Igreja: vaticano e justiça social

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 147/1972)

 

O Vaticano é periodicamente contestado por suas pretensas riquezas e seu sistema financeiro. A Santa Sé, nos últimos tempos, tem respondido às observações que a imprensa vem publicando a respeito; os governantes da cidade do Vaticano têm mostrado o que há de exagerado ou falso nos rumores divulgados.

Recentemente o jornal francês «Le Mondes voltou à carga, suscitando assim da Santa Sé os esclarecimentos publicados em «L’Osservatore Romano» (ed. portuguesa) de 21/11/1971, p. 16.

Abaixo transcreveremos tal artigo, julgando prestar serviço a muitos leitores, aos quais será útil saber o que há de certo na administração financeira do Vaticano.

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As finanças da santa sé e as relações de trabalho no Vaticano.

Esclarecimentos

«Le Monde», na sua edição de 27 de outubro p.p., publicou um artigo intitulado «Le Saint-Siège est-il le plus mauvais employeur d’Italie?»[1],sobre a situação dos dependentes do Vaticano e as finanças da Santa Sé, apresentando aos leitores «alguns elementos de avaliação que não podem ser contestados». Sobre estas informa­ções, porém, é possível e até necessário fazer alguns esclarecimentos e alguns desmentidos.

Tendo como pressuposto que a Santa Sé não pode ser conside­rada como um dador de trabalho «d’Italie», uma vez que é sabido que as suas relações com os próprios dependentes não estão, nem podem estar, incluídas na ordenação jurídica italiana, dado o seu caráter de entidade independente e supranacional, vamos examinar, ponto por ponto, os referidos «elementos».

1. «Depois de ter relevado que o Vaticano emprega um elevado número de leigos, inclusivamente mulheres, observamos, primeiramen­te, que nele não é reconhecida nenhuma das liberdades fundamentais do trabalhador. No Vaticano não existe liberdade de associações, nem liberdade sindical».

E verdade que no Vaticano não há associações profissionais e sindicais, mas o reconhecimento deste fato não pode e não deve causar a mesma impressão (não seria correto) que se teria com razão, se alguém afirmasse que estas livres associações não existem no âmbito de um determinado Estado ou País. Com efeito, nas diversas nações, o mundo do trabalho apresenta, primeiramente na realidade social, e só depois, como seu pressuposto, no reconhecimento legis­lativo, determinadas características que todos conhecem. Ora – e este é o ponto – uma realidade social deste gênero não se encon­tra no Vaticano.

1) Primeiro que tudo, os dependentes da Santa Sé, em serviço efetivo, são apenas uns três mil: mil leigos e dois mil, aproximada­mente, entre sacerdotes e religiosos (ou pertencentes a Institutos Se­culares). Sobre esses últimos deveremos fazer algumas considerações especiais (cfr. 2,a).

Referindo-nos principalmente aos leigos, devemos relevar que os componentes das várias categorias não são muito numerosos. Por exemplo, os jornalistas do Vaticano (dos quais o artigo fala no n.º 6) são 24 (18, dos quais 2 são sacerdotes e 1 é religioso, trabalham em «L’Osservatore Romano»; e 6, dos quais 3 são religiosos, traba­lham na Rádio Vaticano); os dependentes do correio, entre emprega­dos e auxiliares, são 15; os empregados do setor de transportes são uns 50; uns 30 trabalham na manutenção dos edifícios. De modo geral, o número de trabalhadores, em cada uma das várias catego­rias, não é superior a 10. Só nalguns casos, como, por exemplo, no das duas tipografias (Poliglota e «L’Osservatore Romano»), o número dos operários atinge a ordem da centena (exatamente 204 operários ao todo). É claro que o problema associativo se apresenta, praticamente, de um modo diverso, quando se trata de dezenas ou centenas de milhares de trabalhadores e quando se trata de um reduzido número de algumas centenas, ou mesmo de algumas dezenas de pessoas em cada categoria profissional. No primeiro caso, para manifestar as próprias reivindicações, ou para proteger, de algum modo, os interesses profissionais ou de categoria, são necessárias formas associativas, com órgãos representativos próprios, que funcio­nem por conta ou para o benefício dos associados. Na segunda hi­pótese, não se pode excluir que o mesmo objetivo seja livremente alcançado de outro modo, mais coerente com a realidade e igual­mente eficaz. Por outras palavras: a uma realidade social diferente pode corresponder uma legislação diversa para a obtenção das mesmas finalidades.

