(Revista Pergunte e Responderemos, PR 088/1967)
«Podem-se admitir verdadeiros milagres ainda em nossos dias?
Apesar dos rigorosos exames críticos aos quais são submetidos os casos portentosos, ainda restam fenômenos que a Igreja atribua à intervenção extraordinária de Deus?»
Em primeiro lugar, exporemos sumariamente em que consiste o problema. A seguir, examinaremos um caso concreto de milagre reconhecido ultimamente por juizes eclesiásticos.
1. O problema
Já em «P. R.» 59/1962, qu. 2 e 3 foi abordada a questão dos milagres em nossos dias.
Lembramos que a Igreja não hesita em reconhecer as explicações que a ciência moderna possa dar, em termos plausíveis e comprovados, a fenômenos outrora tidos como milagrosos.
Dissemos também que não é por ser maravilhosa que um fenômeno tem significado religioso, mas que o autêntico milagre, no setor religioso, deve satisfazer às duas seguintes exigências:
1) seja um fato real, e fato real totalmente inexplicável à luz da ciência contemporânea. É preciso que não reste possibilidade de o elucidar por meio de alguma hipótese científica plausível. Contudo não é necessário assegurar que esse mesmo fenômeno não poderá ser explicado pela ciência (ainda mais evoluída) dentro de alguns anos ou decênios; o que interessa, é que, nos tempos em que o portento se verifica, ele apareça como algo de misterioso ou inexplicável à ciência da época;
2) tal fato inexplicável deve trazer as características de um sinal de Deus ou de uma resposta divina a determinada situação religiosa, situação religiosa marcada pelas notas da verdadeira fé, da caridade, da humildade, da genuína piedade. Caso isto se verifique, a Igreja está habilitada a reconhecer que o portento foi realmente produzido pela Onipotência Divina como mensagem para a humanidade.
Postos estes princípios, passamos a citar o caso de um portento ao qual foram rigorosamente aplicados os critérios científicos e canônicos acima estipulados; os exames feitos permitem que se admita, em sã prudência, a ocorrência de um verdadeiro milagre.
Para mais tornar evidente ao leitor a maneira como a Igreja procede em suas investigações sobre portentos, publicaremos em primeiro lugar a tradução do documentário oficial relativo ao fato; seguir-se-lhe-á o depoimento oficial da pessoa agraciada.
2. Uma documentação interessante
Trata-se da senhorita Julieta Tamburini, que declarou ter sido milagrosamente curada em Lourdes (França) no mês de julho de 1959.
A respeito do trâmite de investigações adotado para averiguar curas em Lourdes, encontra-se uma exposição em «P. R.» 11/1958, qu. 1. Aqui basta salientar que Julieta Tamburini passou sucessivamente por uma comissão de médicos peritos em Lourdes e por canonistas ou juristas da Igreja. Os inquéritos efetuados deram ensejo a que finalmente, aos 9 de janeiro de 1965, após maduras observações e reflexões, a Comissão de canonistas e teólogos elaborasse o seguinte laudo
“A Comissão nomeada por Sua Excelência O. Lallier, Arcebispo de Marselha, e composta pelos Senhores Cônegos Guibal e Momnier, juizes, pelo Pe. Trichet, Diretor do Seminário Maior, Promotor da Fé, o pelo Pe. Bouquier, Secretário, para poder proferir um juízo sobre a índole milagrosa da cura, deve responder às duas seguintes perguntas:
1) Tal cura é inexplicável, do ponto de vista médico?
2) Resulta de uma intervenção divina? [1]
1. Cura inexplicável do ponto de vista médico [2]
Toca a médicos competentes e fidedignos fornecer os elementos da resposta.
A Comissão (canônica) recebeu um documentário médico muito completo e capaz de proporcionar todas as garantias.
