(Revista Pergunte e Responderemos, PR 179/1974)
Em síntese: Estendendo o artigo de PR 171/1974, pp. 104-125, o presente artigo comunica importante decisão da Santa Sé datada de 19/VII/74: já não cai sob excomunhão o fiel católico que se inscreva em Loja maçônica que não conspire contra a Igreja… Ainda fica de pé o cân. 2.335 do Código de Direito Canônico, o qual prevê a excomunhão para os católicos que se matriculem em Lojas conspiradoras… A Igreja, porém, reconhece, na base de estudos cuidadosamente realizados, que existem Lojas maçônicas inócuas á Religião, pois voltadas exclusivamente para interesses humanitários ou de mútua ajuda de seus membros. A estas um católico pertencerá tranqüilamente enquanto puder com sinceridade dizer que nelas nada há que contrarie a consciência católica… Tal determinação oriunda da Santa Sé veio, sem dúvida, dissipar escrúpulos de consciência e situações embaraçosas, sem detrimento para a fé e a moral católicas.
A prudência da Igreja em relação à Maçonaria deve-se ao fato de que nesta há pontos ambíguos, ou seja, suscetíveis de mal-entendidos tais seriam, a quanto parece, a apregoada autonomia da razão, a fórmula “Grande Arquiteto do Universo”, e o conjunto de segredos e juramentos da Maçonaria. É de crer que mais e mais se irão aplainando os caminhos de aproximação da Maçonaria e da Igreja, sem prejuízo para a Verdade e o Amor.
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Comentário: Em PR 171/1974, pp. 104-125, foi publicado o artigo «Maçonaria e Igreja Católica se reconciliarão?» O tema, candente como era e ainda é, foi ai abordado em estrita fidelidade aos documentos da Igreja até então publicados. Eis, porém, que aos 19/VII/1974 a Santa Sé emitiu nova e poderosa determinação sobre o assunto, abrindo mais amplas perspectivas sobre a questão. É o que motiva as páginas seguintes, nas quais a recente posição da Igreja Católica será exposta e comentada.
1. O teor da novidade
Começaremos por recordar as conclusões práticas propostas no artigo de PR 171/1974, pp. 104-125.
1.1. …Até julho 1974
1. O Código de Direito Canônico, promulgado em 1917, reza em seu cânon 2.335
“Aqueles que dão seu nome à seita maçônica e a sociedades semelhantes que conspiram contra a Igreja e as legítimas autoridades civis,… incorrem sem mais, na excomunhão simplesmente reservada à Santa Sé”.
O exame consciencioso deste cânon levava bons canonistas a dizer que todo católico que se inscrevesse na Maçonaria, cala sob a pena de excomunhão (desde que soubesse da existência desta censura). Por conseguinte, não seria possível a um católico tornar-se maçom e continuar a receber os sacramentos da Igreja. Por sua vez, o maçom que se quisesse tornar católico praticante, deveria deixar a Loja; isto não havia de ser feito de modo necessariamente violento, mas bastaria que o interessado deixasse de freqüentar as sessões da Loja respectiva ou de observar os regulamentos e estatutos da mesma. Caso o maçom receasse conseqüências daninhas do fato de suspender logo a sua participação na vida da Loja, poderia adiar o seu desligamento por um espaço de tempo conveniente (evitando, porém, suscitar perplexidade ou mal-entendidos entre os fiéis católicos); na primeira oportunidade afastar-se-ia decididamente do convívio da Loja.
No tocante ao ingresso de um fiel católico na Maçonaria, a pena de excomunhão estava sujeita à ponderação seguinte: Em virtude do decreto «Christus Dominus» n° 8b do Concílio do Vaticano II e por efeito do Motu proprio «Episcoporum Muneribus»- (15/VI/1966), os bispos diocesanos podem hoje em dia dispensar das leis universais da Igreja (não explicitamente excetuadas) os fiéis que o peçam em casos particulares, desde que haja razão pastoral para isso. Por conseguinte, usufruindo dessa atribuição, o bispo de determinada diocese poderia dispensar a quem lhe pedisse por motivos relevantes,… dispensar da proibição eclesiástica de entrar na Maçonaria e, conseqüentemente,. da incursão na pena de excomunhão anexa à filiação à Maçonaria.