2) Mas a diferença entre o Vaticano e as sociedades civis, em matéria de relações de trabalho, não se refere somente ao número dos trabalhadores. Há também profundas diferenças de qualidade.

a) Ao falar dos dependentes «leigos», o articulista evidente­mente não se esqueceu de que há também, no Vaticano, dependentes sacerdotes e religiosos. É oportuno recordar este fato. Como já dissemos, eles constituem a maioria (cerca de dois terços). Ora, o serviço prestado à Santa Sé por sacerdotes, religiosos ou religiosas (a quase totalidade das mulheres, que ao todo são uma centena, pertence a Instituições religiosas ou seculares) tem o caráter de sin­gular missão de ordem espiritual, completamente compreensível à luz da fé, e também apreciável sob o aspecto puramente humano: é um serviço, portanto, que não pode ser reduzido a uma relação normal e corrente de trabalho.

b) No Vaticano, não existem propriedades imóveis, industriais ou comerciais, privadas. Todas as atividades que por enquanto vamos denominar «econômicas» (salvo o que, mais adiante, determinaremos melhor) são, no Estado do Vaticano, de iniciativa e de índole pública. Se, no Vaticano, não existem associações de trabalhadores, não se deve esquecer que também não existem associações de dadores de trabalho. Por outro lado, o «dador de trabalho», que no Vaticano é a Santa Sé, corresponde, porventura, verdadeiramente, à típica e corrente noção de dador de trabalho? O dador de trabalho visa à obtenção de lucro. A Santa Sé, porém, tem outras finalidades bem diversas. O dador de trabalho produz bens e serviços econômicos. A Santa Sé, porém, «produz» serviços de ordem moral e espiritual. É verdade que fora do Vaticano se fazem alguns serviços que não são de natureza econômica, mas nem por isso deixam de ser avaliados economicamente (ex. : alguns serviços do Estado, aos quais corres­pondem as taxas e impostos; iniciativas privadas no campo da ins­trução, dos quais se podem obter lucros). Podemos admitir que a Santa Sé também «produz» serviços análogos, mas esta analogia não é correta quando se trata da mencionada avaliação em termos econômicos. Com efeito, os serviços espirituais da Santa Sé a favor da Igreja Universal (pensemos nos serviços dos Dicastérios da Cúria Romana) não são serviços de que, a Santa Sé obtenha ou pelos quais peça vantagens ou compensações econômicas. São serviços que não só não produzem, mas até custam muito (manutenção dos escritórios, material de secretaria, pagamentos e salários, etc.). Também algumas pouquíssimas atividades particulares, como, por exemplo, a tipográ­fica (Tipografia Poliglota e Tipografia de «L’Osservatore Romano») não têm finalidades lucrativas, e, na realidade, são passivas.

c) Deste modo, não existe no Vaticano aquela tensão entre capital e trabalho, que é a característica do mundo do trabalho das sociedades civis (e que dá origem aos relativos movimentos associa­tivos), e os dois termos da relação de trabalho – Santa Sé e os seus dependentes – não se encontram naquelas condições que ca­racterizam ambientes sociais profundamente diversos. Se, por hipó­tese, também no Vaticano surgissem tensões, a parte mais fraca seria a Santa Sé e não os seus dependentes.

Com efeito, a Santa Sé não pode, de nenhum modo, suspender a própria atividade em favor de toda a Igreja, nem recorrer a substi­tuições improvisados, no caso de suspensões coletivas do trabalho da parte dos seus dependentes

3) Como já foi dito, as relações de trabalho, no Vaticano, são relações de trabalho com uma entidade pública, como é precisamente a Santa Sé. Ora, na sociedade civil, a maturação das liberdades fun­damentais realizou-se, historicamente, apenas no âmbito da empresa privada, ao passo que só recentemente o problema está a ser gra­dualmente definido no âmbito das relações de trabalho com as enti­dades públicas (relações que têm características próprias, que não são as mesmas nas relações de trabalho na empresa privada). Não se deve também esquecer, de modo particular, que o problema de harmonizar as liberdades sindicais com o caráter indispensável de alguns serviços públicos é uma questão que ainda está aberta. São, também estas, circunstâncias importantes, que não se podem deixar de considerar, se se quiser julgar reta e honestamente a particular situação do Vaticano. Além disso, não se pode negar que a Santa Sé não se encontra nas mesmas condições dos Ministérios ou das en­tidades públicas do Estado, que dispõem de um número muito maior de dependentes e de meios financeiros, com a possibilidade de os obter, o que a Santa Sé não possui.

