(Revista Pergunte e Responderemos, PR 183/1975)
Em síntese: Por “Rosa-Cruz” entende-se um conjunto de Sociedades que, embora por vezes se digam originárias do Oriente ou do Egito, têm seu início no séc. XVII d. C. Em 1615 um escrito anônimo intitulado “Confessio Fraternitatis Rosae Crucis” divulgou a estória de Christian Rosenkreutz (1378-1484), que teria viajado pelo Oriente e lançado os princípios de uma Fraternidade imbuída de sabedoria oriental e destinada a reformar o mundo. A Fraternidade, que tomou o nome de seu fundador (Rosenkreutz = Rosa-Cruz), teria ficado latente até o começo do séc. XVII. Os homens que nesta época leram tal estória, impressionaram-se por ela e puseram-se a procurar as sedes da Rosa-Cruz. Visto que não as encontravam (pois na verdade não existiam), fundaram núcleos segundo os padrões descritos pelo livro “Confessio Fraternitatis…”. Foi então que o autor deste saiu do seu anonimato; era o teólogo luterano alemão Johannes Valentin Andreae (1586-1654), que declarava ter sido o inventor da estória de Christian Rosenkreutz; reconheceu que este personagem e sua Fraternidade eram lendários; J. Andreae, publicando o referido livro, intencionava ridicularizar a mania de maravilhoso e o alquimismo ocultista do seu tempo. – Contudo não lhe foi possível deter a propagação dos núcleos Rosa-Cruz. Hoje existem, ao menos, quatro Fraternidades rosacrucianas, das quais a principal é a AMORC (Antiga e Mística Ordem da Rosa-Cruz).
Embora juridicamente independentes umas das outras, essas Sociedades professam doutrinas características: o panteísmo, a transmigração das almas ou reencarnação, além de proposições de astrologia, curandeirismo, higiene física e mental… São Sociedades secretas que, apesar de professar neutralidade em matéria religiosa, assumem o lugar da Religião, de tal modo que um fiel católico não pode conciliar sua fé cristã com a adesão à Rosa-Cruz.
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Comentário: De vez em quando a imprensa publica algum anúncio da Sociedade Rosa-Cruz… Esta enumera, entre os seus membros, homens famosos de todos os tempos (Descartes, Bacon, Franklin, Newton…) e promete extraordinárias vantagens a quem se queira iniciar na sabedoria rosacruciana. Em vista disto, muitos leitores perguntam o que é a Rosa-Cruz e como a sua filosofia se relaciona com a doutrina cristã. Eis por que voltaremos nossa atenção para as origens e a atual situação da Rosa-Cruz, assim como para as proposições que ela apresenta aos seus adeptos.
1. Donde vem?
Por «Rosa-Cruz» hoje em dia entende-se um conjunto de Sociedades independentes umas das outras no plano jurídico, mas portadoras de idéias e mensagens afins entre si. São elas: a «Antiga e Mística Ordem Rosae Crucis» (AMORC), a «Fraternidade Rosa-Cruz de Max Heindel» , a «Fraternitas Rosae Crucis» (FRC) e a «Fraternitas Rosacruciana Antiqua» (FRA) ou Igreja Gnóstica.
A origem da Rosa-Cruz assim entendida está numa estória propalada no séc. XVII por um teólogo luterano alemão chamado Johannes Valentin Andreae (1586-1654).
Com efeito. Em 1610 apareceu na Alemanha um manuscrito intitulado «Fama Fraternitatis Rosae Crucis», de autor anônimo, que em 1614 o mandou imprimir na cidade de Cassei. Em 1615 saiu a quarta edição desse livro, juntamente com outra obra do mesmo escritor anônimo: «Confessio Fraternitatis Rosae Crucis ad eruditos Europae». Em 1616, apareceu «Die Chymische Hochzeit Christiani Rosenkreutz» ainda do mesmo autor anônimo.