Na realidade brasileira, acontecia (e acontece) freqüentemente que as pessoas interessadas não sabem que há pena de excomunhão para quem se inscreva na Maçonaria; apenas têm consciência de que a Igreja Católica e a Maçonaria divergiram publicamente entre si e a Igreja condenou a Maçonaria, proibindo aos fiéis o ingresso na mesma. Em conseqüência, muitos católicos que aderiram à Maçonaria no Brasil não incorreram em excomunhão (embora tenham incorrido em desobediência à Igreja), pois a excomunhão (pena de foro externo) não atinge a quem não saiba que tal pena está anexa a tal delito.
2. Sob tal legislação, vigente até julho 1974, as relações entre a Igreja e a Maçonaria eram delicadas. Em numerosos países os bispos se viam preocupados com a índole aparentemente anacrônica de tais dispositivos canônicos. Com efeito, muitos católicos se tornavam maçons por motivos profissionais, promocionais ou humanitários sem a intenção de contrariar ou combater a fé católica e a S. Igreja; afirmavam outrossim, após certo período de adesão à Loja, nada encontrar nesta que se opusesse aos princípios da Religião ou do Catolicismo; não obstante, ficavam privados dos sacramentos da S. Igreja e os bispos não os podiam convocar para colaborar com as obras diocesanas, em virtude do cân. 2.335; numerosos pastores de almas viam-se assim cerceados em sua ação pastoral, pois deviam renunciar à cooperação direta e explicita de pessoas importantes de suas respectivas dioceses ou paróquias (prefeitos municipais, juízes de direito, médicos, advogados…) pelo fato de serem tais pessoas filiadas à Maçonaria.
1.2. … Em julho 1974…
1. Diante da realidade de tais fatos, não poucos bispos se dirigiram à Santa Sé, interrogando-a a respeito do sentido exato do cân. 2.335 em nossos dias: teria a amplidão que classicamente se lhe atribula? Ou poderia ser entendido de modo a se evitarem situações dolorosas em certas dioceses, sem prejuízo para a fé e a moral católicas?
Tais, perguntas de bispos dirigidas a Roma suscitaram finalmente, aos 19/VII/1974, uma carta dirigida pela S. Congregação, para a Doutrina da Fé ao Presidente da Conferência dos Bispos de cada país, carta da qual vai extraído o seguinte trecho (que constitui o teor quase inteiro da missiva):
“Durante o longo exame da questão, a Santa Sé consultou diversas vezes as Conferencias Episcopais, interessadas de modo particular pelo assunto, a fim de tomar conhecimento mais acurado tanto da natureza e da atuação da Maçonaria em nossos dias quanto do pensamento dos Bispos a respeito.
A grande divergência de resposta, pela qual transparecem as situações diferentes de cada nação, não permitiu à Santa Sé mudar a legislação geral vigente, a qual por isso continua em vigor, ate que nova 1ei canônica seja publicada pela competente Comissão Pontifícia para a revisão do Direito Canônico.
No entanto, no exame dos casos particulares, é necessário levar em consideração que a lei penal está sujeita a interpretação estrita. Por conseguinte, pode-se ensinar e aplicar, com segurança, a opinião daqueles autores segundo os quais o cânon 2.335 se refere unicamente aos católicos que dão o nome às associações que de fato conspiram contra a Igreja.
Em qualquer situação, porém, continua firme a proibição aos clérigos, aos Religiosos e aos membros de Institutos Seculares, de darem o nome a quaisquer associações maçônicas” (“Noticias”, Boletim Semanal da CNBB, n° 34 [230], 23/VIII/74).