4) Se não estamos enganados, os dependentes das Organiza­ções Internacionais, como, por exemplo, a UNESCO e a FAO, não têm associações sindicais. Mas este fato não causa admiração, considerando a índole particular destas instituições. Também elas são diversas das entidades estatais. Neste caso, é igualmente difícil afir­mar, com segurança, que a falta de associações sindicais prejudique verdadeiramente alguma liberdade fundamental dos dependentes das citadas Organizações. É a estas entidades que a Santa Sé pode ser retamente assimilada, mais do que a uma Organização estatal qual­quer. Contudo, a Santa Sé encontra-se em condições particulares, até em relação às referidas entidades internacionais.

Com estas considerações não se pretende, certamente, negar algumas liberdades fundamentais da pessoa humana, que a Igreja tem procurado diligentemente reconhecer e promover. E preciso, porém, que se ponderem, primeiro que tudo, as características e a sin­gularidade de algumas situações concretas, social ou institucional­mente estruturadas e configuradas de um modo diverso do normal e corrente, que é próprio da sociedade civil e das legislações estatais, e, portanto, susceptível de um diferente tratamento normativo concreto, que não prejudica o reconhecimento das referidas liberdades, não só consideradas sob o seu aspecto formal e instrumental (organização de pessoas), mas também sob o seu aspecto finalístico (a finalidade da organização).

No Vaticano, não existem associações livres ou partidos polí­ticos. Este fato, por acaso, ofende alguma das liberdades fundamen­tais dos quinhentos cidadãos do Estado da Cidade do Vaticano? Parece difícil prová-lo. Urna tese deste gênero pecaria por um evi­dente abstratismo, porque esqueceria a índole e a função, inteira­mente peculiar, única no mundo, do Estado do Vaticano.

Voltando ao tema das relações de trabalho, como é sabido, existe no Vaticano, em pleno funcionamento, uma especial Repartição para as relações com o pessoal (Ufficio per i rapporti col personale), criada por Paulo VI, com a finalidade institucional de tutelar os interesses.dos dependentes da Santa Sé. A esta Repartição têm livre acesso todos os dependentes do Vaticano, para exporem, com a máxima liberdade individual, ou por meio de representantes, coletivamente, os próprios problemas. Além disso, são possíveis contatos diretos, que, realmente, se verificam entre os dependentes e as várias Repartições administrativas ou os respectivos Oficiais-Maiores respon­sáveis, contatos estes que são facilitados pelo exíguo número do pessoal que compõe as várias categorias, e pela proximidade material entre os lugares de trabalho e as referidas Repartições. A Repartição para as relações com o pessoal e os contatos individuais dão o possibilidade de se obterem, livre e efetivamente, os mesmos objetivos conseguidos num ambiente social diverso, por meio das associações profissionais e dos sindicatos. Acrescenta-se a tudo isto o seguinte fato: quando os dependentes da Santa Sé que desempenham a mesma atividade ou trabalham no mesmo setor, elegiam um representante ou alguns representantes, para tratar os problemas concernentes às pró­prias relações de trabalho, esta experiência durava pouco tempo, porque se verificava que, em geral, os interessados preferiam tratar pessoalmente com o respectivo superior imediato.

Não gostaríamos, além disso, de que a expressão categórica «nenhuma das liberdades fundamentais» induzisse a erro por outro motivo, ou seja, levasse a pensar que os dependentes do Santa Sé talvez fossem vítimas de um trabalho injusto e insuportável. Mas não é assim. Eles, de fato, além da retribuição-base, recebem aumentos bienais que vão de um mínimo de Lit.6.500 aum máximo de Lit. 8.500, abonos de família (Lit. 12.000 pelos parentes que têm a cargo, e Lit. 15.000 pelos filhos), indenização por motivo de aumen­to do custo da vida (escala móvel, como na Itália), e outras indeni­zações eventuais, usufruindo também de assistência médica e de pre­vidência social (aposentadoria e indenização final, atribuída em proporção ao período de trabalho).