Principais documentos fornecidos (pelos médicos)
1) Um relatório (“compte-rendu”) radiológico de 12 de setembro de 1952, assinado pelo doutor Dias;
2) 0 resumo de uma observação feita em novembro de 1952 no Serviço de Clinica Infantil dos Hospitais de Marselha;
3) Uma observação feita em janeiro e fevereiro de 1956 no Departamento Médico do doutor Louis Artaud, cirurgião do Hospital “de la Conception”;
4) Uma observação feita em dezembro de 1957 e janeiro de 1958 no Serviço de Otorrinolaringologia do Professor Appaix, na Santa Casa;
5) Uma observação feita no último trimestre de 1958 e no primeiro trimestre de 1959 no Serviço do Doutor Luccioni, cirurgião dos Hospitais, no Hospital “Sainte-Marguerite”;
6) Uma série de chapas radiográficas, que sobem a um total de mais de 60 unidades;
7) Uma observação muito esmerada, feita no Departamento Médico de Lourdes em julho de 1960 e nos anos seguintes, pelo Doutor Bouyala, de Marselha, médico-chefe do trem de peregrinação diocesana e presidente de “Saint-Luc”;
8) Um depoimento escrito da Srta. Fabre de Lamaurelle, enfermeira, datado de 10 de julho de 1961, o qual confirma o histórico da cura;
9) Um atestado do Doutor Luccioni, de 21 de março de 1961, o qual certifica que a Srta. Tamburini está curada da sua osteite;
10) Um certificado do Doutor Decamp (11 de julho de 1961), o qual confirma a observação feita na Santa Casa, e refere o resultado do exame otorrinolaringológico da Srta. Tamburini nessa data;
11) 0 relatório (“compte-rendu”) dos três exames feitos no Departamento Médico de Lourdes no decorrer dos anos 1960-1961-1962;
12) 0 arquivo (“dossier”) completo de Lourdes.
De resto, quando a Srta. Tamburini habitava Marselha, nós a convocamos, interrogamos, examinamos em nosso Serviço aos 3 de março de 1964, em presença do Doutor Bouyala; assim pudemos obter precisão maior para certas minúcias [3].
O estudo dos documentos e o interrogatório de Srta. Tamburini permitem seguir o desenrolar dos fatos.
Os fatos [4]
A Srta. Julieta Tamburini nasceu em Marselha aos 4 de dezembro de 1936.
Nascimento normal. Aos três anos e meio, portanto em 1940, congestão pulmonar complicada por uma pleurisia. Abcesso de fixação na face externa da coxa esquerda; incisão; cicatrização. A pleurisia purulenta foi curada por recursos médicos, sem intervenção; nem a enferma, nem os seus acompanhantes podem indicar o lado atingido.
Estado geral precário de 1940 a 1948. Neste ano, uma radiografia dos pulmões evidencia um empastamento (inflamação) dos hilos. A menina é levada ao Preventório de Ussel (1948), onde permanece seis meses.
Durante a estada no Preventório, aparece um abcesso na face externa da coxa esquerda, com temperatura de 40°. Diagnóstico: ostiomielite do fêmur; o abcesso se abre espontaneamente; forma-se uma fístula, cuja evolução é clássica, marcada por períodos de escoamento e de retenção, com febre até 39°.
Essa evolução durou três anos; em certas épocas, a fístula ficava fechada por uma quinzena de dias; uma só vez permaneceu cicatrizada dez meses; depois, voltaram febres, dores, rubor, empastamento e abertura, ou espontânea ou cirúrgica, de uma coleção purulenta. Como quer que seja, até o fim de 1952, a jovem não sofreu intervenção cirúrgica importante.
Paralelamente à evolução da fístula da coxa, apareceram desde 1951 (a menina tinha então 16 anos) e em condições imprecisas (por incisão de um abcesso talvez? As reminiscências da enferma são vagas), epistaxes (hemorragias nasais) repetidas de 10 em 10 ou de 15 em 15 dias (ou também uma vez por mês), as quais exigiam tratamento de urgência.
Como veremos ulteriormente, essas epistaxes foram tratadas em todos os Serviços Hospitalares em que a enferma se deteve de 1951 a 1959. Em 1954, foi descoberta uma perfuração do repto nasal (ver abaixo).
30 de novembro de 1952, internação no Serviço da Clínica de Cirurgia Infantil do Hospital “de la Conception”: temperatura de 40°, coxa esquerda avolumada, dolorida, aparecimento de uma fístula produtiva com escoamento purulento abundante; os curativos diários eram sujos; tratamento por meio de antibióticos (penicilina e estreptomicina, por via geral e via local).
Já que o escoamento persistia, decidiu-se uma intervenção cirúrgica, a qual foi executada por nós mesmos aos 23 de dezembro de 1952.
Tratamento: habitual. 0 escoamento persistia; em vista disto, foi efetuada uma segunda intervenção.
2 de janeiro de 1953, a operação decorreu segundo as mesmas modalidades da anterior, com curetagem óssea.