2. Este importante documento pode ser assim explicitado:
a) O panorama da Maçonaria, para quem o observa hoje em dia, é assaz complexo – o que corresponde a uma real diversidade de correntes e atividades da Maçonaria no passado e nos dias atuais. Sabe-se que existe a Maçonaria regular, com sua sede principal em Londres, que professa a crença no Grande Arquiteto do Universo e na imortalidade da alma, como existe a Maçonaria irregular, que cedeu ao indiferentismo religioso, ao ateísmo e ao anticlericalismo. Enquanto aquela (a M. regular) atuou e atua principalmente nos países anglo-saxônicos, esta (a M. irregular) exerceu suas atividades mormente nos países latinos da Europa e da América.
Por conseguinte, entende-se que a Santa Sé, ao receber dos bispos consultados as informações pedidas com referenda à Maçonaria, se tenha visto diante de dados extremamente variados. Tal resultado dificulta qualquer reformulação de atitude da Igreja diante da Maçonaria, ainda que pareça necessário pensar em reformulação. Esta será efetuada, não há dúvida, pois o novo Código de Direito Canônico está sendo elaborado e, como se diz, modificará os cânones penais da Igreja, inclusive os que se referem à Maçonaria. A Santa Sé, porém, pareceu prematuro proceder desde já à reforma ou à ab-rogação do cân. 2.335.
b) Todavia, sem retoque deste cânon, uma solução, ao menos momentânea, oferecia-se às autoridades eclesiásticas e foi por estas adotada. Com efeito, alguns estudiosos, como os Padres J. A. Ferrer Benimelli S. J., Michel Riquet S. J., M. Dierlckx S.J. e o advogado Alec Mellor, nos últimos anos vinham acentuando a diferença entre Maçonaria regular e
Maçonaria irregular. Já que a primeira não trama contra a Igreja e a ordem pública, conluiam tais autores o seguinte: os católicos que se inscrevam em uma Loja maçônica regular, não incorrem na excomunhão que o cân. 2.335 impõe aos fiéis que deem seu nome à seita maçônica e a sociedades semelhantes que conspiram contra a Igreja e as legítimas autoridades civis. Cf. PR 171/1974, pp. 115s.
A expressão «Maçonaria ou sociedade que trama contra a Igreja» seria, no caso, entendida em sentido estrito, de tal modo que, se determinada sociedade maçônica ou não maçônica não conspire contra a Igreja, já não seria atingida pelo cân. 2.335. Tal interpretação do cân. 2.335 é filologicamente plausível. O aposto «que trama contra a Igreja» pode ter valor restritivo; visaria a atingir a Maçonaria supondo que esta seja uma sociedade conspiradora contrária à Igreja; o cânon assim deixaria ilesa a Maçonaria que não conspire… Os mencionados canonistas, propondo tal sentença, não faziam senão aplicar ao caso um principio geral de hermenêutica jurídica: «As leis penais hão de ser interpretadas sempre em sentido estrito» – o que quer dizer: não se estendam as penalidades além dos casos aos quais elas evidentemente devem ser aplicadas.
Ora, já que a interpreta são dada ao cân. 2.335 pelos referidos autores gozava de fundamento e autoridade, a Santa Sé houve por bem oficializá-la. Em conseqüência, diante de cada caso concreto de adesão à Maçonaria, doravante será preciso examinar, antes do mais, o tipo de Loja maçônica de que se trate; desde que se possa honestamente assegurar que a Loja é inócua ou isenta de intenções anti-religiosas, o católico que nela se inscreva não sofrerá excomunhão. Em caso contrário, porém, (ou seja, averiguada a índole anticristã da respectiva Loja), aplicar-se-á ao candidato o cân. 2.335 no seu teor preciso.