Em virtude do artigo 17 do Tratado de Latrão, «as retribuições de qualquer natureza, devidas pela Santa Sé, pelos outros organis­mos centrais da Igreja Católica e pelas obras administradas direta­mente pela Santa Sé, até fora de Roma, a dignitários, empregados e assalariados, mesmo não estáveis», são isentas, no território italiano, de qualquer imposto ao Estado ou a outro organismo.

Podemos também recordar que a retribuição ou salário-base dos «oficiais-menores», que representam a maioria dos dependentes, vai de um mínimo de Lit.123.000 aum máximo de Lit. 171.230, e que estes «oficiais» têm um horário de trabalho de apenas 33 horas semanais. Todos, além disso, dispõem de 19 dias de descanso, além dos domingos, dos dias de preceito e, naturalmente, de um mês de férias por ano. Não se pode dizer, portanto, que, no Vaticano, não são contempladas as exigências da justiça social.

Nesta altura, poder-se-ia pôr fim a estas considerações sobre o primeiro «elemento» do artigo de «Le Monde». Mas é preferível examinar a matéria, ponto por ponto.

II. Quanto aos «non-titulaires», ou seja, ao pessoal extraordinário, que não está incluído no pessoal fixo nem é estável, é falso afirmar que existe uma discriminação entre os italianos e os que não o são, com prejuízos para estes últimos, e que o pessoal extraordinário não tem direito a qualquer tipo de seguro. Com efeito, os dependentes da Santa Sé que não estão inscritos no quadro do pessoal fixo, rece­bem uma indenização especial e podem dispor de assistência médica. É ingênuo e até falso afirmar que não lhes são pagas as horas extraordinárias de trabalho, dado que o seu salário é calculado por horas. Não se pode dizer, igualmente, que são dispensados do ser­viço sem prévio aviso.

III. É inteiramente justo que o dependente estável, com horário normal de trabalho, não possa prestar serviço nas mesmas condições de um dador de trabalho. A incompatibilidade consiste na própria natu­reza das coisas, mesmo antes de ser contemplada pelos regulamentos.

IV. Todo o pessoal que possui um contrato individual de trabalho, inclusivamente o pessoal extraordinário que prestava serviço em 1969-1970, recebeu regularmente a gratificação de Lit. 100.000 por ocasião do jubileu sacerdotal de Paulo VI. As insinuações que o artigo faz sobre este ponto, são destituídas de fundamento.

V. É verdade que as vantagens de que os dependentes da Santa Sé usufruíam, ao comprar determinados produtos, legitimamente à venda no Vaticano, simplesmente a título de favor, diminuíram nestes últimos tempos, por causa de uma necessária modificação de preços. Mas estas vantagens, que representavam um dos modos com que a Santa Sé procura melhorar a situação do seu pessoal (cfr. Tratado de Latrão, art. 17), continuam, apesar de tudo, a ser consideráveis. Por outro lado, tem-se procurado contrabalançar o aumento do custo de vida com indenizações correspondentes.

VI. Não se pode dizer que, em matéria de retribuição, os depen­dentes que não são italianos, se encontrem em condições desfavorá­veis. A verdade é precisamente o contrário. Com efeito, recebem um aumento que pode ir até 15 por cento do salário, segundo as regiões geográficas de onde provêm. É verdade que o salário dos jornalistas dependentes da Santa Sé é inferior ao dos jornalistas ita­lianos. Mas não se deve esquecer o que já foi dito a respeito da isenção de impostos (cfr. I) e das outras facilitações, que constituem um complemento da retribuição em dinheiro (cfr. V). É falso afirmar que o trabalho dos jornalistas, nos dias de preceito, não é remunerado.