Exame histológico (Professor Payan): osteíte fibrosa, que pode representar um processo crônico de reação ao contato de um abcesso ósseo, e que é de natureza benigna.
Tratamento: habitual; cicatrização, desaparecimento das dores e de todo escoamento.
No decurso de sua hospitalização, a Srta. Tamburini apresentou hemorragias nasais abundantes, as quais foram tratadas por tampões (ver acima).
Ao sair do Hospital, a jovem foi recebida em uma Casa de Repouso religiosa, o “Angelus”; lá permaneceu seis meses; depois foi para o campo. Durante um ano, nenhum escoamento.
Natal de 1953: recaída, dores, aspecto de flegmão (abcesso com muitas bocas) da coxa esquerda, temperatura, abertura espontânea da inflamação sobreposta à antiga cicatriz, dando vazão a grande quantidade de pus; a jovem foi tratada em casa durante dois anos, nos quais a evolução prosseguiu com alternativas de fechamento e escoamento.
26 de janeiro de 1.956: a família decide-se a internar a enferma no Hospital. Já adulta, a jovem não pode entrar no Serviço de Clínica de Cirurgia Infantil; é levada para o Serviço do nosso colega, o Doutor Louis Artaud.
Nenhuma intervenção cirúrgica importante foi efetuada no Serviço do Doutor Artaud; depois de vários meses de hospitalização, a jovem voltou para casa.
Fim de 1956 e ano de 1957: a Srta. Tamburini é tratada em casa por sofrer de hemorragias nasais, que se dão de 15 em 15 dias aproximadamente. Durante esse prazo, houve fechamento intermitente da fístula com períodos de retenção; houve dores acompanhadas de aumento de volume da coxa; melhoras, quando a fístula de novo se abria.
30 de dezembro de 1957: hospitalização no Serviço do Professor Appaix, com o diagnóstico de epistaxes intermitentes a partir de 1952; foi confirmada a perfuração do repto nasal (tipo Hajeck?).
Durante 1957 e 1958, foram tiradas numerosas chapas radiográficas. Mostram a persistência de pequena zona de rarefação óssea acima do côndilo externo do fêmur esquerdo.
Setembro de 1958: diante da persistência do escoamento, a Srta. Tamburini é internada no Serviço (Hospital) do Doutor Luccioni: há volumoso abcesso na coxa esquerda, que se abre espontaneamente com abundante escoamento de pus. Imobilização no gesso; irrigação contínua com líquido de Dakin, antibioterapia intensa.
Dezembro de 1958: curetagem óssea.
Fevereiro de 1959: trepanação óssea, com colocação de uma mecha. Não se sabe ao certo se foi retirado algum seqüestro ósseo nem se nova imobilização no gesso se seguiu a cada intervenção.
Durante a hospitalização: algumas epistaxes. Não se observou cicatrização alguma da fístula; fizeram-se vários antibiogramas, stafilococos áureos.
Não se tendo registrado melhora clínica, a enferma resolve ir em peregrinação a Lourdes Nesse momento seu estado geral era precário: emagrecimento, palidez, astenia. Não pôde indicar se tinha febre, pois não media a temperatura.
Em resumo: durante onze anos (de 1948 a 1959), a Srta. Tamburini foi afetada de uma fístula crônica, recidiva, da coxa esquerda. cuja evolução foi ultra-clássica, com períodos de escoamento, de retenção, e com fases agudas. No decorrer desses onze anos, a Srta. Tamburini sofreu onze intervenções cirúrgicas (incisões e curetagens ósseas).
Mais ainda, durante oito anos, de 1951 a 1959: epistaxes repetidas, resistentes a todas as terapêuticas.
Histórico da cura
A Srta. Julieta Tamburini é admitida na peregrinação diocesana de Marselha (julho de 1959); viaja deitada. 0 Doutor Bouyala, médico-chefe da peregrinação, pôde examinar pessoalmente a Srta. Tamburini no trem depois da cura; o seu testemunho ocular é de importância capital. Nós mesmos[5] interrogamos o Doutor Bouyala, que confirmou o seu depoimento escrito.
“Na noite de 12 a 15 de julho, sou chamado junto a Julieta Tamburini, pois a bandagem que lhe fora aplicada na manhã anterior, estava deixando sair pus; não sendo possível refazer o curativo no vagão, o todo é recoberto de algodão e uma faixa. Além disto, a enferma se queixa de muitas dores e de insônia. Em Lourdes, o curativo é feito todas as manhãs e no dia 14 de julho eu mesmo o faço; observo grande quantidade de pus. O curativo é renovado duas vezes por dia, as bandagens se apresentam densamente sujas”.