Tal solução vem, sem dúvida, aliviar profundamente as consciências de leigos católicos e de maçons, como também de bispos e sacerdotes. Torna a legislação mais correspondente à realidade em que vivemos. Com efeito; é certo que a Maçonaria anglo-saxônica não conspira contra a Religião (sabe-se mesmo que nos países escandinavos os bispos, com o consentimento da Santa Sé, recebem como fiéis na Igreja Católica maçons convertidos, sem os obrigar a deixar a Maçonaria). – Quanto à Maçonaria dos países latinos da Europa e da América, verifica-se que hoje em dia parece, em muitos casos, ter perdido sua orientação anticlerical ou antieclesial, tornando-se mera sociedade de mútua ajuda e promoção social. Condenar tal tipo de sociedade redunda em criar situações problemáticas e embaraçosas sem necessidade; supõe a subsistência de quadros históricos que hoje estão ultrapassados. Por conseguinte, a distinção entre «Lojas que conspiram» e «Lojas que não conspiram», se outrora não tinha lugar ou oportunidade, hoje é sumamente oportuna ou mesmo necessária para salvaguardar a justiça e as suas exigências.
c) Quanto aos clérigos, Religiosos e membros de Institutos Seculares, permanece-lhes vedada a inscrição em Lojas maçônicas de qualquer tipo. Esta ressalva da Santa Sé tem paralelos na legislação da Igreja; aos clérigos e Religiosos têm sido proibidos atividades ou compromissos que aos leigos católicos são lícitos. Entre as razões desta restrição, salienta-se, a seguinte: É necessário que os sacerdotes e Religiosos estejam isentos de qualquer suspeita; não assumam posições discutidas, ou seja, posições que os fiéis (com algum fundamento razoável, ainda que solúvel) possam pôr em dúvida ou contestar. Ora a Maçonaria é sociedade sobre a qual não há unanimidade de opiniões nem dentro nem fora da Igreja Católica; em conseqüência, permitir em geral aos clérigos e Religiosos a pertença à Maçonaria poderia, sem necessidade, sujeitar essas pessoas a mal-entendidos e prejudicar gravemente a missão que devem exercer em meio à sociedade: missão de conciliação e de amor universal.
d) Perguntará alguém: E como saber se alguma Loja maçônica conspira ou não contra a Igreja
– Em resposta, só se pode apontar o método empírico: procure o fiel católico interessado saber que pessoas compõem a Loja a que se candidata; ninguém entra em alguma sociedade ou associação sem primeiramente se esclarecer a propósito do que ela é ou pode vir a ser. Deve ser respeitado o direito que toca a todo cidadão, de não assumir às cegas compromissos que poderiam afetar a sua personalidade.
Enquanto o fiel católico puder dizer sinceramente que na Loja nada se encontra em oposição à sua qualidade de católico, ser-lhe-á lícito entrar e permanecer na mesma. Todavia, desde que verifique o contrário, compete-lhe retirar-se imediatamente da Loja; a coerência e a honestidade o exigem.
Os outros fiéis católicos e os sacerdotes poderão ajudar o candidato católico a formar um juízo a respeito da Loja, observando o teor de vida e as atividades dos membros componentes da mesma; numa cidade pequena esta tarefa é, como se compreende, bem mais fácil do que em grandes centros urbanos.