Estes livros de modo geral propunham a renovação da Igreja, do Estado e da sociedade mediante um grupo de pessoas de escol pertencentes à «Fraternidade Rosa-Cruz». Esta, conforme o autor, haveria sido fundada por Christian Rosenkreutz, que teria dado o seu próprio nome à Fraternidade (Rosenkreutz, em alemão, significa Rosa-Cruz). A respeito do fundador narrava o autor anônimo o seguinte:
Christian Rosenkreutz nasceu na Alemanha em 1378. Fez os seus primeiros estudos num mosteiro, onde aprendeu o latim e o grego. Aos 16 anos de idade, terá começado a viajar pelo Oriente e pelo Egito, onde travou relações com os maiores sábios e magos da época. De volta à sua terra natal, reuniu sete companheiros para fundar com eles a Fraternidade Rosa-Cruz; os membros desta procurariam, mediante viagens ao Oriente, imbuir-se da sabedoria dos antigos, que eles trariam para a sua sede na Europa. A Sociedade assim constituída, ficaria sendo secreta.
Christian Rosenkreutz faleceu em 1484, com 106 anos de idade (longevo, por causa do elixir da longa vida, que ele descobrira). Morreu no fundo de uma caverna, onde passara os últimos anos de vida. Transformada em sepultura, essa mansão devia permanecer ignorada até 1604, data prevista por Rosenkreutz para se manifestar ao público. Foi então que a Fraternidade começou a ser divulgada mediante a difusão do escrito «Fama Fraternitatis», que circulou amplamente de mãos em mãos, com um convite para que as pessoas iluminadas entrassem na Fraternidade.
Essas noticias e a exortação anexa encontraram profunda ressonância na sociedade européia do séc. XVII, que muito se interessava por assuntos esotéricos, mágicos e misteriosos. Muitos alquimistas e «místicos» puseram-se a procurar alguma sede da «Rosa-Cruz» para nela ingressar. Todavia ninguém encontrava núcleo algum da mesma. Em conseqüência, os admiradores mais hábeis tentaram organizar eles mesmos, e segundo os padrões indicados nas citadas obras anônimas, Sociedades secretas ditas «de Rosa-Cruz». Principalmente na Renânia fundaram-se numerosos grupos de Irmãos Rosa-Cruz.
Enquanto os acontecimentos assim se precipitavam, Johannes Valentin Andreae resolveu declarar que o autor dos escritos sobre a Rosa-Cruz era ele mesmo; explicou ao público que, dessa forma, tencionara ridicularizar a mania de maravilhoso e o alquimismo ocultista, que caracterizavam os homens do seu tempo. Não lhe deram crédito, porém, de modo que a Alemanha e, depois, a França se viram recobertas por uma onda de escritos referentes à Rosa-Cruz. Em 1632 foi afixado em Paris um Manifesto que anunciava a chegada dos rosacrucianos, «salvadores do mundo». O bibliógrafo francés Gabriel Naudé (1600-1653) escreveu contra a Rosa-Cruz o livro «Instruction à la France sur la vérité de l’histoire de la Rose-Croix»; mas não conseguiu deter a propagação desta.
Em 1662, a sede principal das Fraternidades Rosa-Cruz foi transferida para Haia
(Holanda); fundaram-se outras mais em Hamburgo, Nuremberga, Danzig, Veneza e Mântua, assim como na Inglaterra. Tão rápida difusão deve-se ao cunho maravilhoso das promessas e dos recursos apresentados pelos escritos rosacrucianos: a alquimia, a cabala, a ciência dos números eram aplicadas à descoberta dos segredos da natureza.[1]
Os rosacrucianos esperavam conseguir faculdades sobrenaturais que os isentassem das necessidades dos homens em geral; não sentiriam nem fome nem sede, nem enfermidade nem velhice; conheceriam o íntimo dos homens – o que lhes permitiria recusar a pessoas indignas a entrada nas suas Fraternidades.
No séc. XVIII deu-se o apelativo de «Rosa-Cruz» a todos os grupos de «iluminados» que afirmavam ter relações secretas com o mundo invisível. A própria Maçonaria adotou o título de «Cavaleiro Rosa-Cruz» para o 18° grau do Rito Escocês e Antigo, para o 12° grau do Rito Adonhiramita e para o 7° grau do Rito Moderno ou Francês. Isto, porém, não significa que entre a Maçonaria e a Rosa-Cruz haja algum vínculo jurídico; trata-se de mero relacionamento extrínseco ou de nome.