15 de julho de 1959: a enfermeira da doente propõe à Srta. Tamburini que injete no orifício da fístula água da gruta de Lourdes.
Quinta-feira 16 de julho, pela manhã: a enfermeira renovou a bandagem, que estava pouco suja; não se observou se um certo seqüestro fora ou não eliminado. A doente, interrogada por nós mesmos, não pôde dizer com precisão se a fístula ainda estava aberta ou se o pus que embebia levemente a gaze era antigo ou recente; pois, dizia ela, dada a abundante hemorragia nasal da noite anterior, ela estava estonteada e com a mente obnubilada.
Por conseguinte, interrogamos de novo o Doutor Bouyala, que examinou pessoalmente a coxa esquerda; verificou que a gaze que, à guisa de mecha, fora introduzida fundo dentro da fístula, fora lançada fora, e que lhe era impossível colocar outra nesse canal, que estava obstruído; notou, porém, que o orifício da fístula ainda estava úmido e fez novo curativo por cautela higiênica
Durante os três primeiros dias que se seguiram à sua chegada a Lourdes a Srta. Tamburini não tomou banho nas piscinas, pois água fria lhe causava receio; assistiu, porém, às procissões, estendida sobre uma maca.
Quinta-feira 16 de julho, à tarde: a Srta. Tamburini vai por iniciativa própria às piscinas: “por f é”, disse-nos ela, e porque se sentia impelida” a isso.
Sexta-feira 17 de julho, pela manhã: volta espontaneamente às piscinas e toma um segundo banho, sempre em maca, pois se sente fraca.
No mesmo dia (sexta-feira 17 de julho): é feito de novo o curativo; verifica-se que a chaga permanece completamente fechada.
Desde julho de 1959, a Srta. Tamburini foi acompanhada regularmente pelo Doutor Bouyala; foi examinada três vezes sucessivas em Lourdes, em 1960, 1961 e 1963.
Radiografias de março de 1961: a estrutura do osso tende a tornar-se de novo normal, a cavidade geódica observada anteriormente desapareceu por completo; a camada cortical do fêmur, que estava um pouco grossa, parece ter diminuído de densidade.
As radiografias de julho de 1963 mostram a regressão das pequenas esquírolas ósseas; a camada cortical é muito mais regular e readquiriu espessura normal.
Do estudo desse documentário [6] resulta que parecem preenchidas as condições estipuladas por Bento XIV para que se possa fazer pronunciamento sobre o caráter milagroso de determinada cura.
Com efeito:
1) Ao chegar a Lourdes, em julho de 1959, a Srta. Tamburini estava afetada de uma fístula da coxa esquerda, fístula consecutiva a uma osteíte crônica do fêmur, a qual evoluía já havia onze anos e resistira a todas as terapêuticas.
2) A moléstia foi repentinamente modificada em sua evolução.
quando não havia tendência alguma para que melhorasse.
3) A cura foi instantânea, sem recurso a remédios.
4) Essa cura instantânea, sem convalescença, deve ser recenseada entre as curas extraordinárias, medicamente inexplicáveis.
II. Cura milagrosa [7]
Uma cura que não possa ser explicada pela Medicina, só se pode explicar por causas que transcendem a ordem da natureza.
Essas causas “sobrenaturais” podem ser de origem divina ou diabólica. Afastemos imediatamente a segunda hipótese. Nas peças do documentário não aparece vestígio de invocações de espíritos maus, de práticas mágicas ou de fraude enganadora.
Tal cura, no quadro espiritual de Lourdes, obtida depois de aplicação voluntária de água da gruta, só pode ser atribuída à intercessão da Virgem SS.; somente Deus é o seu autor.
Por isto a Comissão julga poder asseverar, com toda a confiança, que essa cura é realmente milagrosa».
(Pesquisas a respeito de Lourdes)
3. O depoimento de Julieta Tamburini
Dois documentos ainda serviram de base ao julgamento da Comissão eclesiástica: o depoimento de Julieta Tamburini mesma e o de sua enfermeira, Isabel Fabre de Lamaurelle.
Visto o particular valor que tem o pronunciamento da própria pessoa agraciada, transcrevemos aqui as suas declarações oficiais.