Deve-se também levar em consideração que as Lojas maçônicas, embora contem em seus registros de matrículas numerosos membros, são dirigidas por apenas pequena porcentagem destes. Com efeito; vários dos membros de cada Loja, por motivos diversos (afazeres profissionais, condições sociais, avançada idade, distâncias, horários… ), não costumam comparecer às respectivas reuniões; em conseqüência, para se averiguar o tipo de orientação seguida por determinada Loja, é importante considerar, antes do mais, as pessoas que a freqüentam e nela militam habitualmente; uma minoria pode dar o cunho decisivo a tal Loja. Para ilustrar esta afirmação, vai aqui transcrito trecho do Relatório do Conselho Maçônico de Kadosch n° 18, Marília (SP), abrangendo o período de 1° de janeiro a 31 de dezembro de 1970
“Foram realizadas no período 19 sessões assim distribuídas: duas sessões magnas, uma de posse e outra comemorativa do primeiro aniversário de Instauração do Conselho, com 77 presenças, média de 38,5%; onze sessões magnas de iniciação, com a presença de 326 Irmãos, média de 29,6%; seis sessões econômicas (de Instrução) com a presença de 98 irmãos, média de 16,3%; num total, dezenove sessões, com 501 presenças e uma média geral de 26,3%” (“Boletim do Supremo Conselho do Brasil para o Rito Escocês Antigo e Aceito”, ano VIII, 1971, n° 50, p. 27).
Está, aliás, averiguado que no interior do Brasil há mais reuniões e proporcionalmente mais freqüência nas Lojas do que nas capitais do país. Daí se segue que a Maçonaria é mais ativa no interior. Isto, porém, não quer dizer que a Maçonaria (como tal) [1] seja necessariamente uma força pujante e influente em nosso país; os escritos e a propaganda maçônicos exaltam por vezes lutas e feitos do passado, encobrindo a realidade descolorida e enfraquecida da Maçonaria contemporânea; esta se ressente principalmente de dolorosas divisões internas.
Passemos agora a
2. Reflexões finais
Compreende-se a prudência de que a Igreja Católica está usando na sua abertura para a Maçonaria. Existem, sim, nas formulações doutrinárias e disciplinares desta alguns princípios que, embora não sejam diretamente anticatólicos, vêm a ser ambíguos ou suscetíveis de interpretação não cristã. Apontaremos, a seguir, três dos mesmos:
2.1. Autonomia de pensamento
A Maçonaria apregoa absoluta liberdade de pensamento, em oposição a todo «fanatismo, dogmatismo ou a crendices».
Esta proposição pode ser entendida em sentido perfeitamente cristão: ninguém há de ser coagido a abraçar Credo ou sistema filosófico algum. A todo homem será sempre necessário reconhecer o direito de usar da razão para aceitar ou rejeitar qualquer proposição religiosa ou filosófica. – O próprio cristão assim procede; e, através do uso mesmo da razão, reconhece que Deus existe e que a fé em Deus, como também nas verdades reveladas por Deus, é um «obséquio razoável» para o homem. A razão não se opõe à fé, mas, antes, aponta as atitudes de fé como autêntica complementação das verdades racionais.
Todavia a autonomia da razão, apregoada por certos documentos maçônicos, pode ser entendida em sentido racionalista, como se não pudesse haver verdades que ultrapassassem os exíguos limites do alcance da razão humana. Em tal caso, as proposições da fé cristã, reveladas por Deus, seriam frontalmente rejeitadas pela filosofia maçônica. A Igreja, com seu magistério portador e transmissor das verdades comunicadas por Cristo (Deus e Homem), não teria sentido dentro dos parâmetros de tal modo de pensar.
2.2. “O Grande Arquiteto do Universo”
A Maçonaria regular professa a crença no «Grande Arquiteto do Universo» e em suas sessões não dispensa a presença do Livro da Lei Sagrada (a Bíblia, como Livro de Revelação Divina). Os maçons dos primeiros decênios após 1723 tencionavam, a quanto parece, guardar a sua fé cristã (geralmente protestante) [2]; davam-lhe, porém, uma explicitação genérica ou vaga, a fim de poder receber em suas Lojas pessoas que compartilhassem outros Credos ou alguma filosofia religiosa. Sabe-se que a Magna Carta da Grande Loja de Londres exigia que os irmãos maçons professassem «a religião na qual todos os homens concordam entre si»; assim ficavam excluídos das Lojas Maçônicas apenas os ateus e os libertinos.