Digamos agora algo de mais preciso sobre as principais Sociedades Rosacrucianas hoje em dia existentes.
2. Antiga e Mística Ordem Rosa-Cruz (AMORC)
Distinguiremos doutrina, iniciação e finalidade da AMORC.
2.1. Doutrina e mensagem
O livro «O domínio da Vida» distribuído pela AMORC aos seus candidatos apresenta a Ordem Rosa-Cruz como a mais antiga das Sociedades humanitárias; assinala a sua origem no antigo Egito durante a XVIII dinastia, sob o reinado do Faraó Amenhotep IV, cerca de 1350 anos antes de Cristo; o rei Salomão (+ 932 a.C.), de Israel, terá sido rosacruz. O livro «Fama Fraternitatis Rosae Crucis», que apareceu em 1610, terá sido obra do filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626). A AMORC informa que geralmente os homens usam apenas 10% dos seus poderes mentais, mas que o uso regular dos outros 90% é possibilitado pelas normas rosacrucianas; as grandes verdades descobertas nos séculos passados pelos mais destemidos pensadores tiveram que ficar ocultas na era das trevas, mas agora são trazidas à luz pela Rosa-Cruz. – Antes de receber a primeira lição impressa que a Fraternidade envia a quem deseje iniciar-se na Ordem, o candidato tem que jurar “conservar confidencial todo material de estudo, lições e discursos a mim enviados”. A quem leia e pratique tais lições, a Rosa-Cruz promete que resolverá seus problemas sem dificuldades, poderá enxergar sem necessidade de olhos, viverá mil vidas em uma só, viajará para outro mundo sem sair deste, transformará sua personalidade, investigará o desconhecido e chegará a saber se existe ou não outra vida após a morte, se os animais têm almas, se há reencarnação…
Embora os escritos rosacrucianos afirmem que a Rosa-Crz não é religião, que «cada membro pode seguir os ditames da sua própria consciência em assuntos religiosos», que «nos ensinos rosacruzes não se encontra nada que se oponha às convicções religiosas do indivíduo», etc., deve-se observar que na verdade a Rosa-Cruz incute teses que suscitam atitudes religiosas e se opõem frontalmente aos conceitos básicos do Cristianismo:
a) Panteísmo: a Divindade, o universo e o homem se identificam entre si, constituindo uma só substância. Tenham-se em vista textos muito significativos extraídos do «Manual Rosa-Cruz» distribuído pela AMORC:
“O homem é Deus e filho de Deus, e não existe outro Deus senão o homem” (p. 171).
“Erroneamente falamos da alma no homem ou da alma do homem, como se cada ser humano ou cada organismo consciente tivesse dentro do seu corpo, neste plano terreal, algo separado e distinto que denominamos alma; e, portanto, em cem seres haveria cem almas. Isto não é verdade, não está certo. Não existe senão uma só alma no Universo, a alma de Deus, a consciência vivente e vital de Deus. Dentro de cada ser vivente há um segmento não separado desta alma universal, e este segmento é o que constitui a alma do homem. Ela jamais cessa de ser parte da alma universal, assim como a eletricidade em uma série de lâmpadas elétricas de um círculo não é uma porção separada ou desconexa da corrente que flui por todas as lâmpadas. A alma que está no homem é Deus que está nele, o qual faz que toda a humanidade seja parte de Deus, Irmãos e Irmãs sob a sua paternidade” (p. 162).
É muito freqüente na linguagem rosacruciana a expressão «Consciência cósmica» ou «Mente cósmica», que a Rosa-Cruz assim explica:
“(Consciência cósmica) é a consciência que Irradia de Deus e enche o espaço e todas as coisas. Tem vitalidade, mente, poder construtivo, Inteligência Divina. Nesta consciência projetam-se as consciências psíquicas de todos os Mestres e todos os Adeptos podem harmonizar-se com ela. A Consciência Cósmica sabe tudo, o passado, o presente e o futuro, porque ela é tudo” (p. 168s).
b) Reencarnação: Segundo a filosofia da Rosa-Cruz em geral, dá-se a reencarnação ou a pluralidade de vidas terrestres para um só indivíduo.