Depoimento de Julieta Tamburini
Aos 18 de dezembro de 1964r, na sede do Secretariado do Arcebispado de Marselha, à Rua Sylvabelle n° 25, às 16h 15 min, apresentou-se Julieta Tamburíni, nascida aos 4 de dezembro de 1936 em Marselha, residente no Edifício H.L.M. le Trioulet, da Rue Aviateur-Le-Brix n° 28, 1° andar, ap, 16, Marselha (9°), perante o Sr. Cônego Guibal, presidente da comissão, o Sr. Cônego Monier, juiz, e o Pe. Trichet, Reitor do Seminário Maior, Promotor.
Tendo prestado juramento, declarou (Julieta):
1) Quando foi decidida a sua peregrinação a Lourdes? E por quem?
R. – 0 capelão do Hospital “Sainte-Marguerite” ma propôs, assim como os enfermeiros que me vinham. buscar para a Missa no Hospital “Sainte~Marguerite”, em particular o Sr. Laplane (Max). Falaram disso a minha mãe e ao corpo de médicos.
2) Qual foi a reação da sua família diante da perspectiva dessa peregrinação? Fizeram-lhe dificuldades?
R. – Minha família opôs várias dificuldades, primeiramente meu pai, que não tinha fé. De modo especial, inquietou-se com a minha saúde.
3) Com que disposições partiu em viagem? Pensou que poderia ser curada ?
R. – Fui-me principalmente para recobrar ânimo; de modo nenhum, porém, pensava em vir a ser curada.
4) Lembra-se de quais foram as suas impressões nos primeiros dias? Estava contente por ir a Lourdes? Conseguia rezar?
R. – Estava muito contente por me achar em Lourdes. Fui levada diretamente ao Hospital; à tarde, transportaram-nos para a gruta.
5) Podia acompanhar cerimônias religiosas? Preces na gruta., procissão, banho nas piscinas?
R. – Eu sofria intensamente da perna. Em carro fui à gruta, acompanhei a procissão do SS. Sacramento, mas nos primeiros dias não estive nas piscinas. De manhã, íamos à Missa.
6) Teve então alguma vez o desejo de ser curada? Acudiu-lhe à mente a idéia de que talvez fosse encontrar a cura ?
R. – Não; não me aflorou a idéia de que podia vir a ser curada.
7) Qual foi, segundo lhe parece, o gesto que provocou sua cura?
R. — Não o sei em absoluto.
8) Foi a Srta, de Lamaurelle quem lhe propôs a injeção de água de Lourdes ou foi a Srta. quem a pediu ?
R. – Foi a Srta. de Lamaurelle[8] quem ma propôs. Aceitei de muito bom grado. Não contava com essa; por conseguinte, fiquei a principio surpresa.
(Segundo a praxe). Que entendia por essas palavras «por fé»?
R. – Sempre acreditei; era realmente do fundo do coração que eu acreditava. Não duvido de que tenha dito essas palavras: “por fé”.
9) Quando tomou consciência de que estava curada?
R. – Comecei a sentir alívio na perna. Quando me fizeram novo curativo, de manhã, verificaram que estava limpo e que a mecha praticamente saíra.
10) Quais as pessoas que primeiramente averiguaram a sua cura? Disseram-lhe logo que estava curada? Que impressão isto lhe causou?
R. – A Srta. de Lamaurelle observou que eu estava melhor. Foi ao chegar em Marselha que verificaram que estava curada. O Doutor Bouyala por certo o viu melhor do que as outras pessoas, mas nada me disse. Não estou em condições de dizer como as coisas se desenrolaram em Marselha.
(Segundo a praxe). Tinha febre?
R. – Sim
Até o fim?
R. – Não sei. Em Lourdes não caminhei. Levantava-me dificilmente da cama para a poltrona. Nos últimos dias ficava sobre a maca. Quando a Srta. de Lamaurelle fez o curativo eu disse: “A Virgem SS. não me teria feito o dom da cura!” Ela não me respondeu afirmativamente.
11) Os enfermeiros e os doentes que a cercavam perceberam logo que estava curada? E os outros peregrinos de Marselha? Alguém falou desse acontecimento antes que a Srta. deixasse Lourdes?
R. – Em Lourdes, ninguém disse que eu estava curada. Os doentes e as enfermeiras não o souberam.
12) Como terminou sua estada em Lourdes? Quais eram as suas reações? Escreveu à sua família para lhe dar essa notícia?