O artigo de «Le Monde» passa, depois, a falar das finanças da Santa Sé, dizendo, no início, que é extremamente difícil obter informações sobre o assunto, e citando alguns dados fornecidos pelas «Communautés critiques italiennes». Sobre este ponto, também espe­rávamos mais. Por que ignorar, por exemplo, os esclarecimentos dados por «L’Osservatore Romano», na sua edição quotidiana de 23 de julho de 1970, sob o título «Precisazioni», e na sua edição semanalportuguesa de 26 de julho de 1970, sob o título «Esclarecimentos» Trata-se de um artigo que foi convenientemente apreciado por muitos jornais. Os dados por ele fornecidos poderiam contribuir para uma justa avaliação das informações difundidas pelas «Communautés cri­tiques italiennes». Estas informações parecem fundar-se naquele pu­blicismo tendencioso e mal informado a que se referiam os esclare­cimentos de «L’Osservatore Romano». É o que se pode concluir do resumo das mencionadas informações, apresentadas no artigo de «Le Monde».

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Como depreende o leitor, a Declaração da Santa Sé tende a pôr em evidência dois tópicos principais:

1) Não há irregularidade nos contratos de trabalho ou na administração da Santa Sé. Infelizmente os rumores propa­lados se ressentem de preconceitos ou mal-entendidos. Ademais o Vaticano, sendo geograficamente minúsculo, não apresenta os problemas e as necessidades que se encontram em outras nações: em vez de tratar com o Governador civil da Cidade do Vaticano por meio de representantes, muitos trabalhadores e funcionários preferem entender-se diretamente com o respectivo «dador de trabalho». Leve-se em conta também que os assalariados do Vaticano não pagam imposto de renda na Itália; além do que, muitos têm direito a comprar por preços especialmente módicos os artigos estrangeiros que o Vaticano lhes oferece.

2) Mais importante ainda: a realidade do Vaticano difere profundamente da de outro Estado ou da de uma empresa, pelo fato de que a própria existência do Vaticano e das suas organizações só se explica pelo serviço do Evangelho ou em vista de uma missão espiritual. O Estado Pontifício, extinto em 1870 pela criação do Reino da Itália, foi restaurado em 1929 segundo proporções territoriais mínimas (44 hectares, ou seja, menos do que o território da República de San Marino ou de Andorra), unicamente para atender à função religiosa e evangelizadora que Cristo confiou à sua Igreja. Sem independência frente ao Governo da Itália ou a outros Governos, a Santa Sé estaria sujeita a ser interceptada em suas comunicações com os fiéis esparsos no mundo inteiro; o Papa precisava de autonomia tem­poral (destituída de todo aparato dispensável: exército, armas, partidos políticos…) para poder exercer devidamente a sua missão de Pai espiritual de 600 milhões de fiéis.

É portanto a fé (sem preocupação de lucro financeiro) que, em última análise, fornece os critérios de organização da Cidade do Vaticano; se no Vaticano há garantias e emolumentos finan­ceiros, inspirados pelas virtudes da justiça e da prudência, tais elementos financeiros estão longe de constituir a razão de ser das atividades do Vaticano. Mais: muitos dos empreendimentos da Santa Sé não dão lucro material, mas ao contrário, são deficitários. Os proventos de que a Santa Sé desfruta, são mais do que necessários (se não insuficientes) para manter as obras missionárias e culturais da Igreja (com suas escolas, creches, hospitais…) nos mais diversos pontos do globo. De resto, segundo São Paulo, qualquer provisão de bens materiais que se faça na Igreja, participa da índole litúrgica ou de culto sagrado que compete à vida cristã em geral (cf. Fl. 4,18; Rom 12,1…). Nada é meramente profano, nem o intercâmbio pe­cuniário, para o discípulo de Cristo.

O cristão, com a sua fé, poderá compreender tal realidade do Vaticano sem dificuldades. O não cristão, embora não tenha fé, poderá apreciar o sentido humanitário que tem a ação do Vaticano no mundo: é como sinal e apelo de paz, concórdia, fra­ternidade e cultura entre os homens que a Santa Sé procura apresentar-se a todos os povos. É à construção do homem, em suas dimensões essenciais, que se consagram os que labutam no Vaticano; caso haja exceções (de antemão compreensíveis, onde haja fraqueza humana), estas só fazem confirmar a regra!

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NOTAS:

[1] “A Santa Sé será o pior empregador da Itália?”