nós, africanos, temos os nossos pobres, os nossos doentes, os nossos famintos… Mas esses africanos que sofrem, reconhecem o valor de dar a Deus o que temos de melhor. Estão conscientes de que nada é caro demais nem belo demais quando se trata de o oferecer a Deus.
Os africanos sabem que o homem não vive só de pão. Um africano pode não possuir uma bela casa, mas ele se regozija de que Deus possua uma esplêndida morada, como essa maravilhosa Basílica, que é um sinal de que a Boa-Nova de Jesus Cristo se enraizou definitivamente no coração africano”.
Há quem observe outrossim que o Presidente Houphouët-Boigny não teria sido criticado pela mesma imprensa se ele tivesse comprado carros, navios e aviões de combate ou grandes propriedades na França, na Suíça e alhures. Preferiu seguir as pegadas dos grandes governantes da tradição francesa: assim, no século XI, Guilherme o Conquistador mandou construir em Caen (França) duas grandes igrejas, que atualmente suscitam a ufania da cidade e da nação: a Basílica de S. Estêvão e a da SS. Trindade, cercadas de abadias e hospitais. Os habitantes da Normandia, naquela época, não estavam em melhores condições materiais do que atualmente os da Costa do Marfim.
2. UM COMUNICADO DA SANTA SÉ
O jornal do Vaticano “L’Observatore Romano”, em sua edição francesa de 25/09/1990, publicou um “Comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé sobre a dádiva da Basílica de Yamoussoukro”.
Desse texto vão extraídos os seguintes excertos:
A Santa Sé aceitou a doação feita pelo Presidente da República da Costa do Marfim, Sr. Félix Houphouét-Boigny, que tem por objeto a Basílica de Nossa Senhora da Paz, com todos os bens úteis e necessários para promover as diversas iniciativas religiosas e sociais que condizem com uma igreja…
Ao aceitar a doação e ao constituir a Fundação Nossa Senhora da Paz, o Santo Padre espera contribuir para o bem da população da Costa do Marfim e de outros países africanos”.
3. CONCLUSÃO
O fato ocorrido na Costa do Marfim é importante para se ponderarem semelhantes situações existentes em outros países: há quem julgue que a Igreja não deve construir grandes templos ou mesmo se deve despojar das belas e grandes igrejas que possui desde séculos. Ora vê-se que os próprios africanos, embora sofram pobreza, se empenharam pela construção de sua bela Basílica em Yamoussoukro, julgando que Deus deve ter seu digno lugar de culto em meio aos homens: nada é belo demais quando se trata de o oferecer a Deus. Foi sempre assim que pensaram os cristãos; é assim que a fé continua a pensar, sem que por isto se esqueça de servir aos pobres e tentar superar suas carentes condições de vida.
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NOTAS:
[1]. Basílica é atualmente o título honorífico dado a certas igrejas de maior importância. A palavra vem do adjetivo grego basiliké, que significa régia. Tal adjetivo passou a significar igrejas, quando na antigüidade se construíram igrejas segundo o modelo de solenes edifícios do Império Romano: um grande saguão, que terminava em uma ou mais absides.
[2]. Imame = ministro da religião muçulmana.