Além disto, o «Manual Rosa-Cruz» da AMORC propõe descrições do templo, do altar, do «sanctum» sagrado, das cerimônias e dos ritos com orações e bênçãos…, que dão aspecto fortemente religioso às reuniões das Lojas rosacrucianas. Existe até mesmo uma cerimônia rosa-cruz comparável ao Batismo: dá-se então um nome à criança e os pais prometem proporcionar a esta uma educação «em escolas não sectárias» e encaminhá-la para a AMORC, desde que tenha a idade exigida (cf. «Manual Rosa-Cruz» p. 184).
Como se vê, este conjunto de doutrinas e ritos assume o lugar de religião em um adepto da Sociedade Rosa-Cruz; é impossível ser cristão e, ao mesmo tempo, compartilhar as idéias e práticas rosacrucianas.
2.2. Iniciação e segredo
Homens e mulheres podem ingressar na AMORC, caso seu pedido de ingresso seja aceito pelos dirigentes da Ordem.
A iniciação se faz geralmente por correspondência sob forma de lições semanais, que o candidato recebe pelo correio em troca de determinada taxa. Antes de receber a primeira remessa, deve o candidato assinar a seguinte declaração:
“Um dos privilégios da filiação à Rosa-Cruz é o recebimento de quatro monografias, todos os meses, as quais contém os estudos exotéricos e esotéricos da filosofia Rosa-Cruz. Elas me são emprestadas pela Ordem enquanto me conservar como membro ativo e, caso deixe, por qualquer razão ou em qualquer época, de manter filiação ativa, compreendo que essas monografias devem ser devolvidas à Ordem Rosa-Cruz (AMORC), uma vez que elas são sua propriedade legal”.
Depois de seis semanas de doutrinação por correspondência, a pessoa que esteja suficientemente preparada, pode ser iniciada no Primeiro Grau da Ordem; o ritual respectivo é realizado na casa mesma do candidato. Seguem-se mais dois graus, que podem ser galgados em cerca de dez meses, de modo que dentro de um ano aproximadamente o novo membro da Ordem atinge os graus preliminares. Depois disto, se o sócio é aprovado, pode receber ulteriores instruções no decorrer de mais doze graus de iniciação, chamados «graus do Templo», que exigem sempre prévio juramento de lealdade e segredo. As monografias então distribuídas versam sobre cosmologia (1° grau), psicologia (2° grau), curandeirismo (6° grau), mística (7° grau), reencarnação (8° grau), relação do homem com Deus (9° grau). As lições dos três graus supremos (10°, 11° e 12°) são tão elevadas e conferem poderes tão extraordinários que não podem ser adequadamente expressas por palavras; por isto são comunicadas «psiquicamente»; os que nelas sejam iniciados, vêm a ser os «Iluminati» (Iluminados) que integram o governo geral da Ordem, diretamente sob a direção do «Imperator» e dos Mestres Cósmicos. Ninguém pede admissão aos graus dos «Iluminados», mas é convidado quem se mostra digno.
O segredo é mantido na AMORC sob rigorosa disciplina; há palavras de passe, toques, sinais e saudações diferentes em cada grau; o ingresso de cada pessoa numa Loja é severamente controlado. Antes de assinar o seu nome inteiro no Livro Negro oficial de determinada Loja, o candidato deve jurar nos seguintes termos:
“Diante do sinal da cruz prometo por minha honra não revelar a ninguém que não seja conhecido como Frater ou Soror desta Ordem, os sinais secretos ou palavras que aprenderei antes, durante ou depois de ter passado pelo Primeiro Grau”.
Embora este juramento obrigue uma vez por todas, existe um juramento antes da iniciação em cada grau subseqüente.