A intenção dos fundadores da Grande Loja de Londres era compreensível no seu contexto histérico. Acontece, porém, que a crença no Grande Arquiteto do Universo foi, por vezes, entendida, no decorrer dos tempos, em sentido explicitamente deísta e racionalista ou foi mesmo apagada. Este último caso deu-se no Grande Oriente de França em 1877 e nas obediências maçônicas de outros países, inclusive da América Latina, que aceitaram as linhas de pensamento do Grande Oriente de França.
A Maçonaria racionalista tornou-se também política e anticlerical… No Brasil sabe-se que houve influência de tal corrente maçônica na segunda metade do século passado e no inicio deste.
Note-se ainda: a designação «Grande Arquiteto do Universo» condiz com a fé de quantos crêem em Deus Criador. Pode, porém, contribuir para se atenuar a consciência de que esse Criador também é Pai, é Amor, que se revelou explicitamente através do Evangelho. O relativismo religioso estaria assim incluído no título de «Grande Arquiteto». Tal conclusão não se segue necessariamente do uso do referido título, mas, em certos casos, seguiu-se dele. Eis por que um católico que se faça maçom, jamais poderá deixar-se ficar na simples concepção de Deus «Criador ou Arquiteto do Universo». – Verdade é que não poucas Lojas maçônicas hoje em dia, mesmo na América Latina, são compostas por homens que se dizem católicos e desejam guardar fidelidade à sua crença católica.
2.3. Segredos e juramentos
Os Rituais maçônicos impõem aos candidatos que se iniciam, a guarda de segredos sob juramento e tremendas ameaças de sanções para os infratores de tais juramentos. As advertências dos Rituais de iniciação são severas e, por vezes, recorrem a dramatizações chocantes. Contêm imprecações terríveis anexas às fórmulas de juramento: ameaçam o perjuro de ter a garganta cortada e a língua amputada, de ter o coração arrancado e feito pasto de abutres, de ver o seu corpo dividido ao meio…
Os segredos têm por objeto não somente práticas, palavras ou deliberações, conhecidas, mas também as que venham a ser comunicadas ao candidato no futuro. Ora tal tipo de compromisso em relação a autoridades e valores meramente humanos é algo que o fiel católico não pode aceitar… O católico só se compromete irrevogavelmente com Deus e a vontade de Deus expressa pelos seus autênticos porta-vozes, que são as legítimas autoridades eclesiásticas.
Ora, diante da dificuldade assim concebida, os maçons costumam responder o seguinte
a) Tais Rituais, com seus símbolos e suas fórmulas, foram redigidos em épocas remotas, trazendo mesmo vestígios do estilo arcaico; tomadas ao pé da letra, certas de suas fórmulas são atualmente ridículas. Entendam-se, porém, no contexto de séculos passados, em que as cerimônias rituais serviam de sadio passatempo para os interessados: na Maçonaria, essas cerimônias servem de motivação psicológica para a prática da justiça, da lealdade, do bem,… e não devem ser tidas como veículos de conceitos e doutrinas; a sua função é mais pedagógica do que propriamente filosófica. Há quem as compare ao «trote» pelo qual passam os calouros da Universidade desde fins da Idade Média: esse «trote» pretende apenas significar que, se alguém quer ter a honra e o privilégio de pertencer à elite universitária, deve sujeitar-se, com espírito esportivo, a provas e humilhações para «desformalizar-se» e conviver em solidariedade com seus novos companheiros de ambiente. – Mesmo assim nota-se que o «trote» violento hoje em dia vai caindo mais e mais em desuso !
