(Revista Pergunte e Responderemos, PR 188/1975)
Em PR 179/1974, pp. 415-426, foi dada notícia de importante documento da Santa Sé referente à Maçonaria e datado de 19/07/74: doravante não seria mais tido como excomungado da Igreja o maçom pertencente a uma Loja que não trame contra a Igreja. Esta declaração de Roma atendia a uma situação que nos últimos tempos se tem verificado com freqüência: não poucos maçons afirmam que nas respectivas Lojas não se trata nem de religião nem de política; muito menos há aí tramas contra os interesses do Reino de Cristo. Em numerosos casos, os homens se sentem atraídos à Maçonaria pelo fato de que esta lhes oferece apoio e auxílio humanitário ou promocional, sem que nutram intenções antieclesiais. Ora, levando em conta tal realidade, a S. Igreja hoje, sem suspender o cânon 2.335, houve por bem definir com precisão o significado deste em nossos dias: a excomunhão infligida aos membros de Lojas Maçônicas que «maquinam contra a Igreja», não atingirá aqueles que se inscrevam em uma Loja que não trame contra a Igreja. É mister, pois, distinguir entre Lojas que tramem e Lojas que não tramem contra a Igreja.
Este documento da S. Congregação para a Doutrina da Fé foi estudado pelo episcopado nacional reunido na sua 14ª Assembléia Geral em Itaici (SP) de 19 a 26 de novembro de 1974. Alguns bispos manifestaram então o desejo de esclarecimentos sobre dois pontos que lhes pareciam capitais a fim de poderem aplicar a nova orientação da Igreja concernente aos maçons:
1. Qual o critério a usar-se para se verificar se uma associação maçônica realmente não conspira contra a Igreja: bastará o depoimento de algum ou de alguns dos seus membros, ou será necessária uma atitude oficial da própria Loja?
2. Que sentido e extensão devem ser dados à expressão «maquinar contra a Igreja»?
Estas duas perguntas foram apresentadas à S. Congregação para a Doutrina da Fé, com o pedido de que se pronunciasse oficialmente sobre tão delicado assunto. A resposta veio com a data de 12/03/75 através da Nunciatura Apostólica em Brasília, tendo o seguinte teor:
“Ao ítem 1: Seria talvez desejável (mas certamente não suficiente e não de se esperar) uma declaração pública por parte da associação em questão, na qual se dissesse que não entra nos intentos dela combater a Igreja. Parece, entretanto, que se possa dar fé àqueles que, inscritos há anos na maçonaria, solicitam espontaneamente serem admitidos aos sacramentos (o que lhes era antes negado por esse motivo), declarando – ‘onerata ipsorum conscientia’ – que a associação (Loja) na qual estão inscritos não persegue e não tem mais exigido deles compromissos contrários à sua reta consciência cristã.
Não parece, por outro lado, conveniente que os Bispos façam, ao menos na atual situação dos fatos, publicamente declarações sobre esta ou aquela associação.
Ao ítem 2 : Da frase ‘maquinar contra a Igreja’ pode-se dizer, de modo geral, que se deva referir a ‘delitos’ contra a doutrina, as pessoas ou as instituições eclesiásticas; note-se que isso diz respeito à associação como tal e não a cada membro tomado singularmente”.
Destas declarações resulta que
1) Quando se trata de um maçom que já há anos está matriculado na Maçonaria e quer voltar à comunhão da Igreja, é o próprio interessado que fornece aos Srs. Bispos e sacerdotes as indicações necessárias sobre a orientação da sua Loja frente à Igreja Católica. Supõe-se que conheça por longa experiência as diretrizes filosófico-religiosas da Loja. O maçom deverá fornecer as mencionadas indicações com sinceridade, de modo a assumir diante de Deus a responsabilidade das suas declarações; desde que procure a Deus nos sacramentos da Igreja, procure-O com sinceridade, pois, se é possível enganar aos homens (pastores da Igreja), a Deus não se pode enganar.
A declaração feita pelo irmão maçom há de ser corroborada pelas atitudes públicas da Loja a que pertence; se esta realmente não dá testemunho de combate à Igreja, os pastores da Igreja poderão prestar crédito ao declarante.
Ainda que um ou mais membros de determinada Loja afirmem a índole meramente humanitária (e não anti-religiosa) dessa Loja, não convém que os Srs. Bispos em público dêem testemunho de apoio ou solidariedade a tal Loja… Esta recusa há de ser entendida no nosso atual contexto histórico: a Maçonaria está muito diversificada; a seu respeito ainda há opiniões divergentes, de tal modo que o abono público dado por um Bispo a determinada Loja poderia provocar mal-entendidos e discórdias desnecessárias.
2) Verifica-se que o texto-resposta de Roma não trata dos candidatos que ainda não pertençam à maçonaria e nela queiram ingressar. Fica aberto então o problema: quem assegurará que a Loja maçônica que eles não conhecem ou pouco conhecem em seu funcionamento interno, não trama contra a Igreja?
Valerá o testemunho daqueles que, já tendo alguns anos de Loja e sendo católicos em comunhão com a Igreja, atestam a inocuidade de tal Loja? Ou bastará o contato inicial do candidato com a respectiva Loja para que possa atestar legalmente a inocuidade da mesma? – A resposta de Roma não se pronuncia a respeito. Parece que a experiência dos maçons mais experimentados e católícos poderia legitimar o ingresso de candidatos católicos na respectiva Loja. Ao contrário, a pouca experiência dos iniciantes na Loja maçônica não parece suficiente para tanto.
3.) Não trama contra a Igreja aquela Loja que não agride publicamente a doutrina oficial, as pessoas ou as instituições da Igreja. Por conseguinte, não é necessário haja «complô» secreto ou planejamento de ação hostil.
O texto de Roma responde empregando a palavra «delitos» em sentido pregnante, ou seja, no sentido que o Direito Canônico atribui a este vocábulo. Ora no Direito Canônico delito é a violação exteriorizada e moralmente imputável de uma lei eclesiástica, violação à qual se prende uma sanção canônica determinada ou a ser determinada. Por exemplo, impugnar publicamente a doutrina oficial da Igreja a respeito do casamento ou do direito à vida vem a ser o mesmo que defender uma heresia; isto é delito no sentido do Direito Canônico.
Se uma Loja realmente não comete delitos do teor acima enunciado, mas algum de seus membros os pratica, não se estenda à Loja inteira a qualificação canônica que toca a tal de seus membros; pode um maçom ser contrário à Igreja não pelo fato mesmo de ser maçom, mas em virtude da sua filosofia pessoal. Não se diga, pois, que uma Loja maquina contra a Igreja se as suas programações são inócuas, mas algum de seus membros é anticristão no seu foro pessoal. Todavia é certo que uma Loja de programas sadios pode voltar-se contra a Igreja pelo fato de que seus membros anticatólicos queiram influir decisivamente na orientação dessa Loja; a Loja então poderá tornar-se anticatólica enquanto estiver sujeita à influência (talvez momentânea) deste ou daquele de seus componentes anticatólicos.
Em suma, estes dados mostram que a questão das relações entre a Maçonaria, os maçons e a Igreja Católica ainda é complexa e delicada. Todavia não é questão fechada ou insolúvel. Pode-se admitir que, preenchidas as condições enunciadas e tomadas as necessárias cautelas, um maçom de formação católica pertencente a uma Loja inócua à Igreja freqüente os sacramentos e pertença à comunhão eclesial, sem deixar de ser maçom.
Estêvão Bettencourt O.S.B.