2.3. Finalidade
O próprio «Manual Rosa-Cruz» à p. 27 informa que a AMORC «é principalmente um movimento humanitário, com a finalidade de conseguir a maior saúde, felicidade e paz na vida terrena de todo o gênero humano.» Acrescenta: «Note-se particularmente que dizemos na vida terrena de todos os homens, porque nada temos a fazer com doutrinas consagradas aos interesses de indivíduos que vivam nalguma condição futura e desconhecida. O trabalho do rosa-cruz é para ser feito aqui e agora… »
Mais adiante o texto do Manual se explicita, propondo como finalidade da Ordem «capacitar a todos, homens e mulheres, a levar vidas puras, normais e naturais, segundo os propósitos da Natureza, e desfrutar de todos os privilégios, dons e benefícios que esta tem reservado para o gênero humano; e libertá-los das cadeias da superstição, das limitações da ignorância e dos sofrimentos do karma evitável».
A base de tal programa da AMORC é o panteísmo ou monismo professado por essa Sociedade: se a Divindade, o mundo e o homem são manifestações de uma só e única substância, entende-se que o homem será feliz se conseguir entrar em sintonia com os elementos da Natureza que o cerca… Essa harmonia, a Rosa-Cruz pretende ensiná-la, comunicando aos seus iniciados programas de higiene e de psicologia, assim como outras normas que ajudam a viver e trabalhar metodicamente. Tais programas podem ser válidos por motivos científicos, não, porém, porque o seu fundamento filosófico (o panteísmo) seja razoável e aceitável.
3. A Fraternidade Rosa-Cruz de Heirrdel
3.1. Origem
Max Heindel (+ 1919) era um teósofo alemão que viveu nos Estados Unidos da América. Estava convicto de que Christian Rosenkreutz fora o fundador da Fraternidade Rosa-Cruz, como ele mesmo professa no seu livro «Concepto Rosacruz del Cosmos» (Buenos Aires 1947), pp. 429s, em que trata das reencarnações de Christian Rosenkreutz:
“O nascimento de Christian Rosenkreutz como tal[2] marcou o início de uma nova época de vida espiritual no mundo ocidental. Depois disso esse Ego particular esteve em contínuas existências físicas em um ou outro país europeu. Tomava corpo novo sempre que seus sucessivos veículos perdiam a sua vitalidade ou quando as circunstâncias impunham a mudança de campo de suas atividades. Hoje em dia está encarnado, sendo um iniciado de grau superior, potente e ativo fator nos assuntos do Ocidente, embora desconhecido para o mundo. Trabalhou com os alquimistas durante vários séculos, antes do advento da ciência moderna. Foi ele que, por um intermediário, inspirou as obras agora mutiladas de Bacon, Jacob Boehme e outros; estes receberam dele a inspiração que iluminou suas obras espiritualmente. Nas obras do imortal Goethe e nas do maestro Wagner, encontramos a mesma influência”.
Convicto destas teses, Max Heindel fundou «The Rosicrucian Fellowship», com sede central em Oceanside, Califórnia (U. S.A.).
As idéias de Max Heindel muito se aproximam das do antroposofista Rudolf Steiner, seu contemporâneo, sendo que ambos se inspiraram na Doutrina Secreta de Helena Blavatsky, uma das fundadoras da teosofia[3]. Heindel procurou dar às concepções que o inspiraram uma índole aparentemente cristã e, por isto, pouco afim à linguagem da mística hinduísta.
Vejamos agora algumas das proposições de Max Heindel.
