Confiança total em Deus: lições de uma pandemia – II

LIÇÕES DE UMA PANDEMIA – II

Olá todos!
Eis a ideia para vocês refletirem ao longo da semana: “confiança total em Deus: lições de uma pandemia – II”.

Não sei se todos sabem, mas no último dia 27 de março o Papa Francisco deu uma bênção extraordinária que só costuma dar na Páscoa e no Natal para pedir a Deus o fim da pandemia. Antes da bênção, deu uma homilia muito bonita. Segue abaixo. Apesar de ser um texto um pouco mais longo do que costumo enviar para vocês, vale muito a pena!!!

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HOMILIA DO SANTO PADRE, Bênção Urbi et Orbi, 27 de março de 2020, baseada no Evangelho da tempestade acalmada. Jesus estava dormindo na barca e avizinha-se uma tempestade terrível. Vendo que todos iam morrer, os apóstolos dando gritos acordam Jesus: “Mestre, vamos morrer, vamos morrer! Mestre, não te importas que vamos morrer?”

«Ao entardecer…» (Mc 4, 35): assim começa o Evangelho, que ouvimos. Desde há semanas que parece o entardecer, parece cair a noite. Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo com um silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, vê-se nos olhos. Vemo-nos temerosos e perdidos. À semelhança dos discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda. (…) E, neste barco, estamos todos (…).

Rever-nos nesta narrativa, é fácil; difícil é entender o comportamento de Jesus. Enquanto os discípulos naturalmente se sentem alarmados e desesperados, Ele está na popa, na parte do barco que se afunda primeiro… E que faz? Não obstante a tempestade, dorme tranquilamente (é a única vez no Evangelho que vemos Jesus dormindo). Acordam-no e acalma o vento e as águas. Então volta-se para os discípulos em tom de censura: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» (4, 40).

Procuremos compreender. Em que consiste esta falta de fé dos discípulos (…)? Não é que deixaram de acreditar nele, pois o invocam pedindo ajuda; mas vejamos como o invocam: «Mestre, não te importas que pereçamos?» (4, 38) Não te importas: pensam que Jesus se tenha desinteressado deles. Entre nós, nas nossas famílias, uma das coisas que mais nos dói é que nos digam: «Tu não te importas de mim». É uma frase que fere e desencadeia turbulência no coração. Terá abalado também Jesus, pois não há ninguém que se importe mais de nós do que Ele. De fato, uma vez que foi invocado, salva os seus discípulos desalentados.

A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade. A tempestade põe a descoberto todos os propósitos de esquecer o que alimentou a alma dos nossos povos; todas as tentativas de anestesiar com hábitos aparentemente «salvadores» (a memória de Deus) (…).

«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Nesta tarde, Senhor, a tua Palavra atinge e toca-nos a todos. Neste nosso mundo, que tu amas mais do que nós, avançamos a toda velocidade, sentindo-nos em tudo fortes e capazes. Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-te: «Acorda, Senhor!»

«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» O Senhor, lanças-nos um apelo, um apelo à fé. E a fé não é tanto acreditar que tu existes, mas ouvir os teus apelos. Nesta Quaresma, ressoa o teu apelo urgente: «Convertei-vos…». «Convertei-Vos a Mim de todo o vosso coração» (Jl 2, 12). Chamas-nos a aproveitar este tempo de prova como um tempo (…) de decidir o que conta e o que passa, de separar o que é necessário daquilo que não o é. É o tempo de reajustar a rota da vida rumo a Ti, Senhor (…).

«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» O início da fé é reconhecer-se necessitado de salvação. Não somos autossuficientes, sozinhos afundamos: precisamos do Senhor como os antigos navegadores precisavam das estrelas. Convidemos Jesus a subir para o barco da nossa vida. Confiemos-lhe os nossos medos, para que Ele os vença. Com Ele a bordo, experimentaremos – como os discípulos – que não há naufrágio. Porque esta é a força de Deus: fazer resultar em bem tudo o que nos acontece, mesmo as coisas ruins. Ele serena as nossas tempestades, porque, com Deus, a vida não morre jamais.

O Senhor interpela-nos e, no meio da nossa tempestade, convida-nos a despertar e ativar a solidariedade e a esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado a estas horas em que tudo parece naufragar. O Senhor desperta, para acordar e reanimar a nossa fé (…) No meio deste isolamento que nos faz padecer a limitação de afetos e encontros e experimentar a falta de tantas coisas (a cruz), ouçamos mais uma vez o anúncio que nos salva: Ele ressuscitou e vive ao nosso lado (…).

Abraçar a sua cruz significa encontrar a coragem de abraçar todas as contrariedades da hora atual (…) Significa encontrar a coragem de abrir espaços (do nosso coração para) novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade (…)

«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Queridos irmãos e irmãs, deste lugar que atesta a fé rochosa de Pedro, gostaria nesta tarde de vos confiar a todos ao Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora, saúde do seu povo, estrela do mar em tempestade. Desta colunata que abraça Roma e o mundo que desça sobre vós, como um abraço consolador, a bênção de Deus. Senhor, abençoa o mundo, dá saúde aos corpos e conforto aos corações! O Senhor (…) continua a repetir-nos: «Não tenhais medo!» (Mt 14, 27). E nós, juntamente com Pedro, prometemos «confiar todas as nossas preocupações a ti, porque tu cuidas de nós» (cf. 1 Ped 5, 7).

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Uma santa semana a todos!!!
 
Padre Paulo M. Ramalho
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Padre Paulo M. Ramalho – Sacerdote ordenado em 1993. Cursou o ensino médio no colégio Dante Alighieri. Engenheiro Civil formado pela Escola Politécnica da USP; doutor em Filosofia pela Pontificia Università della Santa Croce. Atende direção espiritual na igreja Divino Salvador, Vila Olímpia, em São Paulo.

Sobre o autor