R .- Está tudo confuso. Tive uma hemorragia nasal. Não me recordo do que aconteceu no fim da minha estada em Lourdes. Não escrevi à minha família.
13) Qual foi a reação da sua família à sua chegada?
R. – Quando cheguei, mamãe chorou por me ver na maca. Não se revoltou. Só mais tarde, no Hospital “Sainte-Marpuerite” percebeu que a chaga estava fechada.
Fui ver o Doutor Lucccioni; disse ele a minha mãe: “Se a Sra. quer crer que ela está curada, creia, mas dentro de três meses ela voltará”.
14) Depois do seu regresso, tem a impressão de estar sendo considerada de outro modo pelo fato de haver sido curada em Lourdes? Em caso afirmativo, isto lhe causa surpresa ou já contava com isso desde o momento em que foi curada?
R. – Eu tinha a impressão de estar recomeçando a vida. Sentia-me feliz por estar curada e por poder realizar o meu intento de ser Religiosa.
15) Falaram de sua cura em torno da Srta.? Nos jornais? Isto a aborreceu? Ainda falam às vezes?
R. – Falaram. No Hospital as enfermeiras falaram. Muito me molestaram. Um jornalista italiano veio recentemente (há três meses e um mês) para me ver.
16) Pode dizer se tem a impressão de que a cura modificou algo em sua vida? Em suas relações com aqueles que a cercam?
R. – Em minha vida, sim, porque me pude ocupar com crianças, “lobinhos” (escoteirinhos), na paróquia de Santa Margarida. Durante dois anos fui capitã de “lobinhos” antes de entrar no Convento das Irmãs de São José da Aparição.
(Segundo a praxe). A Srta. conservou sua prática religiosa?
R. – Sim.
Não freqüenta mais a paróquia de Santa Margarida?
R. – Não.
17) Julga que sua cura foi um milagre da Virgem SS.?
R. – Sim, sem dúvida. A equipe de médicos nada podia fazer.
(Segundo a praxe). Voltou a Lourdes?
R. – Sim, em 1962, 1963 e 1964. Parece-me que lá não fui em 1961 por estar no Convento.
18) Deseja que a Igreja reconheça oficialmente esse milagre para a glória da Virgem Maria? Teria algo a objetar contra essa declaração oficial?
R. – Sim, desejo-o, por causa da Virgem SS. Não tenho objeção.
(Segundo a praxe). Desejaria talvez que não se faça muita publicidade?
R. – Ó, sim!
Houve uma releitura. Nada a modificar, a acrescentar ou tirar.
(a) J. Tamburini, J. Guibal, E. Monier, L. Trichet.
Tais relatórios dispensam comentários.
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NOTAS:
[1] As duas questões acima formulam exatamente o problema das curas maravilhosas tal como ele se propõe à Igreja.
A primeira pergunta é confiada a uma Comissão de médicos internacional, os quais com esmero procuram enquadrar o fato registrado dentro dos conhecimentos atuais da ciência.
Somente no caso em que a Medicina declara inexplicável o fenômeno, começa a funcionar a Comissão eclesiástica, que examina o segundo aspecto do problema ou a segunda questão acima proposta (que é de índole propriamente religiosa).
[2] Este exame é apresentado em três etapas:
a) catálogo dos documentos médicos atinentes ao caso; trata-se de doze categorias de documentos (chapas radiológicas, relatórios de exames, certificados, testemunhos de médicos especialistas… ) de procedências diversas, que constituem um rico e minucioso arquivo;
b) o histórico da doença de Julieta Tamburini, no qual se encontram dados biográficos da jovem até a cura (1936-1959);
c) o histórico da cura, a qual se deu em meados de julho de 1959, e dos exames de saúde posteriores.
[3] A cura deu-se em julho de 1959. Como se vê, em março de 1964 a jovem ainda foi submetida a exame médico por parte dos peritos eclesiásticos, os quais recorreram ao médico que acompanhou a cura em Lourdes; os juízes eclesiásticos desejavam maior clareza sobre certos aspectos médicos do caso.
[4] Seguem-se dados biográficos e o histórico da moléstia de Julieta Tamburini.
[5] Falam os peritos eclesiásticos.
[6] Segue-se a conclusão da Comissão de examinadores eclesiásticos.
[7] Este título corresponde ao do n° I da pág. 143 e à Segunda pergunta formulada à pág. 142.
[8] Enfermeira de Julieta Tamburini.