3.2. Concepções doutrinárias
As teses que Heindel apresenta aos seus discípulos, são obscuras; utilizam vocábulos da astrologia e do Cristianismo, estes, porém, totalmente esvaziados do seu significado clássico. – Eis alguns espécimens:
Ao se conceber a história da humanidade, devem-se distinguir sete períodos: o de Saturno, o Solar, o Lunar, o Terrestre, o de Júpiter, o de Vênus e o de Vulcano. – Cada período se subdivide em sete revoluções; cada revolução em sete globos; cada globo em sete épocas. O gênero humano já viveu os períodos de Saturno, o Solar e o Lunar e três revolusões e meia do período Terrestre. As sete épocas do período terrestre se chamam: Polar, Hiperbórea, Lemúrica, Atlântica, Aria, Nova Galiléia e Reino de Deus. Vivemos agora na quinta época do quarto globo da quarta revolução do quarto período, que é a época chamada Aria. Os homens que viveram no primeiro período (o de Saturno), chamam-se Senhores da Mente; os que viveram no período Solar, chamam-se Arcanjos; os que viveram no período Lunar, chamam-se Anjos. O maior iniciado do período de Saturno era o Pai; o maior iniciado do período Solar era o Senhor Cristo; o maior iniciado do período Lunar era o Espírito Santo ou Jeová. Jesus foi um grande iniciado no atual período terrestre; no momento do Batismo encarnou-se nele a natureza angélica do Senhor Cristo…
No tocante a Deus e à alma humana, M. Heindel professa aproximadamente os mesmos conceitos que a AMORC, como se depreende do seguinte texto do mestre:
“A doutrina rosacruz é que cada alma é parte integrante de Deus. Cada qual se esforça por obter experiências mediante repetidas encarnações em corpos de sempre maior perfeição; por conseguinte, morre e nasce muitas vezes. Em cada vida ela consegue um pouco mais de experiência e progride assim paulatinamente da nesciência à onisciência, da fraqueza à onipotência” (Max Heindel, “Filosofia Rosacruz em Perguntas e Respostas”, resposta à pergunta n° 177).
Como se vê, panteísmo e reencarnacionismo ressaltam deste texto.
Na base da sua visão panteísta, Heindel julgava poder ensinar processos terapêuticos. A Fraternidade Rosa-Cruz por ele fundada costumava distribuir anualmente a seus sócios um cartão especial com a indicação dos dias mais favoráveis às curas. Assim, por exemplo, para o ano de 1957 foi difundida a seguinte advertência:
“Cada semana, quando a Lua está em um signo cardeal, nos reunimos com o propósito de gerar por meio de fervorosa oração e concentração a força curativa, que pode ser canalizada pelos Irmãos Maiores e aqueles que trabalham sob a sua direção, para curar os enfermos e confortar os aflitos. Que a nossa mais fervorosa gratidão se eleve até o Grande Médico pelas curas e bênçãos que nos foram concedidas. Nas datas que se seguem abaixo, às 6,30 da tarde, segundo o seu relógio, retire-se a um lugar tranqüilo, cerre os olhos, imagine mentalmente a Rosa Branca e Pura no centro do emblema Rosacruz, no muro deste Templo em Oceanside; concentre-se com toda a intensidade de sentimento de que seja capaz sobre o Amor Divino Curativo. Assim você poderá converter-se em um canal vivo do Poder Curativo Divino, que nos chega diretamente da Pai Celestial.
Datas de Curas em 1957:
Janeiro 7-14-20-27 Julho 3-10-17-24-30
Fevereiro 3-10-16-23 Agosto 6-14-21-27
Março 3-10-16-22-30 Setembro 2-10-17-23-30
Abril 6-12-19-26 Outubro 7-14-21-27
Maio 3-10-16-24-31 Novembro 3-11-17-23
Junho 6-13-20-27 Dezembro 1-8-114-21-28
A Fraternidade recomenda a seus membros sobriedade na comida, abstinência de carne, de bebidas alcoólicas, prática de jejum, meditação, etc.
4. FRC e FRA
1. Em 1939 foi apresentada ao Poder Legislativo dos Estados Unidos e lida em sessão plenária por um senador americano a «Segunda Fama Fraternitatis». Formou-se então a «Federação Universal de Ordens, Fraternidades e Sociedades de Iniciados», que unia entre si as irmandades «genuínas, legalmente constituídas e legitimamente existentes» nos Estados Unidos, na França, na Bélgica, na Suíça, na Holanda, na Inglaterra, na Polonia, no México, e em Madagascar.