b) Quanto à exigência de segredo em relação a comunicações presentes e futuras, os maçons a atenuam hoje em dia, observando solenemente que o maçom é livre; esta é uma das pilastras do pensamento maçônico. O Ritual visa apenas a fornecer ao candidato a proposta de um engajamento fraternal, que será interpretado e aceito (ou não) conforme a capacidade intuitiva de cada um. O segredo principal, dizem, não é formulado verbalmente; é descoberto individualmente por cada candidato e, já que seu conteúdo é misterioso, torna-se intransmissível, inclusive de maçom a maçom. – Note-se também: muitos maçons, interrogados a respeito da Maçonaria, calam-se ou dão respostas evasivas e incompletas. Assim procedem não pela necessidade de guardarem supostos segredos, mas simplesmente por discrição ou por não conhecerem profundamente a Maçonaria; por conseguinte, não se sentem seguros e não sabem se lhes é lícito ou não responder ao que se lhes pergunta.
O principio «maçom livre» enquadra-se dentro de outro mais amplo: «Maçom livre na Loja livre». Cada Loja é fundamentalmente soberana. Deve estar aberta para federar-se com outras Lojas, mas a união com estas não lhe tira a autonomia. Não existe hierarquia internacional que comande todas as Lojas e Federações nacionais; há apenas mútuos reconhecimentos e tratados de amizade recíproca, como também há proibições de contatos. Este estado de coisas, segundo os maçons, explica que os juramentos não sujeitem necessariamente os irmãos à obediência cega a comandos desconhecidos, como pode ocorrer em organizações terroristas ou de subversão política.
Dizem mais: o maçom é livre para permanecer em sua Loja ou retirar-se dela. Nada lhe acontece, se, ao sair, guarde a discrição que guardaria se nela ficasse; mas, se a violar ou se tornar inimigo da fraternidade jurada, poderá sofrer sanções e passar por sérias dificuldades como traidor. Tenham-se em vista as tremendas ameaças formuladas pelo Grão-Mestre Geral Moacyr Arbex Dinamarco contra os que se revoltaram, empunhando o punhal da traição, por ocasião da cisão da Maçonaria em 1973 (cf. «Politika» n4 96, 20 a 26/VIII/73). Todavia, não se tem noticia de assassinato algum cometido em conseqüência da ruptura.
Em suma, os juramentos e segredos justificam-se, para os maçons, porque a sua instituição pretende ser uma Fraternidade ou um Centro de união de homens que se interajudam para o aperfeiçoamento moral (seu e do próximo), tendo por base a fé em Deus. Este é invocado como testemunha presente à consciência pessoal de cada um, o qual fica sendo sempre livre para se encaminhar voluntariamente aos objetivos propostos.
Assim entendidos, os juramentos e segredos maçônicos perdem muito da sua índole suspeita e negativa. Todavia pode-se dizer que ainda são suscetíveis de dupla interpretação ou de ambigüidade, que a consciência cristã desejaria ver decisivamente esclarecida ou supressa.
Em conclusão, são estes os três tópicos doutrinários e disciplinares que, do ponto de vista católico, maior impasse parecem causar à aproximação da Igreja Católica e da Maçonaria.
A Igreja já reconheceu que alguém pode ser simultaneamente católico e maçom; reconheceu-o, porém, levando em conta casos pessoais e particulares. Isto quer dizer: há pessoas que podem dar à Maçonaria uma interpretação cristã ou, ao menos, inócua ao Cristianismo. Mas parece ficar de pé a possibilidade (oferecida pelos princípios da própria Maçonaria) de que outras pessoas dêem à Maçonaria uma orientação anticristã ou mesmo anticatólica. Esta eventualidade poderá ser removida.. . Fazemos votos para tanto !
Na execução deste artigo muito nos valemos dos estudos realizados sobre o assunto por Mons. Hilário Pandoifo, encarregado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil para pesquisar a filosofia e a história da Maçonaria. – Gratos ficamos a este grande estudioso da questão.
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NOTAS:
[1] Não nos referimos aos maçons individualmente ou como pessoas dotadas de responsabilidade própria. Cada qual pode exercer grande influência.
[2] James Anderson, que elaborou a primeira Constituição da Grande Loja de Londres, era pastor presbiteriano.