A essa Federação filiaram-se a «Fraternitas Rosae Crucis» (FRC) e a «Fraternitas Rosicruciana Antiqua» (FRA), também dita «Igreja Gnóstica». A «Secunda Fama
Fraternitatis», atrás mencionada, apresenta uma Declaração de Princípios da Federação, que, entre outras coisas, reza o seguinte:
“Cremos no Ser Supremo… de quem todos somos partes, e de quem todo aquele que o deseja e quer, pode participar livre e abundantemente… Sustentamos que a Lei atua por Involução e Evolução, mediante a Lei da Reencarnação e do Karma, ou princípio de causa e efeito… Situamos nossa origem nas antiqüíssimas idades dos Mestres Antigos da Sabedoria e nas grandes Escolas ocultas das Idades remotas, e possuímos ensinamentos originais, verdadeiramente esotéricos e ocultos, dos Filhos da Luz ou Filhos de Deus. A Sagrada Doutrina e os ensinos das antigas Escolas Esotéricas, preservados, e a nós entregues na filosofia essencial, ética e os ensinamentos da Fraternidade Hermética e da Ordem original da Rosa Áurea e da Cruz Rosada, são declarados como fundamentais para esta Confederação. Abraçamos e reconhecemos todos os credos religiosos sãos e, sem condenar a nenhum, os reconciliamos a todos”.
Seguem-se alguns itens sob o título «Nosso Credo e Cânones Éticos», dos quais podem ser salientados os seguintes:
“8) Concedemos toda a nossa simpatia e estímulo àqueles que conscientemente buscam a Pedra Filosofal e o Elixir da Vida e lhes sugerimos emulação e persistência, recordando-lhes que, no uso do Solvente Universal para a prática da Arte de Transmutações e o conhecimento do Grande Segredo do Poder Criador-Regenerador, não há dificuldades para quem desejar, e verdadeiramente o queira. A estes dizemos : Experimentai! Atrevei-vos sem desfalecimento.
11) Acreditamos que a Chispa Celestial e inefável da Divindade reside na Alma do homem e que o homem é uno com o Todo-Pai-Mãe e que, por conseguinte, as possibilidades de todos os homens e mulheres são infinitas…”
… Para a gloriosa Era Egípcia, nasceram Osíris e seu Sacerdócio; para a segunda, Jesus, o Cristo e a Religião Cristã com sua Mística; e, para a terceira e final desta Trindade, nasceu a Confederação de iniciados, herdeiros de todas as idades, iniciadores do presente e do futuro”.
2. Quanto à Igreja Gnóstica em particular, ela pode ser conhecida através do livro «A Igreja Gnóstica» da autoria do Dr. Arnold Kraumm-Heller, alemão, que tomou o nome iniciático de «Huiracocha», tornando-se o «Soberano Comendador» dessa «Igreja». O livro é apresentado com os seguintes dizeres:
“Nós, Arcebispos e Bispos da Santa Igreja Gnóstica, reunidos em Concílio Plenário com a devida autorização do Patriarca da Suprema Hierarquia da Igreja e com pleno poder da Fraternidade Branca, à qual pertencemos. enviamos nossa Bênção Apostólica a todos os Irmãos sem distinção de sexo, castas, raça ou cor, desejando que a Roda Evolutiva deste Ciclo de Vida acelere o seu passo, para que a Fraternidade Universal se faça carne entre todos os Filhos do Pai e o Lógos divino faça florescer a Rosa bendita da Espiritualidade sobre a gigantesca Cruz da nossa Terra. Nós, com os poderes que nos foram conferidos, autorizamos o Arcebispo de nossa Santa Igreja, Frater Huiracocha, para que dê publicidade a este livro, no qual se faz uma exposição doutrinária sobre o número e o significado de nossos Mistérios, já que chegou o momento em que a Primitiva e Verdadeira Igreja Cristã saia ao encontro da Humanidade nesta Era precedente ao Nascimento do Aquário”.
A seguir, lê-se o seguinte convite:
“Vinde, pois, bebei desta Fonte. A Igreja Gnóstica não é uma igreja, mas um novo Ideal Religioso inventado a propósito dos tempos. É a Igreja de Cristo, a que Jesus pregou, o divino Rabbi da Galiléia, com todos os seus Sagrados Mistérios Iniciáticos. É a Igreja da Redenção, a Primitiva Igreja Cristã, que sofreu todos os embates do Sectarismo Católico…”
Depois de passar rapidamente em revista as origens e as idéias das correntes de pensamento compreendidas sob o nome «Rosa-Cruz», perguntamo-nos:
5. Que pensar a respeito?
Não há necessidade de longas reflexões para se definir a posição cristã frente ao Rosacrucianismo.
1) As duas idéias básicas desta filosofia – o panteismo e o reencarnacionismo – não se conciliam com a doutrina da Bíblia nem resistem ao crivo da razão.
Com efeito, o panteísmo é ilógico: Deus (Infinito, Eterno, Absoluto) não pode ser identificado com o mundo e o homem (que são finitos, contingentes, relativos). Deus é transcendente, ou seja, por sua natureza é radicalmente diverso de qualquer criatura. Verdade é que Ele imprimiu sua imagem e semelhança no homem, dando-lhe inteligência e amor; isto, porém, não quer dizer que a alma humana ou a mente do homem seja parcela de Deus; Deus não pode ter partes, pois, cada parte sendo finita, Deus seria finito; o Infinito não resulta da soma de partes finitas.
Quanto à tese da reencarnação, ela não pode ser demonstrada; a S. Escritura a exclui, propondo-nos como modelo a imitação de Cristo, que morreu na cruz e ressuscitou num corpo glorioso uma vez por todas.
2) A Rosa-Cruz pode fascinar porque parece corresponder à sede de maravilhoso e de experiência mística que todo homem traz em si. E preciso reconhecer, porém, que, no decorrer dos séculos até nossos dias, a fantasia e a imaginação muitas vezes preponderaram sobre o raciocínio e a lógica, em se tratando de fenômenos maravilhosos e da aquisição de poderes secretos. Tal é o caso da Rosa-Cruz: propõe divulgações imaginosas destituídas de qualquer fundamentação racional ou de documentação histórica adequada. Afirma gratuitamente coisas que o bom senso não deveria aceitar sem credenciais suficientes. Quem aceita tais coisas, aceita-as sem ter evidência lógica, racional, de que correspondem à verdade ou de que merecem crédito; aceita-as em fé cega. Ora a autêntica fé, embora ultrapasse os exíguos limites da razão, não dispensa o crivo da razão. Quem se afasta dos parâmetros da razão e da lógica, sujeita-se a cair nos mais grosseiros erros.
Ver a propósito
Fr. Boaventura Kloppenburg, “O Rosacrucianismo no Brasil”. Coleção “Vozes em Defesa da Fé” n° 10. Petrópolis 1959.
K. Algermissen, “Rosenkreuzer”, em “Lexikon für Theologie und Kirche”. Bd. 9. Freiburg i./Br. 1964, cols. 49s.
L. Cristiani, “Rosacroce”, em “Enciclopedia Cattolica”, t. X Città del Vaticano, cols. 1343s.
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NOTAS:
[1] A alquimia procurava transformar os metais e produzir ouro; tencionava outrossim descobrir o elixir da longa vida.
A cabala interpretava letras e sinais da escrita de modo a deduzir dos mesmos as mais diversificadas mensagens e profecias.
[2] Isto é, na encarnação em que teve este nome.
[3] A teosofia (do grego Théos, Deus, e sophia, sabedoria) é um sistema filosófico-religioso de índole panteísta e ocultista; inspira-se em teses e práticas das antigas religiões da Índia e do Tibé. Foi fundada no século XIX por Helena Blavatsky e o Coronel H. Olcott.
Da teosofia derivou-se a antroposofia (ánthropos homem). Esta é uma forma cristianizada de Teosofia, devida ao pensador alemão Rudolt Steiner, que em 1913 se separou da Sociedade Teosófica. Conservou as tendências panteístas e sincretistas da teosofia, procurando conciliar panteísmo e Mística cristã (o que é Impossível).
A propósito veja PR 3/1958, pp. 97-100 (antroposofia) e 17/1959, pp. 179-185 (teosofia). 20.